Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00306/11.3BEMDL |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 12/15/2022 |
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Tribunal: | TAF de Mirandela |
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Relator: | Tiago Miranda |
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Descritores: | MÉTODOS INDIRECTOS; IVA; ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE RECURSO A MÉTODO INDIRECTOS; |
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Sumário: | I – Assentando a liquidação impugnada num acto emanado no procedimento de revisão, mais propriamente na decisão do respectivo Director de Finanças, é nesse acto final que se deve colher a fundamentação adoptada pela Administração Tributária. II – Nada obsta a que os requisitos da fundamentação, no que respeita à decisão final do procedimento de revisão, sejam encontrados mediatamente no RIT e ou em pareceres pregressos. Aliás, isso é expressamente salvaguardado no artigo 77º nº 1 da LGT, cuja aplicação em caso de fixação da matéria tributável por métodos indirectos os nºs 4 e 5 do mesmo artigo, por compatíveis, não prejudicam. III – Uma vez que é do espírito do sistema que nenhuma acção deixe de ter um valor judicialmente atribuído – tanto para efeitos tributários (taxa de justiça) como para efeitos processuais (recorribilidade das decisões judiciais) – no caso de o valor não ter sido atribuído, nem na sentença nem mesmo no despacho que admitiu o recurso (cf. artigo 306º do CPC), deverá sê-lo na própria decisão que se debruçar sobre o recurso (cf. artigo 10º nº3 do CC). IV – Não assiste ao Tribunal de Recurso o poder de conhecer de uma nulidade da sentença de conhecimento não oficioso, apenas alegada pelo MP no parecer emitido nos termos do artigo 288º nº 1 do CPPT. V - Não se tratando de uma situação que, à partida, prejudicasse o sentido da notificação a que alude a alª a) do artigo 88º da LGT, ou a deixasse antever inútil, a conclusão pela impossibilidade da quantificação directa, sem antes se ter diligenciado, debalde, essa notificação, mostra-se precoce, de maneira que são anuláveis, por falta de demonstração, pela AT, dos pressupostos legais do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, as liquidações oficiosas de IVA emitidas com base nessa avaliação.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I - Relatório A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso de apelação relativamente à sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou procedente a impugnação judicial prosseguida pelos herdeiros habilitados de AA NIF ... relativamente as liquidações oficiosas de IVA dos anos de 2006 a 2008, no montante total de € 53 430,57 €. As alegações de recurso da Recorrente terminam com as seguintes conclusões: «(…) CONCLUSÕES: 1. Por via da douta sentença recorrida, o Mmo. Juiz a quo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela decidiu anular as liquidações de IVA relativas aos anos de 2006, 2007 e 2008, por considerar que a AT não logrou demonstrar a verificação dos pressupostos de que a lei faz depender o recurso à avaliação indirecta da matéria colectável; 2. A decisão de apurar indirectamente a matéria tributável do sujeito passivo assentou na constatação da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 87.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 88.º, ambos da LGT, tendo por base os fundamentos explanados nos itens 2 e 3 do ponto 2.1. do Capítulo II, no capítulo III e no Capítulo IV, todos do Relatório da Inspecção Tributária elaborado no âmbito de procedimento inspectivo realizado à contabilidade do Impugnante; 3. A razão da impossibilidade de determinação directa da matéria tributável estribou-se na existência de fluxos financeiros (depósitos em numerário, cheques e transferências), registados em contas bancárias tituladas pelo Impugnante, evidenciados nos elementos documentais remetidos aos serviços de inspecção por parte de diversas entidades bancárias, precedendo autorização expressa do sujeito passivo; 4. O Impugnante, pese embora instado para o efeito, não justificou a origem da totalidade dos movimentos financeiros, depositados ou transferidos para as contas bancárias abertas em seu nome, sendo certo que da sua contabilidade não constavam quaisquer elementos que permitissem identificar os factos tributáveis, ou não, relacionados com aqueles movimentos; 5. A avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa (cf. n.º 1 do artigo 85.º da LGT), só podendo a administração tributária lançar mão da primeira quando se encontrem reunidos os pressupostos legalmente consagrados (cf. artigo 87.º da LGT); 6. Cabe à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da determinação da matéria colectável por recurso a métodos indirectos e ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso da respectiva quantificação. 7. No caso em apreço, atentos os factos tributáveis relevados em prova documental, entende a Recorrente que ficou cabalmente demonstrada a impossibilidade de determinação da matéria colectável do Impugnante por avaliação directa; 8. Efectivamente, face à identificação, por parte dos serviços de inspecção, de uma miríade de movimentos financeiros, não correlacionáveis com quaisquer factos ou operações tributáveis, praticados no exercício da actividade desenvolvida pelo Impugnante, impunha-se que este justificasse, de forma cabal, a origem dos referidos fluxos; o que não foi feito. 9. Nem demonstrou qualquer excesso na quantificação da referida matéria; 10. Na douta sentença recorrida, o Mmo. Juiz a quo considerou, erroneamente, que a decisão de avaliação indirecta da matéria colectável do Impugnante se tinha ficado a dever ao facto “do Impugnante não possuir pelo menos uma conta bancária, pela qual deveriam ser exclusivamente movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à actividade empresarial, porque, precisamente, esta irregularidade não impediu o apuramento do rendimento real e efectivo do Impugnante”. 11. Abstendo-se de valorar a factualidade – constante dos itens 2 e 3 do ponto 2.1. do Capítulo II, Capítulo III e Capítulo IV, todos do RIT – que, efectivamente, esteve na origem da impossibilidade da avaliação directa e exacta da matéria colectável do Impugnante; 12. Isto é, o facto de a proveniência dos fluxos financeiros a crédito (depósitos em numerário, cheques e transferências), evidenciados nos extractos bancários, tenha permanecido sem qualquer justificação por parte do Impugnante. 13. O recurso à avaliação indirecta mostrou-se, assim, adequadamente fundamentado, de facto e de direito, considerando, nomeadamente: (i) a existência de depósitos e transferências bancárias em montantes reveladores de uma capacidade contributiva manifestamente superior à revelada na contabilidade; (ii) a falta de demonstração da origem e natureza da totalidade daqueles montantes e (iii) o facto de a contabilidade do sujeito passivo não reflectir a totalidade das operações realizadas pelo mesmo; 14. Teve o Impugnante, quer no âmbito do procedimento inspectivo, quer em sede do procedimento de revisão da matéria colectável, oportunidade para colmatar, com prova objectiva e não por meras alegações, as insuficiências de que enfermava a sua contabilidade as quais determinaram, como supra exposto, a imperiosa necessidade de recurso à avaliação indirecta da matéria colectável; 15. A decisão de recorrer à avaliação indirecta da matéria colectável do Impugnante observou, pois, integralmente os comandos legais vertidos nas disposições conjugadas dos artigos 74.º n.º 3, 77.º n.º 4, 85.º, 87.º, alínea b) e 88.º, n.º 1 alínea a), todos da Lei Geral Tributária, mostrando-se por isso adequadamente fundamentada; 16. Pelo que a douta sentença que declarou anuladas as liquidações impugnadas por considerar verificada a existência de um inexistente deficit quanto à demonstração dos pressupostos da avaliação indirecta violou as supra-referidas disposições legais (vide conclusão 15), não podendo os seus efeitos manterem-se na ordem jurídica; 17. Nestes termos, e nos demais de direito que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, deverá ao presente recurso ser concedido integral provimento, com a consequente revogação da douta sentença recorrida, e a substituição por outra que, reafirmando a legalidade das liquidações impugnadas, venha a julgar a presente impugnação totalmente improcedente, assim se fazendo a já acostumada e sã Justiça.» Notificada, a Recorrida contra-alegou em termos redutíveis à seguinte transcrição: «(…) CONCLUSÕES: 1 - Veio a Fazenda Pública apresentar recurso jurisdicional da Douta Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, notificada a 08 de Maio de 2018, que julgou procedente a impugnação apresentada pelos Recorridos, e decidiu anular as liquidações de IVA, relativas aos anos de 2006, 2007 e 2008, com fundamento na falta de verificação dos pressupostos da avaliação indirecta da matéria colectável. 2 - A Recorrente assenta o seu recurso, alegando que a decisão dos serviços de inspecção tributária de recorrerem à avaliação indirecta resultou, na verdade, da constatação da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 87.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 88.º, ambos da Lei Geral Tributária (LGT), tendo por base os fundamentos explanados no Capítulo IV e itens 2 e 3 do ponto 2.1. do Capítulo II e Capítulo III, todos do RIT. 3 - O recurso apresentado pela Recorrente não pode proceder, porquanto a impugnação dos Recorridos demonstrou, indubitavelmente, que o recurso à avaliação indirecta se mostrou injustificado, pois teria sido possível à Autoridade Tributária apurar a matéria colectável dos Recorridos através da sua quantificação directa. 4 - Não assiste razão à Recorrente pois atentos os fundamentos alegados e os factos apurados nos autos, esta não logrou provar, como lhe competia, que o recurso aos métodos indirectos se considerava justificado. 5 - A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável. 6 - Tal impossibilidade poderá resultar da inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, ou por erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridas no prazo legal, desde que essas anomalias ou incorrecções inviabilizem o apuramento da matéria tributável por comprovação e quantificação directa, conforme resulta dos artigos 87.º, al. b) e 88.º al. a) da LGT. 7 - Só constituem impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável. 8 - Incumbe à Recorrente demonstrar, fundamentadamente, que a contabilidade do contribuinte, in casu, dos Recorridos, não merece confiança, para que lhe seja possível recorrer a métodos indirectos de determinação da matéria tributável. 9 - O apuramento da matéria tributável através daqueles métodos visa, tendencialmente, alcançar o rendimento real e efectivo, e a sua determinação deve basear-se em todos os elementos concretos adequados à situação, não se estabelecendo qualquer constrangimento ao modo da Recorrente os verificar e recolher, antes se lhe impondo um esforço de aproximação com a realidade. 10 - A Recorrente não logrou concretizar tal demonstração, como lhe competida. 11 - O preenchimento dos pressupostos legais prevê que a Recorrente se depare perante factos concretos, que preencham a previsão abstracta legalmente estatuída. 12 - Compulsados os autos verifica-se que, a Recorrente se limitou a remeter para os artigos 87º a 89º da LGT, argumentando unicamente que a contabilidade não reflecte a realidade tributária, nem possibilita o apuramento da mesma através da quantificação directa. 13 - Da leitura conjugada dos artigos 85º, 87º e 88º da LGT resulta, inequivocamente, que os métodos indirectos só podem aplicar-se quando seja impossível à Recorrente proceder à determinação da matéria colectável de modo directo e exacto, nomeadamente através de correcções meramente aritméticas. 14 - Dos autos verifica-se que, dos factos apurados e dos fundamentos invocados pela Recorrente, não pode considerar-se como justificado o recurso a métodos indirectos, em função das normas legais referidas. 15 - O disposto no artigo 87.º, al. b) da LGT só permite que “a inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução” suportem o recurso a métodos indirectos “quando não supridas no prazo legal”. 16 - Com efeito, o referido o normativo legal exige que o contribuinte, in casu, o Recorrido, seja notificado para regularizar a contabilidade ou apresentar os documentos que a Recorrente considere em falta. 17 - Na ausência de tal notificação nos presentes autos, a Recorrente não está legitimada a efectuar correcções à matéria colectável com recurso a métodos indirectos com base neste fundamento legal. 18 - Pelo exposto, só na ausência de regularização ou de apresentação dos elementos em falta pelos Recorridos, é que se pode considerar a existência de uma real situação de impossibilidade. 19 – A Recorrente reconheceu que os Recorridos lhe consentiram a consulta e a solicitação de todos os documentos bancários, designadamente, fotocópias de cheques, transferências bancárias e/ou outros elementos necessários relativamente a todas as contas bancárias de que era titular nos anos de 2006, 2007 e 2008. 20 - Com base no referido consentimento dos Recorridos, a Recorrente encetou as diligências que entendeu pertinentes, designadamente, requereu ao Director do Departamento de Emissão e Tesouraria do Banco de Portugal – Agência de ..., a identificação das contas bancárias de que o Impugnante era titular, os extractos bancários das contas correntes onde constassem todos os movimentos efectuados nos períodos compreendido entre 1/1/2006 e 31/12/2008. 21 - Nessa esteira, as instituições de crédito (Banco 1..., Banco 2..., Banco 3... e Banco 4...) informaram que o Impugnante/Recorridos era seu cliente e enviaram os respectivos extractos de contas. 22 - Pelo exposto, nos termos das exigências legais supra-referidas não é admissível, nem podem considerar-se como justificativos para aplicação do recurso a métodos indirectos o facto de o Impugnante não possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual deveriam ser exclusivamente movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à sua actividade empresarial, até porque esta irregularidade não impediu o apuramento do rendimento real e efectivo do Impugnante. 23 - A Autoridade Tributária estava obrigada a alegar e provar que aquela alegada irregularidade, ou qualquer outra irregularidade detectada, não permitiu apurar o rendimento real e efectivo. 24 - Ora, nos termos da referida disposição legal não existe um efeito automático que deriva do facto de se constatar a inexistência, insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, ou erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridas no prazo legal, para se lançar mão da aplicação de métodos indirectos. 25 - Assim, caso a Recorrente não acredite, de forma fundamentada, nas declarações do Recorridos e/ou das instituições de crédito em causa, a correcção à matéria tributável teria de ser feita de forma directa. 26 - Quando a Recorrente alega irregularidades na contabilidade e, de seguida, no Relatório, aplica os métodos indirectos de tributação, dá-se como que uma inversão psicológica do ónus da prova, porque o Recorrido sente-se na necessidade de demonstrar que, ou as irregularidades não existem, ou que o que declarou corresponde ao rendimento real. 29 - A partir deste momento o processo fica viciado: na contestação, ou no procedimento de revisão da matéria colectável, a Recorrente rebate, ou aceita em parte, a posição da Recorrido, designadamente, porque a sua contabilidade não reflectia a verdadeira situação patrimonial nem os resultados efectivamente obtidos, sem nunca demonstrar a indispensabilidade de aplicação dos métodos indirectos. 30 - Caberia à Recorrente “demonstrar que os erros ou irregularidades detectados na contabilidade do contribuinte são de tal forma relevantes que inviabilizam a comprovação directa e exacta da matéria tributável e que o recurso aquele método se tornou a única forma de a determinar, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, só então se mostrando legitimada a tributação com base nas operações que o contribuinte presumivelmente efectuou.”. Cfr. Ac. TCAN, proc. n.º 00321/04 de 31/3/2005, in www.dgsi.pt. 31 - Determina o artigo 85º da LGT (Lei Geral Tributária) que a avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa, sendo a utilização de tal avaliação apenas permitida se ocorrerem os pressupostos expressamente previstos no artigo 87º da LGT. 32 - Assim, a Recorrente apenas pode recorrer à avaliação indirecta, para efeitos de fixação da matéria tributável quando, de todo, lhe seja impossível proceder a essa fixação a partir da utilização dos métodos directos. 33 - Essa impossibilidade, conforme o disposto no artigo 88º, alínea a) da LGT, pode resultar da “inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;…”. 34 - Resulta, pois, da conjugação dos artigos 85º, 87º e 88º da LGT, que o recurso aos métodos indirectos só pode ter lugar, quando seja impossível à Recorrente determinar a matéria colectável de modo directo, nomeadamente através de correcções meramente aritméticas. 35 - Ora, decidiu bem o meritíssimo juiz “a quo”, ao considerar que “analisados os fundamentos concretamente invocados pela Administração Tributária e, em função das normas legais referidas, e dos factos apurados, afigura-se não poder considerar-se como justificado o recurso a métodos indirectos”. 36 - Isto porque, o artigo 88º da LGT como supra se referiu, apenas permite o recurso a métodos indirectos em circunstâncias muito específicas, exigindo-se que o contribuinte, in casu, o Impugnante/Recorridos seja notificado para regularizar a contabilidade ou apresentar os documentos que a Recorrente considere em falta, apenas se podendo considerar que se está perante uma situação de impossibilidade, se este não regularizar ou apresentar tais documentos. 37 - Sucede que, tal como consta dos autos, o Recorrido consentiu na consulta e solicitação de todos os documentos bancários, designadamente, fotocópias de cheques, transferências bancárias ou outros elementos necessários relativamente a todas as contas bancárias de que o mesmo fosse titular nos anos de 2006, 2007 e 2008, tendo sido solicitados os referidos documentos e fornecidas pelas instituições de crédito todas as informações solicitadas. 38 - Pelo que, decorre dos autos que, quando e sempre que solicitado para tal, o Recorrido colaborou com a Recorrente, ao contrário do que esta pretende fazer crer nas alegações apresentadas. 39 - Acresce que, nos termos do disposto no artigo 74º da LGT, “em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação”. Neste sentido conferir o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13-11-2014, Proc. n.º 00169/08.6BEBRG e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17-03-2016, Proc. n.º 06556/13. 40 - Assim, pretendendo aplicar os métodos indirectos de tributação aos Recorridos, caberia à Recorrente ter demonstrado que, os erros ou irregularidades detectadas na contabilidade destes, eram de tal forma relevantes que inviabilizavam a comprovação directa e exacta da matéria tributável e, consequentemente, que o recurso aos métodos indirectos era a única forma de a determinar, enunciando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido. 41 - Neste caso, e apesar da alegada irregularidade, a Recorrente tinha a possibilidade de apurar a matéria colectável através da sua quantificação directa, pelo que a aplicação de métodos indirectos de tributação é ilegal. 42 - Atento o supra exposto, decidiu bem o tribunal “a quo”, ao considerar que a Recorrente “tinha a possibilidade de apurar a matéria colectável através da sua quantificação directa – pelo que a aplicação de métodos indirectos de tributação é ilegal.”, 43 - Sendo ilegal, deverá a decisão proferida no tribunal “a quo” ser mantida, relativamente ao apuramento da matéria colectável através de métodos indirectos, assim se fazendo a acostumada e sã justiça. A Digna Magistrada do Mº Pº neste Tribunal teve vista nos autos e emitiu douto parecer, no qual, a título principal sustentou a procedência do recurso por a sentença recorrida ter feito “errada valoração da prova e dos factos e incorrecta interpretação e aplicação do direito”; e a título subsidiário (“sem prescindir”) alegou a nulidade da sentença por falta de especificação de fundamentos de facto e de direito, nos seguintes termos: «(…) 10 - Apreciando o teor da decisão recorrido, parece-nos, que padece de NULIDADE por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, que abarca não apenas a falta de descriminação dos factos provados e não provados, a que se refere o artº 123º nº2 do CPPT mas também a falta de exame crítico das provas — artº 607º nº4 do CPC. 11 - A fundamentação da matéria de facto deve conter a indicação dos elementos de prova de que o juiz se socorreu para formar a sua convicção, procedendo a um exame crítico dos mesmos de forma a exteriorizar e dar a conhecer aos interessados as razões por que decidiu em determinado sentido e não noutro. 12 - O exame crítico das provas, no caso de provas e elementos divergentes que apontem para sentido diferentes, deve explicitar as razões por que se privilegiaram a credibilidade de umas em detrimento ou desconsideração de outras. 13 - Analisada a sentença recorrida, verifica-se que o Sr. Juiz não apresenta motivação da matéria de facto, inviabilizando a percepção dos motivos que levaram o tribunal a quo a decidir como decidiu. 14 - In casu, verifica-se falta de fundamentação (não existe indicação dos factos não provados nem exame crítico das provas) pelo que não se pode concluir com segurança quais os elementos de prova que serviram para formar a sua convicção. 15 — A propósito de situação idêntica se pronunciou este TCAN nos seus doutos Acórdãos de 8.3.12 in Proc. nº 329/05.1BEMDL, de 9.6.16 in Proc. nº 288/09.1BEMDL e de 1.6.17, in Proc. n200032/10.0BEPRT, a cuja fundamentação se adere e para onde se remete.» Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir. II – Questão prévias: A – Falta de fixação do valor da causa O Mº Juiz a quo não fixou o valor da casa: nem na sentença, como, em princípio era devido, face à inexistência de despacho saneador autónomo no processo tributário, nem no despacho que admitiu o recurso: cf. artigo 306º nºs 2 e 3 do CPC. Não havendo norma que preveja especificamente o modo de suprir a falta desta decisão, que é imprescindível quer para efeitos tributários (cf. tabelas anexas ao RCP) quer para efeitos processuais (desde logo quanto a admissibilidade legal do recurso), nem norma que preveja caso análogo), cumpre decidir de acordo com a norma que, in casu, o julgador criaria se houvesse de legislar em harmonia com o espírito do sistema: artigo 10º nº 3 do Código Civil. Isto posto, julgamos que, uma vez que é do espírito do sistema que nenhuma acção deixe de ter um valor judicialmente atribuído, no caso de, por erro, o valor não ter sido atribuído, nem na sentença nem no despacho que admitiu o recurso, deverá sê-lo na própria decisão que se debruçar sobre o recurso. Neste pressuposto e atento o que dispõe o artigo 301º do CPC, fixa-se o valor da acção em 53 430,57 € (aliás, indicado pelo Impugnante e não contestado pela AT). B - Invocação da nulidade da sentença, pelo MP A nulidade da sentença por outros motivos que não os dispostos “na alínea a) do nº 1 do artigo 615º do CPC não é de conhecimento oficioso. Tal é o que resulta do expressamente disposto no Artigo 196.º do CPC: “Nulidades de que o tribunal conhece oficiosamente Das nulidades mencionadas nos artigos 186.º e 187.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 191.º e nos artigos 193.º e 194.º pode o tribunal conhecer oficiosamente, a não ser que devam considerar-se sanadas; das restantes só pode conhecer sobre reclamação dos interessados, salvos os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso. E do artigo 197ª nº 1: Artigo 197.º (art.º 203.º CPC 1961) Quem pode invocar e a quem é vedada a arguição da nulidade 1 - Fora dos casos previstos no artigo anterior, a nulidade só pode ser invocada pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do acto. Assim sendo a nulidade por falta de apreciação crítica da prova e por falta de discriminação de factos não provados, prevista que é no artigo 125º do CPPT, a que corresponde a disposição do artigo 615º do CPC, carece de ser objecto de “reclamação” pelos “interessados”. E tem de o ser no prazo de dez dias (artigo 149º nº 1 do CPC), perante o tribunal que proferiu a sentença, se a mesma não admitir recurso ordinário, ou, se o admitir, apenas poderá ser arguida em sede de recurso, perante o tribunal ad quem. (cf. artigo 615º nº 4 do CPC). Logicamente, se não for arguida por quem de direito (os interessados), no prazo e na sede própria, a nulidade da sentença que não seja de conhecimento oficioso fica sanada. Interessados, em processo tributário, são as partes, não o MP, que, não se dando o caso de ser representante de alguma parte, intervém, no processo tributário, como um órgão auxiliar da realização da Justiça, vinculado por um dever de defesa da legalidade e de defesa do interesse público (nº 1 do artigo 14º do CPPT). Designadamente, o MP não é parte acessória de parte alguma no processo tributário. Por isso, não é atribuição do MP, em processo tributário, arguir nulidades que esteja no dispositivo das partes suscitar ou não suscitar. Não se diga que lhe assiste essa legitimidade em nome da defesa da legalidade. Pelo contrário, atribuição do MP é defender esse bloco de legalidade de que também faz parte a faculdade dos “interessados”, de não suscitarem nulidades dependentes de arguição. Mas mesmo que se entendesse ser atribuição do MP suscitar nulidades dependentes de arguição dos interessados, à revelia dos mesmos interessados, o tempo e o modo de o fazer só poderiam ser os previstos em geral, já que outros, especiais, não estão previstos para o MP. Ou seja, o MP teria que arguir a nulidade no prazo de dez dias a contar da notificação da sentença, perante o Juiz da Sentença, ou mediante recurso (cf. supra), consoante a sentença não admitisse ou admitisse recurso ordinário. Ora o magistrado do MP na 1ª Instância, notificado da sentença, nada requereu, pelo que, mesmo no pressuposto de o MP poder arguir nulidades cuja arguição o Legislador sujeitou ao dispositivo das partes, sempre a nulidade estaria sanada por tão pouco ter sido arguida pelo MP (na 1ª Instância) no tempo e pelo modo já mencionados. Para o sobredito efeito de defesa da legalidade e do interesse público no processo tributário, a lei processual tributária confere ao MP a atribuição de ser ouvido em todos os processos judiciais, antes de ser proferida a decisão final: cf. nº 2 do mesmo artigo 14º, audição essa que deve ser repetida antes do julgamento do recurso (artigo 288º nº 1 do CPPT). Não se trata, aqui, porém, de conferir ao MP uma oportunidade e um poder para reclamar de nulidades de conhecimento não oficioso (portanto, sujeitas ao dispositivo das partes e a prazo de arguição). Quando o MP, quer na primeira quer na segunda instância, emite o seu parecer nos termos dos sobreditos artigos, isto é, antes da decisão final, o objecto do mesmo consiste, essencialmente, num preconizar da decisão final que se entenda dever ser tomada, sem prejuízo de se dever suscitar tudo o que, sendo de conhecimento oficioso, obste ao conhecimento do objecto da causa ou do recurso Inclusive, em 1ª Instância, a falta de diligências instrutórias julgadas necessárias, no âmbito do dever inquisitório, dessa feita promovidas.. Trata-se de emitir um parecer sobre a legalidade a cumprir pelo tribunal na decisão que lhe cumpre tomar. Ora, estando o tribunal de recurso legalmente impedido de conhecer da nulidade da sentença por omissão de pronúncia – por força do dispositivo das partes, que não quiseram arguir essa causa de nulidade da sentença – isso mesmo limita o objecto do parecer final do MP. Não há utilidade alguma em o MP opinar sobre a existência da nulidade de que o tribunal não pode conhecer. Não é pelo facto de o MP apontar essa causa de nulidade da sentença, em sede do parecer final, que o tribunal passa a poder conhecer dela. Em conclusão, não assiste a este Tribunal de Recurso o poder de conhecer da nulidade da sentença indicada pelo MP, pelo que nos abstemos de a apreciar e ou declarar a nulidade da sentença com o alegado fundamento Não se sustenta aqui, sequer, jurisprudência inaudita. Com efeito assim julgou, em caso parecido, o STA, no ac. acórdão do STA de 25.11.2015, no processo 0162/15, cujo parágrafo 4.2 da fundamentação aqui se transcreve: “4.2. No que respeita à nulidade da sentença, por omissão de pronúncia quanto à questão da legalidade da taxa por ampliação de posto de combustível, não poderá tal arguição obter acolhimento. Desde logo, porque, não se tratando de questão de conhecimento oficioso, é suscitada apenas pelo MP, e não pela recorrente. É que embora nos termos do nº 1 do art. 121º do CPPT o Ministério Público possa expressamente pronunciar-se sobre as questões de legalidade que são objecto do processo ou suscitar outras que se enquadrem nas suas competências legais, podendo suscitar questões que obstem ao conhecimento do mérito do pedido, promover a regularização da petição e sanação de irregularidades processuais, deduzir excepções e arguir nulidades, (Cfr. os acs. do STA, de 16/5/2012, proc. nº 0464/11 e de 31/10/2012, proc. nº 0948/12; bem como Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6ª edição, II volume, anotação 4 ao art. 121º, p. 300.) aquela norma não tem, no caso, aplicação, pois que em sede de recurso jurisdicional da decisão proferida em 1ª instância, se impõe ao MP, como ao Tribunal, o objecto do recurso definido pelas partes, a não ser que se trate de questões de conhecimento oficioso, o que não é o caso. E não tendo a nulidade, por omissão de pronúncia sido invocada pela recorrente, nem sendo questão de conhecimento oficioso, não poderá o MP suscitá-la.” (destaque nosso) . III - Âmbito do recurso: questão a decidir Conforme jurisprudência pacífica, extraída dos artigos 608º, 635º nº 4 e 639º do CPC, aqui aplicáveis ex vi 281º do CPPT, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações. Então, a questão a resolver por este tribunal de apelação consiste em saber se o Tribunal recorrido errou no julgamento em matéria de facto e de direito ao concluir que a AT, no procedimento em ordem à prática dos actos impugnados não demonstrou a impossibilidade de determinação da matéria colectável com recurso a correcções técnicas, desse modo violando os artigos legais que concorrem para a definição, de jure, desses pressupostos, designadamente os artigos 74º nº 3, 77º nº 4, 85º, 87º alª b) e 88º nº q 1 alª a) da LGT. III – Apreciação do Recurso A decisão recorrida em matéria de facto é a seguinte: Factos provados 1. O Impugnante encontra-se inscrito para o exercício da actividade principal de "Construções de edifícios" CAE 41200 - Fls. 14 do PA; 2. A contabilidade do impugnante foi objecto de inspecção tributária, que resultou num relatório que consta de fls. 10 a 22 do PA, que aqui se reproduz, com o seguinte destaque: Pedido de Cooperação com entidades 1 - Foi efectuado um pedido de elementos à Câmara Municipal ... para que nos informasse sobre: . Obras licenciadas com o alvará do sp; • Nome do proprietário da obra; • Numero de licença; • Data de início e conclusão da obra; • Estimativa orçamental, memória descritiva, tipo e local da obra. 2 - No dia 9 de Junho de 2010 foi o sujeito passivo notificado para no dia 22 de Junho do corrente ano, identificar todas as contas bancárias e apresentação dos extractos bancários relacionados com a actividade empresarial dos anos de 2006, 2007 e 2008. Referiu o sp que a conta que existente no Banco 3... movimenta cerca de 90% dos movimentos quer particulares quer movimentos relacionados com a empresa, não estando assim cumprido o disposto no artigo 63.° da LGT que impõe a existência proposta de uma conta exclusivamente para os movimentos financeiros empresariais 2.1 - Foi proposta a assinatura de uma Declaração ao sp, na qual declarou que autorizava a Administração Tributária, a consultar ou solicitar junto de qualquer Instituição de Crédito ou sociedade financeira todos os documentos bancários, designadamente fotocópias de cheques, transferências bancárias ou outros elementos necessários relativamente a todas as contas bancárias de que é titular nos anos de 2006, 2007 e 2008. Após o sp ter autorizado a Administração Fiscal a solicitar ou a consultar junto de qualquer Instituição de Crédito ou sociedade financeira todos os documentos bancários, foi efectuado em 01/07/2010, um pedido de elementos dirigido ao Director do Departamento de Emissão e Tesouraria do Banco de Portugal - Agência de ..., ao abrigo do disposto no artigo 63.° da Lei Geral Tributária, para informar sobre a identificação da(s) conta(s) em que aquele é titular nas Instituições Bancárias com sede no território nacional, relativamente aos exercícios económicos de 2006, 2007 e 2008, os extractos bancários da(s) conta(s) corrente(s), onde constem todos os movimentos efectuados no período compreendido entre 01.01.2006 e 31.12,2008. Descrição dos factos e análise declarativa 1 - De acordo com as informações prestadas pela Câmara Municipal, verificamos que nos anos de 2006, 2007 e 2008 foram levantadas as seguintes licenças;
2 — Em resposta à nossa solicitação as únicas Instituições de Crédito que informaram que AA é ou foi seu cliente nos anos de 2006, 2007 e 2008, foram o Banco 1..., Banco 2..., o Banco 3... e a Banco 4..., tendo sido enviados os respectivos extractos de conta. Todos os restantes Bancos informaram que AA, não é cliente nem tem qualquer relação comercial, não realiza operações bancárias nem existem nem nunca existiram contas bancárias à ordem ou a prazo com aquelas Instituições Bancárias. 3 - Dos extractos enviados pelas Instituições de Crédito, relacionamos os movimentos bancários que consideramos ser objecto de análise:
(Valores em euros)
Banco 3...
Banco 4...
Capítulo III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável 1-0 sujeito passivo vendeu em 15/10/2007 o artigo ...86... da ... freguesia ... - ... por 95.000,00€, através da escritura de compra e venda, O referido prédio foi avaliado em 24/08/2006 nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), tendo sido determinado o valor patrimonial tributário de 101,190,00€, sendo este o valor da realização a considerar para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), existindo assim um valor a acrescer em termos de proveitos de 6.190,00€, no exercício de 2007. 2 - Em 22/10/2007 foi efectuada a escritura n.° ...8/12 no Cartório Notarial ... em ..., pela venda do Lote 9, art.º ...68 da ... ..., ... - ..., no valor de 200,000,00€, existindo no dia 24/10/2007 um depósito no Banco 1... no montante de 200.000 €, ou seja, o valor da escritura, sendo este o valor declarado na declaração de IRS de 2007, como o valor da venda. Consultado o extracto bancário do Banco 3... existe um depósito no valor de 20 000 €, com o descritivo de "Transferência Interbancária de BB. Confrontado o sujeito passivo com esta situação, o Sr, AA, referiu que tal valor se refere ao sinal do Lote 9. Verifica-se assim que o valor do sinal não foi declarado para efeitos fiscais. 3 - Em 24/07/2008 foi efectuada a escritura n.º 123/46 no Cartório Notarial ... em ..., pela venda do Lote 11, art.° ...92 da ... ..., no valor de 230.0000 €, sendo este valor declarado na declaração de IRS de 2008, tendo recebido um sinal de 10.000,00€, conforme referiu o Sr. AA, cheque esse emitido por CC, proprietária do referido prédio, sendo pago por meio de cheque da Banco 4..., depositado no Banco 3... em 11/05/2007, na conta n.° ...95 do sp. Capítulo IV - Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos Estamos perante um sujeito passivo que exerce actos comerciais relacionados quer com a compra e venda de imóveis quer a construção para a venda, quer como prestador de serviços. Não há imputação dos custos directos e indirectos pelos respectivos centros de custo. Os inventários não descriminam ou valorizam os imóveis e trabalhos em curso e a contabilidade não dá reflexo aos critérios de imputação preconizados pelo artº 19.° do CIRC e Circular n 0 5/90 de 17/01 da DGCI. ' Não cumpre com o disposto no artigo 63.°-C da LGT. Por todos estes pressupostos nos parece estarem reunidas os indícios bastantes para a aplicação dos métodos indirectos previstos nos artigos 87.° e 88.° da Lei Geral Tributária e dos métodos indiciários e indirectos previstos respectivamente no artigo 39,° do CIRS e 90.° do CIVA, por a contabilidade não reflectir a realidade tributária do sujeito passivo nem possibilitar o apuramento da mesma através da sua quantificação directa. Não reflecte na sua actividade empresarial (única conhecida geradora de rendimento) os movimentos bancários credores que não tiveram por parte do sp justificação documental do seu caris patrimonial particular. Capítulo V - Critérios e cálculos dos valores corrigidos com o recurso a métodos indirectos 1 - As entradas não justificadas e por não termos actos notariais de venda e o sp não ter outra fonte de rendimentos que seja do nosso conhecimento, iremos tributar para efeitos de IRS e IVA, a titulo de prestação de serviços, os valores a seguir descriminados: Ano de 2006
Ano de 2007
2 - O sujeito passivo adquiriu em 2007 o prédio urbano com o artigo ...99.º da ... ... - ..., tendo em 2008 passado para o artigo ..00.°, apresentando em 06/05/2008, o modelo 1 do IMI, de que resultou um valor patrimonial de 44.280,00€ que o sp afectou ao seu uso particular. Consultados os documentos de compras, verifica-se que foram considerados como custo e registado para efeitos fiscais, o valor de aquisições de materiais de construção que se destinaram à construção da habitação, que se encontra concluída. Como não é possível quantificar todos os documentos de compras e a mão-de-obra à construção do imóvel, vamos ter em conta o valor patrimonial e o disposto no artigo 11." do Decreto Regulamentar n.° 2/90 de 12 de Jan. Casa = 44.280,00€*0,75 = 33.210,00€ - (valor a imputar em partes iguais aos exercícios de 2007 i0t)r'. e 2008, a titulo de dedução de custos empresariais). Terreno = 44.280,00€*0,25 = 11,070,00€ 3 - Com os valores apurados (valores declarados mais os valores corrigidos), a Margem Bruta I apurada para o sujeito passivo é de 58% no ano 2007 e de 50% em 2008, margens essas aceitáveis, uma vez que a média dos valores nacionais para o universo dos sujeitos passivos com o mesmo CAE referente aos rácios de IRS da MBL se situa em ambos os exercícios nos 58%. (-)" 3. Nessa sequencia o Impugnante foi notificado da liquidação de IVA para os anos de 2006, 2007 e 2008, nos valores de, respectivamente, 4.121,83€, 35.822,39€ e 7.810,60€.- Fls. 23, 24 e 25 PA; 4. O Impugnante solicitou a revisão da matéria tributável - Fls. 49 e ss do PA 5. Dá-se aqui por reproduzida a decisão do Sr. Director de Finanças que se pronunciou sobre a inexistência de acordo entre o perito do Impugnante e da AT relativamente à revisão da matéria colectável, com o seguinte destaque: "(...) Verifica-se, dos laudos lavrados por cada um dos Peritos, a inexistência de acordo entre si. pelo que compete ao Director de Finanças, nos termos do n° 6 do Art° 92° da LST e por força do DL N° 398/98, de 17 de Dezembro, decidir, tendo em conta as posições assumidas e defendidas por ambos os Peritos designados. Nestes termos, analisadas as peças juntas, a reclamação do contribuinte, o relatório da Inspecção Tributária e, bem assim, os laudos lavrados pelos Peritos que intervieram na reunião, DECIDO pela fixação do Rendimento Liquido Total (IRS); Lucro Tributável (IRC); e o Imposto (IVA), relativamente aos anos de:
» Densificação da descrição de um facto julgada provada: Por tal convir a uma mais fácil compreensão deste acórdão, sem qualquer inovação substancial densifica-se a proposição contida na alª 5) dos factos provados da sentença recorrida, nos seguintes termos: I) O teor integral da decisão final do procedimento de revisão da matéria tributável concluía do seguinte modo: “Termos em que, aderindo às posições assumidas pela Perita da AT e às contidas no Relatório da Inspecção Tributária, ambas devidamente fundamentadas no respectivo laudo e relatório, decido manter os valores apurados e referidos no corpo desta peça processual “ Cf. a prova documental invocada na referida alínea. Modificação da decisão em matéria de facto: Nos termos do artigo 662º nº 1 do CPC, adita-se à descriminação de facos provados feita na sentença recorrida, o seguinte facto, provado por documento autêntico a páginas 58 do Processo Administrativo: 6 - O laudo do perito da AT no procedimento de revisão da matéria tributável tem o teor que figura a fs. 1.58 do P.A, transcrevendo-se aqui o segmento final: “A minha posição enquanto perito da Administração vai no sentido de: Confirmar as correcções propostas pelo relatório da Inspecção, por não ter sido junto qualquer documento ou facto que leve à conclusão da alteração dos valores fixados em 23/10/2010; e verificarem-se depósitos de valores e cheques nas contas bancárias não relacionadas com escrituras de venda, que terão origem em outros rendimentos relacionados com a actividade, cuja exclusão de tributação em sede de IVA e IRS não foi demonstrada pelo sujeito passivo, nem isenção em sede de IVA”. Discussão do recurso: Pretende, a Recorrente, que este Tribunal de apelação julgue que o Tribunal recorrido errou no julgamento em matéria de facto e de direito ao concluir que a AT, no procedimento em ordem à prática dos actos impugnados, não demonstrou a impossibilidade de determinação da matéria colectável com recurso a correcções técnicas, desse modo violando os artigos legais que concorrem para a definição, de jure, desses pressupostos, designadamente os artigos 74º nº 3, 77º nº 4, 85º, 87º alª b) e 88º alª a) da LGT. O Juízo da sentença recorrida, quanto a esta matéria, é redutível aos seus seguintes excertos: «(…) Ora, analisados os fundamentos concretamente invocados pela Administração Tributária e, em função das normas legais referidas, e dos factos apurados, afigura-se não poder considerar- se como justificado o recurso a métodos indirectos. Em primeiro lugar, porque o artigo 87.2, al. b) da LGT só permite que "a inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução" suportem o recurso a métodos indirectos "quando não supridas no prazo legal", ou seja, o normativo em análise exige que a contribuinte seja notificado para regularizar a contabilidade ou apresentar os documentos que a Administração Tributária considera em falta. Na ausência desta notificação, a Administração Tributária não está legitimada a efectuar correcções à matéria colectável com recurso a métodos indirectos com base neste fundamento legal. Esta mesma imposição resulta dos artigos 9.°, 48.° do RCPIT. A este respeito veja-se o acórdão do STA de 03.12.2014, Proc. 01262/13. Portanto, só na ausência de regularização ou de apresentação dos elementos em falta é que se pode considerar que estamos verdadeiramente perante uma situação de impossibilidade. Ora a própria AT reconhece que o Impugnante lhe consentiu a consulta e a solicitação de todos os documentos bancários, designadamente fotocópias de cheques, transferências bancárias ou outros elementos necessários relativamente a todas as contas bancárias de que era titular nos anos de 2006, 2007 e 2008. Nessa sequência a AT requereu ao Director do Departamento de Emissão e Tesouraria do Banco de Portugal - Agência de ..., a identificação das contas bancárias de que o Impugnante era titular e os extractos bancários das contas correntes onde constassem todos os movimentos efectuados nos períodos compreendido entre 1/1/2006 e 31/12/2008. E as instituições de crédito (Banco 1..., Banco 2..., Banco 3... e Banco 4...) informaram que o Impugnante era seu cliente e enviaram os respectivos extractos de contas. Portanto, face das exigências legais referidas supra não podem considerar-se como justificativos do recurso a métodos indirectos o facto de o Impugnante não possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual deveriam ser exclusivamente movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à sua actividade empresarial, porque, precisamente, esta irregularidade não impediu o apuramento do rendimento real e efectivo do Impugnante. Ou seja, a AT tinha de provar que, mesmo assim, aquela irregularidade não permitiu apurar o rendimento real e efectivo. Na previsão legal não existe um efeito automático que deriva do facto de se constatar a inexistência, insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, ou erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridas no prazo legal, para se lançar mão da aplicação de métodos indirectos. Assim, a menos que a AT não acredite de forma fundamentada nas declarações do Impugnante e das instituições de crédito em causa a correcção à matéria tributável teria de ser feita de forma directa. Quando a AT demonstra as irregularidades na contabilidade e, de seguida, no Relatório, aplica os métodos indirectos de tributação, dá-se como que uma inversão psicológica do ónus da prova, porque o Impugnante sente-se na necessidade de demonstrar que, ou as irregularidades não existem, ou que o que declarou corresponde ao rendimento real. A partir deste momento o processo fica viciado: na contestação, ou no procedimento de revisão da matéria colectável, a AT rebate, ou aceita em parte, a posição da impugnante, designadamente porque a sua contabilidade não reflectia a verdadeira situação patrimonial nem os resultados efectivamente obtidos, sem nunca demonstrar a indispensabilidade de aplicação dos métodos indirectos. Daqui se retira que caberia à FP “demonstrar que os erros ou irregularidades detectadas na contabilidade do contribuinte são de tal forma relevantes que inviabilizam a comprovação directa e exacta da matéria tributável e que o recurso aquele método se tornou a única forma de a determinar, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, só então se mostrando legitimada a tributação com base nas operações que o contribuinte presumivelmente efectuou.". Cfr. Ac. TCAN, proc. n.° 00321/04 de 31/3/2005, in www.dgsi.pt . Neste caso, e apesar da irregularidade, a AT tinha a possibilidade de apurar a matéria colectável através da sua quantificação directa - pelo que a aplicação de métodos indirectos de tributação é ilegal». Cumpre começar por dizer que o Tribunal a quo assestou algo desviada, a mira da sua crítica aos actos impugnados, no que à decisão de recurso aos métodos indirectos concerne, quando se refere ao RIT, sem mais. Com efeito, a decisão cuja legalidade aqui releva para a validade das liquidações adicionais impugnada não é a que directamente decorreu do RIT, mas sim a que pôs termo ao incidente de revisão da matéria tributável movido em devido tempo pela Recorrida (cf. artigos 91º e 92º da ÇGT e 117º do CPPT). Sem embargo, compulsado o teor da decisão final do procedimento de revisão da matéria tributável, verificamos que ela se louva expressa e inequivocamente no RIT e no Parecer concorde do perito da Administração, pelo que nem por isso deixa de ser lógica e praticamente possível discutir a questão acima enunciada. Vejamos, então: Segundo a Recorrente, a impossibilidade de determinação directa da matéria tributável estava demonstrada por, em suma, o sujeito passivo não ter esclarecido a origem e o destino de toda uma pluralidade de fluxos bancários nas contas da sua titularidade, quando nenhuma delas era adstrita exclusivamente à actividade tributada. Secundaríamos a recorrente se se pudesse afirmar, face ao teor do RIT, ao teor da decisão do procedimento de revisão e aos restantes factos julgados provados, que já nada havia a fazer, no procedimento, de humanamente possível ou exigível, para suprir tais desconhecimentos. É certo que, quando se termina a leitura do sobredito excerto da sentença recorrida, ressalta à vista uma afirmação, no último parágrafo, que o Mº Juiz a quo, efectivamente, não demonstrou. Trata-se da afirmação de que a AT tinha a possibilidade de apurar a matéria tributável por quantificação directa. É certo, também, que, como veremos, face aos factos provados não se pode dizer que já fosse adquirida, tal impossibilidade. Aliás, todo o restante discurso fundamentador é no sentido, bem diverso, de que a AT não demonstrou a impossibilidade de proceder à quantificação directa, enquanto pressuposto do recurso aos metidos indirectos. Assim, julgamos que, no que afirma no último parágrafo da fundamentação de direito, o Mº Juiz a quo julgou mal, não só em face dos factos que seleccionou como provados como também em face dos demais juízos de valor que fez, desta feita no sentido de não estar demonstrada a impossibilidade da quantificação directa. Acompanhamos, porém, o Mº Juiz a quo, quando julga que a AT não fez tudo o que era necessário e era seu ónus para demonstrar a impossibilidade de proceder à quantificação directa: não propriamente, ou não apenas, porque não invocou nem demonstrou ser teoricamente, ou mesmo tão só praticamente impossível esclarecer, ex officio, a origem e o destino de determinados créditos e débitos bancários, mas sobretudo porque não invocou nem provou ter sido, o sujeito passivo, prévia e expressamente notificado, nos termos da parte final da alª a) do artigo 88º da LGT, para, em prazo, suprir tais irregularidades na organização da sua contabilidade. Com efeito, não se tratando de uma situação que, à partida, prejudicasse o sentido dessa notificação, ou a deixasse antever inútil, como seriam os casos, por exemplo, de uma absoluta inexistência de contabilidade e ou documentos contabilísticos ou de estarem reunidos fundados indícios de omissões à contabilidade não reconhecidas pelo sujeito passivo, tanto mais quanto este facultara voluntariamente o acesso da AT a todas as suas contas bancárias, manifestando desse modo uma intenção de regularizar a sua posição perante o Fisco com respeito pela verdade material, a conclusão pela impossibilidade da quantificação directa, na qual se louvou a AT para a emissão das liquidações impugnadas, mostra-se precoce. Note-se, não nos referimos à notificação a que alude a alª a) do artigo 88º da LGT com a uma formalidade legal indevidamente omitida, mas sim enquanto uma condição lógica e praticamente necessária para, neste caso concreto, se poder julgar verificado esse pressuposto imprescindível do recurso à quantificação indirecta que é a impossibilidade real – isto é, se não lógica, pelo menos humana e prática – da quantificação directa. Posto este entendimento, tem todo o sentido dizer quer a notificação prevista na alínea a) do artigo 88º e o não suprimento do seu objecto pelo sujeito passivo concorriam, in casu, como pressuposto do recurso à avaliação indirecta. Ora, como também se expõe noutra parte da fundamentação de direito da sentença recorrida, pelo que nos não alongaremos no correspondente discurso teórico, é da Administração o ónus de invocar e provar (todos) os factos que são pressuposto do recurso à determinação indirecta da matéria tributável (cf. artigos 87º b), 88º alª a) 74º nº e 3 da LGT). Sucede que nem na sentença recorrida se julgou provados, nem do RIT e ou da decisão final do procedimento de revisão constam quaisquer factos e ou circunstâncias de que resultasse, logo à partida, aquela impossibilidade, ou ter ocorrido – e debalde – a notificação do sujeito passivo nos termos da alínea a) do artigo 88º da LGT. Como assim julgamos que não estavam, in casu, reunidos os pressupostos legais para o recurso à determinação da matéria tributável por métodos indirectos, pelo a resposta à questão acima enunciada é negativa. Conclusão Com esta fundamentação e com a que, na sentença recorrida, com ela se harmonize, designadamente com exclusão do último parágrafo da fundamentação de direito, o recurso há-de improceder, mantendo-se todo o dispositivo da sentença recorrida. IV – Custas A decisão quanto a custas na 1ª Instância, confirmado, que vai, o seu dispositivo, permanece intacta. Nesta instância, as custas ficam a cargo da Recorrente conforme decorre do artigo 527º do CPC. V- Dispositivo Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar o recurso improcedente e em manter o dispositivo da sentença recorrida. Custas pela da Recorrente. Porto, 15/12/2022 Tiago Afonso Lopes de Miranda Cristina da Nova Cristina Travassos Bento |