Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00502/22.8BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/25/2024
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:PAULO FERREIRA DE MAGALHÃES
Descritores:ESTATUTO DE APOSENTAÇÃO;
CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES;
JUNTA MÉDICA; JUNTA MÉDICA DE RECURSO;
Sumário:
1 – A referência que o legislador preceitua sob o ponto 1 do artigo 95.º do EA pode ser lida, no sentido de que, se não houver proposta fundamentada dos serviços de que o subscritor dependa, ou requerimento justificado do subscritor, o que tudo dever ser formulado dentro de um concreto prazo, o conselho directivo da Caixa não pode autorizar a realização de junta médica de recurso.

2 - De outro modo, e pela parte do subscritor da CGA, se tiver sido apresentado requerimento justificado, no prazo de 60 dias a contar da notificação do resultado do exame [isto é, da junta médica a que se reporta o artigo 91.º do EA], a Caixa Geral de Aposentações está legalmente vinculada a constituir a junta médica de recurso, sendo que é já no âmbito desta junta médica que deve ser aferido o mérito da fundamentação aportada pelo subscritor e que, no seu entender, é por si determinante da reversão, a seu favor, da deliberação da junta médica.

3 - É para as situações em que o subscritor pretende colocar em causa o sentido decisório e o resultado alcançado no âmbito da junta médica a que se reporta o artigo 91.º do EA, que o legislador estabeleceu a via da junta médica de recurso, sendo que, caso a Autora a tivesse dispensado, isto é, apesar de a junta médica de recurso não se tratar de questão prévia necessária de observância obrigatória para efeitos da impugnação judicial da decisão de indeferimento que seja tomada pela CGA, é porém uma via de contestação que não sendo observada pelo interessado pode revestir consequências de monta em torno da dificuldade da prova que queira efectuar em torno dos termos e pressupostos que no seu entender são determinantes da sua aposentação por incapacidade e nesse patamar, de poder vir a auferir uma pensão de aposentação mensal vitalícia.

4 - A junta médica a que se reporta o artigo 95.º, n.º 1 do EA deriva a afinal na oportunidade de o subscritor da CGA fazer prova de que os pressupostos decisórios tomados pela junta médica não estavam correctos, sendo que é por via do pedido de constituição da junta médica de recurso que a pretensão do subscritor reveste uma maior congruência, por daí decorrer que foi por não se ter conformado – e podia tê-lo feito - com a avaliação da junta Médica, que veio a requerer a junta de recurso.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


«AA» [devidamente identificada nos autos], Autora na acção que intentou contra a Caixa Geral de Aposentações, IP [também devidamente identificada nos autos], inconformada com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, pela qual foi julgado improcedente o pedido por si formulado a final da Petição inicial, veio interpor recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:
“[…]
CONCLUSÕES:
a) O presente recurso de apelação vem interposto da sentença do Tribunal a quo que julgou improcedente a ação de anulação de ato administrativo da CGA.
b) Considera o Tribunal a quo que em causa não está saber se a Autora está em condições de exercer as suas funções, nem a decisão do Réu que sobre essa questão se debruçou, mas sim saber se a Autora tem ou não direito, nos termos do disposto no artigo 95.º do Estatuto da Aposentação, a ser submetida a Junta Médica de Recurso, o que passa por averiguar se o seu requerimento em que a requer, se encontra devidamente justificado. E a resposta a esta questão não pode, pelos motivos invocados pelo Tribunal a quo deixar de ser negativa.
c) A Autora impugna esta decisão com os fundamentos antes aduzidos;
d) Considerou o Tribunal a quo que tem assim de improceder o pedido de condenação da Entidade Demandada a submeter a Autora a Junta Médica de Recurso, bem como o pedido de anulação da decisão que a indeferiu, improcedendo, na íntegra, a presente ação, com a consequente absolvição do Réu do pedido.
e) Como já antes explanado, cuja explicação se dá aqui por integralmente reproduzida, a sentença recorrida faz incorreta apreciação da matéria de facto, incorrendo, em consequência, em erro na análise dos factos;
f) A sentença recorrida deve ser revogada, alterando-se a decisão do Tribunal a quo. Nestes termos deverá ser proferido Acórdão considerando a procedência do presente recurso, com as devidas consequências legais, revogando-se a decisão recorrida, julgando-se procedente o pedido de condenação da Entidade Demandada a submeter a Autora a Junta Médica de Recurso, bem como o pedido de anulação da decisão que a indeferiu, e, assim, determinando o prosseguimento dos autos nos termos legais. Fazendo-se assim a tão costumada JUSTIÇA
[...]“

**

A Recorrida Caixa Geral de Aposentações, IP, apresentou Contra Alegações, sem formulação de conclusões, pelas quais sustentou, em suma, que o recurso jurisdicional deve ser julgado totalmente improcedente, com manutenção integral da Sentença recorrida.

*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.


**

O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

***

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], e que passam por saber se o Tribunal a quo errou no julgamento por si prosseguido em torno do pedido de submissão da Autora ora Recorrente, a junta médica de recurso no âmbito do pedido de aposentação voluntária que tinha apresentado à Caixa Geral de Aposentações em 04 de maio de 2022.

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III - FUNDAMENTOS IIIi - DE FACTO

Para efeitos da prolação da Sentença recorrida, apreciou e decidiu o Tribunal a quo, nos termos que, por facilidade, para aqui se extraem como segue:


“[…]
Com relevância para a decisão da presente causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1) A Autora nasceu em ../../1964 (cartão de cidadão de págs. 4 e 56 do Processo Administrativo – documento n.° ...83 de fls. 426 do SITAF).
2) De 01/11/1986 até 31/12/2014, a Autora exerceu funções administrativas na Câmara Municipal ..., mediante vínculo de emprego público (ofício de págs. 22 e 57 e boletim de inscrição de pág. 31 do Processo Administrativo – documento n.° ...83 de fls. 426 do SITAF).
3) A Autora iniciou descontos para o Réu em 01/11/1986, tendo-lhe sido atribuído o número de utente ...13/00 (boletim de inscrição de pág. 31 do Processo Administrativo – documento n.° ...83 de fls. 426 do SITAF). 4) Desde Janeiro de 2015 que a Autora exerce a profissão de advogada, sendo titular da cédula profissional número ...30... (requerimento de ex-subscritor a pág. 24 do Processo Administrativo – documento n.° ...83 de fls. 426 do SITAF).
5) Em 08/08/2018 a Autora apresentou, junto do Réu, requerimento de aposentação de ex-subscritor, com fundamento em incapacidade permanente e absoluta para o exercício de funções (requerimento de ex-subscritor de págs. 23 a 26 do Processo Administrativo – documento n.° ...83 de fls. 426 do SITAF). 6) Em 23/11/2018 foi considerado que a Autora não estava em situação de incapacidade absoluta e permanente para o exercício das suas funções ou para toda e qualquer profissão (requerimento de ex-subscritor de págs. 23 a 26 do Processo Administrativo – documento n.° ...83 de fls. 426 do SITAF). 7) Em 04/05/2022 a Autora apresentou, junto do Réu, requerimento de aposentação de ex-subscritor, com fundamento em incapacidade permanente e absoluta para o exercício de funções, tendo apresentado, como causas de incapacidade, síndrome vertiginoso por quisto aracnóideo temporal; hérnias discais L4/L5 e L5/S1, diagnosticado em 20/012022 e transtorno depressivo recorrente, diagnosticado em 10/02/2022 (requerimento de documentos n.°s 005205372, 005206082 e 005206083 de fls. 25, 98 e 99 do SITAF).
8) O requerimento referido no número anterior seguiu acompanhado de três relatórios médicos: um de Medicina Geral e Familiar (médica de família – Dra.
Filomena Cuco), datado de 07/03/2022; um de Ortopedia (Dr. «BB»), datado de 29/03/2022 e um de Psiquiatria (Dr. «CC»), datado de 10/02/2022 (questionário médico de págs. 3 e 4 de documento n.° 005205372 e de documento n.° 005206084, atestado de doença e relatórios médicos de documentos n.°s 005205373 e 005206085 a 005206087 de fls. 25, 29, 100 e 102 a 105 do SITAF).
9) Seguiu ainda acompanhado dos seguintes exames de diagnóstico complementar: TAC à Bacia; TAC à Coluna Cervical, Dorsal e Lombar; Mamografia e Ecografia Cervical; TAC ao Crânio; ECO à Tiróide; e Análises Clínicas e Ecografia Punho Direito (exames de diagnóstico de documentos n.°s 005205374 e 005206088 a 005206094 de fls. 37 e 110 a 119 do SITAF).
10) o questionário médico para pensão de aposentação por incapacidade, a Autora declarou aceitar que a avaliação da incapacidade tenha apenas por base os relatórios médicos que apresentou (questionário médico de págs. 3 e 4 de documento n.° 005205372 e de documento n.° 005206084 de fls. 25 e 100 do SITAF).
11) Por ofício com a referência EAC721RF.1070713/00, datado de 11/05/2022, a Autora foi convocada para comparecer no Edifício do Réu, no ..., no dia 19/05/2022, pelas 10h00, a fim de ser submetida a exame médico (notificação de documento n.° 005205375 de fls. 47 do SITAF).
12) No dia 19/05/2022 foi realizado o exame médico referido no número anterior, de cujo relatório consta, no ponto “4. Exame objectivo”, subponto “2. Avaliação física (face às queixas do examinado)”: “colaborante e orientada no T e E; discurso coerente e perceptível, sem aparentes deficits cognitivos quantificáveis; ciclo sono vigília alterado insónia inicial e intermédia; marcha autónoma; dor na mobilidade cervical” (relatório médico de documento n.° 005205402 de fls. 60 do SITAF). 13) Do ponto “6. Parecer fundamentado” do relatório médico referido no número anterior, consta: “58 A jurista CM até 20144, actualmente advogada por conta própria, com queixas álgicas multiníveis associadas a patologia OA do foro degenerativo e fibromialgia, que acresce síndrome depressivo sob tratamento direccionado. Faz tratamento conservador. Espera-se melhoria clínica máxima dado que as opções terapêuticas não estão cessadas. Sendo precoce a atribuição de incapacidade” (relatório médico de documento n.° 005205402 de fls. 60 do SITAF). 14) Em 26/05/2022 foi elaborado o Auto de Junta Médica, do qual consta, no ponto “2 – Avaliação médica”, que a Autora não sofre de incapacidade permanente e absoluta para toda e qualquer profissão ou trabalho, com a seguinte fundamentação:
“actualmente trabalha como jurista independente. Não apresenta patologia que justifique a aposentação. Concorda-se com MR” (Auto de Junta Médica de documento n.° 005205402 de fls. 60 do SITAF).
15) Na mesma data foi proferido despacho de concordância e homologação do parecer da Junta Médica, indeferindo o pedido, pelos Directores, por delegação de poderes do Conselho Directivo, publicada no Diário da República, II série, n.° 244, de 19/12/2019 (despacho de pág. 1 de documento n.° 005205402 de fls. 60 do SITAF).
16) Por ofício com a referência EAC721CM.1070713/00, da mesma data, sob o assunto “indeferimento do pedido de aposentação”, o Réu informou a Autora que a Junta Médica, realizada em 26/05/2022, não a considerou absoluta e permanentemente incapaz para o exercício de funções, pelo que o pedido de aposentação por incapacidade foi indeferido por despacho da mesma data, proferido pela Direcção do Réu, no uso da delegação de poderes publicada no Diário da República, II série, n.° 244, de 19/12/2019 (notificação de documento
n.° 005205400 de fls. 56 do SITAF).
17) Em 27/05/2022 a Autora requereu, ao Réu, o envio do relatório circunstanciado do Relator e parecer da Junta Médica (mensagens de correio electrónico e requerimento de documento n.° 005205401 de fls. 57 do SITAF).
18) Em 26/07/2022 a Autora requereu, ao Réu, a realização de Junta Médica de Recurso, com base nos seguintes fundamentos (requerimento de documentos n.°s 005205403 e 005205405 de fls. 65 e 69 do SITAF):
“(...)
Como se pode verificar pelos exames de diagnóstico complementar já juntos ao processo, a Requerente apresenta diversas patologias, quer do foro (motoras, decorrentes, da patologia ortopédica, quisto aracnóideo, tiroidite de Hashimoto, rinosinusite alérgica crónica, síndrome do intestino irritável, fibromialgia), quer do foro psiquiátrico (depressão crónica), que a impedem de exerceras suas funções de advogada, que é uma profissão que exige muita concentração e que obriga a requerente a permanecer muitas horas sentada ao computador, sentada a conduzir em serviço, fazendo, por vezes muitos quilómetros em um só dia, ou sentada em Tribunal durante horas, em cadeiras pouco ou nada cómodas, ou a receber clientes no seu escritório.
Devido à incapacidade, a requerente, não consegue trabalhar as horas necessárias e muitas vezes é obrigada a deixar o trabalho a meio, com as consequências daí inerentes, face aos prazos que tem de cumprir.
A Requerente prejudica o seu trabalho e consequentemente o seu meio de subsistência, por não aceitar alguns trabalhos que implicariam viagens para Comarcas distantes (Portimão, Santarém, Lisboa, Viseu, etc.) e mais horas de trabalho sentada.
A requerente não prevê que o seu quadro clínico recupere, muito pelo contrário, as patologias, especialmente as ortopédicas, conforme V. Exas. mui conhecedores, são, têm tendência a agravar-se com a idade, conforme foi explicado à Requerente pelo seu médico ortopedista, pelo fisiatra e pelas fisioterapeutas que a seguem nas sessões de fisioterapia. De notar que as sessões de fisioterapia são efetuadas através do Serviço Nacional de Saúde e são “insignificantes” para o efeito/resultado que se espera, tanto, pela sua duração (uma hora por dia, durante doze sessões), como pela espera de um grupo de 12 sessões para o seguinte (costuma demorar cerca de quatro meses a retomar as novas sessões).
E a cirurgia não é indicada, pelo facto de a coluna se encontrar toda afetada.
Por outro lado, a tensão provocada pelo seu trabalho e depressão causada pelas noites mal dormidas, agravam os sintomas da fibromialgia, causando dores constantes no corpo todo, perturbações da concentração e da memória.
Como é sabido, a incapacidade associada à fibromialgia é tanto física como psicológica. É uma doença bastante incapacitante, tornando difícil a realização das tarefas mais simples do dia-a-dia.
A requerente sente dores generalizadas, rigidez muscular, cansaço excessivo que normalmente começa logo pela manhã e que está, provavelmente interligado aos distúrbios do sono (insónias, dormir pouco, acordar várias vezes durante a noite). Todo este quadro clínico provoca na requerente alterações emocionais (depressão, ansiedade, falta de ânimo, falta de concentração).
A requerente também sofre muito de dores abdominais, relacionadas com o Síndrome do Intestino Irritável. Quanto mais deprimida ou stressada, mais dores tem, mais nervosa fica e, por conseguinte, mais distensão abdominal causada por gases, que provocam dores e obstipação, alternada por situações de diarreia.
A requerente sofre da síndrome vertiginoso (causado peio quisto aracnóideo) que também a limitam muito. Por causa desse distúrbio, a requerente não consegue fazer exercício físico que lhe poderia aliviar as dores álgicas. Para dar um exemplo do mal-estar do SV, a requerente quando vai à piscina vê-se obrigada a tomar um comprimido para o enjoo, meia hora antes.
A tiroidite de Hashimoto de que a requerente também padece, provoca-lhe cansaço, palpitações nervosismo e intolerância ao calor e ao frio. Também, derivado desta doença autoimune, a requerente padece de muitas cãibras noturnas, queixando-se muitas vezes da síndrome das pernas inquietas, que não a deixa, também, ter um sono reparador, provocando, muitas vezes, sonolência diurna. A requerente já adormeceu a conduzir, derivado ao cansaço, e às noites mal dormidas.
Em conclusão:
Tendo presente a fundamentação da médica relatora, quando a mesma refere que “Espera-se melhoria clínica máxima dado que as opções terapêuticas não estão cessadas.”, era de todo importante que, sendo a Dra. «DD» especialista em Avaliação do Dano Corporal, tipificasse quais são as opções terapêuticas que podem levara Requerente a uma melhoria clínica máxima. Como não o fez, considera a Requerente que a fundamentação não verte uma verdadeira justificação do indeferimento.
(...)
Nestes termos, porque considera a requerente não ter condições físicas e psicológicas para continuar a exercer a sua profissão e porque discorda do Relatório Circunstanciado do Médico Relator e consequentemente, do indeferimento do pedido de aposentação por incapacidade para a sua profissão, requer a realização de uma Junta de Recurso que aprecie novamente a sua situação
clínica, devendo ser convocado por V. Exas., para efeito de integrar a referida Junta, o Ilustre Médico Especialista em Ortopedia e Traumatologia, o Dr. «BB» (...).”.
19) O requerimento referido no número anterior seguiu acompanhado de um relatório médico elaborado pelo Dr. «BB», ortopedista, em 22/07/2022, do qual consta, designadamente, o seguinte (relatório médico de documento n.º 005205406 de fls. 73 do SITAF):
“(...)
CONCLUSÕES
A paciente desempenha uma profissão exigente de advogada com necessidade de passar longos períodos de tempo sentada a trabalharem computador com movimentos repetitivos com forte impacto e agravamento das queixas de tendinites e tenossinovites dos ombros, cotovelos, punhos e mãos com crises de epicondilite frequentes e de certa forma já crónicas, associada às queixas dolorosas crónicas e com poucas alternativas terapêuticas eficazes da fibromialgia.
A nível raquidiano apresenta quadro clínico complexo sendo de salientar:
•Raquialgias cervicais, dorsais e lombares intensas e frequentes
•Parestesias persistentes dos membros superiores e inferiores
•Impossibilidade de permanecer sentada ao computador por períodos prolongados
•Déficite de força muscular com contracturas musculares frequentes nos membros inferiores
•Hérnia discal D6/D7
•Hérnia discal L4/L5
•Hérnia discal L5/S1
•Compromisso de ambas as raízes C6 e C7 e de C5 esquerda
•Compromisso de ambas as raízes L3, L4 e L5 e S1 à esquerda
As alterações acima referenciadas são incompatíveis com o normal desempenho da sua actividade laboral.
A sua patologia psiquiátrica e neurológica potenciam as queixas do foro ortopédico e determinam uma incapacidade absoluta para o desempenho da sua actividade laboral.
Não foi proposta para qualquer acto cirúrgico dado os níveis envolvidos que originaria uma agressão cirúrgica que não é aceitável. Tem feito tratamentos de fisioterapia com um resultado desanimador.
Na minha opinião, está assim absolutamente impossibilitada de desempenhar a sua actividade laboral.
(...)”
20) Por ofício com a referência EAC721JM.1070713/00, datado de 11/08/2022, dirigido ao Município ..., foi conferido o prazo de 10 dias para a Autora se pronunciar sobre o projecto de indeferimento do requerimento para a realização de Junta Médica de Recurso (notificação de documento n.° 005205407 de fls. 78 do SITAF).
21) A Autora pronunciou-se por requerimento remetido para o Réu, por correio postal registado com a referência ...48..., em 02/09/2022 (registo postal e requerimento de documento n.° 005205409 de fls. 81 do SITAF).
22) Por ofício com a referência EAC721JM.1070713/00, datado de 16/09/2022, o Réu comunicou à Autora que o requerimento para a realização de Junta Médica de Recurso foi indeferido, por despacho da mesma data, da Direcção do Réu, por delegação de poderes publicada no Diário da República, II série, n.° 244, de 19/12/2019, com o fundamento de que a nova documentação clínica confirma o analisado e decidido pela Junta Médica anteriormente realizada (notificação, informação e despacho de documento n.° 005205410 de fls. 88 do SITAF).
23) Por ofício com a referência EAC721RF.1070713/00, datado de 14/11/2022, foi dado conhecimento à Autora, do Parecer elaborado em 11/11/2022, pela Coordenadora do Núcleo Médico do Réu, do qual consta que a nova documentação junta pela Autora não altera o parecer previamente emitido (ofício e parecer de documentos n.°s 005205404 e 005205411 de fls. 68 e 90 do SITAF).
24) A presente acção foi apresentada a juízo, via SITAF, no dia 06/12/2022 (comprovativo de entrega de peça processual de documento n.° 005205390 fls. 1 do SITAF).
Não foram considerados provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a presente decisão.
A convicção do Tribunal fundou-se no exame crítico dos documentos juntos aos presentes autos e constantes do Processo Administrativo, incorporado nos presentes autos a fls. 426 do SITAF, conforme indicado por referência a cada facto provado, os quais não foram impugnados.
[…]”
**

IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que com referência ao pedido formulado a final da Petição inicial, no sentido da anulação do despacho de indeferimento da Junta de Recurso e, consequentemente, a condenação da Ré Caixa Geral de Aposentações à adopção de actos e operações necessárias à reconstituição da situação que existiria caso tal despacho de indeferimento da Junta de Recurso jamais tivesse sido prolatado, i.e., que seja deferida a pretensão da Autora para a realização da Junta Médica de Recurso e, bem assim, que a Ré venha a desenvolver o procedimento adequado a fim de que a Autora seja submetida à referida Junta de Recurso, veio a julgar a acção improcedente e a absolver a Ré do pedido contra si formulado.

Com o assim julgado não se conforma a Recorrente, que no âmbito das conclusões das suas Alegações de recurso sustentou, em suma, que no âmbito do pedido de aposentação por incapacidade, veio a apresentar requerimento à CGA tendo em vista a sua submissão a junta médica de recurso, que foi indeferido com base no pressuposto de que a nova documentação apresentada não alterava o decidido pela junta médica, quanto a cujo entendimento o Tribunal a quo veio a julgar não padecer de qualquer invalidade, o que considera [a Recorrente] enfermar de erro de julgamento, por esse direito decorrer do disposto no artigo 95.º do Estatuto de Aposentação [doravante também por nós identificado como EA].

Como assim dispõe o artigo 627.º, n.º 1 do CPC, as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos, para efeitos de poderem ser evidenciadas perante o Tribunal Superior as irregularidades de que a decisão judicial pode enfermar [que se reportam a nulidades que afectam a decisão do ponto de vista formal e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade], assim como os erros de julgamento de facto e/ou de direito, que por si são resultantes de desacerto tomado pelo Tribunal na formação da sua convicção em torno da realidade factual, ou da interpretação e aplicação do direito, em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Cumpre apreciar e decidir.

A Recorrente não imputa à Sentença recorrida qualquer erro de julgamento em torno da matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo no probatório da Sentença recorrida, antes porém em torno do julgamento que por si foi tirado em face da subsunção desses factos ao direito por si convocado, em especial, o disposto no artigo 95.º de EA.

Como assim deflui da Sentença recorrida, depois de efectuar o saneamento dos autos e de identificar as questões a decidir [como sendo, apreciar e decidir se o acto impugnado de indeferimento da realização de Junta Médica de Recurso deve ser anulado com base em vício de forma, por falta de fundamentação e concedida, à Autora, a realização de Junta Médica de Recurso], o Tribunal a quo fixou a factualidade que entendeu por relevante [por provada, essencialmente, a partir do acervo documental constante dos autos e do Processo Administrativo] e julgando não existir outra factualidade com relevo para a decisão a proferir para efeitos de conhecimento do mérito dos pedidos, o Tribunal a quo prosseguiu depois pela sua submissão ao direito que julgou por convocável, tendo julgado que a pretensão da Autora ora Recorrente tinha de ser julgada improcedente, absolvendo assim a Ré ora Recorrida CGA dos pedidos contra si formulados.

Neste conspecto, para aqui extraímos a essencialidade da fundamentação de direito aportada pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Com a apresentação da presente acção administrativa, pretende a Autora ser submetida a Junta Médica de recurso, porquanto a decisão que a indeferiu padece do vício de falta de fundamentação devendo, por conseguinte, ser anulada.
[…]
No caso vertente, a Autora requereu junto do Réu, a aposentação com fundamento em incapacidade geral, o que encontra sustento legal na alínea a) do n.º 3 do artigo 37.º do Estatuto da Aposentação, nos seguintes termos: “há ainda lugar a aposentação quando o subscritor, tendo, pelo menos, cinco anos de serviço: a) Seja declarado, em exame médico, absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções”.
Conjugado com o artigo 40.º, n.º 1 do Estatuto da Aposentação, sob a epígrafe “Aposentação de antigo subscritor”, que estabelece que “a eliminação da qualidade de subscritor não extingue o direito de requerer a aposentação nos seguintes casos: a) previstos nos n.°s 1 e 2 e nas alíneas a) e b) do n.° 3 do artigo 37.°, quando a cessação definitiva de funções ocorra após cinco anos de serviço; b) previstos nos artigos 37.°-A e 37.°-B e na Lei n.° 5/2022, de 7 de janeiro, quando a cessação definitiva de funções ocorra após cinco anos de subscritor e, cumulativamente, este não reúna as condições de acesso a pensão atribuída por outro regime de proteção social de inscrição obrigatória.”.
Significa isto que o trabalhador com, pelo menos, cinco anos de serviço, inequivocamente completados pela Autora, pode ser aposentado desde que, em exame médico realizado para este efeito, seja considerado absoluta e permanentemente incapaz para o trabalho, ainda que já na qualidade de exsubscritora do Réu, ou seja, que à data dos factos tenha cessado o vínculo da função pública e a consequente inscrição no Réu.
Este exame médico assume, por força do disposto no artigo 89.º do Estatuto da Aposentação, conjugado com a acima transcrita alínea a) do n.º 3 do artigo 37.º, os contornos da junta médica, tal como a mesma se encontra definida no artigo 91.º deste diploma legal:
“1 - A junta médica é composta por três médicos designados pela Caixa, sendo o presidente escolhido entre eles por cooptação.
2 - Compete à junta médica apreciar o processo clínico do subscritor com base nos dados coligidos pelo médico relator e nos demais elementos de diagnóstico constantes do respetivo processo.
3 - Os pareceres da junta médica são sempre fundamentados.
4 - As orientações técnicas necessárias à atividade do médico relator e ao funcionamento das juntas médicas são asseguradas por um conselho médico, cujas composição e competências são estabelecidas por decreto regulamentar.”.
Tendo sido realizado este exame médico, nos termos do artigo 91.0, ora transcrito, foi aí determinado que a Autora não se encontra absoluta e permanentemente incapacitada para o exercício das suas funções, nem para o trabalho em geral.
A Autora, inconformada com esta decisão, requereu a realização de uma Junta Médica de Recurso, pretensão que foi indeferida pelo Réu, com o fundamento de que “a nova documentação clínica confirma o analisado e decidido pela Junta Médica anteriormente realizada.”.
Dispõe o seguinte, o artigo 95.º do Estatuto da Aposentação, a propósito da Junta Médica de Recurso:
“1 - O conselho diretivo da Caixa pode autorizar a realização de juntas de recurso:
a) Mediante proposta fundamentada dos serviços de que o subscritor dependa, apresentada no prazo de 60 dias;
b) Mediante requerimento justificado do subscritor, entregue na Caixa no prazo de 60 dias a contar da notificação do resultado do exame.”.
Exige portanto a alínea b) do n.º 1 deste artigo 95.0 que o requerimento do subscritor seja justificado, e entregue dentro do prazo de 60 dias, prazo cujo cumprimento, pela Autora, não é colocado em causa nos autos.
Em causa está, apenas, saber se o pedido de realização de Junta Médica de Recurso se encontra justificado nos termos deste preceito legal, ou se andou bem o Réu ao considerá-lo injustificado e a indeferir a sua pretensão. [sublinhado da autoria deste
TCA Norte]
Para defender a sua posição, a Autora alega que foram esmiuçados os fundamentos que sustentaram o pedido de aposentação, bem como trazidos ao processo novos factos/relatório médico/exames de diagnóstico complementar que justificariam a realização da Junta Médica de Recurso, focando-se nas suas patologias do foro locomotor, orgânico e psiquiátrico.
Refere que, com esse requerimento, apresentou um relatório escrito pelo seu médico ortopedista, que afirma que a Autora sofre do elenco de patologias nele referidas o que, associado à sua patologia psiquiátrica, impedem a Autora de exercer a sua profissão de advogada, em face das características da profissão.
Entende a Autora que tal consubstancia fundamento a reavaliação da sua situação clínica.
Ora, comparando o relatório deste médico que acompanhou o requerimento para a aposentação com o ora apresentado na sequência do pedido de Junta Médica de Recurso, com mais ou menos palavras, refere-se às mesmas patologias de que a Autora vem sofrendo, pelo que não há uma nova patologia, distinta daquelas que já se manifestavam, nem sofreu um agravamento entre o momento da realização da junta médica e o pedido de realização da Junta Médica de Recurso (vd. factos provados 7) a 9), 18) e 19)).
Efectivamente, com mais ou menos palavras, já as informações clínicas anteriormente juntas ao procedimento se referiam à lista de patologias novamente discriminadas e ao estado depressivo da Autora, pelo que o último relatório subscrito pelo médico ortopedista «BB» nada acrescenta às informações que já se encontravam na posse do Réu.
E assim expuseram os pareceres e as informações, tendo assim decidido o despacho de indeferimento sindicado: analisada toda a nova informação clínica junta pela Autora, nomeadamente o último relatório médico e o último exame de diagnóstico complementar posteriormente apresentado, dando, inclusivamente, lugar a uma decisão posterior ao mesmo, concluiu-se que a mesma confirma a decisão já expendida, nada alterando em relação ao que já foi anteriormente realizado.
E não se vê onde reside a falta de fundamentação de tal decisão, nem que a Autora não a tenha compreendido, nem através da leitura do relatório médico elaborado em 19/05/2022 (que, note-se, não é o acto impugnado, não podendo ser sindicado nesta sede), pois se dúvidas ainda houvesse, aí ficou explicitado que encontrando-se ainda a Autora a realizar tratamento direccionado, com vista à melhoria do seu estado de saúde, não estão cessadas todas as opções terapêuticas sendo, por conseguinte, precoce, a atribuição de uma incapacidade.
Tão bem entendeu a fundamentação, que no último relatório médico por si apresentado até já se refere que os tratamentos de fisioterapia que tem feito tem um resultado desanimador (vd. facto provado 19)).
Donde se conclui que a Autora, como qualquer destinatário normal colocado nas suas exactas circunstâncias, conheceu e percebeu o fio condutor da decisão tomada pelo Réu.
Atento o exposto, entende-se que bem andou o Réu ao indeferir o pedido de realização de Junta Médica de Recurso formulado pela Autora, uma vez que os elementos clínicos juntos com esse pedido não acrescentam novos factos nem motivos que permitam afirmar que está cumprido o requisito constante na alínea b) do n.0 1 do artigo 95.0 do Estatuto da Aposentação, que exige que o requerimento seja justificado.
Aliás, o que a Autora faz ao longo de parte do seu articulado inicial é insurgir-se contra o resultado da primeira junta médica, que lhe negou o direito à aposentação e não a considerou total e absolutamente incapaz para o trabalho. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
Ora, em causa não está saber se a Autora está em condições de exercer as suas funções, nem a decisão do Réu que sobre essa questão se debruçou, mas sim saber se a Autora tem ou não direito, nos termos do disposto no artigo 95.0 do Estatuto da Aposentação, a ser submetida a Junta Médica de Recurso, o que passa por averiguar se o seu requerimento em que a requer, se encontra devidamente justificado. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
E a resposta a esta questão não pode, pelos motivos supra expostos, deixar de ser negativa.
Tem assim de improceder o pedido de condenação da Entidade Demandada a submeter a Autora a Junta Médica de Recurso, bem como o pedido de anulação da decisão que a indeferiu, improcedendo, na íntegra, a presente acção, com a consequente absolvição do Réu do pedido.
[…]”
Fim da transcrição

Ora, apreciou e decidiu o Tribunal recorrido [no que é essencial prosseguir em sede de julgamento por este Tribunal de recurso em face das conclusões das Alegações recursivas apresentadas pela Recorrente] que apenas estava em causa saber se o pedido de realização de junta médica de recurso se encontrava justificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 95.º, n.º 1, alínea b) do EA, e que bem andou a Ré ao indeferir o pedido de realização de junta médica de recurso formulado pela Autora, pelo facto de os elementos clínicos juntos com esse pedido não acrescentarem novos factos nem motivos que permitam afirmar que está cumprido o requisito constante daquele normativo, que exige que o requerimento seja justificado, e dessa forma, julgou assim, em suma, que o acto de indeferimento de realização da junta médica de recurso está devidamente fundamentado, e que tinha de improceder a pretensão da Autora.

Mas como assim julgamos, assiste razão à Recorrente, desde logo, porque lhe está legalmente reconhecido o direito a requerer a junta médica de recurso, e depois, porque tendo-a requerido à CGA, fundamentou o pedido.

Vejamos.

Ao contrário do que julgou o Tribunal a quo, não estava em causa, saber se o acto de indeferimento do pedido de junta médica de recurso está ou não fundamentado, ou seja, se estaríamos perante um vício de forma, antes porém, se foi ou não violado o disposto no artigo 95.º, n.º 1 do EA [se bem que para tanto a Autora também contribuiu com o que deixou vertido na Petição inicial - Cfr. a alegação pouco clara que foi por si empreendida sob os pontos 17.º, 20.º, 33.º, 35.º, 49.º, e 52.º a 59.º; a alegação da Autora também ela enferma de erro, quando traz à liça a junta de recurso a que se reporta o Decreto-Lei n.º 503/99, de 21 de abril, por se tratar de um regime jurídico relativo aos acidentes em serviço, que não é passível de ser convocado para a dilucidação da contenda jurídica].

A Autora explicitou a invocada falta de fundamentação, no que pode ser subsumida numa incongruência dos fundamentos expostos pela CGA para efeitos do indeferimento do seu pedido de constituição da junta médica de recurso, o que é reconduzível a um erro nos pressupostos dessa decisão, estando a conclusão dessa sua alegação sob o ponto 63.º da Petição inicial, onde refere que “O que se pode retirar da decisão que recusa a realização da Junta Médica de Recurso requerida pela Autora, é, no essencial, que foi indeferido o pedido porque a Autora não juntou novos elementos para justificar a realização da Junta Médica de Recurso.”

De todo o modo, como assim resulta do probatório da Sentença recorrida [Cfr. pontos 17 e 18], o que foi sustentado pela Autora foi que a fundamentação aportada pela médica relatora, no sentido de que se espera melhoria clínica máxima por não estarem cessadas as opções terapêuticas, não verte uma verdadeira justificação do indeferimento, por no seu entender deverem ser tipificadas quais são as opções terapêuticas que podem levar a Requerente a uma melhoria clínica máxima, e nesse sentido, foi porque considerava [a requerente, Autora] não ter condições físicas e psicológicas para continuar a exercer a sua profissão e porque discordava do Relatório do Médico Relator e assim, do indeferimento do pedido de aposentação por incapacidade para a sua profissão, que requereu a realização de uma Junta de Recurso que aprecie novamente a sua situação clínica, e que para efeitos de integrar a referida Junta, que fosse convocado o Médico Especialista em Ortopedia e Traumatologia, «BB».

Foi o que assim alegou a Autora ora Recorrente no requerimento que apresentou para efeitos de requerer a junta médica de recurso.

Como assim julgamos, o que está subjacente às conclusões das Alegações de recurso apresentadas pela Recorrente é assim um erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, que é decorrente da errada interpretação do artigo 95.º do EA, por ter sido entendido pela CGA e confirmado pelo Tribunal recorrido que o pedido de junta médica de recurso não estava fundamentado.

Como assim resulta do probatório da Sentença recorrida [Cfr. ponto 15], tendo a Autora ora Recorrente sido notificada da decisão de indeferimento do seu pedido de aposentação, que o foi subsequentemente à decisão da junta médica realizada em 26 de maio de 2022, no sentido, em suma de que não estava incapaz para o serviço, a Autora requereu, tempestivamente, ao abrigo do artigo 95.º do EA a realização de junta de recurso, onde expendeu a fundamentação que teve por devida, tendo ainda juntado um relatório médico.

Foi este requerimento que a CGA indeferiu, depois de ter efectuado a audiência prévia da Autora e de a mesma, nesse conspecto, ter vindo a emitir pronúncia, e nesse âmbito a remeter, inclusivamente, novos exames de diagnóstico por si efetuados.

Ora, o pedido de realização da junta médica de recurso está suficientemente fundamentado, em termos tais que a CGA, tendo decidido pelo seu indeferimento, violou de forma patente e flagrante, o disposto no artigo 95.º, n .º 1, alínea b) do EA.

Por facilidade de exposição, para aqui extraímos o referido artigo 95.º do EA, como segue:

“Artigo 95.º
Junta de recurso
1 - O conselho directivo da Caixa pode autorizar a realização de juntas de recurso:
a) Mediante proposta fundamentada dos serviços de que o subscritor dependa, apresentada no prazo de 60 dias;
b) Mediante requerimento justificado do subscritor, entregue na Caixa no prazo de 60 dias a contar da notificação do resultado do exame.
2 - A junta de recurso é composta por dois médicos designados pela Caixa, que não tenham tido anteriormente intervenção no processo, e por um médico designado pelo requerente, o qual, não sendo designado no prazo que para o efeito for fixado pelo conselho directivo da Caixa, é substituído por um médico designado pela administração regional de saúde territorialmente competente.
3 - Compete à junta de recurso apreciar as decisões das juntas médicas relativas à situação dos subscritores.
4 - Os pareceres da junta de recurso são sempre fundamentados.
5 - Pela realização da junta de recurso é devida uma taxa, em montante a definir por portaria do ministro responsável pela área das finanças, a pagar pelo requerente, sempre que a decisão lhe seja desfavorável.”

É apodítico que em face do disposto nos artigos 84.º e 89.º, ambos do EA, é pelo requerimento do interessado que se inicia o procedimento de aposentação voluntária, e que passa pela submissão do subscritor a um exame médico, a que se reporta o artigo 91.º do EA, sendo que, na eventualidade de não concordar com a decisão que venha a ser proferida, ou seja, caso não concorde com a deliberação que seja tomada, tem então a faculdade, nos termos do artigo 95.º do mesmo EA, de requerer a essa CGA a realização de junta médica de recurso.

O âmbito de aplicação dessa norma visa, precisamente as situações em que o requerente não concorda com a decisão tomada, e fundamenta porquê, sendo que é a junta médica de recurso e não à CGA que cabe a competência para apreciar o bem fundado da sua pretensão, isto é, de ver revertido o sentido decisório da junta médica.

Bem sinalizou o Tribunal a quo na Sentença recorrida, e de forma acertada, no sentido de que “… o que a Autora faz ao longo de parte do seu articulado inicial é insurgir-se contra o resultado da primeira junta médica, que lhe negou o direito à aposentação e não a considerou total e absolutamente incapaz para o trabalho.

Assim como também sinalizou de forma acertada o Tribunal a quo quando julgou que “… em causa não está saber se a Autora está em condições de exercer as suas funções, nem a decisão do Réu que sobre essa questão se debruçou, mas sim saber se a Autora tem ou não direito, nos termos do disposto no artigo 95.0 do Estatuto da Aposentação, a ser submetida a Junta Médica de Recurso, o que passa por averiguar se o seu requerimento em que a requer, se encontra devidamente justificado.

Porém, a convicção por si formada em termos de solução jurídica é que não se mostra conforme o direito, por padecer de erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do disposto no artigo 95.º, n.º 1 do Estatuto de Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 09 de dezembro.

A realização, ou não, da junta médica de recurso, não é decorrente de um poder discricionário da Recorrida CGA.

A referência que o legislador preceitua sob o ponto 1 do artigo 95.º do EA pode ser lida, no sentido de que, se não houver proposta fundamentada dos serviços de que o subscritor dependa, ou requerimento justificado do subscritor, o que tudo dever ser formulado dentro de um concreto prazo, o conselho directivo da Caixa não pode autorizar a realização de junta médica de recurso.

De outro modo, e pela parte do subscritor da CGA, se tiver sido apresentado requerimento justificado, no prazo de 60 dias a contar da notificação do resultado do exame [isto é, da junta médica a que se reporta o artigo 91.º do EA], a Caixa Geral de Aposentações está legalmente vinculada a constituir a junta médica de recurso, sendo que é já no âmbito desta junta médica que deve ser aferido o mérito da fundamentação aportada pelo subscritor e que, no seu entender, é por si determinante da reversão, a seu favor, da deliberação da junta médica.

Não pode ser objecto de confusão jurídica, a competência da CGA para apreciar o pedido de junta médica de recurso, com a situação clínica de uma subscritora da CGA num contexto de junta médica [onde apenas têm representação médicos nomeados pela CGA], com cujo resultado não concorda, e quanto ao que a mesma [subscritora] pretende contrariar, e para esse efeito, que o colégio de médicos que venha a constituir a junta de recurso integre um médico por si nomeado.

Não podendo existir no nosso ordenamento jurídico actos administrativos que não sejam passíveis de ser sindicados, a forma óbvia que a Autora tinha de ver sindicada a deliberação da junta médica datada de 26 de maio de 2022, que foi homologada pelos Directores da CGA [Cfr. pontos 14 e 15 do probatório] era, precisamente, através de uma junta médica de recurso.

Trata-se, no fundo e a final, da consagração por parte do legislador, do direito à contra prova [neste sentido, Cfr. o artigo 346.º do Código Civil], prosseguido nos termos e para efeitos de ser alcançada tutela jurisdicional efectiva por parte da Autora ora Recorrente, a qual, de outro modo poderia vir a não lograr sindicar, com sucesso, segundo um juízo técnico-científico de índole médica, a deliberação da junta médica.

É para as situações em que o subscritor pretende colocar em causa o sentido decisório e o resultado alcançado no âmbito da junta médica a que se reporta o artigo 91.º do EA, que o legislador estabeleceu a via da junta médica de recurso, sendo que, caso a Autora a tivesse dispensado, isto é, apesar de a junta médica de recurso não se tratar de questão prévia necessária de observância obrigatória para efeitos da impugnação judicial da decisão de indeferimento que seja tomada pela CGA, é porém uma via de contestação que não sendo observada pelo interessado pode revestir consequências de monta em torno da dificuldade da prova que queira efectuar em torno dos termos e pressupostos que no seu entender são determinantes da sua aposentação por incapacidade e nesse patamar, de poder vir a auferir uma pensão de aposentação mensal vitalícia.

A junta médica a que se reporta o artigo 95.º, n.º 1 do EA deriva a afinal na oportunidade de a subscritora da CGA fazer prova de que os pressupostos decisórios tomados pela junta médica não estavam correctos, sendo que é por via do pedido de constituição da junta médica de recurso que a pretensão do subscritor reveste uma maior congruência, por daí decorrer que foi por não se ter conformado – e podia tê-lo feito - com a avaliação da junta médica, que veio a requerer a junta de recurso.

Efectivamente, é por não se conformar com o resultado da primeira avaliação efectuada pela junta médica a que se reporta o artigo 91.º do EA, que pode ser efectuada, seja por iniciativa do subscritor, seja dos serviços de que o subscritor dependa, uma segunda avaliação por parte de uma diferente junta médica, com diferentes médicos da CGA e onde o subscritor pode ter presente um médico da sua escolha, e assim, participar de forma activa e efectiva na tomada de decisão em torno da sua condição física para efeitos da avaliação da sua incapacidade para o trabalho, e a final, para a sua aposentação.

Ou seja, sendo certo que a deliberação da junta médica realizada em 26 de maio de 2022 podia ser [abstractamente considerada] objecto de sindicância jurisdicional com fundamento em ostensivo erro grosseiro, tendo por base os termos mais abrangentes aceites na doutrina e na jurisprudência, esse sentido decisório só pode ser, verdadeiramente, removido da relação jurídica administrativa, por uma outra deliberação colegial, de uma outra junta médica, que é a junta médica de recurso a que se reporta o artigo 95.º do EA.

Em suma, a contra prova a que assistia à Autora o direito de prosseguir, enquanto interessada na decisão a fixar por uma junta médica em torno da avaliação da sua incapacidade e a final, para a sua aposentação voluntária, é aquela a que se reporta o artigo 95.º do EA, e assim decorre do lançado nos autos, que tal assim foi por si prosseguido.

Tem assim, no que de essencial está subjacente à pretensão recursiva deduzida pela Recorrente, de ser a mesma julgada procedente.

*

E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Estatuto de Aposentação; Caixa Geral de Aposentações; Junta médica; Junta médica de recurso.

1 – A referência que o legislador preceitua sob o ponto 1 do artigo 95.º do EA pode ser lida, no sentido de que, se não houver proposta fundamentada dos serviços de que o subscritor dependa, ou requerimento justificado do subscritor, o que tudo dever ser formulado dentro de um concreto prazo, o conselho directivo da Caixa não pode autorizar a realização de junta médica de recurso.

2 - De outro modo, e pela parte do subscritor da CGA, se tiver sido apresentado requerimento justificado, no prazo de 60 dias a contar da notificação do resultado do exame [isto é, da junta médica a que se reporta o artigo 91.º do EA], a Caixa Geral de Aposentações está legalmente vinculada a constituir a junta médica de recurso, sendo que é já no âmbito desta junta médica que deve ser aferido o mérito da fundamentação aportada pelo subscritor e que, no seu entender, é por si determinante da reversão, a seu favor, da deliberação da junta médica.

3 - É para as situações em que o subscritor pretende colocar em causa o sentido decisório e o resultado alcançado no âmbito da junta médica a que se reporta o artigo 91.º do EA, que o legislador estabeleceu a via da junta médica de recurso, sendo que, caso a Autora a tivesse dispensado, isto é, apesar de a junta médica de recurso não se tratar de questão prévia necessária de observância obrigatória para efeitos da impugnação judicial da decisão de indeferimento que seja tomada pela CGA, é porém uma via de contestação que não sendo observada pelo interessado pode revestir consequências de monta em torno da dificuldade da prova que queira efectuar em torno dos termos e pressupostos que no seu entender são determinantes da sua aposentação por incapacidade e nesse patamar, de poder vir a auferir uma pensão de aposentação mensal vitalícia.

4 - A junta médica a que se reporta o artigo 95.º, n.º 1 do EA deriva a afinal na oportunidade de o subscritor da CGA fazer prova de que os pressupostos decisórios tomados pela junta médica não estavam correctos, sendo que é por via do pedido de constituição da junta médica de recurso que a pretensão do subscritor reveste uma maior congruência, por daí decorrer que foi por não se ter conformado – e podia tê-lo feito - com a avaliação da junta Médica, que veio a requerer a junta de recurso.

***
IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência:

A) em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso interposto pela Recorrente «AA»
«AA»; B) em revogar a Sentença recorrida; e consequentemente,
C) em julgar procedente o pedido formulado a final da Petição inicial.

*

Custas a cargo da Recorrida CGA, IP – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.

*
Porto, 25 de outubro de 2024.


Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Fernanda Brandão
Isabel Costa