Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02414/23.9BEPRT-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/13/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:LUÍS MIGUEIS GARCIA
Descritores:OBRA;
INDÍCIOS DE ILEGALIDADE NA INTERPOSIÇÃO DA ACÇÃO OU SUA IMPROCEDÊNCIA TOTAL OU PARCIAL;
Sumário:
I) – O Art.º 69.º, n.º 3, do RJUE, estabelece o seguinte: “O tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, autorizar o prosseguimento total ou parcial dos trabalhos, caso da ação administrativa resultem indícios de ilegalidade da sua interposição ou da sua improcedência total ou parcial, ou adotar medidas cautelares alternativas, adicionais ou preventivas, nos termos do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, devendo o juiz decidir esta questão, quando a ela houver lugar, no prazo de 10 dias, tendo o recurso da decisão caráter urgente e os efeitos previstos no n.º 4 do artigo 115.º.”.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

[SCom01...], Ldª (Rua ..., ..., ... ...), em acção administrativa instaurada pelo Ministério Público contra si e Município ... (Rua ..., ... ...), interpõe recurso jurisdicional do decidido pelo TAF do Porto, “despacho de 10/07/2024, que indeferiu o pedido de autorização do prosseguimento das obras, nos termos do disposto do artigo 69º, nº 3 do RJUE”.

Conclui:

I. Pelo douto despacho ora recorrido, o Tribunal a quo indeferiu o pedido de autorização do prosseguimento das obras, por não se verificarem os pressupostos previstos no artigo 69º, nº3 do RJUE,
II. Salvo melhor opinião, o Tribunal a quo fez errada interpretação de tal normativo, o qual impõe como pressuposto a existência de meros indícios e não de “certezas”,
III. Por outro lado, a existência de um conjunto “inextricável de normas” nunca pode ser fundamento para uma decisão de indeferimento, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, ou seja, mesmo numa sede meramente indiciária, o Tribunal a quo estaria obrigado a interpretar e a aplicar o Direito sob pena da sua negação, violando o artigo 20º e o 268º, nº4 da CRP.
IV. Assim sendo, face ao pedido formulado pela ora recorrente, o Tribunal a quo estava obrigado a apreciar a existência de indícios da improcedência da ação – o que não fez – tendo se limitado a tomar a decisão de indeferimento, com base num conjunto de afirmações conclusivas e genéricas, sem analisar a existência dos indícios, pelo que, há clara nulidade da decisão (artigo 615º, nº1 alínea d) do CPC).
V. A ação aqui em causa resume-se a duas questões: uma eminentemente jurídica e que consiste em saber se o disposto no art. 25.º, n.º2, b) do POOC-CE é diretamente aplicável; e, outra questão factual, que é saber se o edifício está implantado a mais de 100 metros da linha de preia-mar.
VI. Em relação à implantação do edifício, foi junta com a contestação, para prova do alegado em 50, uma certidão emitida pela CM... a atestar que o edifício se encontra implantado a mais de 100 metros da LMPMAVE.
VII. Trata-se de um documento autêntico que não foi impugnado pelo A., pelo que, nos termos do artigo 371º, nº1 do CC, faz prova plena sobre os factos nele atestados.
VIII. Além disso, a matéria alegada em 48 e 49 da contestação, isto é, que o terreno não está classificado como zona adjacente e que para o local não está definido qualquer limite da cheia com período de retorno de 100 anos, está admitida por acordo.
IX. Assim sendo, deve o presente Tribunal ao abrigo do disposto nos artigos 662º, nº1 e 665º, nº1 do CPC, dar tal matéria como provada e, consequentemente, concluir que não existe qualquer violação do disposto no artigo 25º, nº9 da lei 54/2005.
X. Ou, pelo menos, concluir que a certidão atrás mencionada constitui um indício da improcedência da ação.
XI. Quanto à aplicabilidade direta do disposto no POOC-CE, o qual alegadamente imporia a consulta prévia da APA e a obtenção de parecer favorável, resultam dos autos e da legislação vários indícios da sua inaplicabilidade,
XII. Desde logo, o POOC-CE foi revogado pela resolução do Conselho de Ministros nº111/2021,
XIII. Por outro lado, com a entrada em vigor da Lei nº31/2014, que aprovou a Lei de Bases da política de solos, do ordenamento do território e do urbanismo e bem como com a entrada em vigor do DL 80/2015, de 14 de maio, que reviu o RJIGT, o POOC-CE perdeu a classificação de plano especial e a sua eficácia vinculativa para os particulares,
XIV. Pois que, de acordo com tais regimes jurídicos, apenas os planos territoriais de âmbito municipal e intermunicipal vinculam diretamente os particulares.
XV. Não tendo o citado artigo 25º, nº2, alínea b) sido transposto para o PDM ... torna-se evidente a sua inaplicabilidade à data da prática dos atos impugnados.
XVI. Aliás, o próprio Tribunal diz o seguinte: “não resulta evidente a obrigatoriedade legal de consulta prévia e de obtenção de parecer favorável de entidade terceira”, o que por si só, configura um indício da improcedência da ação,
XVII. Assim, face ao exposto, resultam dos autos os seguintes indícios: 1) implantação do edifício a mais de 100 metros da linha de preia-mar; 2) revogação do POOC; 3) falta de transposição para o PDM ... da norma em causa; 4) perda da eficácia vinculativa dos planos especiais, como é o caso do POOC.
XVIII. Face ao exposto, o despacho que aqui se recorre viola o artigo 608º, art. 615º, n.º1 b), c) do CPC e art. 20º e art. 268.º, n.º4 da CRP, devendo o Tribunal concluir pela existência de indícios da improcedência da ação e, consequentemente, autorizar o prosseguimento total ou parcial dos trabalhos, conforme o art. 69.º, n.º3 do RJUE.
Por cautela:
XIX. O Tribunal fez errada interpretação do artigo 69º, nº3 parte final do RJUE, pois que, ao contrário do decidido, os prejuízos causados pela suspensão dos trabalhos constituem um critério para a aplicação de medidas alternativas menos restritivas dos direitos da ora recorrente.
XX. Assim sendo, deveria o tribunal a quo considerar a matéria alegada em 158 a 192 da contestação.

Contra-alegou o recorrido, rematando que “deve improceder o recurso, mantendo-se na íntegra a douta decisão recorrida”.

*
Com legal dispensa de vistos, cumpre decidir.
*
Circunstancialmente:
1) - O Autor intentou a acção nos termos da sua p. i., que aqui se têm presentes, onde peticionou:
1. Ser declarada a nulidade dos seguintes atos administrativos:
Processo n.º 562/2022 da Câmara Municipal ...:
a) Despacho da Senhora Vice-Presidente da Câmara e Vereadora do Planeamento e Gestão Urbanística de 29 de maio de 2022 que, no uso de competências delegadas, aprovou informação favorável ao Pedido de Informação Prévia relativo à “proposta de construção de um edifício de habitação multifamiliar de rés-do-chão, dois andares e acesso á cobertura” no prédio supra referenciado;
Processo de licenciamento n.º ...22 da Câmara Municipal ...:
b) Despacho da Senhora Vice-Presidente da Câmara e Vereadora do Planeamento e Gestão Urbanística de 31 de agosto de 2022 que, no uso de competências delegadas, aprovou o projeto de arquitetura, referente ao pedido de licenciamento de obras de construção de edifício de habitação multifamiliar (com 11 fogos) com cave, r/c e andar e ainda acesso à cobertura, e uma piscina natural, a construir no terreno com frente para a Rua ..., em ..., no prédio supra referenciado, apresentado pela Contrainteressada;
c) Despacho da Senhora Vice-Presidente da Câmara e Vereadora do Planeamento e Gestão Urbanística de 12 de dezembro de 2022 que, no uso de competências delegadas, deferiu o pedido de licenciamento das obras de construção do referido edifício no prédio em causa, pela contrainteressada.
2. Ser o R. Município condenado à adoção de comportamento, a saber, a tomar medida de reposição da legalidade urbanística de demolição da obra já erigida, com reposição do terreno no estado em que se encontrava antes da execução dos atos nulos, por ser a única medida admissível no caso, nos termos do disposto nos art.ºs 102º, nº 2, al. e), e 106º do RJUE.
2) - A contra-interessada, ora recorrente, contestou, em termos que aqui se têm presentes, requerendo a final, entre o mais: «autorizar o prosseguimento dos trabalhos, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 69º, nº 3 do RJUE, permitindo a conclusão da obra, nos termos do licenciamento aprovado».
3) - Sendo vertido o despacho recorrido, de 10-07-2024, com o seguinte teor:
«Na contestação que apresentou, a Contrainteressada veio requerer autorização para o prosseguimento dos trabalhos de execução da obra em discussão nos presentes autos, ao abrigo do disposto no artigo 69.º n.º 3 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE).
Foi dado contraditório às demais partes, tendo somente o Autor se pronunciado, no sentido do indeferimento do pedido formulado pela Contrainteressada.
Dispõe o artigo 69.º n.ºs 1 a 3 do RJUE:
1 - Os factos geradores das nulidades previstas no artigo anterior e quaisquer outros factos de que possa resultar a invalidade dos atos administrativos previstos no presente diploma devem ser participados, por quem deles tenha conhecimento, ao Ministério Público, para efeitos de propositura da competente ação administrativa e respetivos meios processuais acessórios.
2 - Quando tenha por objeto atos de licenciamento ou autorizações de utilização com fundamento em qualquer das invalidades previstas no artigo anterior, a citação ao titular da licença ou da autorização de utilização para contestar a ação referida no número anterior tem os efeitos previstos no artigo 103.º para o embargo, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 - O tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, autorizar o prosseguimento total ou parcial dos trabalhos, caso da ação administrativa resultem indícios de ilegalidade da sua interposição ou da sua improcedência total ou parcial, ou adotar medidas cautelares alternativas, adicionais ou preventivas, nos termos do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, devendo o juiz decidir esta questão, quando a ela houver lugar, no prazo de 10 dias, tendo o recurso da decisão caráter urgente e os efeitos previstos no n.º 4 do artigo 115.º.”
A decisão a proferir nos termos do citado artigo 69.º n.º 3 do RJUE trata-se de “uma decisão interlocutória, provisória, perfunctória, tomada com base nos articulados apresentados, desigualmente com base nas alegações produzidas na PI, respectivas contestações e documentos juntos, de acordo com um juízo de verosimilhança, não de certeza.
Remete o artigo para um critério de evidência, de fumus malus iuris, de manifesta ilegalidade ou improcedência da acção.” (cfr. acórdão do TCA Sul de 08-11-2012, processo n.º 03708/08, disponível em www.dgsi.pt).
Na presente ação, vem impugnado, além do mais, ato de deferimento de licenciamento de construção de edifício de habitação multifamiliar, ao qual é imputado vício correspondente à falta de consulta prévia a entidade terceira e obtenção de parecer favorável legalmente obrigatórios, sendo tal vício reconduzível à nulidade prevista no artigo 68.º alínea c) do RJUE.
O Autor estriba a sua pretensão de declaração de nulidade de atos administrativos na aplicação ao caso, entre outros normativos, do artigo 25.º n.º 2 alínea b) do Plano de Ordenamento da Orla Costeira – Caminha/Espinho (POOC-CE), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 25/99, publicada no DR, I Série-B, n.º 81, de 07-04-1999 (e alterado pelas RCM n.º 154/2007 e 175/2008, publicadas, respetivamente, no DR, I Série, n.º 190, de 02-10-2007, e no DR I Série, n.º 228, de 24-11-2008) e do artigo 25.º n.º 9 da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro.
Dissentem o Réu e a Contrainteressada, pugnando pela inaplicabilidade ao caso concreto dos referidos normativos, alegando, para além do mais, no que tange à inaplicabilidade deste último, que o edifício cuja construção foi licenciada pelo Réu se encontra a mais de 100 m da linha de máxima preia-mar, ao invés do alegado na petição inicial.
A resolução do caso passa pela interpretação e delimitação da aplicação de um conjunto inextricável de normas sobre as quais diversas entidades (CCDRN, APA, I.P. e Réu) têm entendimentos divergentes, tal como ressalta a Contrainteressada na sua contestação, para além da determinação da distância do prédio em causa relativamente à linha da margem do curso de água existente nas proximidades daquele.
Não resulta, assim, manifesta a inexistência dos vícios assacados aos atos impugnados, e, em consequência, a improcedência da ação.
Não resulta evidente a obrigatoriedade legal de consulta prévia e obtenção de parecer favorável de entidade terceira (a APA, I.P.), previamente à emissão dos atos administrativos impugnados, assim como se mostra controversa a situação fática do imóvel em construção pela Contrainteressada, nos termos suprarreferidos.
Em suma, inexistem indícios de ilegalidade da instauração da presente ação ou da respetiva improcedência.
Acresce que, para a presente decisão não relevam os prejuízos que a suspensão dos trabalhos alegadamente acarreta para os interesses patrimoniais da Contrainteressada, nos termos por esta invocados, pois que a lei não os erigiu como critério a atender nesta sede, atendo-se à existência ou não de indícios de ilegalidade da interposição da ação ou da respetiva improcedência.
Em face do exposto, por não se verificarem os pressupostos legais de que depende a autorização do prosseguimento dos trabalhos, a que alude o artigo 69.º n.º 3 do RJUE, indefere-se o requerido.
(…).».
*
A apelação.
Dispõe o artigo 69.º, n.ºs 1 a 3, do RJUE:
1 - Os factos geradores das nulidades previstas no artigo anterior e quaisquer outros factos de que possa resultar a invalidade dos atos administrativos previstos no presente diploma devem ser participados, por quem deles tenha conhecimento, ao Ministério Público, para efeitos de propositura da competente ação administrativa e respetivos meios processuais acessórios.
2 - Quando tenha por objeto atos de licenciamento ou autorizações de utilização com fundamento em qualquer das invalidades previstas no artigo anterior, a citação ao titular da licença ou da autorização de utilização para contestar a ação referida no número anterior tem os efeitos previstos no artigo 103.º para o embargo, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 - O tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, autorizar o prosseguimento total ou parcial dos trabalhos, caso da ação administrativa resultem indícios de ilegalidade da sua interposição ou da sua improcedência total ou parcial, ou adotar medidas cautelares alternativas, adicionais ou preventivas, nos termos do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, devendo o juiz decidir esta questão, quando a ela houver lugar, no prazo de 10 dias, tendo o recurso da decisão caráter urgente e os efeitos previstos no n.º 4 do artigo 115.º.
4- (…)”.
O tribunal “a quo” deu pronúncia quanto ao prosseguimento dos trabalhos sem qualquer das agora assacadas nulidades.
Isto não deixando de notar que não afecta a lógica intrínseca o que é um claro erro de escrita do despacho recorrido, ao apontar que “Não resulta, assim, manifesta a inexistência dos vícios assacados aos atos impugnados, e, em consequência, a improcedência da ação”, para logo de imediato afirmar que “Não resulta evidente a obrigatoriedade legal de consulta prévia e obtenção de parecer favorável de entidade terceira (a APA, I.P.)”, quando de todo se percebe que se quereria escrever que “Não resulta evidente a não obrigatoriedade legal (…)”.
O tribunal apreciou se da ação administrativa resultam “indícios de ilegalidade da sua interposição ou da sua improcedência total ou parcial”.
Não se pode «confundir» aquilo que constituem as efetivas «questões», que exigem e impõem o conhecimento pelo tribunal, com aquilo que constituem os meros argumentos, as razões ou as motivações jurídicas nas quais se sustentam uma tese e pretensão, inclusive recursiva, presente que o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes e nos quais as mesmas assentam a sua posição no diferendo, na certeza, ainda, de que o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.” (Ac. do STA, de 14/1/2021, proc. nº 0312/08.5BEALM).
O Tribunal decidiu o que tinha para decidir, quanto ao que tinha em questão.
Perfunctoriamente, num plano indiciário, sem ter de procurar certezas.
Se a parte discorda com o decido, tal não constitui nulidade, vício formal, mas antes invocação de ilegalidade, atinente a erro substancial.
E também desde já vendo de fundo num primeiro ponto.
Afigura-se que, na linha do que foi seguido, que a consagrada possibilidade de “adotar medidas cautelares alternativas, adicionais ou preventivas, nos termos do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos,”, a tanto se confina - adopção de medidas cautelares alternativas, adicionais ou preventivas -, sem o legislador pretender com tal remissão (que apenas acompanha e serve a novidade introduzida) instituir e alargar a todo o regime de critério de decisão do art.º 120º do CPTA [interpretação que temos avalizada segundo letra de lei - que só nesse confinado nexo para aí remete -, e perscrutada a exposição de motivos constante da Proposta de Lei n.º 168/XIII, de que veio a resultar a novidade da redacção do art.º 69º, n.º 3, plasmada na Lei n.º 118/19, de 7/9, a qual se limita a referir - no que agora interessa - que “As alterações ao Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação passam por clarificar o efeito do recurso da decisão judicial relativa à autorização do prosseguimento dos trabalhos face a indícios de ilegalidade da interposição de recurso ou da sua improcedência, alterando o n.º3 do artigo 69.º”].
Portanto, continua actual que « A letra do art. 69º n.º 3 do DL 555/99, de 16/12, não prevê como critério de decisão do pedido incidental de prosseguimento de certos trabalhos a ponderação dos interesses públicos e privados em presença que possam ser afectados com a paralisação da obra, sendo que a omissão de uma referencia a esta matéria na previsão normativa aponta para o critério exclusivo da aparência de mau direito do requerente. Esta evidência textual foi interpretada pelo Acórdão recorrido como representando uma opção legislativa, entendimento que se compagina com a solução mais plausível.» (Ac. do STA, de 04-02-2009, proc. n.º 084/09).
Juízo de que podemos encontrar respaldo de conformidade constitucional no Ac. do Trib. Const. n.º 286/2011, de 7/6/2011.
Pelo que o que a recorrente em contrário aduz não procede.
Posto isto.
Cfr. Ac. do TCAS, de 06-03-2014, proc. n.º 10862/14 (tb Ac. do TCAS, de 08-11-2012, proc. n.º 03708/08):
I – A decisão tomada ao abrigo do artigo 69º, n.º 3, do RJUE, é uma decisão interlocutória, provisória, perfunctória, tomada com base nos articulados apresentados, desigualmente com base nas alegações produzidas na PI, respectivas contestações e documentos juntos, de acordo com um juízo de verosimilhança, não de certeza.
II– O artigo 69º, n.º 3, do RJUE remete para um critério de evidência, de fumus malus iuris, de manifesta ilegalidade ou improcedência da acção.
Descendo ao que de essencial se encontra em litígio.
No desenvolvimento de causa conclui o autor/recorrido que “a informação favorável do PIP e a aprovação do projeto de arquitetura e o deferimento do licenciamento de obras de construção que permitiram o edificado em curso corporizam atos nulos, por preterição de consulta obrigatória – que se sabia inevitavelmente desfavorável, caso feita – nos termos dos art.ºs 68º. al. c), e 69º do D/L n.º555/99 de 16 de dezembro (RJUE).” (art.º 102 p. i.); fundamentalmente, por eficácia vinculante do POOC-CE, a impor consulta obrigatória vinculativa, em falta; posição contrária tem a contra-interessada/recorrente, declinando razões [1) implantação do edifício a mais de 100 metros da linha de preia-mar; 2) revogação do POOC; 3) falta de transposição para o PDM ... da norma em causa; 4) perda da eficácia vinculativa dos planos especiais, como é o caso do POOC]; mas, afigura-se-nos, sem que o esgrimir jurídico tenha condão de, logo num juízo “prima facie”, retirar ou arredar razões que motivam a acção.
Mesmo até no plano factual, pese o começo de prova com que brande quanto à implantação do edifício a mais de 100 metros da linha de preia-mar, confronta-se tal prova (que tem como plena) com o que é prova informatória contrária; por outro lado, o que tem de admitido por acordo, antes requer o que da prova documental terá de constar.
Donde, no estádio e avaliação que no momento cabe quanto à acção proposta - uma “decisão interlocutória, provisória, perfunctória”, não havendo de antecipar labor que só o julgamento da acção merece -, não poderá concluir-se que resultam “indícios de ilegalidade da sua interposição ou da sua improcedência total ou parcial”.
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pela recorrente.
Porto, 13 de Setembro de 2024.

Luís Migueis Garcia
Catarina Vasconcelos
Celestina Caeiro Castanheira