Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00124/14.7BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/25/2024
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:MARIA CLARA ALVES AMBROSIO
Descritores:CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO; PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO.
CONTRATO DE CONCESSÃO;
EXPLORAÇÃO E GESTÃO DO SISTEMA MULTIMUNICIPAL DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA E DE SANEAMENTO;
VALORES MÍNIMOS GARANTIDOS A COBRAR AOS UTILIZADORES;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Norte,

I. RELATÓRIO
[SCom01...], S.A. instaurou acção administrativa comum contra Município ..., formulando o seguinte pedido: “Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá a presente acção ser considerada procedente, por provada e, em consequência, deverá a R. ser condenada a pagar à A. a quantia de 843.813,17 € (oitocentos e quarenta e três mil, oitocentos e treze euros), valor acrescido dos competentes juros de mora, no valor de € 60.193,39 (sessenta mil, cento e noventa e três euros e trinta e nove cêntimos), o que perfaz o total de € 904.006,56 (novecentos e quatro mil, seis euros e cinquenta e seis cêntimos) bem como nos demais que se vierem a vencer até o efectivo e integral pagamento da dívida”.
O R. apresentou contestação, na qual se defende por excepção, invocando a incompetência absoluta do tribunal e invocando a exceção de não cumprimento do contrato. Sem prescindir, defende-se também por impugnação, pugnando pela improcedência da ação.
Sustenta o R., em síntese, que:
- Em relação às faturas n.º 2300000050 e n.º 2300000051 que dizem respeito aos consumos mínimos garantidos referentes ao ano de 2012, verifica-se a exceção do não cumprimento do contrato prevista no art. 428.º do Código Civil, na medida em que a Autora não fornece água a várias das freguesias existentes no concelho ..., nem tão pouco assegura a recolha de efluentes do sistema próprio do Município em todas as localidades do concelho.
- Em relação às faturas n.º 3130385073, n.º 3130385109 e n.º 3130385199, não são devidos os respetivos valores, na medida em que não se mostram conforme as medições efetuadas conjuntamente pelas partes.
- Em relação à fatura n.º 3130385181 procedeu já ao total pagamento da mesma;
- Em relação às demais faturas e notas de débito, o Réu reconhece expressamente e aceita proceder ao respetivo pagamento.
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O Tribunal de 1ª instância proferiu despacho saneador, no qual, entre o mais, julgou improcedente a exceção de incompetência fundada na preterição de Tribunal Arbitral e fixou o seguinte tema da prova: 1. Incumprimento contratual por parte da autora.
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O Réu, através de requerimento junto aos autos, vem informar que, desde a entrada da p.i., procedeu ao pagamento da quantia de € 24.425,77, de entre o valor que vem peticionado nos autos, tendo a A. confirmado o pagamento de 16 das faturas peticionadas nos autos, conforme vinha invocado, reduzindo-se assim o pedido inicial para € 819.387,40.
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Realizada audiência de julgamento, o TAF de Mirandela proferiu sentença em que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou “a) o Réu ao pagamento de € 21.269,00 (vinte e um mil, duzentos e sessenta e nove euros e zero cêntimos) à Autora, acrescido de juros de mora, à taxa de juros comerciais, contados da data do vencimento da fatura n.º 3130385199, nos termos expostos; b) o Réu ao pagamento de € 3.027,86 (três mil e vinte e sete euros e oitenta e seis cêntimos) à Autora, acrescido de juros de mora, à taxa de juros comerciais, contados da data do vencimento da fatura n.º 3130385181, nos termos expostos; c) o Réu ao pagamento de € 11.962,28 (onze mil, novecentos e sessenta e dois euros e vinte e oito cêntimos) à Autora; d) absolvo o Réu do demais peticionado.”
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Inconformada, a Autora veio interpor recurso, cujas alegações terminaram com as seguintes CONCLUSÕES:
1. O presente recurso tem por objeto a sentença notificada em 23 de setembro de 2022 através da qual foi julgada parcialmente improcedente a ação proposta pela Autora, ora Recorrente, por considerar:
a. que a Autora não invoca factos essenciais (nem tão pouco resultaram da instrução da causa quaisquer factos instrumentais) que permitam aferir a verificação do requisito previsto nos contratos de fornecimento e recolha, nos termos do qual apenas haveria lugar à aplicação de valores mínimos garantidos, caso a receita global da sociedade fosse inferior à prevista no orçamento desse ano;
b. ou seja, não resultou demonstrado nos autos que a receita global da Autora fosse, nesse ano, inferior à prevista no orçamento, o que constituía uma das condições contratualmente exigidas para a cobrança dos valores mínimos garantidos (cfr. pontos 3 e 4 do probatório). - cfr. p. 29 da sentença recorrida.
c. No que diz respeito às Faturas peticionadas que as mesmas não são devidas porque não faturadas de acordo com o clausulado do contrato de recolha.
2. Tendo ainda por objeto a impugnação de parte da matéria de facto, com recurso a reapreciação da prova gravada, nos exatos termos expostos nas alíneas que se seguem:
a) deverá ser alterada a resposta dada aos factos provados nos pontos 16, 17, 18 e 19 para não provados, bem como deverá ser alterada a decisão proferida quanto aos mesmos.
b) deverão ser aditados ao elenco de factos provados 9 novos factos, que resultam dos depoimentos prestados pelas testemunhas (reapreciação da prova gravada) e da prova documental produzida, pois que a Recorrente entende que tais novos factos sempre serão essenciais para a correta decisão dos presentes autos e que sempre deverão ser dados por provados, pois que não foram considerados pelo douto Tribunal a quo, apesar de a prova ter sido produzida, tudo conforme se alegará, concretamente:
1. “A Recorrente construiu todas as infraestruturas previstas no Plano Geral Anexo ao Contrato de Concessão, estando em condições de abastecer as freguesias do Município ... aí previstas”;
2. O Município ... não construiu as infraestruturas de baixa que fizessem as ligações aos pontos de entrega, como era sua obrigação”;
3. “Os Valores Mínimos Garantidos aplicados ao Réu foram calculados de acordo com o projeto de revisão ao contrato de concessão, por se revelar mais vantajoso para o Município”;
4. “O Valor Mínimo Garantido previsto na proposta de revisão ao contrato de concessão para o fornecimento de água para o ano de 2012 é de € 586.403,98 (quinhentos e oitenta e seis mil, quatrocentos e três euros e cinquenta e noventa e oito cêntimos)”;
5. “Durante o ano de 2012, os consumos efetivos em matéria de serviços de abastecimento de água efetuados pelo município e cobrados pela ora Recorrente cifraram-se no montante de € 1.863,34 (mil, oitocentos e sessenta e três euros e trinta e quatro cêntimos)”;
6. “O Valor Mínimo Garantido previsto na proposta de revisão ao contrato de concessão para o serviço de recolha de efluentes para o ano de 2012 é de € 312.813,03 (trezentos e doze mil, oitocentos e treze euros e três cêntimos)”;
7. “Durante o ano de 2012, os consumos efetivos em matéria de serviços de recolha de efluentes que foram efetuados pelo município e cobrados pela ora Recorrente cifraram-se no montante de € 194.945,29 (cento e noventa e quatro mil, novecentos e quarenta e cinco euros e vinte e nove cêntimos)”;
8. “O Município Réu encontrava-se a abastecer pelos seus próprios meios, em total violação do exclusivo previsto no Contrato de Concessão”;
9. “A Recorrente faturava de acordo com a metodologia dos caudais modelados, sendo que no princípio do ano seguinte ao faturado era feito o acerto ao Município mediante a divergência verificada entre o caudal efetivamente tratado e o caudal faturado.”
3. Factos que este douto Tribunal ad quem não pode deixar de considerar imprescindíveis à correta decisão a proferir nos presentes autos, pelo que desde já se requer que os mesmos sejam aditados à matéria de facto provada.
4. De facto, a Recorrente não se conforma com a decisão recorrida, por diversas ordens de razão:
A. Primeiro, não se conforma com o iter cognoscitivo seguido pelo Tribunal a quo, que deu prevalência aos termos fixados nos contratos de fornecimento e recolha celebrados entre as partes em 2001, pelo menos na parte respeitante à cobrança dos Valores Mínimos Garantidos, sobre as Bases da Concessão, quer na versão aprovada pelo Decreto-Lei n.º 319/94 (para o abastecimento de água, por ser o único em causa nos presentes autos), quer na versão alterada pelo Decreto-Lei 195/2009, que veio modificar a BASE XXVIII relativa aos termos/condições de exigibilidade desses valores aos Municípios;
B. Para, então, concluir que o requisito exigido nas cláusulas dos contratos de fornecimento e recolha (desde que a receita global da Sociedade fosse inferior à prevista no orçamento desse ano) não foi alegada, nem provada pela Autora – fundamento da improcedência da ação.
C. Segundo, não se conforma com a tramitação processual adotada pelo Tribunal a quo, que, no seu entender, violou as regras que asseguram o princípio do contraditório e da boa-fé processual (violação consumada na decisão proferida) porquanto:
i) O despacho saneador fixou como tema da prova o incumprimento contratual por parte da autora;
ii) Ora, considerando que os temas da prova respeitam aos fundamentos de factos que interessem à decisão da causa;
iii) E, tendo em conta que não constava dos temas da prova a “Receita Global da Sociedade” e que a decisão tomada quanto aos temas da prova transitou em julgado,
iv) Nada faria prever a decisão agora proferida.
D. Mais, o mesmo Tribunal que agora proferiu a sentença, conduziu a audiência de julgamento, com produção de prova testemunhal, tendo as testemunhas indicadas por ambas as partes prestado depoimento sobre todas as matérias referenciadas nos temas da prova, conforme infra melhor se evidenciará;
E. Terceiro, por não se conformar com o entendimento do tribunal no que diz respeito às faturas constantes dos pontos 6, 9, 18 e 19 do probatório que o tribunal considerou não serem devidas pela não coincidência das medições, com total desconsideração da prova testemunhal e documental produzida que explicou a razão para tal desconformidade (metodologia aplicada).
5. Posto isto, e QUANTO AO RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO, cumpre desde já referir que atendendo, por um lado, à prova documental junta aos presentes autos e, por outro lado, aos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento, entende a Recorrente que o Tribunal a quo errou no julgamento que é feito da matéria de facto, pois que não considerou por provados factos cuja alegação se extrai do que foi arguido pela Recorrente, bem como da prova produzida em sede de audiência e discussão de julgamento – motivo pelo qual a presente decisão enferma de erro de julgamento.
6. Para tal erro de julgamento contribuiu não só uma errada apreciação do teor dos documentos juntos pelas partes aos autos, como também uma errada apreciação e valoração da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento.
7. Vejamos que, a presente questão decidenda, conforme o douto Tribunal a quo expõe na sentença recorrida (vide página 3), é a de saber se os pressupostos legais para a condenação da Recorrida nos montantes peticionados se mostram preenchidos.
8. Ora, conforme resultou provado (vide pontos 14, 15, 18 e 19 da sentença recorrida – factos provados), os montantes peticionados nos presentes autos dizem respeito a faturação de “valores mínimos garantidos, nos termos da cláusula 16.ª do Contrato de Concessão e da Cláusula 3.ª dos respetivos contratos de fornecimento de água e de recolha de efluentes” e de valores referentes à prestação de serviços de saneamento, recolha e tratamento de efluentes.
9. Também assim, resultou provado (vide pontos 3 e 4 da sentença recorrida – factos provados) que a Cláusula 3.ª, n.º 4, dos contratos de fornecimento e recolha dispunha que: “Os valores mínimos garantidos a entregar pelo Município, os quais constituem uma condição essencial do equilíbrio da concessão, são fixados no Anexo I. Até 31 de Dezembro de 2004, os valores mínimos fixados no anexo I poderão não ser garantidos, sem prejuízo da cláusula 16.ª do contrato de concessão. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os valores mínimos serão garantidos sempre que, em cada ano, a receita global da Sociedade seja inferior à prevista no orçamento desse ano.”
10. Por seu turno, o Contrato de Fornecimento, celebrado entre o Município ... e a Recorrente, fixava o valor mínimo garantido para o ano de 2012, que seria de “586.403,98 euros” – facto que também resultou provado (vide ponto 15 da sentença recorrida – factos provados).
11. Também o Contrato de Recolha, celebrado entre o Município ... e a Recorrente, fixava o valor mínimo garantido para o ano de 2012, que seria de “312.813,03 euros” – facto que também resultou provado (vide ponto 14 da sentença recorrida – factos provados).
12. Ora, sobre esta temática entende o douto Tribunal a quo que nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, inexistindo outros factos (provados e não provados) com tal relevo, atenta a causa de pedir (vide página 6 da sentença recorrida).
13. Salvo devido respeito, não pode a Recorrente deixar de discordar com esta decisão proferida pelo Tribunal a quo, porquanto considera que ficaram provados outros factos com relevo para a decisão a proferir nos presentes autos e que, inclusive, alteram o sentido da mesma.
14. Partindo do pressuposto de que o critério para a cobrança dos referenciados “valores mínimos garantidos” é a verificação do pressuposto de que a “receita global” da sociedade foi inferior à prevista no orçamento aprovado para o ano de 2012 (o que não se concede, sendo este um dos fundamentos do recurso sobre a matéria de direito, que adiante melhor se concluirá!), considerou aquele douto Tribunal que: “não vêm invocados pela Autora nos seus articulados quaisquer factos essenciais atinentes à quantificação da receita global da sociedade ou do orçamento para os anos em causa, sendo a p.i totalmente omissa a este respeito e não tendo tão pouco resultado da instrução da causa quaisquer factos instrumentais a tal respeito. Ou seja, não resultou demonstrado nos autos que a receita global da Autora fosse, nesse ano, inferior à prevista no orçamento, o que constituía uma das condições contratualmente exigidas para a cobrança dos valores mínimos garantidos (cfr. pontos 3 e 4 do probatório).”.
15. Salvo devido respeito, e tendo desde já em consideração que também se recorrerá deste segmento decisório aquando recurso da matéria de direito (pois não se pode concordar que a aqui Recorrente não tenha alegado todos os factos essenciais que constituem a causa de pedir!), cumpre desde já referir que também não é verdade que não tenham ficado provados todos os factos necessários à formação da convicção de que a aqui Recorrida é devedora daquela quantia peticionada pela Autora, aqui Recorrente.
16. Pois que, o tribunal considerou relevantes factos que não o eram e desconsiderou outros, invocados e provados pela Autora, fundamentais para a conclusão de que a Recorrida é devedora das quantias aqui peticionadas.
17. Pelo que, muito se estranhou o aresto supratranscrito, porquanto não só toda matéria relevante para a decisão da causa foi alegada pela autora como resultou cabalmente provada, quer através da prova testemunhal produzida, quer através dos documentos que foram juntos aos autos – motivo pelo qual o douto Tribunal a quo não podia deixar de a conhecer, nos termos do disposto no artigo 608.º/2 e 413.º do CPC, pois que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação”, tomando em consideração “todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las”.
18. Posto isto, e tendo em consideração que o douto Tribunal a quo deixou de se pronunciar relativamente a factos que são relevantes para a formação da sua convicção quanto à decisão a proferir nos presentes autos, vem a Recorrente requerer que este douto Tribunal ad quem proceda ao aditamento de NOVE NOVOS FACTOS (COM RECURSO A REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA E PROVA DOCUMENTAL), concretamente:
19. 1. “A Recorrente construiu todas as infraestruturas previstas no Plano Geral Anexo ao Contrato de Concessão, estando em condições de abastecer as freguesias do Município ... aí previstas”, cujo fundamento e convicção se extraem dos seguintes meios de prova:
a. Contrato de Concessão, junto como DOC. 1 à Petição Inicial apresentada pela Recorrente – mormente Anexo I que estabelece o Projeto Global que a Concessionária tinha de respeitar, construindo as infraestruturas nele previstas.
b. Ofício datado de 09/03/2005, junto como DOC. 3 à Petição Inicial, junto pela Recorrente ao requerimento de 27/11/2017 – pois que, tal como se retira desse ofício as infraestruturas que a Recorrida invoca não estarem construídas não estão previstas no Plano Geral, sendo que a Recorrente já foi mais além ao alargar a área de atendimento a zonas não previstas no Contrato de Concessão.
c. Não obstante, tal convicção também resulta cabalmente provada do depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 15/11/2017, entre 00:33:59 e 00:38:43 (horas, minutos, segundos), e entre 01:14:09 a 01:14:39 (horas, minutos, segundos), em 01:19:29 (horas, minutos, segundos), entre 01:23:17 a 01:25:42 (horas, minutos, segundos), em 01:26:04 (horas, minutos, segundos), em 01:29:48 (horas, minutos, segundos), em 01:30:45 (horas, minutos, segundos)e entre 01:46:44 a 01:47:09 (horas, minutos, segundos) - pois que, enquanto diretor da área da exploração, à data dos factos, avaliava anualmente os municípios que se encontravam em violação de exclusividade, por via da análise dos caudais tratados ou dos caudais fornecidos e também comparando com os volumes expectantes e os volumes previstos no estudo de viabilidade económico-financeira. Além disso tinha conhecimento das infraestruturas construídas, as que se encontravam em funcionamento e as que não estavam por razões imputáveis ao Município.
20. 2. “O Município ... não construiu as infraestruturas de baixa que fizessem as ligações aos pontos de entrega, como era sua obrigação”, cujo fundamento e convicção se extraem dos seguintes meios de prova (com recurso a reapreciação da prova gravada):
a. Convicção que também resulta cabalmente provada do depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 15/11/2017, entre 00:33:59 e 00:38:43 (horas, minutos, segundos), e entre 01:14:09 a 01:14:39 (horas, minutos, segundos), em 01:19:29 (horas, minutos, segundos), entre 01:23:17 a 01:25:42 (horas, minutos, segundos), em 01:26:04 (horas, minutos, segundos), em 01:29:48 (horas, minutos, segundos), em 01:30:45 (horas, minutos, segundos)e entre 01:46:44 a 01:47:09 (horas, minutos, segundos) - pois que, enquanto diretor da área da exploração, à data dos factos, avaliava anualmente os municípios que se encontravam em violação de exclusividade, por via da análise dos caudais tratados ou dos caudais fornecidos e também comparando com os volumes expectantes e os volumes previstos no estudo de viabilidade económico-financeira. Além disso tinha conhecimento das infraestruturas construídas, as que se encontravam em funcionamento e as que não estavam por razões imputáveis ao Município.
21. 3.“Os Valores Mínimos Garantidos aplicados ao Réu foram calculados de acordo com o projeto de revisão ao contrato de concessão, por se revelar mais vantajoso para o Município”;
a. DOC. 1, junto à Petição Inicial apresentada pela Recorrente;
b. Ofício datado de 06/02/2013, junto como Doc. 25 e 26 pela Recorrente à Petição Inicial apresentada que refere “Junto enviamos as nossas Faturas n.º 2300000050 e 2300000051 no valor de 124.939,80€ e 619.613,07€ respectivaemnte que resulta da diferença entre o valor facturado em 2012 e o valor mínimo garantido constante da proposta de revisão do Contrato de Concessão.”
c. Factos que foram também corroborados pelo depoimento prestado pela testemunha «BB», constante da gravação da audiência realizada no dia 15/11/2017, entre 00:17:13 e 00:18:18 (horas, minutos, segundos) e entre 00:26:18 e 00:27:06 (horas, minutos, segundos) – pois que, considerando que pertencia ao departamento financeiro da Recorrente, sendo a pessoa responsável pela liquidação (i.e., pela quantificação) dos valores mínimos garantidos, responde, que os valores mínimos que foram “calculados” são os que resultam da revisão do contrato de concessão porque mais vantajosos para o Município, atualizados a preços de 2012, conforme expressamente determina o próprio contrato;
22. 4.“O Valor Mínimo Garantido previsto na proposta de revisão ao contrato de concessão para o fornecimento de água para o ano de 2012 é de € 586.403,98 (quinhentos e oitenta e seis mil, quatrocentos e três euros e cinquenta e noventa e oito cêntimos)”;
a. DOC. 25 e 26, junto à Petição Inicial apresentada pela Recorrente;
23. 6.“O Valor Mínimo Garantido previsto na proposta de revisão ao contrato de concessão para o serviço de recolha de efluentes para o ano de 2012 é de € 312.813,03 (trezentos e doze mil, oitocentos e treze euros e três cêntimos)”, cujo fundamento e convicção se extraem dos seguintes meios de prova: a. DOC. 25 e 26, junto à Petição Inicial apresentada pela Recorrente;
24. 5.“O Município Réu apenas faturou de Serviços de Abastecimento de Água, durante 2012, o montante de € 1.863,34 (mil, oitocentos e sessenta e três euros e trinta e quatro cêntimos)”,
a. Faturas 2300000050 e 2300000051, juntas pela Recorrente à Petição Inicial apresentada; b. Ofício datado de 06/02/2013, junto pela Recorrente à Petição Inicial apresentada;
25. 7.“O Município Réu apenas consumiu Serviços de Recolha de Efluentes, durante 2012, no montante de € 194.945,29 (cento e noventa e quatro mil, novecentos e quarenta e cinco euros e vinte e nove cêntimos)”, cujo fundamento e convicção se extraem dos seguintes meios de prova:
a. Faturas 2300000050 e 2300000051, juntas pela Recorrente à Petição Inicial apresentada;
b. Ofício datado de 06/02/2013, junto pela Recorrente à Petição Inicial apresentada;
c. Acrescendo que, tal factualidade nunca foi impugnada pela Recorrida, e os mesmos constam, também, do Doc. 25 junto com a PI, motivo pelo qual tal factualidade sempre deverá ser considerada assente, por acordo.
26. 8.“O Município Réu encontrava-se a abastecer pelos seus próprios meios, em total violação do exclusivo previsto no Contrato de Concessão”, cujo fundamento e convicção se extraem dos seguintes meios de prova (com recurso a reapreciação da prova gravada):
a. depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 15/11/2017, em 00:33:59, 00:38:43, 00:42:11, 00:46:01 e entre 00:48:15 a 01:04:58 (horas, minutos, segundos)– pois que resulta que a Recorrida só não atingiu os valores mínimos contratados para o ano de 2012, porquanto se encontrava a abastecer o município por meios próprios e colocou um bypass na ETAR de ... que procedia ao desvio dos efluentes para um linha de água próxima;
b. depoimento prestado pela testemunha «CC», constante da gravação da audiência realizada no dia 15/11/2017, entre 01:45:53 a 01:58:34 (horas, minutos, segundos) – diretor de departamento de obras municipais do Município Réu que vem corrobora o depoimento prestado pela testemunha supra- não só admite a construção do bypass, como ainda que o Município era parcialmente abastecido pelos seus próprios meios;
27. 9. “A Recorrente faturava de acordo com a metodologia dos caudais modelados, sendo que no final do ano era feito o acerto ao Município mediante a divergência verificada entre o caudal efetivamente tratado e o caudal faturado”, cujo fundamento e convicção se extraem dos seguintes meios de prova (com recurso a reapreciação da prova gravada):
a. depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 15/11/2017, entre 00:53:07 a 01:00:54 (horas, minutos, segundos) e entre 01:06:16 e 01:11:16 (horas, minutos, segundos) – pois que esclarece a testemunha que em virtude da insatisfação dos municípios face à faturação das águas pluviais foi proposto aos municípios faturar de acordo com os caudais modelados. Explicou ainda a testemunha como funciona a metodologia dos caudais modelados, referindo que no final do ano existe um acerto entre o faturado com base em tal critério e o caudal real, o que deu lugar no caso do Município a um crédito de 222.980.000€.
CUMULATIVAMENTE,
28. Vem a Recorrente requerer que este douto Tribunal ad quem proceda à alteração dos factos provados nos pontos 16 e 17 da sentença recorrida para não provados, pela manifesta ausência de prova que permita dar por provados tais factos, pois que:
a. ao contrário do preconizado pelo Tribunal a quo, o Município não demonstrou nem através de prova documental, nem por prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento que não estavam executadas todas as infraestruturas que cabiam à Recorrente;
b. Pelo contrário, resultou provado através da prova testemunhal produzida pela Recorrente em sede audiência de julgamento que foram construídas todas as infraestruturas previstas no Anexo I ao Contrato de Concessão, tendo inclusive a Recorrente ido mais além do que as freguesias previstas no Anexo suprarreferido, pelo que havia condições para proceder ao abastecimento de água e à recolha de efluentes do Município ....
c. Ficou assim provado que o problema não reside na falta de infraestruturas da alta, mas sim na ausência de infraestruturas da baixa que fizessem a ligação do ponto de entrega às ditas freguesias.
d. Neste sentido, o depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 15/11/2017, 00:38:43, 01:13:48, 01:14:09, 01:14:39, entre 01:15:43 a 01:15:49 e entre 01:19:29 a 01:30:45 (horas, minutos, segundos) – que veio confirmar que todas as infraestruturas foram construídas pela Recorrente e que foi o Município que não construiu as infraestruturas que devia;
29. Vem ainda a Recorrente requerer que este douto Tribunal ad quem proceda à alteração dos factos provados nos pontos 18 e 19 da sentença recorrida para não provados, pela manifesta ausência de prova que permita dar por provados tais factos, pois que:
a. ao contrário do preconizado pelo Tribunal a quo, as diferenças entre as medições das faturas em causa resulta da metodologia aplicada- critério dos caudais modelados;
b. Tendo resultado provado que a Recorrente aplicava o critério dos caudais modelados, sendo feito no final do ano um acerto entre o caudal faturado com base em tal critério e o caudal real, o que deu lugar à emissão de uma nota de crédito a favor do Município, a qual este usou para compensar o pagamento dos serviços em 2013;
c. Além de que resultou também provado em sede de prova testemunhal que o Município tinha pleno conhecimento da aplicação de tal critério, quer porque esteve presente na Assembleia Geral na qual se deliberou a sua aplicação, quer pelas comunicações que trocou com a Recorrente.
d. Desta forma, os montantes peticionados nas referidas faturas são devidos uma vez que foram calculados de acordo com o critério que vinha a ser aplicado pela Recorrente.
e. Se assim não se entender, deve a Recorrida pelo menos ser condenada a pagar os serviços de saneamento subjacentes às ditas faturas de acordo com as suas próprias medições, acrescida dos juros vencidos e vincendos.
30. Tendo em consideração, quer a prova documental junta aos autos, quer a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, surge mais que evidente que deve a presente ação ser julgada por provada e procedente, porquanto a Recorrente provou, quer a legalidade e legitimidade de cobrança de todos os montantes faturados e aqui peticionados, quer a exigibilidade dos mesmos à Recorrida.
31. Tal como dispõem Base XXVIII do Decreto-Lei n.º 319/94 (base da concessão do sistema de abastecimento de água) na versão alterada pelo DL 195/2009, que prevalece sobre a Cláusula 16.ª do contrato de concessão – os Valores Mínimos Garantidos devem ser cobrados aos Municípios Utilizadores sempre que o valor resultante da faturação da utilização do serviço seja inferior àqueles, enquanto equilíbrio-económico financeiro do contrato durante o primeiro-terço da concessão, ou quando o valor resultante da faturação for inferior aos mínimos por motivo imputável ao Utilizador, durante o segundo-terço da concessão.
32. In casu, os valores mínimos garantidos aqui peticionados diziam respeito apenas ao segundo terço da concessão, pelo que sempre são devidos pela Recorrida enquanto incumprimento que lhe é imputável.
33. Resultou ainda provado através do depoimento prestado pelas testemunhas arroladas pela Recorrente, Eng. «AA» e Dr.ª «BB» que, no caso do Município ... (e à semelhança da generalidade dos Municípios pertencentes à extinta [SCom01...]), os investimentos previstos no contrato de concessão já se encontravam concluídos no ano de 2007, datas em que o sistema já se encontrava em exploração – data em que a sociedade concessionária cobrou o diferencial entre o montante faturado e o montante previsto – tal como comunicado à Recorrida e que resulta provado através do Documento 25 junto à Petição Inicial.
34. Ficou ainda provado através dos depoimentos prestado pela testemunha arrolada pela Recorrida, «DD», antigo presidente da Câmara ... que a aqui Recorrida não poderia desconhecer a aplicação e cobrança dos valores mínimos garantidos, porquanto tal aplicação foi discutida nas Assembleias Gerais.
35. Os valores mínimos previstos na revisão ao contrato de concessão (porque mais vantajoso para o Município), para o ano de 2012, e devidamente atualizados a preços constantes daquele ano, eram de € 586.403,98 para o fornecimento de água e €312.813,03 – de referir, ainda, que os valores mínimos cobrados tiveram em consideração o ano de 2012 na sua globalidade e fundaram-se no incumprimento pela Recorrida do direito ao exclusivo da Recorrente, pelo que esta não faturou o montante de mínimos fixado por culpa que lhe é imputável.
36. A Ré faturou abaixo dos valores mínimos garantidos contratados para o ano de 2012, porque se encontrava a abastecer o Município por meios próprios e a proceder ao desvio de efluentes da ETAR de ... para a linha de água mais próxima através de um bypass que colocou naquela.
37. Sendo certo que, foram construídas pela Recorrente todas as infraestruturas previstas no Plano Geral do Contrato de Concessão, tendo sido o Município que não contruiu as infraestruturas da baixa que efetuassem a ligação às infraestruturas da Recorrente.
38. Sem prescindir, sempre se diga que a determinação do valor mínimo garantido resulta de mero cálculo aritmético e da aplicação do índice de atualização de preços para o ano 2012, os quais resultam de factos públicos e notórios.
39. Considerando que a Recorrente apenas consumiu durante o ano de 2012 o montante de € 1.863,34 relativa a serviços de abastecimento de água (sem IVA e sem TRH, porquanto apenas nos referimos aos consumos efetivos), foi-lhe cobrado o montante de € 584.540,63 (ao qual acresce o valor do IVA, perfazendo um total de € 619.613,07), que corresponde, exatamente, ao diferencial entre o montante previsto de € 586.403,98, enquanto valor mínimo garantido, e o montante de € 1.863,34 efetivamente consumido e faturado à Recorrida.
40. Por sua vez, considerando ainda que a Recorrente apenas consumiu durante o ano de 2012 o montante de € 194.945,29 relativa a serviços de saneamento (sem IVA e sem TRH, porquanto apenas nos referimos aos consumos efetivos), foi-lhe cobrado o montante de € 117.867,74 (ao qual acresce o valor do IVA, perfazendo um total de € 124.939,80), que corresponde, exatamente, ao diferencial entre o montante previsto de € 312.813,03, enquanto valor mínimo garantido, e o montante de € 194.945,29 efetivamente consumido e faturado à Recorrida.
41. QUANTO AO RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO, cumpre desde já referir que o douto Tribunal a quo comete um erro de julgamento quanto à decisão de direito proferida.
42. Pois que, na decisão proferida o Tribunal a quo cometeu os seguintes erros de julgamento de natureza substantiva:
a. Erra no julgamento de Direito ao admitir que a convenção das partes (Concessionária e Municípios utilizadores) estabelecida nos contratos de fornecimento e recolha relativamente à exigibilidade do requisito da Receita Global prevalece sobre a LEI (BASES XXVIII DA CONCESSÃO, em qualquer das versões legalmente aprovadas) e sobre o CONTRATO DE CONCESSÃO (celebrado entre o Estado e a Concessionária).
b. Erra no julgamento de Direito ao não aplicar o Decreto-Lei n.º 195/2009 que veio alterar as Bases da Concessão e entrou em vigor em 1 de janeiro de 2010, pelo que era aplicável ao caso em apreço;
OU SEJA, ENTENDE O TRIBUNAL A QUO QUE:
c. Os sucessivos Diplomas Legais que aprovaram as Bases da Concessão são derrogáveis e que, de resto, as BASES XXVIII nunca vigoraram, na concessão da [SCom01...].
d. A reserva relativa de lei ao abrigo da qual o Governo fixou as Bases da Concessões por Decreto-Lei, também ela pode ser contratualmente afastada. IGNORANDO O TRIBUNAL A QUO QUE:
e. Os contratos de fornecimento e recolha preveem no seu clausulado duas cláusulas com soluções totalmente distintas para a aplicação dos Valores Mínimos Garantidos (Cláusula 3.ª/4 – não conforme com as Bases da Concessão e tida em consideração pelo Tribunal a quo) e Cláusula 1.2 do Anexo 2 do Contrato de Fornecimento (conforme com as Bases da Concessão – ignorada pelo Tribunal a quo);
f. Finalmente, que os Contratos de Fornecimento e Recolha preveem nas Cláusulas 7.ª e 8.ª, respetivamente que a respetiva vigência fica subordinada à do contrato de concessão.
43. Em primeiro lugar, revela-se inadmissível o entendimento seguido pelo Tribunal ao considerar que os contratos de fornecimento e recolha, celebrados entre a Concessionária [SCom01...] e os Municípios utilizadores dos sistemas, prevalecem sobre o disposto nos diplomas legais que aprovaram as Bases da Concessão, assim como, sobre o próprio contrato de concessão, que, nos termos do artigo 7.º e 8.º dos contratos de fornecimento e recolha, respetivamente, comanda a vigência destes.
44. Em segundo lugar, a decisão proferida pelo Tribunal a quo é também inadmissível ao considerar que a Cláusula 3.ª/4 (parte final) dos contratos de fornecimento prevalece ainda perante a cláusula inserta no mesmo contrato de fornecimento, ponto 1.2 do Anexo 2, cuja redação se encontra absolutamente conforme com as Bases da Concessão, mas que foi absolutamente ignorada pelo Tribunal a quo na sua decisão.
45. Vejamos que, sempre deverá este douto Tribunal Superior concluir que a parte final da Cláusula 3.ª/4, parte final do contrato de fornecimento de água, é nula – pois que:
a. resulta inequívoco que a BASE XXVIII, aprovada pelo DL 195/2009, integra uma norma legal imperativa, inderrogável por vontade das partes;
b. Considerando que a sujeição da aplicação dos Valores Mínimos Garantidos a uma condição (Receita Global ser inferior à prevista no orçamento para esse ano), a qual não se encontra prevista na lei, resulta então que a parte da condição é nula nos termos previstos no artigo 294.º do C. Civil, que estabelece a regra da nulidade para a violação de lei imperativa. Submetendo-se a nulidade ao regime da redução do negócio jurídico, nos termos do disposto no artigo 292.º do Código Civil;
c. Sendo certo que, admitindo-se que o objeto dos contratos é passível de contrato de direito privado, terá aplicação o regime das invalidades de negócio jurídico previsto no Código Civil.
d. Pelo que a Cláusula 3.ª/4 dos contratos de fornecimento e recolha deverá ser reduzida na sua parte final, devendo a mesma ser dada por não escrita, eliminando-se a sujeição da aplicação dos valores mínimos garantidos à condição da receita global da sociedade.
SEM PRESCINDIR,
46. Sempre deverá este douto Tribunal ad quem concluir pela prevalência da Cláusula do Contrato de Fornecimento conforme com as Bases da Concessão e com o Contrato de Concessão – Cláusula 1.2 do Anexo 2 ao Contrato de Fornecimento, em detrimento da parte final da Cláusula 3.ª/4 do mesmo contrato, pois que:
a. Vejamos que a referida cláusula revela uma solução de cobrança e faturação dos valores mínimos garantidos: a) Conforme com o estabelecido nas Bases de Concessão em vigor à data da celebração do contrato, isto é, com a redação atribuída pelo DL 319/94; b) Conforme com a Cláusula 16.ª do Contrato de Concessão; c) Distinta da cláusula 3.ª/4 do contrato de fornecimento;
b. De onde resulta que, perante duas regras distintas, o Tribunal a quo considerou aquela que inovava face ao previsto nas Bases da Concessão e no Contrato de Concessão, exigindo um requisito adicional (relativo à Receita Global da Sociedade), e ignorando, simplesmente, a cláusula que se revelava conforme com aquelas.
c. Cometendo um claro erro de julgamento ao ignorar, com isso, também, as boas regras de interpretação dos contratos, e dessa forma, a evidente prevalência da redação que se mostrava conforme e dentro dos ditames previstos na lei e no contrato de concessão.
SEM PRESCINDIR,
47. Considera a Recorrente que o douto Tribunal a quo comete, ainda, um erro de julgamento quando ignorou que os contratos de fornecimento e recolha dependessem expressamente dos termos da vigência do contrato de concessão, por efeitos do disposto na Cláusula 7.ª do contrato de fornecimento e cláusula 8.ª do contrato de recolha, nos termos do qual “a vigência do presente contrato fica subordinada à do contrato de concessão.”, tendo ainda ignorado o DL 195/2009 que entrou em vigor a 1 de janeiro de 2010, pelo que era aplicável à situação em apreço (referente ao ano de 2012).
48. Ora, tal solução não é legalmente admissível, desde logo:
a. Primeiro, porque não aplica o DL 195/2009, diploma legal que entrou em vigor a 1 de janeiro de 2010, pelo que sempre teria de ser aplicado ao período aqui em causa- 2012.
b. Segundo, porque consubstanciaria uma forma de impedir a produção de efeitos, quer do próprio decreto-lei, concedendo aos outorgantes dos contratos de fornecimento e recolha (dos quais não faz parte o concedente) o poder de obstar aos efeitos do diploma aprovado ao abrigo do poder legislativo, como, também, seria uma forma de impedir a produção de efeitos do próprio contrato de concessão, que de outra forma ficaria esvaziado, assim como o próprio DL 195/2009, em todas as matérias que, por acaso, estivessem abrangidas pelos contratos de fenecimento e recolha, apesar de não tratarem de aspetos próprios a regular por via destes contratos, mas em que, indevidamente, se replica ou inova face ao previsto na lei e no contrato de concessão.
c. Terceiro, porque ignora a sujeição expressa dos contratos de fornecimento e recolha ao contrato de concessão, por via da Cláusula 7.ª do contrato de fornecimento e Cláusula 8.ª do contrato de recolha, ou seja, como se tratasse de contratos em cadeia, cujos efeitos se repercutem em cadeia num sentido de hierarquia superior para inferior.
d. Quarto, a própria redação da BASE XXVIII das Bases da Concessão, no seu elemento literal, dispõem sempre sobre os contratos de concessão e os de fornecimento celebrados ao seu abrigo – logo, nunca faria qualquer sentido dissociar uns dos outros;
e. Ou seja, no limite, e a admitir-se a solução propugnada pelo Tribunal a quo, estaria em causa uma interpretação de situação de fraude lei.
49. Neste sentido, veja-se o Ac. do STJ, de 20.10.2009, Proc. 115/09.0TBPTL.S1, in www.dgsi.pt, acerca das soluções adotadas em fraude à lei.
50. Pelo que sempre deverá este douto Tribunal ad quem decidir pela aplicação do disposto na 2.ª parte do artigo 12.º do C. Civil, nos termos do qual, a lei tem aplicação direta às relações já constituídas, alterando o conteúdo das mesmas.
51. Pelo que resulta inequívoco que, com a entrada em vigor do DL 195/2009, a 1 de janeiro de 2010, se alteraram os termos do contrato de concessão e, por conseguinte, dos contratos de fornecimento e recolha, por força da cláusula 7.ª do contrato de fornecimento e cláusula 8.ª do contrato de recolha, passando o mesmo a distinguir as condições de aplicação dos valores mínimos garantidos no primeiro terço da concessão, e no segundo terço da concessão (vide, BASE XXVIII para o abastecimento de água e BASE XXVIII para o saneamento).
52. Pelo que apenas se poderá concluir que:
a. Tratando-se do segundo terço da concessão- 2012 os valores mínimos garantidos são exigíveis, pela diferença entre o valor faturado e os valores mínimos garantidos fixados para esse mesmo período, porquanto a diferença de faturação é imputável à Ré, por ter violado a exclusividade da concessão, concretamente, e conforme resultou provado, conforme factos cujo aditamento ao probatório supra se requereu, porque culposamente decidiu não construir as infraestruturas necessárias para fazer a ligação ao sistema de alta construído pela Recorrente, optando por abastecer-se por meios próprios e proceder ao desvio de efluentes.
SEM PRESCINDIR,
53. Na realidade, ao contrário do entendimento consagrado na douta sentença recorrida, a cobrança dos valores mínimos garantidos não depende da “quantificação da receita global da sociedade”, entendida esta como uma demonstração dos ganhos obtidos (globalmente) pela concessionária em cada ano com os serviços de abastecimento de água ou de saneamento de águas residuais, mas tão somente da identificação do valor correspondente ao total devido pelos serviços em cada vertente da atividade da concessionária - fornecimento de água ou saneamento - e do montante devido em cada ano de valor mínimo garantido, por cada município, tendo presente o Anexo 1 dos contratos de fornecimento e de recolha, com a atualização decorrente da “variação do índice de preços no consumidor, divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística em relação ao ano anterior”, como previsto na disposição citada do Contrato de Concessão.
54. Assim, afigura-se que padece de erro de julgamento a sentença recorrida ao considerar que “não resultou demonstrado nos autos que a receita global da Autora fosse, nesse ano, inferior à prevista no orçamento, o que constituía uma das condições contratualmente exigidas para a cobrança dos valores mínimos garantidos (cfr. pontos 3 e 4 do probatório). Não tendo a Autora alegado e demonstrado os factos constitutivos do direito que se arroga, conforme era seu ónus, face ao disposto no art. 5.º, n.º 1, do CPC, e 342.º, n.º 1, do CC, falece necessariamente a sua pretensão de pagamento das notas de débito atinentes a valores mínimos garantidos.”
55. Motivo pelo qual apenas se poderá concluir pela integral procedência da ação.
SEM PRESCINDIR,
56. Caso assim não se entenda, ou seja, caso se considere aplicável o regime de invalidades do CPA, sempre deverá este douto Tribunal Superior decidir pela verificação do vício de Usurpação de Funções – Nulidade – artigo 133.º/2, al. a) do CPA (versão aplicável), pois que:
a. é evidente a falta de poderes de conformação da concessionária e dos municípios utilizadores para imporem condições não previstas na lei para a aplicação dos Valores Mínimos Garantidos, conforme previstos nas Bases XXVIII da concessão, as quais foram fixadas pelo Governo, no uso do seu poder legislativo, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 198.º/1, al. a) da CRP, em matéria com reserva relativa de lei;
b. Pelo que, tratando-se de uma matéria reservada ao poder legislativo, não poderiam as partes contratantes (concessionária e municípios) acordar condições distintas das prevista no diploma aprovado pelo governo para a aplicação dos valores mínimos garantidos, sob pena de incorrerem em vício de usurpação de poderes;
c. Porquanto sempre deverá aplicar-se o regime da nulidade (vício de usurpação de poder) prevista no artigo 133.º/2, al. a), do CPA (na versão aplicável), na sequência de erro na declaração (art. 247.º do Código Civil), porquanto os outorgantes não terão refletido, no elemento literal, a real vontade declarada (em conformidade com o conceito de “Receita Global” supra, correspondente à vontade real dos outorgantes),
d. Nulidade que ora se invoca, para os devidos efeitos, previstos no artigo 134.º do CPA (versão em vigor à data), o qual não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade, sendo a mesma invocável a todo o tempo.
SEM PRESCINDIR,
57. E caso assim não se entenda, ou seja, caso se entenda que os factos complementares- Receita Global da Sociedade ser Inferior à Prevista no Orçamento para esse Ano terão que ser alegados, então sempre deverá este douto Tribunal ad quem considerar a sentença nula, por violação de Lei Adjetiva de que padece a decisão proferida, incluindo por existirem nulidades processuais, concretamente:
a. Preterição do convite ao aperfeiçoamento, por preterição indevida do ato de convite ao aperfeiçoamento (artigo 590.º/1 al. b) e n.º 4 do CPC), e, consequentemente tem de se declarar a nulidade da decisão recorrida, nos termos do artigo 195.º/1 e 2 do CPC;
b. A violação do princípio do contraditório, ínsito no artigo 3.º do CPC, aplicável, ex vi, artigo 1.º do CPTA, considerando que a presente decisão consubstancia uma verdadeira decisão-surpresa, inadmissível no quadro legal processual português, constituindo, inclusive, uma manifestação da tutela jurisdicional efetiva, consagrada no artigo 20.º da CRP – a qual consubstancia uma verdadeira Nulidade da Sentença, nos termos do disposto no artigo 615.º/1, al. d) do CPC.
58. Por fim, no diz respeito às faturas de serviços de saneamento peticionadas pela Recorrente o tribunal a quo errou na aplicação da lei, uma vez que procedeu à aplicação do n. º3 do Anexo II ao Contrato de Recolha que se refere ao procedimento a seguir na faturação em caso de avaria, o que não se verificava aqui.
59. Pelo que deve este douto Tribunal Superior aplicar a cláusula 3.ª do Contrato de Recolha, o qual remete para a cláusula 33.ª do Contrato de Concessão relativa à medição e faturação dos caudais e, por sua vez, ter em conta o critério aplicado pela Recorrente- critério dos caudais modelados.
60. E ainda concluir pelo Abuso de Direito, previsto no artigo 334.º do Código Civil, por parte da Recorrida que atua em clamorosa má-fé ao invocar o desconhecimento do critério aplicado na medição dos caudais como expediente dilatório para não proceder ao pagamento dos montantes peticionados, sobretudo tendo em conta que beneficiou dos serviços prestados e que até então nunca reclamou do critério aplicado.
61. Pelo que, deverá este douto Tribunal ad quem concluir que os montantes peticionados nas referidas faturas são devidos e, uma vez que o Município não procedeu ao seu pagamento, incorre em Responsabilidade Civil Contratual, nos termos do artigo 798.º do Código Civil, devendo a Recorrente ser ressarcida pelo prejuízo causado nos termos dos arts. 562.º e ss do Código Civil.
62. Assim, deverá também ser REVOGADA A SENTENÇA, neste segmento decisório.
A Sentença recorrida é ilegal, porquanto viola, entre outras, as seguintes disposições legais: 294.º do C. Civil; 292.º do Código Civil; 185.º do CPA; artigo 133.º/2, al. a) do CPA (versão aplicável); 198.º/1, al. a) da CRP; artigo 134.º do CPA (versão em vigor à data); artigo 590.º/1 al. b) e n.º 4 do CPC; 195.º/1 e 2 do CPC, 3.º do CPC; 615.º/1, al. d) do CPC; 590.º/2, al. b) e n.º 4 do CPC; artigo 20.º da CRP, artigo 608.º/2 do CCP; Artigo 10.º/1 do Decreto-Lei n.º 270-A/2001; Artigo 5.º/1 do DL 319/94, de 24 de dezembro; Cláusula 16.ª do Contrato de Concessão celebrado entre o Estado Português e a sociedade [SCom01...], de 26.10.2001; BASE XXVIII do DL 319/2014, de 24 de dezembro (na redação do DL 195/2009); BASE XXVIII do DL 162/96, de 24 de setembro (na redação do DL 195/2009); Artigo 10.º DL 195/2009.
Termos em que, E nos melhores de Direito, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas, deverá o presente recurso jurisdicional ser julgado integralmente procedente por provado, revogando-se a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por outra que julgue a ação procedente.
*
O Recorrido apresentou contra-alegações que terminam com as seguintes CONCLUSÕES:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
*
O recurso foi admitido e os autos foram remetidos a este TCAN.
Notificado o Magistrado do Ministério, nos termos e para os efeitos do artigo 146º do CPTA, não foi emitido parecer.
*
II. OBJECTO DO RECURSO
O objeto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista; não conhece questões novas, isto é, questões que não tenham sido apreciadas pelo Tribunal recorrido, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito, conforme resulta dos artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1, e 608.º, todos do CPC.
Assim, importa, no caso, apreciar e decidir se a sentença recorrida é (i) nula, por preterição do convite ao aperfeiçoamento e violação do princípio do contraditório, ínsito no artigo 3.º do CPC, aplicável, ex vi, artigo 1.º do CPTA; sendo improcedente a invocada nulidade se incorreu em ii) erro de julgamento quanto à matéria de facto; iii) erro de julgamento de direito quando, a) deu prevalência aos termos fixados nos contratos de fornecimento celebrados entre as partes em 2001, na parte respeitante à cobrança dos Valores Mínimos Garantidos, sobre as Bases da Concessão, quer na versão aprovada pelo Decreto-Lei n.º 319/94 (para o abastecimento de água) quer na versão alterada pelo Decreto-Lei 195/2009, que veio modificar a BASE XXVIII relativa aos termos/condições de exigibilidade desses valores aos Municípios; b) considerou não serem devidas certas faturas constantes pela não coincidência das medições;
*
III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1- De facto
Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:
1. Através de contrato de concessão de 26.10.2001, o Estado Português atribuiu à [SCom01...], S.A., por um prazo de 30 anos, a concessão da exploração e gestão do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes de vários municípios, de entre os quais o Município ....
2. O contrato de concessão referido no ponto anterior tem o seguinte teor parcial:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
3. Em 26.10.2001, foi celebrado entre o Município ... e a [SCom01...], S.A. um contrato intitulado “CONTRATO DE FORNECIMENTO ENTRE O Município ... E A [SCom01...]”, com o seguinte teor parcial:


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]


4. Em 26.10.2001, foi celebrado entre o Município ... e a [SCom01...], S.A. um contrato intitulado “CONTRATO DE RECOLHA DE EFLUENTES ENTRE O Município ... E A [SCom01...]”, com o seguinte teor parcial:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)” (doc. 2 da p.i.).
5. No âmbito da concessão referida no ponto 1, foram prestados pela Autora serviços de saneamento e de fornecimento de água ao Réu.
6. A Autora emitiu ao Réu uma fatura com o n.º 3130385073, datada de 31.07.2012, a que se encontra aposta a data de vencimento 29.09.2012, no valor total de EUR 21.998,43, a título de saneamento, recolha e tratamento de efluentes e taxa de recursos hídricos.
7. A Autora emitiu ao Réu uma nota de débito com o n.º 2300000256, datada de 31.07.2012, no valor total de EUR 3.170,73, da qual consta uma descrição com o seguinte teor parcial: “Juros de mora por atraso no pagamento, calculados de acordo com o previsto no Aviso n.º 9944/2012 da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças Publicado no DR IIª Série n.º 142, de 24 de julho de 2012”.
8. A Autora emitiu ao Réu uma nota de débito com o n.º 2300000257, datada de 31.07.2012, no valor total de EUR 2.415,31, da qual consta uma descrição com o seguinte teor parcial:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
9. A Autora emitiu ao Réu uma fatura com o n.º 3130385109, datada de 31.08.2012, a que se encontra aposta a data de vencimento 30.10.2012, no valor total de EUR 22.593,20, a título de saneamento, recolha e tratamento de efluentes e taxa de recursos hídricos.
10. A Autora emitiu ao Réu uma fatura com o n.º 3130385181, datada de 30.09.2012, a que se encontra aposta a data de vencimento 29.11.2012, no valor total de EUR 5.843,43, a título de saneamento, recolha e tratamento de efluentes e taxa de recursos hídricos.
11. A Autora emitiu ao Réu uma fatura com o n.º 3130385199, datada de 30.09.2012, a que se encontra aposta a data de vencimento 29.11.2012, no valor total de EUR 21.629,00, a título de saneamento, recolha e tratamento de efluentes e taxa de recursos hídricos.
12. A Autora emitiu ao Réu uma nota de débito com o n.º 2300000444, datada de 31.10.2012, no valor total de EUR 2.495,82, da qual consta uma descrição com o seguinte teor parcial: “Juros de mora por atraso no pagamento, calculados de acordo com o previsto no Aviso n.º 9944/2012 da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças Publicado no DR IIª Série n.º 142, de 24 de julho de 2012” (doc. 18 da p.i.).
13. A Autora emitiu ao Réu uma nota de débito com o n.º 2300000529, datada de 30.11.2012, no valor total de EUR 3.880,42, da qual consta uma descrição com o seguinte teor parcial:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
14. A Autora emitiu ao Réu uma nota de débito com o n.º 2300000050, datada de 31.01.2013, no valor total de EUR 124.939,80, da qual consta uma descrição com o seguinte teor parcial: “Valores mínimos garantidos nos termos da cláusula 3ª dos respetivos contratos de fornecimento e de recolha de efluentes, da cláusula 16.ª do contrato de concessão, e da revisão operada às bases de concessão da exploração e da gestão de serviços nos sistemas multimunicipais pelo D. Lei 195/2009 de 20 de agosto. Valor real facturado SAR em 2012 – 194.945,29 eur Valor mínimo garantido – 312.813,03 eur”.
15. A Autora emitiu ao Réu uma nota de débito com o n.º 2300000051, datada de 31.01.2013, no valor total de EUR 619.613,07, da qual consta uma descrição com o seguinte teor parcial: “Valores mínimos garantidos nos termos da cláusula 3ª dos respetivos contratos de fornecimento e de recolha de efluentes, da cláusula 16.ª do contrato de concessão, e da revisão operada às bases de concessão da exploração e da gestão de serviços nos sistemas multimunicipais pelo D. Lei 195/2009 de 20 de agosto. Valor real facturado SAR em 2012 – 1.863,34 eur Valor mínimo garantido – 586.403,98 eur”.
16. No ano de 2012, o fornecimento de água para consumo público não era assegurado pela Autora em todos os sistemas existentes no concelho ... geridos pelo Réu, em virtude de não existirem infraestruturas que ligassem o ponto de entrega do sistema a várias freguesias.
17. No ano de 2012, a recolha de efluentes do sistema próprio do Município não era assegurada em diversas localidades do conselho de ..., em virtude de não existirem infraestruturas de encaminhamento dos efluentes para as ETARs que a Autora construiu.
18. A fatura n.º 3130385073, emitida em 31.07.2012, não reflete o volume do mês de julho resultante das medições conjuntamente elaboradas entre representantes das [SCom01...] e os técnicos do Município ....
19. A fatura n.º 3130385109, emitida em 31.08.2012, não reflete o volume do mês de agosto resultante das medições conjuntamente elaboradas entre representantes das [SCom01...] e os técnicos do Município ....
20. A fatura n.º 3130385199, emitida em 30.09.2012, não reflete o volume do mês de setembro resultante das medições conjuntamente elaboradas entre representantes das [SCom01...] e os técnicos do Município ..., encontrando-se apostas ao respetivo registo as seguintes observações:
Dia 15.09.2012, ocorreu um erro na leitura do caudal afluente à ETAR, registado no Relatório Ocorrência em anexo.
Dia 24.09.2012, foi substituído o caudalímetro e reiniciou-se a contagem do totalizador, o caudalímetro antigo registava no momento da substituição 20.246 m3, às 15h00. Durante a avaria do caudalímetro, os valores considerados é a média dos últimos 20 dias secos, cerca de 27 m3/dia.”
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Na sentença recorrida foi fixado o seguinte facto não provado:
1. A fatura n.º 3130385181, emitida em 30.09.2012, encontra-se integralmente liquidada, tendo o Réu efetuado o seu pagamento.
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A convicção do Tribunal foi sustentada na seguinte motivação:
“Quanto à factualidade vertida nos pontos 1 a 4 do elenco de factos provados resultou documentalmente provada, tendo os contratos em causa sido juntos aos autos como docs. 1 e 2 da p.i. e os anexos do contrato de concessão sido juntos a fls. 239 e ss dos autos. Salienta-se que o conteúdo dos contratos se reconduz a factualidade instrumental, adquirida pelo tribunal na instrução da causa, através da prova documental entretanto produzida, nos termos do art. 5.º, n.º 2, do CPC. * A factualidade vertida no ponto 5 do probatório foi corroborada de forma consentânea por todas as testemunhas inquiridas em juízo, resultando ainda confirmada pela generalidade dos documentos juntos aos autos. * A convicção do tribunal quanto à factualidade vertida nos pontos 6 a 15 do elenco de factos provados resultou documentalmente provada, face às faturas juntas como docs. 5, 6, 7, 8, 14, 15, 18, 20, 25, 25 e 26 da p.i., respetivamente. Tal factualidade corresponde ao alegado pela Autora no art. 7.º da p.i., tendo sido a factualidade em causa devidamente concretizada pelo Tribunal, face à prova documental produzida. * A factualidade constante dos pontos 16 e 17 do probatório resultou da prova testemunhal produzida nos presentes autos. A respeito da factualidade em questão foram inquiridas as seguintes testemunhas, que adiante se designarão por referência à seguinte ordem de numeração: 1) «AA», engenheiro civil, desempenhava, à data, as funções de diretor da área de exploração; 2) «CC», engenheiro civil, diretor do departamento de obras municipais do Réu; 3) «EE», eletricista com funções no departamento de obras municipais do Réu; 4) «DD», Presidente da Câmara Municipal ... à data dos factos. Para a formação da convicção do Tribunal nesta matéria, relevou desde logo o depoimento da testemunha referida em 1), que revelou um conhecimento próximo da factualidade em questão, face às funções que desempenhava à data junto da Autora. Esta testemunha confirmou a factualidade descrita, pese embora tenha manifestado a sua convicção no sentido de que seria o Réu quem estaria em incumprimento do contrato perante a Autora. Segundo a testemunha, foi feito um investimento superior a EUR 9.000.000,00 no subsistema de abastecimento de água do ... e terá sido o Município quem não permitiu fazer a ligação, continuando a usar outros pontos que não este sistemaQuanto ao saneamento, a testemunha referiu que a Autora construiu duas ETARs, tendo reabilitado a ETAR de ... através de um investimento de cerca de EUR 1.400.000,00, e que o efluente que chegava à ETAR foi-se reduzindo substancialmente entre 2010 e 2012. A testemunha afirmou ainda que foi detetada a existência de um bypass na última caixa de ligação, o que veio a ser confirmado pelas testemunhas referidas em 2) e 4). Esta testemunha afirmou que o subsistema foi projetado e construído para servir todas as populações abrangidas pelo contrato de concessão, tendo a [SCom01...] ido mais além do que o contratualmente previsto, abrangendo freguesias que não estavam previstas. Segundo relatou, existem pontos de entrega e existe capacidade para todas as localidades, o Município é que não construiu as infraestruturas para lá fazer chegar a água. Embora identificando algumas especificidades das soluções face ao que se encontrava previsto, nomeadamente quanto a ..., a testemunha afirmou que o subsistema em alta está preparado para todas as freguesias da responsabilidade da [SCom01...]. O teor do depoimento vai ao encontro do depoimento prestado pelas testemunhas referidas em 2), 3) e 4). A testemunha referida em 2), que revelou um conhecimento próximo dos factos face às suas funções de diretor do departamento de obras municipais, afirmou queinexistiam pontos de entrega em determinadas freguesias, como seja em ..., e afirmou a necessidade de se “interligar a alta com a baixa”. Conforme relata atestemunha, o problema reside nesta última questão, sendo por si sustentado que a responsabilidade por fazer a ligação seria da Autora. Tais considerações resultaram genericamente corroboradas pelo depoimento das testemunhas referidas em 3) e 4), que também revelaram proximidade com a factualidade em questão face às respetivas funções. Em tais depoimentos foi ainda afirmado que, à data dos factos, existiam fossas séticas em ..., inexistindo sistemas de recolha em tais localidades. Ora, da concatenação dos depoimentos prestados, o tribunal pôde concluir que, efetivamente, quer ao nível do abastecimento, quer ao nível do saneamento, a distribuição e a recolha não era, no ano a que se reportam as faturas, assegurada em várias freguesias, em virtude da inexistência de infraestruturas de encaminhamento, conforme descrito nos pontos 16 e 17 do probatório. A divergência entre os depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas reside sobretudo na imputação da responsabilidade pela construção de tais infraestruturas de ligação aos pontos de entrega. Contudo, tal questão traduz-se numa questão jurídica, que adiante se analisará. Em termos fácticos, aquilo que releva face aos articulados das partes, é que, efetivamente, a Autora não abastecia várias das freguesias ou localidades do Município ..., face à inexistência de infraestruturas, conforme descrito no probatório. Assim, o tribunal logrou formar a sua convicção no sentido do alegado nos arts. 16.º, 30.º e 31.º da contestação, pese embora apenas com o alcance constante da formulação vertida no probatório.
No que respeita à factualidade constante dos pontos 18 a 20 do probatório, a convicção do tribunal resulta predominantemente da análise dos documentos juntos a fls. 215 e ss dos autos. Tais documentos consistem em 3 ofícios, datados de 13.09.2012, 17.09.2012 e de 19.10.2012, através do qual o Réu procedeu à devolução das faturas em causa, entre outras, com base na incorreção das mesmas face às medições conjuntamente elaboradas. A tais ofícios encontram-se juntas não apenas as faturas, como também os registos de medições efetuados nas ETARs de ..., ... e de .... A discrepância entre as medições e as faturas descrita na factualidade em questão resulta desde logo do confronto dos registos de medições com os valores faturados. Não obstante, tal factualidade foi ainda corroborada pelo depoimento das testemunhas «FF» e «GG». A primeira destas testemunhas era o funcionário que se deslocava ao local para efetuar as medições e que confirmou como sua a assinatura aposta aos registos de medições. Esta testemunha afirma que existiam diferenças entre as medições e as faturas, umas a favor da Autora, outras a favor do Município. A segunda das testemunhas referidas desempenha as funções junto do departamento financeiro do Réu e confirmou a discrepância entre medições e faturas, bem como a devolução destas últimas à Autora. A este respeito, resta apenas referir que a testemunha «AA» referiu no seu depoimento, que, a partir da criação da sociedade [SCom02...], S.A., tinha havido lugar à aplicação de um método de cálculo que tinhaem conta caudais médios, em virtude das águas pluviais.
Foi ainda referido por esta testemunha que, no ano que se seguiu ao ano de faturação em causa nos autos, foi emitida pela Autora uma nota de crédito ao Réu no valor de EUR 20.000,00. Contudo, nenhum de tais factos consta dos articulados apresentados pelas partes, nem estão em causa factos meramente instrumentais ou complementares de outros factos alegados que possam ser adquiridos ao abrigo do art. 5.º, n.º 2, do CPC, pelo que tal depoimento não relevou, nesta parte, para efeitos da fixação da matéria probatória. * No que respeita à factualidade considerada não provada, o tribunal não logrou formar a sua convicção, na medida em que, quanto à fatura em causa, o Réu juntou apenas uma ordem de pagamento interna e já não qualquer comprovativo de transferência ou de cheque. O cheque junto com o doc. 4 da contestação, no valor de 64.439,78, apenas abrange os valores constantes da ordem de pagamento com o n.º OP13-03037, que quanto à fatura n.º 3130385181, abrange o valor de 2.815,57 e não a globalidade da fatura. Assim, quanto montante que vem peticionado nos autos com respeito à fatura n.º3130385181, que corresponde a EUR 3.027,86, o Réu não logrou demonstrar o seu pagamento. Salienta-se ainda que os depoimentos prestados não versaram sobre tal questão, não tendo sido possível suprir a insuficiência da prova documental produzida nos autos quanto a tal matéria”.
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Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional.
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III. 2. DE DIREITO
A Recorrente não se conforma com a sentença recorrida que julgou a ação administrativa comum parcialmente procedente e, em consequência, condenou o R. a pagar à A. a quantia de € 21.269,00, correspondente à fatura n.º 3130385199, acrescida de juros de mora, à taxa de juros comerciais, contados da data do vencimento da referida factura; EUR 3.027,86, correspondente a parte do valor da fatura n.º 3130385181 acrescida de juros de mora, à taxa de juros comerciais, contados da data do vencimento da referida factura; a quantia de 11.962,28, correspondentes às notas de débito n.º 2300000256, datada de 31.07.2012, no valor total de EUR 3.170,73, relativa a Juros de mora por atraso no pagamento; n.º 2300000257, datada de 31.07.2012, no valor total de EUR 2.415,31, relativa a Juros de mora por atraso no pagamento; nº 2300000444, datada de31.10.2012, no valor total de EUR 2.495,82, relativa a Juros de mora por atraso no pagamento; nº 2300000529, datada de 30.11.2012, no valor total de EUR 3.880,42, relativa a Juros de mora por atraso no pagamento.
E pretende, em consequência, que o Réu, ora recorrido, seja condenado no pagamento da totalidade das demais quantias que considera serem devidas, isto é, as quantias correspondentes a: - fatura com o n.º 3130385073, no valor total de EUR 21.998,43, a título de saneamento, recolha e tratamento de efluentes e taxa de recursos hídricos; - fatura com o n.º 3130385109, no valor total de EUR 22.593,20, a título de saneamento, recolha e tratamento de efluentes e taxa de recursos hídricos; - nota de débito com o n.º 2300000050, datada de 31.01.2013, no valor total de EUR 124.939,80, correspondente a valores mínimos garantidos em que o Valor real facturado SAR em 2012 – 194.945,29 eur Valor mínimo garantido – 312.813,03 eur; - nota de débito com o n.º 2300000051, no valor total de EUR 619.613,07, correspondente a valores mínimos garantidos em que o Valor real facturado SAR em 2012 – 1.863,34 eur Valor mínimo garantido – 586.403,98 eur.
Vejamos, desde logo, se padece a sentença recorrida de nulidade por “a. Preterição do convite ao aperfeiçoamento, por preterição indevida do ato de convite ao aperfeiçoamento (artigo 590.º/1 al. b) e n.º 4 do CPC), e, consequentemente tem de se declarar a nulidade da decisão recorrida, nos termos do artigo 195.º/1 e 2 do CPC; b. A violação do princípio do contraditório, ínsito no artigo 3.º do CPC, aplicável, ex vi, artigo 1.º do CPTA, considerando que a presente decisão consubstancia uma verdadeira decisão-surpresa, inadmissível no quadro legal processual português, constituindo, inclusive, uma manifestação da tutela jurisdicional efetiva, consagrada no artigo 20.º da CRP – a qual consubstancia uma verdadeira Nulidade da Sentença, nos termos do disposto no artigo 615.º/1, al. d) do CPC.”
Quanto à ausência de convite ao aperfeiçoamento, a Recorrente, vem dizer que o Tribunal a quo considerou que não foram invocados pelas partes nos seus articulados quaisquer factos essenciais (nem tão pouco resultaram da instrução da causa quaisquer factos instrumentais) que permitam aferir a verificação deste requisito (receita global da sociedade ser inferior à prevista no orçamento para esse ano), concluindo, necessariamente, que tal facto não ficou provado, o que constituía uma das condições contratualmente exigidas para a cobrança dos valores mínimos, mas o Tribunal desconsiderou o injuntivo legal que prevê o convite ao aperfeiçoamento, não como um poder, mas como um dever do Tribunal, nos termos do disposto no artigo 590.º/2, al. b) e n.º 4 do CPC, concluindo que deve ser anulado todo o processado até à fase de saneamento do processo e ser emitido despacho de convite ao aperfeiçoamento da PI.
Vejamos.
Por força do nº1 do artº 42º do CPTA, na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de Outubro, aplicável ao caso dos autos, a acção administrativa comum segue os termos do processo de declaração do Código de Processo Civil e, por essa via, vejamos o que dispõe o CPC quanto à tramitação processual.
Estabelece o artº 590.º, n.º 2, do CPC, sob a epígrafe “Gestão inicial do processo”:
“1 – (…)
2 - Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a:
a) (…);
b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;
c) (…)
3 - O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
4 - Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
5 - Os factos objeto de esclarecimento, aditamento ou correção ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova.
6 - As alterações à matéria de facto alegada, previstas nos n.os 4 e 5, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 265.º, se forem introduzidas pelo autor, e nos artigos 573.º e 574.º, quando o sejam pelo réu.
7 – (…)”.
Como resulta do supracitado normativo, o convite ao aperfeiçoamento procura completar o que é insuficiente ou corrigir o que é impreciso, na certeza de que a causa de pedir existe (na petição) e é percetível (inteligível); apenas sucede que não foram alegados todos os elementos fácticos que a integram, ou foram-no em termos pouco precisos. Daí o convite ao aperfeiçoamento, destinado a completar ou a corrigir um quadro fáctico já traçado nos autos – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 704.
O aperfeiçoamento, é, pois, o remédio para casos em que os factos alegados (os que integram a causa de pedir e os que fundam as exceções) são insuficientes ou não se apresentam suficientemente concretizados não estando abrangidas as situações que configuram omissão de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir.
Neste sentido, veja-se Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18/12/2017, processo nº 3756/12.4TBGMR.G1:
“(…) o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial deve, apenas, ser feito com o fim de serem corrigidas deficiências processuais – insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada. Em regra, o âmbito do aperfeiçoamento do articulado apenas pode ter por objeto o suprimento de pequenas omissões ou meras imprecisões ou insuficiências na alegação da matéria de facto, sob pena de completa subversão do princípio dispositivo, o que justifica as limitações impostas pelo n.º 5 do artigo 508.º do CPC – v. neste sentido Acórdão do STJ, de 3.02.2009 (Pº 08A3887), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt. (2) O poder de mandar aperfeiçoar os articulados para serem supridas insuficiências ou imprecisões na exposição e concretização da matéria de facto alegada (art. 590º, nº4, do CPC) tem de ser entendido em rigorosos limites, e isto porque este convite se realiza apenas quando existam as apontadas insuficiências ou imprecisões que possam ser resolvidas com esclarecimentos, aditamentos ou correcções. Ou seja, anomalias que não ponham em causa, em absoluto, o conhecimento da questão jurídica e a decisão do seu mérito mas que possam facilitar que este conhecimento e decisão sejam realizados de forma mais eficaz (3). Não há lugar à prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento quando o autor não substanciou em termos bastantes a causa de pedir, porquanto não se está perante situação de meras imprecisões ou lacunas de exposição dos factos integradores da mesma (4). Apesar de o atual Código de Processo Civil, com o louvável objetivo de se alcançar a verdade material e se lograr obter a boa administração da justiça, a justa composição dos litígios e a ampla satisfação dos interesses de cada cidadão e do Estado, interessado em que tais resultados últimos se alcancem, ter dado passos consideráveis para ultrapassar entraves formais, designadamente conferindo ao juiz poderes de convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados, há uma barreira que não pode ultrapassar: se, na configuração que as partes deram ao litígio, estas omitiram os factos essenciais à causa de pedir e ao pedido, seja da pretensão seja da defesa, não pode o tribunal ex officio tomar um articulado inepto num articulado viável, mediante um convite ao aperfeiçoamento. A tanto se opõe, além do mais, o princípio da autorresponsabilização das partes (5) (negrito e sublinhado nosso). E o mesmo se diga relativamente a uma pretensão manifestamente inviável. Não pode o tribunal convidar a alegar de outro modo ou a retirar, até ocultando, factos para que uma ação inviável passe a poder proceder”.
E, como se retira de Acórdão do STJ de 7/6/2022, 3786/16.7T8BRG.L1.S3, “O princípio da igualdade das partes do art. 4º do CPC não visa substituir a responsabilidade da iniciativa daqueles a quem a lei comete o dever de alegar e provar os factos essenciais e tão pouco o princípio da cooperação, em qualquer das leituras que dele se faça, permite igual substituição. Por outro lado, o princípio da gestão processual introduzido no art. 6 do CPC, atribuindo ao juiz o poder de exercer influência sobre o processo, quer ao nível do procedimento propriamente dito quer ao nível do processo, ou seja, do pedido e da causa de pedir e das provas - Vd. Miguel Mesquita “A flexibilização do princípio do pedido à luz do direito processual civil” in RLJ ano 143, nº 3983, p. 145 – carece ser respeitado dentro dos limites que fixa. A formulação deste princípio na sua dimensão material, ao atribuir ao juiz o poder de intervir, chamando a atenção para a incompletude ou imprecisão das alegações, não tem a extensão com que é tomada, por exemplo, no direito alemão onde é uma verdadeira trave mestre do ordenamento jurídico processual - vd. §139 do ZPO – mas no qual, mesmo assim, o poder se estende a convidar a completar alegações de facto deficientes, centrando-se essencialmente na possibilidade de convidar a que sejam apresentados pedidos úteis a partir dos factos alegados. A introdução deste princípio na reforma do Processo Civil de 2013 não trouxe alteração a toda a pregressa teoria processual da ineptidão, versus, deficiência, da petição inicial que se mantém inalterada - Vd. Miguel Mesquita, op.cit p. 146 – com a exigência antes enunciada de alegação dos factos constituintes da causa de pedir no texto da petição. Aliás, esta exigência não se satisfaz sequer com a simples junção de documentos em que tais factos possam eventualmente ser mencionados ou de onde se possam extrair, desde que não seja feita menção de tais factos na petição inicial. Caso se entendesse o contrário, por absurdo, bastaria que o autor indicasse a identidade do réu e que pedido formula, juntando depois a esmo os documentos de onde, com maior ou menor atenção e dificuldade, se pudesse eventualmente concluir a causa de pedir. A exigência de as partes apresentarem nos seus articulados os factos essenciais da causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções (art. 5 nº 1 CPCivil) não tem respaldo na possibilidade de elas apresentarem documentos em substituição da alegação, porquanto os documentos servem para a prova dos factos, mas não para sua alegação (art. 362, 363 nº 1, 371 nº 1 e 376 nº 1 do CCivil). Acresce que, quaisquer factos que tenham sido fixados como provados num processo não podem ser importados para outro porque, nos termos do art. 421 nº 1 do CPC, o valor extraprocessual das provas apenas admite que os depoimentos e as perícias (e não os factos que permitiram provar) num processo com audiência contraditória da parte possam ser invocados noutro processo contra a mesma parte, desde que a produção de prova do primeiro processo não ofereça menos garantias”.
Nesta medida, improcede a arguida violação de regra processual consubstanciada na alegada obrigação do Tribunal a quo dirigir à A, ora recorrente, convite ao aperfeiçoamento da petição inicial.
Alega ainda a recorrente que a sentença recorrida violou o princípio do contraditório, ínsito no artigo 3.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, considerando que a presente decisão consubstancia uma verdadeira decisão-surpresa, inadmissível no quadro legal processual português, constituindo, inclusive, uma manifestação da tutela jurisdicional efetiva, consagrada no artigo 20.º da CRP, a qual consubstancia uma verdadeira nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 615.º/1, al. d) do CPC.
Sustenta a recorrente que o Tribunal a quo, violou as regras que asseguram o princípio do contraditório e da boa-fé processual (violação consumada na decisão proferida) porquanto: “i) Em sede de despacho saneador o Tribunal não identificou quaisquer irregularidades da instância, tendo fixado como único tema da prova o incumprimento contratual por parte da autora; Em sede de despacho saneador o Tribunal não identificou quaisquer irregularidades da instância, tendo fixado como único tema da prova o incumprimento contratual por parte da autora; ii) Foi realizada audiência de inquirição de sete testemunhas sobre todos o tema da prova e, bem assim, sobre toda a matéria essencial para a boa decisão da causa. Ou seja, mesmo que se admitisse a tese de que seria exigível o cumprimento do requisito previsto na Cláusula 3.ª/4 do contrato de fornecimento, relativo à receita global da sociedade, o mesmo deveria constar dos temas da prova, o que não sucedeu. Desta forma, o Tribunal a quo não podia, sob pena de incorrer em grave violação do princípio do contraditório e de sujeitar as partes a decisões-surpresa, proferir uma decisão formal sobre a causa (fundada na falta de alegação de factos supostamente essenciais), quando os mesmos nem foram incluídos nos temas da prova (Receita Global da Sociedade) e sobre os quais não foi produzida prova testemunhal e documental. Decidindo, inexpectavelmente desta forma, o Tribunal a quo, proferiu uma decisão sem antes dar ampla possibilidade às partes de, querendo, se pronunciarem sobre os fundamentos que a determinaram, e que não haviam sido discutidos e apreciados pelas partes, preterindo formalidades processuais expressamente prescritas na lei (cumprimento do contraditório). Na verdade, se o Tribunal considerasse que os autos não continham a alegação de factos essenciais, face à análise jurídica produzida sobre o acervo contratual e legal existente (conforme agora o fez), teria submetido à apreciação das partes a questão da falta de alegação de factos essenciais para a composição da causa de pedir”.
Adianta-se, desde já, que não tem razão a recorrente.
Sob a epígrafe “Necessidade do pedido e da contradição”, o artº 3º do CPC, determina que “O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição” (nº1), e que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”(nº3).
Como se retira de sumário de Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 02/12/2019, proferido no processo n.º 14227/19.8T8PRT.P1: “I - Existe, presentemente, uma conceção ampla do princípio do contraditório, a qual teve origem em garantia constitucional da República Federal Alemã, tendo a doutrina e jurisprudência começando a ligar ao princípio do contraditório de ideias de participação efetiva das partes no desenvolvimento do litígio e de influência na decisão, passando o processo visto como um sistema, dinâmico, de comunicações entre as partes e o Tribunal. II - Cabe ao juiz respeitar e fazer observar o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar a oportunidade às partes de, previamente, sobre elas se pronunciarem, sendo proibidas decisões-surpresa. III - Decisão - surpresa é a solução dada a uma questão que, embora previsível, não tenha sido configurada pela parte, sem que a mesma tivesse obrigação de a prever. IV - Com o aditamento do nº 3, do art. 3º, do CPC, e a proibição de decisões-surpresa, pretendeu-se uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior ênfase e utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa administração da justiça, reforçando-se, assim, a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios. (…)”.
Ora, seguindo o raciocínio da sentença recorrida (que agora não cabe examinar), isto é, que a A. omitiu factos constitutivos do direito que se arroga, conforme era seu ónus, face ao disposto no art. 5.º, n.º 1, do CPC, e 342.º, n.º 1, do CC, sendo tais factos essenciais à prova da sua pretensão, é evidente que não tem razão a A. quando sustenta que não teve oportunidade de se pronunciar e que o teor da decisão proferida pelo Tribunal a quo foi uma decisão surpresa, com violação do princípio do contraditório, pois, na verdade, não se pode dizer que veio a ser indevidamente confrontada com uma decisão que não era previsível, quando foi a A. que não diligenciou no sentido de fazer a prova adequada, não podendo considerar-se que estamos em presença de uma questão jurídica inesperada, desde logo, porque estando em causa apreciar e decidir se a A. tinha direito à quantia peticionada a título de valores mínimos, a improcedência da acção decorrente da ausência de pressupostos necessários para tal, era uma inevitabilidade, não havendo nenhuma razão que justificasse uma prévia intervenção do Tribunal no sentido de observância do disposto no nº 3 do art. 3º do CPC.
Assim sendo, improcede este fundamento do recurso, isto é, a violação do princípio do contraditório e da boa-fé processual resultante da tramitação processual adotada pelo Tribunal a quo.
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Quanto ao erro de julgamento da matéria de facto (quanto aos factos que foram julgados como provados e quanto aos factos que foram omitidos)
A Recorrente sustenta que:
i) Os factos assentes nos pontos 16) No ano de 2012, o fornecimento de água para consumo público não era assegurado pela Autora em todos os sistemas existentes no concelho ... geridos pelo Réu, em virtude de não existirem infraestruturas que ligassem o ponto de entrega do sistema a várias freguesias; 17) No ano de 2012, a recolha de efluentes do sistema próprio do Município não era assegurada em diversas localidades do conselho de ..., em virtude de não existirem infraestruturas de encaminhamento dos efluentes para as ETARs que a Autora construiu; 18) ) A fatura n.º 3130385073, emitida em 31.07.2012, não reflete o volume do mês de julho resultante das medições conjuntamente elaboradas entre representantes das [SCom01...] e os técnicos do Município ...; 19) A fatura n.º 3130385109, emitida em 31.08.2012, não reflete o volume do mês de agosto resultante das medições conjuntamente elaboradas entre representantes das [SCom01...] e os técnicos do Município ..., devem ser dados como não provados.
Quanto aos factos provados nos pontos 16 e 17 diz a recorrente que ao contrário do preconizado pelo Tribunal a quo, o Município não demonstrou nem através de prova documental, nem por prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento que não estavam executadas todas as infraestruturas que cabiam à Recorrente; Pelo contrário, resultou provado através da prova testemunhal produzida pela Recorrente em sede audiência de julgamento que foram construídas todas as infraestruturas previstas no Anexo I ao Contrato de Concessão, tendo inclusive a Recorrente ido mais além do que as freguesias previstas no Anexo suprarreferido, pelo que havia condições para proceder ao abastecimento de água e à recolha de efluentes do Município ...; Ficou assim provado que o problema não reside na falta de infraestruturas da alta, mas sim na ausência de infraestruturas da baixa que fizessem a ligação do ponto de entrega às ditas freguesias; Neste sentido, o depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 15/11/2017, 00:38:43, 01:13:48, 01:14:09, 01:14:39, entre 01:15:43 a 01:15:49 e entre 01:19:29 a 01:30:45 (horas, minutos, segundos) – que veio confirmar que todas as infraestruturas foram construídas pela Recorrente e que foi o Município que não construiu as infraestruturas que devia.
Vejamos.
Prescreve o art. 640º, nº1 do CPC: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No que respeita à especificação dos meios probatórios, a alínea a) do nº2 do referido artº 640º, estatui que “Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Nos termos do artigo 662º n.º 1 do CPC, a alteração da matéria de facto em recurso, só deve ser admitida, alterando-a, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Neste sentido, veja-se o que decidiu este TCAN em Acórdão de 11.02.2011, no Processo n.º 00218/08BEBRG: “1. O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1.ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto. 2. Assim, se, na concreta fundamentação das respostas aos quesitos, o Sr. Juiz (...) justificou individualmente as respostas dadas, fazendo mesmo referência, quer a pontos concretos e decisivos dos diversos depoimentos, quer a comportamentos específicos das testemunhas, aquando da respetiva inquirição, que justificam a opção por uns em detrimentos de outros, assim justificando plena e convincentemente a formação da sua convicção, não pode o Tribunal de recurso alterar as respostas dadas”.
In casu a recorrente cumpre o ónus a seu cargo indicando os concretos prontos de facto que considera incorrectamente julgados, especificando os meios de prova que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos (16 e 117) e indica as passagens da gravação do depoimento da testemunha «AA», que segundo a recorrente confirmou que todas as infraestruturas foram construídas pela Recorrente e que foi o Município que não construiu as infraestruturas que devia e que considera relevantes para alterar os factos 16) e 17) de provados para não provados.
O Tribunal a quo na motivação da decisão sobre a matéria de facto que integra os pontos 16 e 17 do probatório refere que “resulta da alegação do R. na sua contestação (artº 16º, 30º e 31º) e prende-se com o efectivo fornecimento de água para consumo público a todos os sistemas multimunicipais existentes no concelho ... e a recolha de efluentes do sistema do Município no ano de 2012” fê-lo com base na prova testemunhal produzida, concretamente, no depoimento de “1) «AA», engenheiro civil, desempenhava, à data, as funções de diretor da área de exploração; 2) «CC», engenheiro civil, diretor do departamento de obras municipais do Réu; 3) «EE», eletricista com funções no departamento de obras municipais do Réu; 4) «DD», Presidente da Câmara Municipal ... à data dos factos”.
Refere o Tribunal a quo que “Para a formação da convicção do Tribunal nesta matéria, relevou desde logo o depoimento da testemunha referida em 1), que revelou um conhecimento próximo da factualidade em questão, face às funções que desempenhava à data junto da Autora. Esta testemunha confirmou a factualidade descrita, pese embora tenha manifestado a sua convicção no sentido de que seria o Réu quem estaria em incumprimento do contrato perante a Autora. Segundo a testemunha, foi feito um investimento superior a EUR 9.000.000,00 no subsistema de abastecimento de água do ... e terá sido o Município quem não permitiu fazer a ligação, continuando a usar outros pontos que não este sistema. Quanto ao saneamento, a testemunha referiu que a Autora construiu duas ETARs, tendo reabilitado a ETAR de ... através de um investimento de cerca de EUR 1.400.000,00, e que o efluente que chegava à ETAR foi-se reduzindo substancialmente entre 2010 e 2012. A testemunha afirmou ainda que foi detetada a existência de um bypass na última caixa de ligação, o que veio a ser confirmado pelas testemunhas referidas em 2) e 4). Esta testemunha afirmou que o subsistema foi projetado e construído para servir todas as populações abrangidas pelo contrato de concessão, tendo a [SCom01...] ido mais além do que o contratualmente previsto, abrangendo freguesias que não estavam previstas. Segundo relatou, existem pontos de entrega e existe capacidade para todas as localidades, o Município é que não construiu as infraestruturas para lá fazer chegar a água. Embora identificando algumas especificidades das soluções face ao que se encontrava previsto, nomeadamente quanto a ..., a testemunha afirmou que o subsistema em alta está preparado para todas as freguesias da responsabilidade da [SCom01...]. O teor do depoimento vai ao encontro do depoimento prestado pelas testemunhas referidas em 2), 3) e 4). A testemunha referida em 2), que revelou um conhecimento próximo dos factos face às suas funções de diretor do departamento de obras municipais, afirmou que inexistiam pontos de entrega em determinadas freguesias, como seja em ..., e afirmou a necessidade de se “interligar a alta com a baixa”. Conforme relata a testemunha, o problema reside nesta última questão, sendo por si sustentado que a responsabilidade por fazer a ligação seria da Autora. Tais considerações resultaram genericamente corroboradas pelo depoimento das testemunhas referidas em 3) e 4), que também revelaram proximidade com a factualidade em questão face às respetivas funções. Em tais depoimentos foi ainda afirmado que, à data dos factos, existiam fossas séticas em ..., inexistindo sistemas de recolha em tais localidades. Ora, da concatenação dos depoimentos prestados, o tribunal pôde concluir que, efetivamente, quer ao nível do abastecimento, quer ao nível do saneamento, a distribuição e a recolha não era, no ano a que se reportam as faturas, assegurada em várias freguesias, em virtude da inexistência de infraestruturas de encaminhamento, conforme descrito nos pontos 16 e 17 do probatório. A divergência entre os depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas reside sobretudo na imputação da responsabilidade pela construção de tais infraestruturas de ligação aos pontos de entrega. Contudo, tal questão traduz-se numa questão jurídica, que adiante se analisará”.
Como se pode constatar, a conclusão do Tribunal recorrido no que tange ao fornecimento de água e à recolha de efluentes do sistema próprio do Município no ano de 2012, resulta da concatenação dos depoimentos das testemunhas «AA», «CC», «EE» e «DD».
A recorrente fundamenta a sua discordância com os factos 16 e 17 porque considera que o Município não demonstrou que não estavam executadas todas as infraestruturas que cabiam à Recorrente e fá-lo essencialmente com base no depoimento da testemunha «AA», que considera que veio confirmar que todas as infraestruturas foram construídas pela Recorrente e que foi o Município que não construiu as infraestruturas que devia.
A sentença recorrida, teve em linha de conta o depoimento dessa testemunha que “afirmou que o subsistema foi projetado e construído para servir todas as populações abrangidas pelo contrato de concessão, tendo a [SCom01...] ido mais além do que o contratualmente previsto, abrangendo freguesias que não estavam previstas”, mas esse depoimento, como se impunha, foi articulado com os demais depoimentos prestados e dessa articulação não resulta a conclusão a que chega a recorrente.
Assim, fazendo a análise crítica e conjugada dos aludidos depoimentos, não há qualquer motivo para que este Tribunal se desvie do juízo efectuado pelo Tribunal recorrido.
Conclui-se, pois, que compulsada a prova produzida, não podem restar dúvidas que os factos 16) e 17) da matéria de facto provada devem manter-se inalterados, confirmando-se a análise crítica efectuada pelo Tribunal a quo quanto a essa factualidade.
Em consequência, improcede o recurso nesta parte.
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Quanto à factualidade que integra os pontos 18 e 19 do probatório resulta da alegação do Réu em sede de contestação (v. artigos 45º e 46º) e prende-se com a desconformidade das faturas n.º 3130385073 e n.º 3130385109, emitidas em 31.08.2012 e 31.07.2012, respectivamente, não refletirem o volume do mês de julho e Agosto com as medições conjuntamente elaboradas entre representantes das [SCom01...] e os técnicos do Município ....
No que tange a essa factualidade consta da motivação da matéria de facto da sentença recorrida o seguinte: “No que respeita à factualidade constante dos pontos 18 a 20 do probatório, a convicção do tribunal resulta predominantemente da análise dos documentos juntos a fls. 215 e ss dos autos. Tais documentos consistem em 3 ofícios, datados de 13.09.2012, 17.09.2012 e de 19.10.2012, através do qual o Réu procedeu à devolução das faturas em causa, entre outras, com base na incorreção das mesmas face às medições conjuntamente elaboradas. A tais ofícios encontram-se juntas não apenas as faturas, como também os registos de medições efetuados nas ETARs de ..., ... e de .... A discrepância entre as medições e as faturas descrita na factualidade em questão resulta desde logo do confronto dos registos de medições com os valores faturados. Não obstante, tal factualidade foi ainda corroborada pelo depoimento das testemunhas «FF» e «GG». A primeira destas testemunhas era o funcionário que se deslocava ao local para efetuar as medições e que confirmou como sua a assinatura aposta aos registos de medições. Esta testemunha afirma que existiam diferenças entre as medições e as faturas, umas a favor da Autora, outras a favor do Município. A segunda das testemunhas referidas desempenha as funções junto do departamento financeiro do Réu e confirmou a discrepância entre medições e faturas, bem como a devolução destas últimas à Autora. A este respeito, resta apenas referir que a testemunha «AA» referiu no seu depoimento, que, a partir da criação da sociedade [SCom02...], S.A., tinha havido lugar à aplicação de um método de cálculo que tinha em conta caudais médios, em virtude das águas pluviais”.
Como já referimos, o Recorrente tem sempre que indicar os concretos prontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; o Recorrente deve especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos: relativamente aos pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da referida especificação dos meios de prova, o Recorrente está obrigado a indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; e, na motivação, o Recorrente tem de expressar a decisão, no seu entendimento, que deve ser proferida sobre os concretos prontos de facto que impugnou, tendo em atenção a apreciação crítica dos meios de prova produzidos.
Neste sentido, entre outros, pode ler-se em sumário de Acórdão do STJ de 29/10/2015, Processo 233/09.4TBVNC.G1.S1: “1. Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº1 do art. 640º do CPC; e um ónus secundário - tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas - indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes (e que consta actualmente do art. 640º, nº2, al. a) do CPC). 2. Este ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando - apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento - como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento complemente tal indicação com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso”.
No caso presente, a recorrente no que tange aos factos 18) e 19) limita-se a concluir que, quanto a esses factos, há manifesta ausência de prova que permita dar por provados tais factos, pois que, ao contrário do preconizado pelo Tribunal a quo, as diferenças entre as medições das faturas em causa resulta da metodologia aplicada- critério dos caudais modelados; Tendo resultado provado que a Recorrente aplicava o critério dos caudais modelados, sendo feito no final do ano um acerto entre o caudal faturado com base em tal critério e o caudal real, o que deu lugar à emissão de uma nota de crédito a favor do Município, a qual este usou para compensar o pagamento dos serviços em 2013; Além de que resultou também provado em sede de prova testemunhal que o Município tinha pleno conhecimento da aplicação de tal critério.
Na verdade, por um lado, a recorrente omite os meio probatórios que levam a concluir que as desconformidades nas medições se deviam a diferentes metodologias no que tange às medições e que ao caso concreto se aplicava o critério dos caudais modelados, sendo feito no final do ano um acerto entre o caudal faturado com base em tal critério e o caudal real, limitando-se a afirmar que assim era e que essa situação era do conhecimento do R. e que tal resultava de prova testemunhal, omitindo, em absoluto, a indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados dos excertos da gravação de onde tal resulta bem assim como a identificar os documentos de onde retirava essa conclusão.
Assim sendo, omitindo o recorrente o cumprimento do ónus processual fixado art. 640º do CPC, impõe-se a imediata rejeição da impugnação da matéria de facto.
Em consequência, improcede nesta parte o recurso interposto.
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ii) Deverão ser aditados novos factos ao elenco de factos provados que, segundo a recorrente, resultam dos depoimentos prestados pelas testemunhas (reapreciação da prova gravada) e da prova documental produzida, pois entende que tais novos factos sempre serão essenciais para a correta decisão dos presentes autos e que sempre deverão ser dados por provados, pois que não foram considerados pelo Tribunal a quo, apesar de a prova ter sido produzida.
Factos a aditar e respectivos fundamentos segundo a recorrente:
1. A Recorrente construiu todas as infraestruturas previstas no Plano Geral Anexo ao Contrato de Concessão, estando em condições de abastecer as freguesias do Município ... aí previstas.
Fundamentos:
a. Contrato de Concessão, junto como DOC. 1 à Petição Inicial apresentada pela Recorrente – mormente Anexo I que estabelece o Projeto Global que a Concessionária tinha de respeitar, construindo as infraestruturas nele previstas.
b. Ofício datado de 09/03/2005, junto como DOC. 3 à Petição Inicial, junto pela Recorrente ao requerimento de 27/11/2017 – pois que, tal como se retira desse ofício as infraestruturas que a Recorrida invoca não estarem construídas não estão previstas no Plano Geral, sendo que a Recorrente já foi mais além ao alargar a área de atendimento a zonas não previstas no Contrato de Concessão.
c. . Não obstante, tal convicção também resulta cabalmente provada do depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 15/11/2017, entre 00:33:59 e 00:38:43 (horas, minutos, segundos), e entre 01:14:09 a 01:14:39 (horas, minutos, segundos), em 01:19:29 (horas, minutos, segundos), entre 01:23:17 a 01:25:42 (horas, minutos, segundos), em 01:26:04 (horas, minutos, segundos), em 01:29:48 (horas, minutos, segundos), em 01:30:45 (horas, minutos, segundos)e entre 01:46:44 a 01:47:09 (horas, minutos, segundos) - pois que, enquanto diretor da área da exploração, à data dos factos, avaliava anualmente os municípios que se encontravam em violação de exclusividade, por via da análise dos caudais tratados ou dos caudais fornecidos e também comparando com os volumes expectantes e os volumes previstos no estudo de viabilidade económico-financeira. Além disso tinha conhecimento das infraestruturas construídas, as que se encontravam em funcionamento e as que não estavam por razões imputáveis ao Município.
2.O Município ... não construiu as infraestruturas de baixa que fizessem as ligações aos pontos de entrega, como era sua obrigação”;
Fundamentos:
a. Convicção que também resulta cabalmente provada do depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 15/11/2017, entre 00:33:59 e 00:38:43 (horas, minutos, segundos), e entre 01:14:09 a 01:14:39 (horas, minutos, segundos), em 01:19:29 (horas, minutos, segundos), entre 01:23:17 a 01:25:42 (horas, minutos, segundos), em 01:26:04 (horas, minutos, segundos), em 01:29:48 (horas, minutos, segundos), em 01:30:45 (horas, minutos, segundos)e entre 01:46:44 a 01:47:09 (horas, minutos, segundos) - pois que, enquanto diretor da área da exploração, à data dos factos, avaliava anualmente os municípios que se encontravam em violação de exclusividade, por via da análise dos caudais tratados ou dos caudais fornecidos e também comparando com os volumes expectantes e os volumes previstos no estudo de viabilidade económico-financeira. Além disso tinha conhecimento das infraestruturas construídas, as que se encontravam em funcionamento e as que não estavam por razões imputáveis ao Município.
3. “Os Valores Mínimos Garantidos aplicados ao Réu foram calculados de acordo com o projeto de revisão ao contrato de concessão, por se revelar mais vantajoso para o Município”.
Fundamentos:
a. DOC. 1, junto à Petição Inicial apresentada pela Recorrente;
b. Ofício datado de 06/02/2013, junto como Doc. 25 e 26 pela Recorrente à Petição Inicial apresentada que refere “Junto enviamos as nossas Faturas n.º 2300000050 e 2300000051 no valor de 124.939,80€ e 619.613,07€ respectivaemnte que resulta da diferença entre o valor facturado em 2012 e o valor mínimo garantido constante da proposta de revisão do Contrato de Concessão.
c. Factos que foram também corroborados pelo depoimento prestado pela testemunha «BB», constante da gravação da audiência realizada no dia15/11/2017, entre 00:17:13 e 00:18:18 (horas, minutos, segundos) e entre 00:26:18 e 00:27:06 (horas, minutos, segundos) – pois que, considerando que pertencia ao departamento financeiro da Recorrente, sendo a pessoa responsável pela liquidação (i.e., pela quantificação) dos valores mínimos garantidos, responde, que os valores mínimos que foram “calculados” são os que resultam da revisão do contrato de concessão porque mais vantajosos para o Município, atualizados a preços de 2012, conforme expressamente determina o próprio contrato;
4. O Valor Mínimo Garantido previsto na proposta de revisão ao contrato de concessão para o fornecimento de água para o ano de 2012 é de € 586.403,98 (quinhentos e oitenta e seis mil, quatrocentos e três euros e cinquenta e noventa e oito cêntimos).
Fundamento:
a. DOC. 25 e 26, junto à Petição Inicial apresentada pela Recorrente;
5. O Município Réu apenas faturou de Serviços de Abastecimento de Água, durante 2012, o montante de € 1.863,34 (mil, oitocentos e sessenta e três euros e trinta e quatro cêntimos).
Fundamentos:
a. Faturas 2300000050 e 2300000051, juntas pela Recorrente à Petição Inicial apresentada;
b. Ofício datado de 06/02/2013, junto pela Recorrente à Petição Inicial apresentada;
6. O Valor Mínimo Garantido previsto na proposta de revisão ao contrato de concessão para o serviço de recolha de efluentes para o ano de 2012 é de € 312.813,03 (trezentos e doze mil, oitocentos e treze euros e três cêntimos).
Fundamento: DOC. 25 e 26, junto à Petição Inicial apresentada pela Recorrente;
7. O Município Réu apenas consumiu Serviços de Recolha de Efluentes, durante 2012, no montante de € 194.945,29 (cento e noventa e quatro mil, novecentos e quarenta e cinco euros e vinte e nove cêntimos)”.
Fundamentos.
a. Faturas 2300000050 e 2300000051, juntas pela Recorrente à Petição Inicial apresentada;
b. Ofício datado de 06/02/2013, junto pela Recorrente à Petição Inicial apresentada;
c. Acrescendo que, tal factualidade nunca foi impugnada pela Recorrida, e os mesmos constam, também, do Doc. 25 junto com a PI, motivo pelo qual tal factualidade sempre deverá ser considerada assente, por acordo.
8. “O Município Réu encontrava-se a abastecer pelos seus próprios meios, em total violação do exclusivo previsto no Contrato de Concessão.
Fundamentos:
a. depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 15/11/2017, em 00:33:59, 00:38:43, 00:42:11, 00:46:01 e entre 00:48:15 a 01:04:58 (horas, minutos, segundos)– pois que resulta que a Recorrida só não atingiu os valores mínimos contratados para o ano de 2012, porquanto se encontrava a abastecer o município por meios próprios e colocou um bypass na ETAR de ... que procedia ao desvio dos efluentes para um linha de água próxima;
b. depoimento prestado pela testemunha «CC», constante da gravação da audiência realizada no dia 15/11/2017, entre 01:45:53 a 01:58:34 (horas, minutos, segundos) – diretor de departamento de obras municipais do Município Réu que vem corrobora o depoimento prestado pela testemunha supra- não só admite a construção do bypass, como ainda que o Município era parcialmente abastecido pelos seus próprios meios;
9. A Recorrente faturava de acordo com a metodologia dos caudais modelados, sendo que no princípio do ano seguinte ao faturado era feito o acerto ao Município mediante a divergência verificada entre o caudal efetivamente tratado e o caudal faturado.
Fundamento:
a. depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 15/11/2017, entre 00:53:07 a 01:00:54 (horas, minutos, segundos) e entre 01:06:16 e 01:11:16 (horas, minutos, segundos) – pois que esclarece a testemunha que em virtude da insatisfação dos municípios face à faturação das águas pluviais foi proposto aos municípios faturar de acordo com os caudais modelados. Explicou ainda a testemunha como funciona a metodologia dos caudais modelados, referindo que no final do ano existe um acerto entre o faturado com base em tal critério e o caudal real, o que deu lugar no caso do Município a um crédito de 222.980.000€.
Vejamos
Os factos supra elencados e que a recorrente pretende que sejam aditados à matéria de facto provada correspondem a factos por si alegados? E são relevantes para a decisão da causa que, recorde-se, se prende com o direito da A. ao pagamento da quantia de € 744.552,87, correspondente a valores mínimos garantidos bem assim como ao pagamento de facturas n.ºs 3130385073 e 3130385109 respeitantes a serviços de saneamento?
Perscrutada a petição inicial da acção, desde logo, não os descortinamos e o que é facto é que a recorrente também não se refere a eles como factos por si alegados.
Na verdade, a A. limitou-se a alegar que “1. Nos termos do Decreto-Lei n.° 270-A/2001, de 6 de Outubro, foi criado o sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro (…) 2…foi, entregue à A. a exploração, tratamento e fornecimento de água em alta e saneamento”; 3. “naquele âmbito, a A. fornece os Municípios, que por sua vez fazem a distribuição local de água ao consumidor final, assim como, cobram, directamente, ao consumidor final as taxas de saneamento básico, tudo conforme melhor consta do Decreto-Lei n.° 270-A/2001, de 6 de Outubro e do contrato de concessão celebrado entre o estado Português e a R., em 26 de outubro de 2001…”; 6. “nessa decorrência, foram, continuamente prestados os referidos serviços de saneamento e fornecimento de água, à ora R.”; 7. 2E, consequentemente, foram emitidas e enviadas à R., que as recebeu, as facturas, nas datas valores e com os ..valores” que enumera ; 9. “não obstante, interpelada a R., para efectuar o pagamento, a mesma não o fez, encontrando-se por liquidar a quantia de 843 813,17” (…) 10… valor acrescido dos competentes juros de mora, no valor de € 60 193,39 … o que perfaz o total de € 904 006,56 …”.
A recorrente quer, agora, o aditamento de factos ao rol de factos provados, limitando-se a, em relação a cada um desses factos que pretende aditar, referir os elementos de prova dos quais entende resultarem provados factos que não foram considerados provados pelo Tribunal a quo e que considera que devem ser aditados por este Tribunal de recurso.
Ora, por um lado, os elementos de prova, por si, não permitem ao Tribunal fixar factos que simplesmente não foram articulados nas peças processuais e a que o tribunal deva responder, à luz do disposto no art.º 607.º n.º 4 do CPC e, por outro, não pode olvidar-se que o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes e que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir “- art.º 5.º 1 do CPC.
Acresce sublinhar que, da contestação do R./recorrido não se retira a alegação de factos que se relacionem directa ou indirectamente com os factos que se pretende aditar e que em nenhum dos articulados se vêm outros factos dos quais aqueles, alegadamente desconsiderados, pudessem ser instrumentais ou complementares, nem a Recorrente faz apelo a essa relação de complementaridade nas alegações de recurso.
Como se pode ler em Acórdão do STA de 30/11/2022 processo nº 23994/16.0T8LSB-F.L1.S1, “São factos essenciais, do ponto de vista da posição do A., os que integram a causa de pedir, isto é, aqueles em que se baseia a pretensão do A. deduzida judicialmente; são os factos que concretizam e densificam a previsão normativa em que se funda a pretensão deduzida. Além destes factos – que podemos designar como “factos essenciais nucleares” – são ainda essenciais os factos que sejam deles complemento ou concretização (nos termos do art. 5.º/2/b) do CPC), embora não façam parte do núcleo essencial da situação jurídica alegada pelo A.. São factos instrumentais aquela cuja ocorrência conduz à demonstração, por dedução, dos factos essenciais. São factos de cuja prova não depende a procedência da ação (não integram a causa de pedir), sendo antes factos de cuja demonstração pode inferir-se terem-se verificado os factos essenciais: a sua função é probatória, porquanto servem fundamentalmente para formar a convicção do julgador sobre a ocorrência ou não dos factos essenciais. Sucedendo que os “factos essenciais nucleares” devem ser alegados pelas partes (nos termos do art. 5.º/1 do CPC) e só por estas, estando vedado ao tribunal servir-se de factos essenciais que por elas não hajam sido alegados[13]; regra esta que, com a reforma processual de 2013 (Lei 41/2013, de 26 de Junho), deixou de valer totalmente (como até tal reforma processual) para os “factos essenciais complementares ou concretizadores” dos factos essenciais, os quais, caso resultem da instrução da causa, o juiz passou a poder conhecer oficiosamente[14], desde que sobre os mesmos e sobre a sua atendibilidade (na sentença) seja exercido o devido contraditório (atento o disposto nos art. 3.º/3 e 5.º/2/b) do CPC), ou seja, desde que o juiz anuncie às partes, antes do encerramento da audiência, que está a equacionar tal “mecanismo” (previsto no art. 5.º/2/b) do CPC) de ampliação da matéria de facto. Sucedendo, ao invés, que os factos instrumentais não carecem de alegação, como claramente resulta do art. 5.º/2/a) do CPC; e que resultando provados da discussão e julgamento da causa nada impede que sejam considerados na fundamentação da decisão da matéria de facto (é por isto que a discriminação dos factos que o juiz considere provados, imposta pelo art. 607.º/3 do CPC, respeita tão só aos factos essenciais, situando-se o campo privilegiado dos factos instrumentais na motivação da convicção do julgamento de facto, sendo este o sentido do segmento “indicando as ilações tiradas de factos instrumentais” constante do art. 607.º/4 do CPC). E, quanto ao momento de alegação, devem os factos essenciais (respeitantes ao A.), ser articulados na petição inicial (art. 552.º/1/d) do CPC); e caso ocorram depois de terminados os prazos para apresentação dos articulados (superveniência objetiva) ou, embora ocorrendo antes, caso tenham sido conhecidos pela parte que deles se quer aproveitar apenas depois (superveniência subjetiva), podem ser alegados nos termos do art. 588.º do CPC, ou seja, em relação aos factos essenciais supervenientes, admite-se a sua introdução no processo mediante articulado superveniente, havendo prazos estritos para apresentação de articulados supervenientes – segundo o art. 588.º/3, o articulado superveniente é oferecido ”a) na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos, até ao respetivo encerramento, b) nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia, c) na audiência final, se os factos ocorrerem ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores” – decorridos os quais preclude o direito de o fazer (o direito de introduzir tais factos no processo)”.
Aqui chegados, com os fundamentos expostos, face à ausência de alegação dos factos que a A. pretende levar ao probatório, importa concluir que improcede o pretendido aditamento de novos factos ao rol de factos provados.
Em consequência, improcede nesta parte o recurso interposto.
*
Decidida a impugnação da decisão de facto, vejamos agora se está correto o enquadramento jurídico constante da sentença recorrida.
QUANTO AO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO
quanto à exigibilidade dos valores mínimos garantidos.
A sentença recorrida quanto às faturas que dizem respeito aos consumos mínimos garantidos referentes ao ano de 2012, que correspondem às notas de débito n.º 2300000050 e n.º 2300000051, no valor global de EUR 744.552,87, que dizem respeito a valores mínimos garantidos, faturados ao abrigo do contrato de concessão e dos contratos de fornecimento de água e de recolha de efluentes decidiu o seguinte:
Neste âmbito, vigoram as bases do contrato de concessão da exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de captação, tratamento e abastecimento de água para consumo público encontram-se definidas no Decreto-lei n.º 319/94, de 24 de dezembro, que as publica em anexo, e as bases do contrato de concessão da exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de recolha, tratamento e rejeição de efluentes encontram-se definidas no Decreto-lei n.º 162/96, de 04 de setembro, que por sua vez também publica tais bases em anexo. À data da celebração do contrato de concessão e dos contratos de fornecimento e recolha, o Decreto-lei 319/94, de 24 de dezembro, que aprovou as bases atinentes à concessão no âmbito da captação, tratamento e abastecimento de água para consumo público, previa, a respeito dos valores mínimos, na Base XXVIII, o seguinte: “2 - Os contratos de concessão e de fornecimento fixarão o volume de água para consumo público que cada utilizador se propõe adquirir à concessionária com referência a um valor mínimo e um valor máximo. 3 – O valor mínimo significa o volume de segurança de água disponível de que a concessionária carece, como condição a garantir a todo o tempo pelo utilizador para equilíbrio da concessão, independentemente do consumo efetivo do utilizador.” Por seu turno, o Decreto-lei n.º 162/96, de 4 de setembro, que aprovou as bases atinentes à concessão no âmbito da recolha, tratamento e rejeição de efluentes, previa, a este respeito, na Base XXVIII, o seguinte: “3 – Os contratos de concessão e de recolha fixarão o volume de efluentes que cada utilizador se propõe entregar à concessionária, com referência a um máximo que a concessionária se obriga a garantir, com ressalva das situações referidas nos números anteriores. 4 – Os contratos de concessão e de recolha fixarão os valores garantidos mínimos a receber pela concessionária ou os volumes mínimos a receber pela concessionária ou os volumes mínimos de efluentes a afluir ao sistema, de que a concessionária carece como condições a garantir a todo o tempo pelo utilizador para equilíbrio da concessão, independentemente da recolha efetiva de efluentes em relação ao utilizador.” No contrato de concessão, mais concretamente no n.º 1 da cláusula 16.ª, encontra-se previsto o recebimento, por parte da concessionária, de valores mínimos garantidos, como condição do equilíbrio económico-financeiro da concessão (cfr. ponto 2 do probatório). Por sua vez, nos contratos de fornecimento e de recolha, no n.º 4 das respetivas cláusulas 3.ªs , encontra-se prevista a possibilidade de cobrança de valores mínimos garantidos, desde que a receita global da Sociedade seja inferior à prevista no orçamento, nos seguintes termos: “Os valores mínimos garantidos a entregar pelo Município, os quais constituem uma condição essencial do equilíbrio da concessão, são os fixados no Anexo 1. Até 31 e Dezembro de 2004, os valores mínimos fixados no anexo 1 poderão não ser garantidos, sem prejuízo da cláusula 16ª do contrato de concessão. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os valores mínimos serão garantidos sempre que, em cada ano, a receita global da Sociedade seja inferior à prevista no orçamento desse ano.” (cfr. pontos 3 e 4 do probatório). Sucede que não vêm invocados pela Autora nos autos quaisquer factos essenciais atinentes à quantificação da receita global da sociedade ou do orçamento para os anos em causa, sendo a p.i. totalmente omissa a este respeito e não tendo tão pouco resultado da instrução da causa quaisquer factos instrumentais a tal respeito. Ou seja, não resultou demonstrado nos autos que a receita global da Autora fosse, nesse ano, inferior à prevista no orçamento, o que constituía uma das condições contratualmente exigidas para a cobrança dos valores mínimos garantidos (cfr. pontos 3 e 4 do probatório). Não tendo a Autora alegado e demonstrado os factos constitutivos do direito que se arroga, conforme era seu ónus, face ao disposto no art. 5.º, n.º 1, do CPC, e 342.º, n.º 1, do CC, falece necessariamente a sua pretensão de pagamento das notas de débito atinentes a valores mínimos garantidos. Assim, improcede necessariamente a pretensão da Autora, nesta parte.”
Sustenta a recorrente, em síntese, que o Tribunal a quo erra no julgamento de Direito ao admitir que a convenção das partes (Concessionária e Municípios utilizadores) estabelecida nos contratos de fornecimento e recolha relativamente à exigibilidade do requisito da Receita Global prevalece sobre a LEI (BASES XXVIII DA CONCESSÃO, em qualquer das versões legalmente aprovadas) e sobre o CONTRATO DE CONCESSÃO (celebrado entre o Estado e a Concessionária); Erra no julgamento de Direito ao não aplicar o Decreto-Lei n.º 195/2009 que veio alterar as Bases da Concessão e entrou em vigor em 1 de janeiro de 2010, pelo que era aplicável ao caso em apreço.
Vejamos.
Resulta do probatório que em 26-10-2001, foi celebrado o contrato de concessão do “Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro” entre o Estado Português e a Autora, por um prazo de 30 anos, para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes de vários municípios, incluindo o Réu, aqui recorrido.
Na cláusula 16.ª do referido contrato de concessão, estabeleceu-se o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Resulta, ainda, do probatório que, em 26.10.2001, foi celebrado entre o Município ... e a [SCom01...], S.A. um contrato intitulado “CONTRATO DE FORNECIMENTO ENTRE O Município ... E A [SCom01...]”, de acordo com o qual se fixou na cláusula 3ª o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Em 26.10.2001, foi celebrado entre o Município ... e a [SCom01...], S.A. um contrato intitulado “CONTRATO DE RECOLHA DE EFLUENTES ENTRE O Município ... E A [SCom01...]”, com o seguinte teor parcial:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Mais resulta provado que, no âmbito da concessão referida no ponto 1 do probatório, foram prestados pela Autora serviços de saneamento e de fornecimento de água ao Réu; que A Autora emitiu ao Réu uma nota de débito com o n.º 2300000050, datada de 31.01.2013, no valor total de EUR 124.939,80, da qual consta uma descrição com o seguinte teor parcial: “Valores mínimos garantidos nos termos da cláusula 3ª dos respetivos contratos de fornecimento e de recolha de efluentes, da cláusula 16.ª do contrato de concessão, e da revisão operada às bases de concessão da exploração e da gestão de serviços nos sistemas multimunicipais pelo D. Lei 195/2009 de 20 de agosto. Valor real facturado SAR em 2012 – 194.945,29 eur Valor mínimo garantido – 312.813,03 eur”; A Autora emitiu ao Réu uma nota de débito com o n.º 2300000051, datada de 31.01.2013, no valor total de EUR 619.613,07, da qual consta uma descrição com o seguinte teor parcial: “Valores mínimos garantidos nos termos da cláusula 3ª dos respetivos contratos de fornecimento e de recolha de efluentes, da cláusula 16.ª do contrato de concessão, e da revisão operada às bases de concessão da exploração e da gestão de serviços nos sistemas multimunicipais pelo D. Lei 195/2009 de 20 de agosto. Valor real facturado SAR em 2012 – 1.863,34 eur Valor mínimo garantido – 586.403,98 eur”.

À data da celebração do contrato de concessão e dos contratos de fornecimento e recolha, vigorava o Decreto-lei 319/94, de 24 de dezembro, que aprovou as bases atinentes à concessão no âmbito da captação, tratamento e abastecimento de água para consumo público, previa, a respeito dos valores mínimos, a Base XXVIII, o seguinte:
1 - A concessionária obriga-se a fornecer a cada um dos utilizadores, mediante contrato, a água necessária para alimentar os respectivos sistemas municipais, com ressalva das situações de força maior ou de caso imprevisto ou razões técnicas julgadas atendíveis pelo Ministro do Ambiente e Recursos Naturais.
2 - Os contratos de concessão e de fornecimento fixarão o volume de água para consumo público que cada utilizador se propõe adquirir à concessionária com referência a um valor mínimo e a um valor máximo.
3 - O valor mínimo significa o volume de segurança de água disponível de que a concessionária carece, como condição a garantir a todo o tempo pelo utilizador para equilíbrio da concessão, independentemente do consumo efectivo do utilizador.
4 - O valor máximo significa o volume de água contratado que a concessionária se obriga a garantir, com ressalva das situações referidas no n.º 1.
Por seu turno, o Decreto-lei n.º 162/96, de 4 de setembro, que aprovou as bases atinentes à concessão no âmbito da recolha, tratamento e rejeição de efluentes, previa, a este respeito, na Base XXVIII, o seguinte: “3 – Os contratos de concessão e de recolha fixarão o volume de efluentes que cada utilizador se propõe entregar à concessionária, com referência a um máximo que a concessionária se obriga a garantir, com ressalva das situações referidas nos números anteriores. 4 – Os contratos de concessão e de recolha fixarão os valores garantidos mínimos a receber pela concessionária ou os volumes mínimos a receber pela concessionária ou os volumes mínimos de efluentes a afluir ao sistema, de que a concessionária carece como de condições a garantir a todo o tempo pelo utilizador para equilíbrio da concessão, independentemente da recolha efetiva de efluentes em relação ao utilizador.”
Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 319/94, de 24 de dezembro foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 195/2009, de 20 de agosto, passando a Base XXVIII a consagrar o seguinte:
“1 - A concessionária obriga-se a fornecer a cada um dos utilizadores, mediante contrato, a água necessária para alimentar os respectivos sistemas municipais, com ressalva das situações de força maior ou de caso imprevisto ou razões técnicas julgadas atendíveis pelo membro do Governo responsável pela área do ambiente.
2 - Os contratos de concessão e de fornecimento fixam o volume de água para consumo público que cada utilizador se propõe adquirir à concessionária com referência a um máximo que a concessionária se obriga a garantir com ressalva das situações referidas no número anterior.
3 - Os contratos de concessão e de fornecimento, de forma a garantir o equilíbrio da concessão, fixam os valores mínimos anuais que cada utilizador se compromete a pagar à concessionária sempre que o valor resultante da facturação da utilização do serviço seja inferior àqueles.
4 - O disposto no número anterior vigora desde a outorga do contrato de concessão até ao termo do primeiro terço do prazo inicial da concessão ou, posteriormente, se o valor resultante da facturação for inferior aos mínimos por motivo imputável ao utilizador.
5 - Os utilizadores podem recusar o pagamento dos valores mínimos no caso de se verificar o atraso na realização dos investimentos necessários à prestação do serviço no respectivo território por motivo que seja imputável à concessionária”.
O que significa que o Decreto-Lei n.º 195/2009 introduziu requisitos para a cobrança dos valores mínimos por parte da concessionária, a constar do contrato de concessão, em moldes diferentes daqueles que haviam sido outorgados pela A. e pelo R., na vigência da anterior redacção das bases aplicáveis.
De facto, ao passo que os contratos de fornecimento e recolha exigiam, para a cobrança de valores mínimos garantidos, que em cada ano a receita global da Sociedade Autora fosse inferior à prevista no orçamento desse ano, o Decreto-Lei n.º 195/2009 veio estabelecer a possibilidade de cobrança dos valores mínimos sempre que a facturação seja inferior a tais valores no primeiro terço da concessão e, posteriormente, sempre que a insuficiência da facturação resulte de motivo imputável ao utilizador.
Aquilo que cumpre desde logo apurar é se a alteração legislativa efectuada pelo Decreto-Lei n.º 195/2009, com início de vigência em 01.01.2010, introduziu alguma alteração aos contratos de fornecimento e de recolha celebrados entre as partes, nesta matéria.
De acordo com o art.º 10º do Decreto-Lei 195/2009, “O disposto no presente decreto-lei prevalece sobre o disposto nos contratos de concessão em vigor, ficando as concessionárias desoneradas da obrigação de manutenção dos fundos de renovação existentes.” Assim, a nova redação das bases XXVIII dos contratos de concessão da exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de captação, tratamento e abastecimento de água para consumo público e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes aplica-se, forçosamente, ao contrato de concessão celebrado entre o Estado Português e a sociedade “[SCom01...], S.A.”.
Mas se assim é, será que, por essa via, se afasta o que foi convencionado nos contratos celebrados entre A. e R., no que tange, concretamente, aos requisitos de cobrança de valores mínimos?
Importa aqui atentar no que foi decidido quanto a esta questão por este mesmo Tribunal colectivo, em Acórdão de 19/4/2024, proferido no processo nº 256/13.9BEMDL bem assim como em Acórdão de 6/6/2024 no processo Nº 267/13.4BEMDL que aderiu integralmente à fundamentação constante daquele Acórdão.
Assim, pode ler-se em tais decisões o seguinte:“(…) a versão inicial das bases XXVIII das concessões não só não se mostrava incompatível com o segmento final do nº 4 da cláusula 3 dos contratos de fornecimento e de prestação de serviços de saneamento, como até parecia cometer às partes a fixação, de um critério qualitativo e quantitativo para a determinação dos volumes a assegurar e, logo, para os pagamentos mínimos a garantir.(…) nada obstava, no início da vigência dos contratos com o Réu, a que entre os critérios de quantificação de valores mínimos a pagar constasse o inserto no último segmento de texto do ponto 4 da cláusula 3ª do contratos . E isto mesmo no pressuposto de que o conteúdo dos contratos de fornecimento de água e de prestação de serviços de tratamento de efluentes não podia derrogar o que que quer que para esses estivesse previsto nas leis de bases da concessão. (…) Em 2010-01-01 entraram em vigor novas bases XXVIII das concessões, por força dos Artigo 4.º e 6º do Decreto-Lei n.º 195/2009 - de 2009-08-20 (…) Desta feita é manifesta uma incompatibilidade entre o último segmento do parágrafo 4º da cláusula 3ª dos contratos de fornecimento de água e de prestação do serviço de tratamento de efluentes e o disposto no nº 4 e 5 das novas bases XXVIII, dos quais decorre que os valores mínimos serão incondicionalmente devidos até ao termo do primeiro terço de duração da concessão, desde que a facturação de cada ano seja inferior ao valor preconizado no contrato – e pelo valor dessa diferença – e que a partir do termo do primeiro terço de duração da concessão tais valores mínimos apenas serão devidos se a insuficiência da facturação for imputável ao Município. A natureza imperativa, que já demonstrámos, dos diplomas legais que aprovaram as bases, por um lado, e a natureza de direito público do contrato administrativo, cujo objecto é tendencialmente indisponível pelas outorgantes públicos, conjugadas com o regime de sucessão de leis no tempo constante, precisamente, desse artigo 12º nº 2 do CC (…) aplicado à natureza duradoura e à subsistência, no momento em que sobreveio a alteração legislativa, das relações jurídicas criadas, resultam em que o clausulado dos contratos de fornecimento e de prestação de saneamento têm de se adequar às novas bases da concessão, de maneira que tudo o que neles for incompatível com elas não pode subsistir, ficando, os contratos, reduzidos à parte compatível (artigo 292º do CC) e ou integrados pelos termos imperativos da nova base, a não ser que os contratos não subsistam com sentido sem a parte desconsiderada, caso em que caducam. Em 2011 a base XXVIII da concessão, em vigor desde 1/10/2010, designadamente os seus nºs 3 e 4, revelavam-se incompatíveis com o ponto 4 da cláusula 3ª em dois aspectos do aqui convencionado. Por um lado, a determinação de que, ¯sem prejuízo do número seguinte os valores mínimos serão garantidos sempre que, em cada ano, a receita global da Sociedade seja inferior à prevista no orçamento desse ano‖, constante do último período (do ponto 4 da cláusula 3ª) choca com o critério da base, consistente na insuficiência da facturação de cada ano em relação aos valores mínimos estipulados contratualmente. Por outro lado, naquele ponto do contrato não se previa, como sucede com a nova base, que, passado o primeiro terço da concessão, aquele direito aos valores mínimos só existiria se a insuficiência da facturação fosse imputável ao município. O segmento a desconsiderar no referido ponto quatro da cláusula 3ª – o seu último período – não se revela indispensável para o contrato manter regulado todo o seu objecto. Designadamente, fixados os serviços mínimos no anexo 1, já decorria da conjugação destes com o mais clausulado, se, em quais situações e que quantias haveria o Município que pagar por conta de valores mínimos, terminado cada ano. Por sua vez, a disposição legal da alteração dos pressupostos do direito a valores mínimos a partir do termo do primeiro terço da concessão é perfeitamente conciliável com o restante teor dos contratos, podendo acrescer, como norma imperativa, ao seu clausulado. Logo, os contratos não caducaram, apenas sofreram redução por erradicação do ponto 4 da cláusula 3ª, na parte acima transcrita e passaram a ser limitados nos seus dispositivo e efeitos, pelo norma imperativa constante dos nºs 4 e 5, respectivamente, das bases XXVIII das concessões”.
Nessa medida, como aí foi decidido “Julgamos, portanto, que a Mª Juiz a qua errou de direito quando considerou que o nº 4 in fine da cláusula 3ª dos contratos prevalecia sobre a base XXVIII da concessão na redacção dada a estas pelo DL nº 195/2009 - de 2009-08-20. Uma vez que era incompatível com a base XXVIII da concessão na redacção em vigor desde 1/10/2009, a parte final do nº 4 da cláusula 3ª do contrato devia dar-se como não escrita, prevalecendo o resto do contrato e os nºs 4 e 5 das novas redacções das bases XXVIII.
Aqui chegados, temos que o direito da Autora a exigir o pagamento dos valores mínimos garantidos dependia da insuficiência da facturação dos serviços efectivamente prestados, nesse ano, face aos valores mínimos para o mesmo recomendados no anexo 1 dos contratos (se o tempo abrangido pela facturação dos valores mínimos se reportasse ao primeiro terço da concessão respectiva) e dessa insuficiência da facturação ser imputável ao Município (se e na media em que o tempo abrangido pela facturação não integrasse aquele período inicial da concessão).
Como resulta do probatório, a Autora emitiu ao Réu uma nota de débito com o n.º 2300000050, datada de 31.01.2013, no valor total de EUR 124.939,80, da qual consta uma descrição com o seguinte teor parcial: “Valores mínimos garantidos nos termos da cláusula 3ª dos respetivos contratos de fornecimento e de recolha de efluentes, da cláusula 16.ª do contrato de concessão, e da revisão operada às bases de concessão da exploração e da gestão de serviços nos sistemas multimunicipais pelo D. Lei 195/2009 de 20 de agosto. Valor real facturado SAR em 2012 – 194.945,29 eur Valor mínimo garantido – 312.813,03 eur”; A Autora emitiu ao Réu uma nota de débito com o n.º 2300000051, datada de 31.01.2013, no valor total de EUR 619.613,07, da qual consta uma descrição com o seguinte teor parcial: “Valores mínimos garantidos nos termos da cláusula 3ª dos respetivos contratos de fornecimento e de recolha de efluentes, da cláusula 16.ª do contrato de concessão, e da revisão operada às bases de concessão da exploração e da gestão de serviços nos sistemas multimunicipais pelo D. Lei 195/2009 de 20 de agosto. Valor real facturado SAR em 2012 – 1.863,34 eur Valor mínimo garantido – 586.403,98 eur”.
Ora, uma vez que o primeiro terço do contrato de concessão (celebrado em 26.10.2001, por um período de 30 anos) terminava em Outubro de 2011 e que os valores mínimos garantidos peticionados nesta acção dizem respeito ao ano de 2012, o critério definido para nesse período para o cálculo dos valores mínimos já não se basta apenas com a insuficiência de facturação dos serviços prestados tem também que se tratar de insuficiência de facturação dos serviços prestados por causa imputável ao Município.
Para isso, para além do montante facturado (que resulta das notas de débito) teria a A. que ter alegado (o que não fez) factos cuja prova apontasse para a responsabilidade do Município quanto à insuficiência da facturação.
Não tendo a A., ora recorrente alegado quaisquer factos (essenciais para prova o direito que reclama na presente ação) relativos à responsabilidade do Município quanto à insuficiência da facturação dos serviços prestados, significa que não se encontram verificados todos os pressupostos legais e contratuais para o pagamento dos valores mínimos garantidos cujo pagamento vem reclamado, o que, forçosamente, determina a improcedência da pretensão deduzida em juízo no que tange ao pagamento de valores mínimos garantidos.
De acordo com o artigo 5º do CPC cabe às partes a alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e, além dos invocados pelas partes, serão ainda considerados pelo juiz os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, os que sejam complemento ou concretização dos que as partes tenham alegado e os notórios de que o tribunal tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Ora, por força do disposto na segunda parte do n.º 5 da Base XXVIII do DL n.º 318/94, com a redação dada pelo DL n.º 195/2009, de 20 de Agosto, para a cobrança dos valores mínimos garantidos no período em causa nos autos – ano de 2012 – não bastava a mera alegação de que o Município consumiu água/recolha de efluentes em dado ano, num valor inferior ao mínimo garantido nos respectivos contratos, mas também que esse consumo inferior ao mínimo se ficou a dever a razões imputáveis ao município.
Assim, é seguro afirmar que a Autora, a quem competia o ónus probatório (artº 341º do CC) não alegou em qualquer articulado, factos que se relacionem com a actuação (culposa) do Município no que tange aos consumos de água e de recolha de efluentes inferiores aos estabelecidos, que pudessem ter sido objecto dos temas da prova enunciados e, por conseguinte, da produção de prova.
Nessa medida, é manifesto que a Recorrente não alegou quando podia e devia e, consequentemente, não provou factos (essenciais para prova o direito que reclama na presente acção) relativos à responsabilidade do Município quanto à insuficiência da facturação dos serviços prestados, o que significa que não se encontram verificados todos os pressupostos legais e contratuais para o pagamento dos valores mínimos garantidos cujo pagamento vem reclamado, o que, forçosamente, determina a improcedência da pretensão deduzida em juízo no que tange ao pagamento de valores mínimos garantidos.
Termos em que, ainda que com fundamentos diversos, se impõe julgar improcedente a pretendida condenação do R. no pagamento das quantias peticionadas a título de valores mínimos garantidos.
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QUANTO ÀS MEDIÇÕES EFECTUADAS
Sustenta ainda a recorrente que a decisão proferida pelo Tribunal a quo é também inadmissível ao considerar que a Cláusula 3.ª/4 (parte final) dos contratos de fornecimento prevalece ainda perante a cláusula inserta no mesmo contrato de fornecimento, ponto 1.2 do Anexo 2, cuja redação se encontra absolutamente conforme com as Bases da Concessão, mas que foi absolutamente ignorada pelo Tribunal a quo na sua decisão.
A sentença recorrida a este respeito refere “No que respeita às faturas n.º 3130385073, n.º 3130385109 e n.º 3130385199, entende o Réu não serem devidos os respetivos valores, na medida em que não se mostram conforme as medições efetuadas conjuntamente pelas partes. Ora, de facto resultou do probatório que tais faturas, respeitantes a serviços de saneamento, não refletem o volume resultante das medições efetuadas (cfr. pontos 6, 9, 11 e 18 a 20 do probatório). Vejamos então os termos contratuais aplicáveis. Nos termos da cláusula 3.ª, n.º 2, do contrato de recolha de efluentes celebrado entre as partes, “O regime tarifário e o regime de facturação e de pagamentos a aplicar ao Município, respeitantes à recolha de efluentes, reger-se-ão pelo estabelecido no contrato de concessão.” Mais adiante, o n.º 5 desta mesma cláusula prevê o seguinte: “A faturação será apresentada mensalmente e, quando, nos termos previstos no contrato de concessão, não resultar de medição, corresponderá a um duodécimo dos valores mínimos anuais previstos no mesmo.” Por seu turno, a cláusula 5.ª, n.º 1, do contrato de recolha prevê o seguinte: “A medição dos efluentes recolhidos, quando efetuada, sê-lo-á nos termos constantes do contrato de concessão e do Anexo 2 ao presente contrato.” (cfr. ponto 4 do probatório). Ora, o contrato de concessão estipula, a respeito da medição e da faturação, na cláusula 33.ª, o seguinte: “1. A medição dos caudais de água fornecidos e de efluentes recolhidos, quando efetuada, reger-se-á pelo estabelecido nos contratos de fornecimento e de recolha 2. O volume de água e de efluentes a facturar será determinado pela contagem feita nos primeiros dez dias úteis de cada mês nos contadores ou medidores colocados nos locais de fornecimento e de recolha previamente definidos (…) 4. A faturação será apresentada mensalmente e, quando, nos termos previstos na cláusula 16.ª, não resultar de medição, corresponderá a um duodécimo dos valores mínimos anuais previstos nos números 1 e 2 da mesma cláusula.” (cfr. ponto 2 do probatório). Ora, decorre do clausulado carreado aos autos, mais concretamente da cláusula 33.ª, n.ºs 2 e 4, do contrato de concessão em conjugação com a cláusula 3.ª, n.º 1, do contrato de recolha de efluentes que, efetivamente, à data dos factos, a faturação mensal a efetuar pela Autora depende da contagem a realizar no início do mês seguinte. Tal apenas não sucede no caso dos valores mínimos e no caso de impossibilidade de medição dos caudais (cfr. cláusula 16.ª, n.ºs 1 e 2 do contrato de concessão), bem como em caso de avaria dos medidores (cfr. Anexo 2 do contrato de recolha). Neste último caso, o volume de efluentes presumível deverá ser determinado pela média dos consumos do mês anterior à data em que presumivelmente tenha ocorrido a avaria (cfr. ponto 3 do Anexo 2 do contrato de recolha). Ora, assim sendo, procede o alegado pelo Réu quanto às faturas n.º 3130385073 e n.º 3130385109, não sendo exigível, em função de tais circunstâncias, o pagamento do montante faturado em termos divergentes do clausulado do contrato aplicável (cfr. pontos 18 e 19 do probatório)”.
Vejamos se oferece razão à recorrente quando sustenta que o Tribunal a quo no que diz respeito às faturas de serviços de saneamento peticionadas (faturas n.º 3130385073 e n.º 3130385109) errou na aplicação da lei, uma vez que procedeu à aplicação do n. º3 do Anexo II ao Contrato de Recolha que se refere ao procedimento a seguir na faturação em caso de avaria, o que não se verificava aqui. Entende a recorrente que é de aplicar a cláusula 3.ª do Contrato de Recolha, o qual remete para a cláusula 33.ª do Contrato de Concessão relativa à medição e faturação dos caudais e, por sua vez, ter em conta o critério aplicado pela Recorrente- critério dos caudais modelados.
A cláusula 33ª do contrato de concessão estabelece o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
Por sua vez, a cláusula 3.ª, n.º 1, do contrato de recolha de efluentes estabelece:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Por conseguinte, a regra vigente é aquela que consta do contrato de concessão, isto é, o volume de água e de efluentes a facturar depende da contagem que é feita nos primeiros dez dias úteis de cada mês.
No caso em apreço, o Tribunal a quo deu como provados os factos 18) e 19) nos quais consta, respectivamente que “A fatura n.º 3130385073, emitida em 31.07.2012, não reflete o volume do mês de julho resultante das medições conjuntamente elaboradas entre representantes das [SCom01...] e os técnicos do Município ...”; “A fatura n.º 3130385109, emitida em 31.08.2012, não reflete o volume do mês de agosto resultante das medições conjuntamente elaboradas entre representantes das [SCom01...] e os técnicos do Município ...”.
Para aí chegar o Tribunal a quo, como resulta da motivação da matéria de facto integrante da sentença recorrida, identificou os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção e indicou as razões pelas quais, relativamente ao mesmo facto, concede maior credibilidade a um meio probatório em detrimento de outro de sinal oposto, indicando que para prova ds factos 18) e 19) foram considerados “os documentos juntos a fls. 215 e ss dos autos. Tais documentos consistem em 3 ofícios, datados de 13.09.2012, 17.09.2012 e de 19.10.2012, através do qual o Réu procedeu à devolução das faturas em causa, entre outras, com base na incorreção das mesmas face às medições conjuntamente elaboradas. A tais ofícios encontram-se juntas não apenas as faturas, como também os registos de medições efetuados nas ETARs de ..., ... e de .... A discrepância entre as medições e as faturas descrita na factualidade em questão resulta desde logo do confronto dos registos de medições com os valores faturados. Não obstante, tal factualidade foi ainda corroborada pelo depoimento das testemunhas «FF» e «GG». A primeira destas testemunhas era o funcionário que se deslocava ao local para efetuar as medições e que confirmou como sua a assinatura aposta aos registos de medições. Esta testemunha afirma que existiam diferenças entre as medições e as faturas, umas a favor da Autora, outras a favor do Município. A segunda das testemunhas referidas desempenha as funções junto do departamento financeiro do Réu e confirmou a discrepância entre medições e faturas, bem como a devolução destas últimas à Autora. A este respeito, resta apenas referir que a testemunha «AA» referiu no seu depoimento, que, a partir da criação da sociedade [SCom02...], S.A., tinha havido lugar à aplicação de um método de cálculo que tinha em conta caudais médios, em virtude das águas pluviais. Foi ainda referido por esta testemunha que, no ano que se seguiu ao ano de faturação em causa nos autos, foi emitida pela Autora uma nota de crédito ao Réu no valor de EUR 20.000,00. Contudo, nenhum de tais factos consta dos articulados apresentados pelas partes, nem estão em causa factos meramente instrumentais ou complementares de outros factos alegados que possam ser adquiridos ao abrigo do art. 5.º, n.º 2, do CPC, pelo que tal depoimento não relevou, nesta parte, para efeitos da fixação da matéria probatória”.
Ora, a valoração que o Tribunal a quo fez da prova produzida no que tange às razões que levaram à devolução das facturas .º 3130385073 e n.º 3130385109, por se encontrarem em desacordo com as regras de medição fixadas no contrato de concessão e que são as aplicáveis ao caso concreto é para manter e, por conseguinte, impera concluir como fez a sentença recorrida, isto é que o pagamento do montante faturado em termos divergentes do clausulado do contrato aplicável não é exigível e assim as referidas faturas não são devidas.
Em consequência, improcede o recurso nesta parte.
Aqui chegados, impõe-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando a sentença recorrida, embora com fundamentos distintos.
*
IV. DECISÃO
Nesta medida, com os fundamentos supra expostos, acordam os juízes da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso.
Custas pela Recorrente (artº 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
Porto, 25 de Outubro de 2024.

Maria Clara Ambrósio
Ricardo de Oliveira e Sousa
Tiago Afonso Lopes de Miranda