Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 02248/103.9BEPRT |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 05/15/2025 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES |
| Descritores: | IRS; DECLARAÇÃO APRESENTADA POR AMBOS OS CÔNJUGES; NOTIFICAÇÃO PROCEDIMENTO INSPECTIVO; ARTIGO 39º DO RCPIT; |
| Sumário: | I. Em sede de IRS, e com vista à determinação do rendimento colectável, os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior, sendo que, no caso de contribuintes casados, em regra, deve ser apresentada uma única declaração pelos dois cônjuges – cfr. artigos 57º e 59º do CIRS, ressalvando a lei a possibilidade de, em caso de separação de facto, cada um dos cônjuges poder apresentar uma única declaração dos seus próprios rendimentos e dos rendimentos dos dependentes a seu cargo. II. Tendo a declaração de rendimentos respeitante ao IRS de 2010 sido entregue por ambos os cônjuges, conjuntamente, na situação de casados, a notificação a dar nota do início do procedimento inspectivo, do projecto de relatório e do relatório final, para a morada indicada/actualizada pelo sujeito B (enquanto um dos sujeitos passivo da sociedade conjugal), respeitou a exigência legal especifica que decorre do artigo 39º do RCPIT.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. «AA» (Recorrente), notificado da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 08.01.2016, que julgou improcedente a impugnação, por si intentada, contra liquidação adicional de IRS do ano de 2010 e respectivos juros compensatórios, inconformado veio dela recorrer. Alegou, formulando as seguintes conclusões: «(…) i. O presente recurso pretende contestar a decisão do Tribunal a quo por erro de julgamento na matéria de facto, porque não julgou provado que o Recorrente tenha afastado a presunção do domicílio plural; ii. Bem como por erro de julgamento de Direito, porque o Tribunal a quo não julgou ilegal a presente liquidação, por violação de lei, por ofensa do conteúdo essencial do direito de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva e do princípio da Justiça, e do princípio da boa-fé; iii. Sem prejuízo de o Recorrente reiterar todo o anteriormente exposto em sede de p.i. da presente impugnação judicial, para onde se remete e que faz parte integrante do presente recurso judicial, importa referir o seguinte quanto à presente sentença: iv. O Impugnante provou, de forma clara, suficiente e objetiva, que à data da instauração do presente procedimento inspetivo (20 de março de 2012, n.º 1 dos factos provados), do pedido de elementos, através do Ofício n.º ...110, de 9 de abril de 2012 (n.º 2 dos factos provados), bem como da notificação do relatório final de 14 de março de 2013 (n.º 3 dos factos provados), a presunção da dita domiciliação plural já havia cessado, já não existia; v. Porque já em 17 de maio de 2011, a ex-mulher tinha comunicado a alteração do seu domicílio fiscal da R 2..., ..., ..., para a R 1..., ..., ...; vi. Nos termos dos ns.º 3 e 4 do artigo 19º da LGT, a partir da comunicação a alteração do domicílio fiscal torna-se eficaz para todos os efeitos, incluindo a cessação da presunção da domiciliação plural; vii. Portanto, para todos os efeitos, em 17 de maio de 2011 a ex-mulher morava na R 1..., ... ... e não morava mais com o ex-marido permanecendo este a morar na R 2..., ..., ...; viii. A ex-mulher alterou o seu domicílio fiscal porque o ex-casal estava separado de facto desde o final de 2010 (n.º 11 dos factos provados), tendo apresentado a ação de divórcio em 2011; ix. Consentâneo com tal facto: a) A declaração de rendimentos de 2011 foi apresentada separadamente (n.º 14 dos factos provados); b) A declaração de rendimentos de 2011 apresentada pelo Recorrente, ex-marido, indicou como estado civil "separado de facto" (n.º 14 dos factos provados); c) A ação de divórcio deu entrada no Tribunal em 2011 (n.º 12 dos factos provados), com 0 n.º de processo ..56/1...TBVNG; d) Em 7 de janeiro de 2013 foi proferida a sentença na ação de divórcio; e) Tendo (v) transitada em julgado em 11 de fevereiro de 2013; x. Portanto, resulta claro que a AT, em 17 de maio de 2011, já sabia que o antigo domicílio do ex-casal na R 2..., ..., ..., ..., já não era o domicílio do ex-casal, xi. E que a ex-mulher residia na R 1..., ..., ..., e o ex-marido, aqui Recorrente, residia na R 2..., ..., ...; xii. Assim, em bom rigor nem sequer estão verificados os pressupostos da presunção da domiciliação plural, retirada do artigo 39º do RCPITA, pois a ex-mulher já antes do início do procedimento inspetivo já tinha alterado o seu domicílio fiscal; xiii. Logo, o Recorrente não teria sequer o ónus da prova para afastar esta presunção; xiv. Sem prejuízo, sempre se afirma de forma perentória que o Recorrente logrou afastar a dita presunção; xv. E, por conseguinte, o Recorrente deveria ter sido notificado do procedimento de inspeção tributária aqui causa, com vista a exercer os seus direitos de defesa, nomeadamente, o recurso judicial nos termos do n.º 7 do artigo 890-A da LGT; xvi. Não se percebe por que razão a Direção de Finanças ... não notificou o Recorrente quando este o requereu, sabendo que ele não tinha sido notificado, e que à data do pedido (18 de abril de 2013, n.º 5 dos factos provados) a AT ainda se encontrava em tempo de exercer os seus direitos; xvii. A AT podia, de formar clara e fácil, suprir a sua falta e notificar o Recorrente do procedimento inspetivo; xviii. Deste modo, podemos concluir que o Recorrente demonstrou de forma clara, suficiente e objetiva que à data da instauração do procedimento inspetivo (20 de março de 2012) já não se encontrava a viver com a sua ex-mulher (tendo a ex-mulher comunicado a alteração do seu domicílio fiscal, em 17 de maio de 2011, para a R 1..., ... ... e tendo declarado o Recorrente na sua modelo 3 de 2011 a separação de facto, e, nas declarações subsequentes o seu estado civil); xix. Por conseguinte, em bom rigor nem sequer estão verificados os pressupostos da presunção da domiciliação plural, retirada do artigo 39º do RCPITA, pois a ex-mulher já antes do início do procedimento inspetivo iá tinha alterado o seu domicílio fiscal, xx. E, sem prejuízo, o Recorrente logrou afastar a presunção do dito domicílio plural sito na R 2..., ..., ..., e da referida direção do agregado familiar, sem prejuízo de ter requerido, em tempo, a notificação do presente procedimento inspetivo; xxi. Consequentemente, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, e, em consequência, o pedido do Recorrente deve ser conhecido, quanto a este fundamento, com todas as consequências legais; xxii. Sem prescindir, xxiii. As considerações e as conclusões de Direito do Tribunal a quo a respeito da violação do princípio do acesso ao Direito e à tutela jurisdicional (artigo 20º da CRP) e do princípio da boa-fé (artigo 266º, n.º 2, da CRP), assentam no pressuposto errado de que o Recorrente não fez chegar ao conhecimento da AT, em qualquer altura ou por qualquer forma, a situação de rutura da comunhão da vida conjugal em que se encontraria; xxiv. Ora, a verdade é que o Recorrente levou ao conhecimento da AT a sua situação; xxv. Conforme já largamente demonstrado, o próprio facto de a sua ex-mulher ter comunicado, em 17 de maio de 2011, a alteração do seu domicílio fiscal para a R 1..., ..., ..., e de o Recorrente ter declarado na modelo 3 de 2011 a situação de "separado de facto" e nas declarações subsequentes, são factos que pressupõem a rutura do agregado familiar em que se encontrava, para efeitos de IRS; xxvi. O Tribunal a quo vem, ainda, referir que ao Recorrente não foi vedado o acesso aos Tribunais e à tutela jurisdicional efetiva; xxvii. O presente procedimento inspetivo, com a Ordem de Serviço n.º ...56, foi instaurado com recurso à avaliação indireta em resultado de alegados acréscimos patrimoniais não justificados ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 87º e do artigo 89º-A, ambos da LGT; xxviii. Nos termos do n.º 7 do artigo 89º-A da LGT, da decisão de avaliação da matéria coletável por métodos indiretos constante do artigo 89º-A da LGT cabe recurso judicial, com efeito suspensivo e caráter urgente, e seguindo a tramitação do artigo 146º-B do CPPT; xxix. Logo, este recurso tem natureza de necessário, porque o sujeito passivo se quiser atacar a decisão que fixou o rendimento tributável em sede de manifestações de fortuna tem necessariamente de apresentar o recurso judicial dessa decisão; xxx. Ora, se o Recorrente não foi notificado do relatório de inspeção tributária em apreço e, como tal, da decisão de avaliação da matéria coletável por métodos indiretos, constante do artigo 89º-A da LGT, não pôde apresentar o recurso judicial, nos termos do n.º 7 do artigo 89º da LGT e dos artigos 146º-B do CPPT; xxxi. Logo, ficou vedado o acesso à tutela jurisdicional para discutir judicialmente os pressupostos em que assentou a decisão de avaliação da matéria coletável por métodos indiretos, nos termos do artigo 89º-A da LGT; xxxii. Da notificação da presente liquidação, o Recorrente não pode atacar os pressupostos que estiveram na base da decisão de fixação do rendimento tributável por manifestações de fortuna; xxxiii. A este respeito, diga-se que esta foi, aliás, uma das razões pelas quais a AT notificou o Recorrente da presente liquidação, para a sua morada na R 2..., ..., ...; xxxiv. Deste modo, podemos concluir que o Recorrente não foi efetivamente notificado do procedimento inspetivo em apreço, tendo sido cumpridos todos os deveres legais perante a AT, nomeadamente, a alteração do domicílio fiscal da ex-mulher e a indicação do estado civil nas declarações de rendimentos, para além do requerimento apresentado pelo Recorrente em 18 de abril de 2013 a solicitar a notificação do presente procedimento inspetivo; xxxv. Ao não ter sido notificado do procedimento inspetivo, o Recorrente ficou impedido de utilizar o mecanismo de recurso judicial da decisão de avaliação da matéria coletável por métodos indiretos, previsto no n.º 7 do artigo 89º-A da LGT e do artigo 146º-B do CPP; xxxvi. Por conseguinte, verificou-se uma clara violação do princípio de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva constante do artigo 20º da CRP; xxxvii. Bem como uma clara violação do princípio da boa-fé (artigo 266º, n.º 2, da CRP), pelo facto de AT não ter notificado, a pedido do Recorrente, de todo o procedimento inspetivo, quando ainda se encontrava em tempo; xxxviii. Consequentemente, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, e, em consequência, o pedido do Recorrente deve ser conhecido, quanto a este fundamento, com todas as consequências legais; xxxix. Sem prescindir, xl. Face à evidente e grave violação dos princípios constitucionais aqui invocados, o Recorrente não pode deixar de alegar, como o fez em sede de p.i. para onde remete e que faz parte do presente recurso, o pedido de declaração de inconstitucionalidade, nos seguintes termos: xli. Deve o Tribunal ad quem declarar inconstitucional (artigo 204º da CRP), no presente processo, por violação do princípio do acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20º da CRP), a norma do artigo 39º do RCPIT, na interpretação segundo a qual a notificação do procedimento inspetivo feita a um dos ex-cônjuges aproveita o outro ex-cônjuge, quando à data do procedimento inspetivo, os ex-cônjuges já cessaram a vida comum, estavam separados e tinham moradas fiscais diferentes; xlii. Sem prescindir, xliii. Deve o Tribunal ad quem declarar inconstitucional (artigo 204º da CRP), no presente processo, por violação do princípio constitucional da boa-fé (artigo 266º, n.º 2, da CRP), a norma do artigo 39º do RCPIT, na interpretação segundo a qual a notificação do procedimento inspetivo feita a um dos ex-cônjuges aproveita o outro ex-cônjuge, quando à data do procedimento inspetivo, os ex-cônjuges já cessaram a vida comum, estavam separados e tinham moradas fiscais diferentes. Pedido: Nestes termos e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente, não deixarão de suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, e, consequentemente, a presente impugnação judicial apresentada pelo Recorrente deve ser julgada procedente, com todas as consequências legais. Pois só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA!» 1.2. A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações. 1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 253 e ss. do SITAF, pugnando pela improcedência do recurso. 1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. Questões a decidir: Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, cumpre aferir a sentença enferma de erro de julgamento, quer em sede da valoração da matéria de facto, ao não ter considerado que da matéria vertida para o probatório foi afastada a presunção da domiciliação plural, quer em matéria de direito, por não ter julgado ilegal a liquidação por ofensa ao conteúdo essencial do direito de acesso do direito e à tutela jurisdicional efectiva. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto 2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação: «1. Com base na ordem de serviço nº ...56, emitida em 20.03.2012, foi determinada a realização de acção inspectiva interna, de âmbito parcial, relativa ao IRS de 2010 do agregado familiar cuja direcção incumbia aos sujeitos passivos «BB» e «AA» – cfr. fls. 34 do PA. 2. O procedimento de inspecção referido em “1.” teve início com a notificação do sujeito passivo «BB», pelo ofício nº ...110, de 09.04.2012, para, ao abrigo do art. 59º da LGT, fazer prova de que, em face dos seus rendimentos líquidos declarados, de € 4.261,32, e da aquisição de imóveis no ano de 2010, no valor total de € 244.550,00, os rendimentos declarados correspondiam à realidade e de que era outra a fonte da manifestação de fortuna evidenciada – cfr. fls. 35 do PA. 3. O projecto de relatório do referido procedimento de inspecção tributária e o relatório final de inspecção tributária foram enviados, respectivamente, por ofícios de 15.01.2013 e de 14.03.2013, para a morada “R 1..., ... ... – ... – ... ...”, que indicavam como destinatários «BB» e «AA» – cfr. ofícios nº ...10 e ...10, constantes de fls. 52 e 63 do PA. 4. O impugnante tomou conhecimento do procedimento inspectivo através da sua ex-mulher «BB» – cfr. confissão constante de “16” e “17” da PI, a fls. 6 dos autos físicos. 5. Em 18.04.2013 o impugnante, alegando que em 15.04.2013 tinha tomado conhecimento de que fora promovido o procedimento inspectivo identificado em “1.”, solicitou à Direcção de Finanças ... a notificação desse procedimento, nomeadamente do projecto de relatório, com vista a exercer os seus meios de defesa – cfr. fls. 104 e 105 do PA. 6. Em resposta ao pedido de 18.04.2013, o impugnante foi notificado do ofício nº ...210, de 02.05.2013, por meio do qual aquele foi informado do seguinte: “- A acção inspectiva (...) foi emitida em nome de “«BB» NIF ...85”, para análise da situação tributária de 2010; - Relativamente ao ano de 2010 foi entregue uma declaração modelo 3 em nome do sujeito passivo A “«AA» NIF ...50” e do sujeito passivo B “«BB» NIF ...85”, na condição de casados; - Nos termos do disposto na alínea b) do artigo 39º do Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT), nas situações tributárias comuns ao casal, notificar-se-á qualquer dos cônjuges; Acresce que a alínea c) do mesmo artigo, dispõe, caso a actividade objecto de procedimento de inspecção seja exercida ou se relacione com apenas um dos cônjuges, a notificação deve ser feita, preferencialmente na sua pessoa, ainda que ambos os cônjuges sejam sujeitos passivos de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS). Face ao referido, a notificação do projecto e relatório final efetuada em 15 de janeiro e 14 de março de 2013 respectivamente, em nome de «BB» NIF ...85”, estão em conformidade com o disposto no artigo 39º do RCPIT, não resultando da referida norma legal, a obrigação daquelas notificações serem efetuadas em nome de cada um dos sujeitos passivos.” – cfr. fls. 111 do PA. 7. Em 09.05.2013 o impugnante, na sequência da notificação referida em “6.”, e reportando-se ao seu conteúdo, apresentou requerimento junto da Direcção de Finanças ..., arguindo que a notificação objecto daquele requerimento não indicava ao requerente o meio de defesa e o prazo para reagir contra o acto notificado, solicitando que lhe fosse passada certidão do acto notificado contendo aqueles elementos – cfr. fls. 112 do PA. 8. Pelo ofício nº ...310, datado de 24.05, o impugnante foi informado da resposta ao requerimento referido em “7.”, cujo teor consistia no seguinte: “A informação notificada a Vª Exª pelo ofício nº ...210, de 2/05/2013, da Divisão de Inspeção Tributária V desta Direção de Finanças ..., em nosso entender, não contém qualquer decisão tomada no procedimento (até porque o procedimento de inspecção interna (...) à data da notificação já tinha terminado) a requerer a indicação dos meios de defesa e prazo para reagir contra o ato notificado (...), mas somente o esclarecimento das razões da não obrigatoriedade de notificação dos projeto e relatório final da inspeção a ambos os sujeitos passivos da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2010. Mas assim não se entendendo, o meio de defesa será o recurso hierárquico nos termos dos artºs 66º e seguintes do CPPT, a interpor no prazo de 30 dias a contar da notificação do ato ou acção judicial de intimação para um comportamento, nos termos do artº 147º do CPPT.” – cfr. fls. 113 do PA. 9. Em 18.05.2013 foi lançada a liquidação de IRS nº ...93 e respectivos juros compensatórios, a qual foi remetida por correio registado para a morada “R 2..., ... - ... – ... ...”, constando como destinatários «AA» e «BB» – cfr. doc. 1 junto com a PI, a fls. 25 dos autos físicos e fls. 125 do PA. 10. O impugnante contraiu casamento com «BB» em 10.03.2007 – cfr. doc. 4 junto com a PI, a fls. 31 dos autos físicos. 11. O impugnante e «BB» separaram-se de facto no final do ano de 2010 – Doc. 4 junto com a PI, a fls. 31 dos autos físicos. 12. Em 07.01.2013 foi proferida sentença no âmbito do processo nº ..56/1...TBVNG, que correu termos no Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, decretando o divórcio entre o Impugnante e a referida «BB», a qual transitou em julgado em 11.02.2013 – cfr. doc. 1 junto com a PI, a fls. 40 dos autos físicos. 13. A declaração de IRS relativa ao exercício de 2010 foi apresentada conjuntamente por ambos os cônjuges – cfr. doc. 7 junto com a PI, a fls. 75 dos autos. 14. A declaração de IRS relativa ao exercício de 2011 foi apresentada separadamente por cada um dos cônjuges, constando no campo “6” da declaração apresentada pelo Impugnante, relativo ao respectivo estado civil, a menção “separado de facto” - cfr. doc. 7 junto com a PI, a fls. 76 dos autos. 15. Em 17.05.2011 foi alterado o domicílio fiscal de «BB» para “R 1..., ... – ... – ... ...” – cfr. doc. 7 junto com a PI, a fls. 78 dos autos físicos. Factos não Provados: Nada de mais se provou com relevância para a decisão a proferir. Motivação: A convicção do tribunal baseou-se no acordo das partes, onde o mesmo foi possível, apurado com base nas posições assumidas pelas partes, nos respectivos articulados, bem como nos documentos constantes do processo administrativo junto aos autos, conforme se indicou ao longo do rol de factos provados. Nenhum outro facto revestido de relevância resultou demonstrado.» 2.2. De direito Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente improcedente a impugnação apresentada pelo aqui recorrente, em virtude do decaimento de todos os fundamentos constantes do articulado inicial, a saber, vícios de violação de lei, decorrentes da preterição, em sede procedimental, da notificação do início do procedimento inspectivo e, consequentemente, da ofensa do conteúdo essencial do direito de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva e dos princípios da justiça e da boa-fé, da norma do artigo 39º do RCPIT na interpretação segundo a qual, a notificação do procedimento inspetivo feita a um dos cônjuges produz efeitos ao outro quando à data do procedimento inspetivo já cessaram a vida comum, estavam separados e tinham moradas fiscais diferentes. Aduz o apelante, em primeiro lugar e em síntese, que a sentença recorrida padece de erro de julgamento na matéria de facto, porque não julgou provado que o impugnante tenha afastado a presunção do domicílio plural. Sustentando, para tal, em sede das conclusões iv. a xxi das alegações de recurso que dos factos assentes, nomeadamente, “Porque já em 17 de maio de 2011, a ex-mulher tinha comunicado a alteração do seu domicílio fiscal da R 2..., ..., ..., para a R 1..., ..., ...; vi. Nos termos dos ns.º 3 e 4 do artigo 19º da LGT, a partir da comunicação a alteração do domicílio fiscal torna-se eficaz para todos os efeitos, incluindo a cessação da presunção da domiciliação plural;”, mas mesmo que assim não se entenda, afastada a presunção retirada do artigo 39º do RCPITA, sempre dos mesmos factos, discorre que aquela presunção foi por si afastada pois “demonstrou de forma clara, suficiente e objetiva que à data da instauração do procedimento inspetivo (20 de março de 2012) já não se encontrava a viver com a sua ex-mulher (tendo a ex-mulher comunicado a alteração do seu domicílio fiscal, em 17 de maio de 2011, para a R 1..., ... ... e tendo declarado o Recorrente na sua modelo 3 de 2011 a separação de facto, e, nas declarações subsequentes o seu estado civil)”. Ora, o erro de julgamento recai sobre um elemento dos dois que estruturam a decisão jurisdicional: a fundamentação de facto e a fundamentação de direito. O denominado erro de facto, por contraposição ao erro de direito, pode resultar de errada apreciação do material probatório que a ocorrer se estende à fixação da materialidade fáctica relevante para a decisão e/ou conduzir a uma desacertada interpretação dessa materialidade. Como assertivamente se elucida, no acórdão do TCA Sul de 10.07.2014, proferido no âmbito do processo n.º 7813/14, “No primeiro caso o erro consubstancia-se numa indevida utilização da livre convicção, erro esse que deve ser demonstrado pelo recorrente através do exercício de um duplo ónus: um, (i) o de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso indicando claramente os segmentos da decisão que considera padecerem de erro de julgamento; outro, (ii) fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa.”. No caso vertente o recorrente não ataca a selecção dos factos feita pela sentença nem sequer sustenta que ocorreu uma indevida consideração das provas produzidas nos autos em ordem a determinar um resultado probatório diferente do fixado. Aliás, se o tivesse feito teria de concluir-se que a impugnação da matéria de facto não tinha sido correctamente estruturada segundo o regime legal aplicável, para que fosse possível a este Tribunal ad quem alterá-la. Claramente o que o recorrente esgrima, é a sua indignação, para com as ilações firmadas pelo Tribunal a quo perante o acervo probatório fixado, delas divergindo perante a mesma factualidade formulando as suas próprias inferências perante aquela. Ora, quando a selecção dos factos não é colocada em questão em sede de recurso, mas apenas se coloca a ênfase impugnatória na subsunção dos factos ao direito aplicável tendo em vista uma solução jurídica diferente da decretada, o erro que se suscita não é um erro na apreciação da prova, mas sim um erro de julgamento de direito. Em suma, tudo se resume ao erro de julgamento de direito. In casu, com base na ordem de serviço nº ...56, emitida em 20.03.2012 foi determinada a realização de procedimento de inspeção interno de âmbito parcial, relativo ao IRS de 2010 do agregado familiar cuja direção incumbia aos sujeitos passivos «AA» (recorrente/impugnante) e «BB». A acção inspectiva, teve início com a notificação do sujeito passivo «BB», pelo of. ...110, datado de 09.04.2012, para, ao abrigo do artigo 59º da LGT, fazer prova de que, em face dos rendimentos líquidos declarados, de € 4.261,32, e da aquisição de imóveis no ano de 2010, no valor total de € 244.550,00, os rendimentos declarados correspondem à realidade e de que é outra a fonte da manifestação de fortuna evidenciada (v. nº 2 do probatório). O projeto de relatório do referido procedimento de inspeção tributária e o relatório final de inspeção tributária foram notificados, respetivamente, em 15.01.2013 e em 14.03.2013, na pessoa do sujeito passivo «BB» (v. nº 3 do probatório). As notificações concretizaram-se no sujeito passivo «BB», tendo para o efeito sido expedidas as mesmas para o domicílio fiscal alterado em 17.05.2011, para R 1..., ..., .... O recorrente e «BB», apresentaram declaração de IRS, do ano de 2010, em conjunto, aí mencionando expressamente que a mesma decorria de estarem casados (v. no 13 do probatório). Em 17.5.2011, ainda na pendência do matrimónio, «BB», alterou o seu domicílio fiscal (v. nº 15 do probatório), sendo que o matrimónio foi dissolvido por divórcio, conforme sentença transitada em julgado de 11.02.2013 (v. nº 12 do probatório). Mais foi dado por provado que o casal já se encontrava separado de facto desde o final de 2010 (v. nº 11 do probatório). O Tribunal a quo, para decidir nos termos em que o fez, ancorou-se no entendimento constante do seguinte discurso jurídico, que, aqui, se reproduz parcialmente: «(...) o impugnante e respectivo cônjuge apresentaram ainda conjuntamente, no decurso do ano de 2011, a declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2010, e relativamente à totalidade dos rendimentos do agregado – isto quando poderiam já ter optado por fazê-lo em separado. Daí resulta, por conseguinte, que o IRS foi liquidado por referência ao conjunto dos rendimentos do agregado, considerando a sociedade conjugal existente e fazendo valer, então, o respectivo regime substantivo (específico) de tributação. Isto estabelecido, convém continuar a atentar no regime legal aplicável, desta feita em concreto no que respeita ao domicílio fiscal. Regime que, por um lado, e em concreto por via do artº 1673º do Código Civil, impõe ao casal o dever de escolha, por comum acordo, da morada de residência da família, a qual deve ser adoptada por ambos os cônjuges, em cumprimento do dever de coabitação, imposto desta feita pelo artº 1672º do mesmo código. Sendo que, como se referiu no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 18.12.2008, proferido no âmbito do processo 02479/08 e disponível e www.dgsi.pt, “se assim é, o que se impõe presumir, como princípio, é que o agregado familiar composto pelos cônjuges, tem uma residência de família adoptada de comum acordo.” Assim, e muito embora se constate que havia sido requerida a alteração do domicílio fiscal quanto ao cônjuge do impugnante, «BB», o que deverá presumir-se é que o agregado residia alternadamente em ambas as moradas, tendo-se por domiciliado em qualquer delas – situação de “domiciliação plural”. Tanto se afirmou no acórdão vindo de citar, com suporte no preceituado no artº 82º, nº 1 do Código Civil, onde se estabelece: “A pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual; se residir alternadamente em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles.”» Atentemos, assente que desde logo pretende o recorrente abalar a convicção da existência de mais do que um domicílio fiscal atendível para efeitos de efectivação de procedimento inspectivo. E, desde logo, se diga que a tese do recorrente peca por ter em si um efeito perverso de, em casos como o que nos ocupa de sociedades conjugais (casamento), em que marido e mulher enquanto titulares de domicílios conjugais diferentes, a liquidação adicional de IRS e os trâmites que a antecederam, decorrente de correcções infligidas à declaração de rendimento apresentada por si em conjunto, como casados, ter que ser efectivada em duas vias e notificada a ambos e a cada um deles em separado. Para elucidar o nosso raciocínio, atentemos a um casal, que por razões profissionais vive maioritariamente em locais distintos, um no continente e outro nos açores, isso em nada belisca os normativos e o firmado pelo Tribunal a quo, em que se mantém a susceptibilidade de apresentar em conjunto a sua declaração de rendimentos e concomitantemente de possuírem dois domicílios fiscais, não estando Administração Tributária face à lei obrigada a duplicar as notificações por força dessa duplicidade de domicílios, devendo tão só respeitar o sujeito A e B das respectivas declarações em função das dúvidas que se colocam. Explicitemos, então, as razões da nossa concordância com o decidido, tendo presente que: a declaração de rendimentos respeitante ao IRS de 2010 foi entregue por ambos os cônjuges, na situação de casados, com um dependente menor e, bem assim, que a notificação a dar conta do inicio do procedimento, do projecto de relatório e relatório final, em 09.04.2012, 15.01.2013 e 14.03.2013, foram expedidas, por via postal registada, endereçados para a R 1..., ..., ..., morada correspondente, naquele período, ao domicílio fiscal do sujeito passivo B, «BB», em consonância com a alteração do domicílio fiscal que apresentara em 17.05.2011. Vejamos. Em sede de IRS, e com vista à determinação do rendimento colectável, os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior, sendo que, no caso de contribuintes casados, em regra, deve ser apresentada uma única declaração pelos dois cônjuges – cfr. artigos 57º e 59º do CIRS. Dizemos em regra porque a lei ressalva a possibilidade de, em caso de separação de facto, cada um dos cônjuges poder apresentar uma única declaração dos seus próprios rendimentos e dos rendimentos dos dependentes a seu cargo. Portanto, existindo agregado familiar – que a lei fiscal considera constituído, desde logo, pelos cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e os seus dependentes (cfr. artigo 13º, nº3 do CIRS) - deve ser, repete-se, apresentada uma única declaração pelos dois cônjuges. Esta foi desde logo a opção dos sujeitos passivos, entre eles a do aqui recorrente, pois que se a situação de separação de facto ocorreu em finais de 2010 (na sentença de dissolução de matrimónio foi fixada em novembro de 2010), os mesmos em maio de 2011 quando apresentaram a declaração conjunta assumiram nesse acto uma vontade expressa de não dar conhecimento daquela separação para efeitos fiscais, assumindo a sociedade conjugal existente. Por outro lado, em matéria de incidência pessoal do IRS, o artigo 13º, nº 2 do CIRS, determina que o mesmo (o imposto) é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que constituem o agregado familiar, considerando-se como sujeitos passivos aqueles a quem incumbe a sua direcção. Temos, pois, nestas circunstâncias, a estruturação de uma única liquidação para o conjunto dos rendimentos, a qual suscitando dúvidas AT, nos termos que discorre da ordem de serviço datada de 20.03.2012 determinou a realização de acção inspectiva interna, de âmbito parcial, relativa ao IRS de 2010 do agregado familiar cuja direcção incumbia aos sujeitos passivos «BB» e «AA». Manifesto é que àquela data estávamos perante uma situação de domiciliação dupla ou tida por plural, em que a cada um dos sujeitos que compõem a sociedade conjugal, corresponde um domicilio fiscal [pois que em 20.03.2012, a «BB» já tinha alterado o seu domicilio fiscal], não estando na posse da AT um qualquer elemento que afaste aquela presunção, tida como legal, como sustentou o Tribunal a quo, artigo 82º, n. º1 do Código Civil. E, uma vez que estamos perante uma presunção legal, contrariamente ao defendido pelo recorrente, era sobre ele que recaí o ónus da demonstração do contrário [artigo 350º, n. º2 do Código Civil], o que não logrou. Pois desde logo, a existência de dois domicílios fiscais não afasta a existência da sociedade conjugal, e por outro o argumento de que na entrega do seu modelo 3 de 2011 deu nota da sua separação de facto, olvida o recorrente que a entrega do mesmo ocorreu em momento posterior, pois conforme se pode atestar do doc. n. º6 por si junto, constante de fls. 76 [item 14 do probatório] aquele apenas foi recepcionado pela AT em 31.05.2012 [juntamente com milhares] quando já havia sido notificada a «BB» do início do procedimento inspectivo. Razão pela qual acompanhamos a sentença quando nela se conclui que, in casu, não se logrou a demonstração do contrário, e mais alude ao disposto do artigo 16º, n. º5 da LGT, nos termos do que se preceitua que: ““5 - Qualquer dos cônjuges pode praticar todos os actos relativos à situação tributária do agregado familiar e ainda os relativos aos bens ou interesses de outro cônjuge, desde que este os conheça e não se lhes tenha expressamente oposto. 6 - O conhecimento e a ausência de oposição expressa referidas no número anterior presumem-se, até prova em contrário.” Na verdade, o desconhecimento da alteração do domicílio fiscal operada pelo cônjuge do recorrente só lhe poderia aproveitar no caso de este fazer a sua prova. O que manifestamente não logrou, nem sequer ensaiou, por ser matéria que não foi sequer por si alegada em sede de petição. Verifica-se, pois, que as notificações procedimentais foram feitas para o domicílio fiscal correspondente à morada da família, última indicada por um elemento da sociedade conjugal, no caso o sujeito passivo mulher, «BB». Acresce, que em matéria de notificações em sede de procedimento de inspecção tributária, cumpre atentar ao disposto no artigo 39º do RCPIT (Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária); “A notificação de pessoas singulares obedece ao disposto no Código de Procedimento e de Processo Tributário, com as seguintes adaptações: (...) b) Nas situações tributárias comuns ao casal, notificar-se-á qualquer dos cônjuges; c) Caso a actividade objecto de procedimento de inspecção seja exercida ou se relacione com apenas um dos cônjuges, a notificação deve ser feita, preferencialmente, na sua pessoa, ainda que ambos os cônjuges sejam sujeitos passivos de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS).” A lei é clara, no específico âmbito do procedimento de inspecção tributária, em tudo o que respeite a situações tributárias comuns ao casal, a notificação feita a um dos cônjuges verá os seus efeitos estendidos a ambos, suprimindo a exigência geral de notificação de cada uma das pessoas singulares, sujeito passivo de tributação e, bem assim, com especial relevo in casu a preferência das notificações ocorrerem na pessoa sobre quem recai a actividade objecto de procedimento. “Lembrando que o agregado familiar em geral e o casamento em particular podem constituir unidades económicas para efeitos de tributação, estipula-se que nas situações tributárias comuns ao casal (com relevância, por exemplo, em sede de IRS – cfr. art.º 13.º, n.º 2 do Código do IRS), notificar-se-á qualquer um dos cônjuges, não se exigindo a notificação conjunta ou de ambos (embora tal seja desejável). Este preceito vem aliás, parece-nos, surge na esteira do previsto no n.º 5 do artigo 16.º da LGT, onde se prevê que qualquer dos cônjuges pode praticar todos os actos relativos à situação tributária do agregado familiar e ainda os relativos aos bens ou interesses de outro cônjuge, desde que este os conheça e não se lhes tenha expressamente oposto, sendo que o conhecimento e a ausência de oposição expressa presumem-se, até prova em contrário. Excepciona no entanto a alínea c) do preceito em anotação nas situações em que a actividade objecto de procedimento de inspecção seja exercida ou se relacione com apenas um dos cônjuges, caso em que a notificação deve ser feita, preferencialmente, na sua pessoa que exerce a actividade.” [Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, in RCPIT Anotado e Comentado, Coimbra Editora, Coimbra, maio de 2013, p. 232.]. Pelas razões já expostas, por aquelas que amplamente constam da sentença recorrida, mormente das referências e transcrições jurisprudenciais ali produzidas, a notificação a dar nota do início do procedimento inspectivo, do projecto de relatório e do relatório final, para a morada indicada/actualizada pela «BB» (sujeitos passivo da sociedade conjugal), respeitou a exigência legal especifica que impunha que a notificação há-de ser feita na pessoa do sujeito passivo com quem se relacione a tributação ou que exerça a actividade em causa, não padece de qualquer violação do quadro legal aplicável. Aqui se confirmando o julgamento operado em 1ª instância de que «As notificações procedimentais respeitaram, assim, o quadro legal em vigor, devendo ambos os membros do casal considerar-se legalmente chamados ao procedimento, não padecendo aquelas, pelo exposto, de qualquer vício decorrente da violação do dever de notificação. » Diga-se, ainda e com relevância no caso, que a LGT, no seu artigo 16º, nºs 5 e 6, estabelece que “qualquer dos cônjuges pode praticar todos os actos relativos à situação tributária do agregado familiar e ainda os relativos aos bens ou interesses de outro cônjuge, desde que este os conheça e não se lhes tenha expressamente oposto”, e que “o conhecimento e a ausência de oposição expressa referidas no número anterior presumem-se, até prova em contrário”, o que nos direcciona para a relevância a atribuir à alteração do domicílio fiscal levada a cabo pelo então cônjuge, mulher. Em jeito de foice, há ainda que repisar que, se por hipótese (o que nunca foi aventado nos autos), o casal, composto por «AA» e «BB», apesar de casados, estivessem separados de facto, podia, nos termos previstos no artigo 59º, nº2 do CIRS, cada um dos cônjuges ter apresentado uma única declaração dos seus próprios rendimentos e dos rendimentos dos dependentes a seu cargo, sendo que, neste caso, tais declarações originariam, necessariamente, liquidações autónomas, respeitantes a cada um dos cônjuges separados de facto. Não foi, porém, com respeito ao ano de 2010, esta a opção dos declarantes apesar de aludir o recorrente e estar provado que já estariam separados em finais de 2010 e, como se sabe a declaração de rendimentos conjunta apenas terá sido apresentada em meados de maio de 2011. Prosseguindo no conhecimento do recurso [conclusões xxiii a xliii das alegações de recurso], aduz o recorrente de que “As considerações e as conclusões de Direito do Tribunal a quo a respeito da violação do princípio do acesso ao Direito e à tutela jurisdicional (artigo 20º da CRP) e do princípio da boa-fé (artigo 266º, n.º 2, da CRP), assentam no pressuposto errado de que o Recorrente não fez chegar ao conhecimento da AT, em qualquer altura ou por qualquer forma, a situação de rutura da comunhão da vida conjugal em que se encontraria;” repisando a sua indignação de que efectivamente não foi notificado do procedimento inspectivo o que o impediu “de utilizar o mecanismo de recurso judicial da decisão de avaliação da matéria coletável por métodos indiretos, previsto no n.º 7 do artigo 89º-A da LGT e do artigo 146º-B do CPP” , aclamando que “Deve o Tribunal ad quem declarar inconstitucional (artigo 204º da CRP), no presente processo, por violação do princípio do acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20º da CRP), a norma do artigo 39º do RCPIT, na interpretação segundo a qual a notificação do procedimento inspetivo feita a um dos ex-cônjuges aproveita o outro ex-cônjuge, quando à data do procedimento inspetivo, os ex-cônjuges já cessaram a vida comum, estavam separados e tinham moradas fiscais diferentes”. O Tribunal a quo, para decidir nos termos em que o fez a respeito da violação do princípio do acesso ao Direito e à tutela jurisdicional (artigo 20º da CRP) e do princípio da boa-fé (artigo 266º, n.º 2, da CRP), ancorou-se no entendimento constante do seguinte discurso jurídico, que, aqui, se reproduz: «Importa a este passo averiguar se, ainda assim, a aplicação que resulta das normas legais padece de vício decorrente de inconstitucionalidade, por violação dos ditames impostos pelos princípios de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva, da Justiça e da boa-fé. Entende o impugnante que a interpretação do quadro legal vigente, no sentido de a notificação do procedimento inspectivo feita a um dos ex-cônjuges aproveitar ao outro ex-cônjuge, quando à data do procedimento inspectivo os ex-cônjuges já cessaram a vida em comum, infringe as normas que estabelecem aqueles princípios na ordem jurídica constitucional. Vejamos. Resultou apurado para os autos que o procedimento de inspecção teve início em data anterior à dissolução judicial do casamento. Constata-se, na verdade, à face do elenco dos factos provados, que a acção inspectiva se iniciou com a notificação do sujeito passivo por ofício de 09.04.2012, para fazer prova de que os rendimentos declarados correspondiam à realidade e de que era outra a fonte da manifestação de fortuna evidenciada. Mais se verificando que a data do divórcio, correspondente ao trânsito em julgado da sentença que o decretou, é a de 11.02.2013. Assim, como se referiu, à data do início do procedimento, a realidade jurídica era a do casamento dos dois sujeitos passivos, que haviam apresentado declaração de rendimentos conjunta relativamente ao exercício alvo de inspecção. Respeitando as notificações feitas o regime legal em vigor, nos termos das considerações expendidas, resta saber se, por algum motivo, era exigível à Administração Tributária que desaplicasse os comandos normativos reguladores da matéria e que duplicasse as notificações, dirigindo-as a cada um dos membros do casal. Entende-se que não, pelas razões que se expõem: Antes de mais, e na sequência do que ficou dito, porque devendo ambos considerar-se validamente chamados ao procedimento, não foi levado ao conhecimento da Autoridade Tributária qualquer alteração relevante para esse efeito. Designadamente, não foi levada ao conhecimento da AT, em sede procedimental, a alteração das circunstâncias de facto ou de direito que justificasse uma modificação das formas de comunicação entre a entidade a quem incumbia a direcção do procedimento e os seus sujeitos. Por outro lado, era naturalmente inexigível à Administração Tributária que conhecesse oficiosamente a realidade de facto quanto à situação conjugal do impugnante, ou, dito de outro modo, que conhecesse a existência de divergência entre a realidade jurídica e declarada quanto ao agregado relativamente ao exercício em causa e a realidade em que o impugnante se encontraria de facto, a esse nível, à data do curso da acção inspectiva. Nem para esse efeito pode relevar o facto da apresentação da declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2011 em separado, por cada um dos cônjuges, já que dessa só consta a indicação “separado de facto”, o que, se por si só não é idóneo a atestar a ruptura do casamento entre os membros do casal, não levaria também à exclusão da aplicabilidade das regras contidas no artº 39º do RCPIT. Com efeito, nas normas referidas o elemento relevante é o da qualidade de cônjuge e, por conseguinte, o da existência de vínculo gerado pelo casamento, entre os membros do casal, a quem incumbe a direcção do agregado. Não se atribui, nelas, qualquer relevo à situação de facto de separação do casal, ao contrário do que se viu acontecer com outras normas de direito tributário e não sendo, por conseguinte, de presumir que o legislador foi omisso nessa matéria e, então, lícito o recurso à analogia (cfr. artigos 9º e 10º do Código Civil). Por outro lado, ainda, e mesmo que em tese se pudesse alegar que à data da notificação do relatório final já havia transitado a sentença de divórcio, o que constituiria pressuposto de desaplicação do regime legal decorrente das citadas normas, tal argumento não convenceria. Efectivamente, uma actuação diferente poderia, em abstracto, ser exigível, atentos os mencionados princípios constitucionais, mas apenas perante o conhecimento, pela administração, de um quadro jurídico-factual diverso do que se constata nos autos existir à data. Entende-se, na verdade, que pudesse, hipoteticamente, desrespeitar a norma constitucional que impõe a boa-fé como regra do agir administrativo e ainda um elementar princípio da justiça a notificação pela AT de apenas um dos cônjuges numa situação consabida de dissolução do casamento. Ou seja, o entendimento pelo qual se perfilhe a tese da inconstitucionalidade da interpretação da norma contida nas alíneas b) e c) do artº 39º no sentido de permitir a notificação de apenas um dos cônjuges quando estes se encontrem em situação de dissolução do casamento tem ainda assim um pressuposto, de ordem subjectiva: o conhecimento, pela entidade a quem a notificação incumbe, da situação que justifique a desaplicação da norma imperativa reguladora da matéria. O mesmo é dizer que só recairia sobre a Administração o dever de notificar ambos os cônjuges, sob pena de inconstitucionalidade da citada norma, prevista no artº 39º do RCPIT, na condição de esta conhecer o fim do pressuposto de facto que pode entender-se subjazer à mesma norma, e o qual respeita ao casamento dos sujeitos passivos do agregado. Melhor dizendo, ainda: o juízo de inconstitucionalidade dependeria não só de se configurar a ratio legis do preceito em causa, e que parece residir na situação de comunhão própria do casamento, mas ainda do pressuposto do conhecimento, por parte da administração, da cessação de facto do pressuposto que constitui a razão de ser da norma. Só a reunião destes elementos permitiria concluir pela exigibilidade da notificação a ambos os cônjuges, à face de um quadro legal que expressamente a dispensa. Constata-se, pela mera consulta dos autos, que o impugnante não alega nem demonstra que tenha feito chegar ao conhecimento da AT, em qualquer altura ou por qualquer forma, a situação de ruptura da comunhão de vida conjugal em que se encontraria. O mesmo valendo, de resto, para a situação de divórcio, da qual, da mesma forma, não se alega ter sido dado conhecimento à Administração [e o qual só poderia ser adquirido pela mesma, ainda que indirectamente, por virtude da (eventual) indicação do estado de “não casado” na declaração de rendimentos relativa a 2012, a apresentar após o decretamento do divórcio mas em altura em que o procedimento inspectivo já teria conhecido o seu desfecho]. Não o foi feito por quem estava, saliente-se, à vista do regime legal em vigor, validamente no procedimento, por via da notificação regularmente feita. E sendo manifestamente insuficiente, para que pudesse suspeitar-se da divergência, a mera existência de mais do que um domicílio fiscal ou a apresentação em separado das declarações de rendimentos de cada cônjuge, atentas as considerações já expendidas supra. Note-se, de resto, que o entendimento contrário levaria, por absurdo, a que a mera apresentação de declarações de rendimentos em separado pelos membros do casal, na constância do casamento, fizesse recair sobre a Administração Fiscal o pesado encargo de duplicar toda e qualquer notificação relativa à situação tributária do agregado. Levaria mesmo, em linha com a ilogicidade da asserção anterior, a que se equiparassem os efeitos jurídicos do divórcio e da separação de facto, neste âmbito, ao contrário do que parece ser a intenção do legislador tributário. Dependendo, nestes termos, a ponderação de um juízo de inconstitucionalidade por violação dos princípios da Justiça e da boa-fé da prova do conhecimento, pela AT, da situação de divórcio ou separação de facto, a alegação do impugnante improcede, também neste ponto. Por outro lado, afigura-se manifestamente descabida a alegação do impugnante no tocante ao princípio da tutela jurisdicional efectiva. Na verdade, não se vislumbra em que medida possa ter sido desrespeitada a norma constante do artº 20º da Constituição da República Portuguesa, no qual se preceitua: “Artigo 20º Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva 1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. 3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.” A norma reporta-se, no essencial, ao acesso ao direito e aos tribunais. Ao impugnante não foi vedado ou condicionado o acesso à via jurisdicional, por qualquer forma, não vindo sequer por si alegada matéria respeitante a este tema. Constata-se, antes, que o impugnante veio exercer justamente esse direito, de forma incondicionada, mediante a propositura da presente acção de impugnação. Motivo por que, sem necessidade de outras considerações, improcede sem mais a alegação também neste ponto. » [fim de transcrição] Provém, que nesta sede recursória, o entendimento vertido na sentença sob recurso mantem-se incólume perante as afirmações inconsistentes e destituídas de conteúdo do recorrente apresentadas em sede de recurso versus fundamentação da sentença acabada de transcrever. Efectivamente o afirmado, pelo recorrente, sem qualquer alteração da matéria de facto em que julgamento sindicado assenta, não logra pôr em causa apreciação e valoração veiculada pelo Tribunal a quo, sendo que não incumbe a este Tribunal ad quem reapreciar ex novo o decidido. Rematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão. 2.3. Conclusões I. Em sede de IRS, e com vista à determinação do rendimento colectável, os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior, sendo que, no caso de contribuintes casados, em regra, deve ser apresentada uma única declaração pelos dois cônjuges – cfr. artigos 57º e 59º do CIRS, ressalvando a lei a possibilidade de, em caso de separação de facto, cada um dos cônjuges poder apresentar uma única declaração dos seus próprios rendimentos e dos rendimentos dos dependentes a seu cargo. II. Tendo a declaração de rendimentos respeitante ao IRS de 2010 sido entregue por ambos os cônjuges, conjuntamente, na situação de casados, a notificação a dar nota do início do procedimento inspectivo, do projecto de relatório e do relatório final, para a morada indicada/actualizada pelo sujeito B (enquanto um dos sujeitos passivo da sociedade conjugal), respeitou a exigência legal especifica que decorre do artigo 39º do RCPIT. 3. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso. Custas a cargo do recorrente. Porto, 15 de maio de 2025 Irene Isabel das Neves (Relatora) Serafim José da Silva Fernandes Carneiro (1.º Adjunto) José Coelho (2.º Adjunto) |