Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00908/19.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/21/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:NÃO VERIFICAÇÃO DE INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE;
PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA» instaurou ação administrativa contra o Instituto da Segurança Social, I.P., ambos melhor identificados nos autos, pedindo o seguinte:
Nestes termos e nos mais, de direito, que contam com o douto suprimento de Vossa Excelência, deve a presente acção ser julgada procedente por provada, e em consequência:
a) Serem declaradas as arguidas nulidades, nos termos supra expostos.
b) Subsidiariamente, ser declarada a anulabilidade do ato, ex vi artigo artigo 163.º do CPA, por violação das normas jurídicas aplicáveis, nos termos supra expostos;
Sem prescindir,
c) Ser a R. condenada à prática do ato devido, com a reposição do pagamento da concessão provisória do subsídio de doença ao A. , da incapacidade para o trabalho desde 27/11/2018 até á presente data, no valor de 7.174,31 € (sete mil cento e setenta e quatro euros e trinta e um cêntimos), a que devem acrescer os valores vincendos até ao cessar da mesma ou do apuramento da responsabilidade da entidade (a que ocorra em primeiro lugar), por violar os direitos liberdade e garantias constitucionalmente consagrados e violação de lei.
Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgada extinta a instância ao abrigo do artigo 277° al. e) do CPC ex vi artº 1° do CPTA.
Desta vem interposto recurso.
Alegando o Autor formulou as seguintes conclusões:

1. A douta decisão proferida pelo julgador a quo, sem previamente permitir o direito ao contraditório sobre a perda de utilidade da presente ação, por existência de sentença, já transitada em julgado, da qual resulta que se provou a ausência de qualquer incapacidade na sequência de acidente de trabalho, violou cabalmente o disposto no artigo 3.º, número 3, do CPC e incorreu também em nulidade ex vi do disposto no artigo 195.º, número 1, do CPC.

2. A decisão que aqui se recorre constituiu uma decisão- surpresa, em violação ao exercício do direito ao contraditório, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.

3. No caso sub judice, a resolução do litígio tem interesse porque não desapareceu o sujeito do processo, nem o Autor logrou satisfazer a sua pretensão, na justa medida em que foi retirado o seu direito.

4. O tribunal julgou inútil o prosseguimento da lide, e consequentemente a extinção da instância, sem ter apreciado a pretensão do Autor ao longo dos seus articulados, indo pelo caminho de denegar o acesso à justiça.

5. A sentença é nula por excesso de pronúncia, na medida em que, ao apreciar o objecto do litígio sem antes realizar audiência prévia, conheceu de questões que, por disposição legal imperativa, não estava em condições de conhecer, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

6. No caso sub judice verificou-se o imediato conhecimento do mérito da causa que conduziu à nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, com a inerente violação do princípio do contraditório e ofensa ao princípio da proibição de decisões surpresa (artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).

7. Na pendência do processo a Ré alterou a fundamentação do acto, anulando a anterior notificação, sendo que nesse desidrato veio enxertar novo tempo de eficácia do acto em razão da nova notificação, tendo o A. requerido que o processo prosseguisse ao abrigo do disposto no artigo 64.º nº 1 do CPTA.

8. A douta sentença ao não ter apreciado que a Ré emitiu um novo acto administrativo/notificação com fundamentação diferente, já na pendência da presente acção, em que foi dado novo momento de eficácia ao acto impugnado através da anulação das anteriores notificações e da emissão de uma nova e diferente fundamentação, violou o disposto no artigo 615.º, n.º 1 d) do CPC.

9. A Ré ao ter anulado as anteriores notificações não podia fazer-se valer daquilo que não comunicou pronta e cabalmente ao A. porque violou o disposto nos artigos 266.º, n.º 1 e 268.º, n.º 3 da Constituição, incorrendo mesmo em flagrante violação do princípio da boa-fé e em pleno e indesmentível abuso de direito.

10. A Ré admitiu/confessou nos pontos 13 e 14 da contestação que apresentou “De facto, a citada notificação comunicada ao Autor em 11-02-2019, não transcreveu correctamente os fundamentos ínsitos na decisão, ou seja, não revelou com exactidão os fundamentos subjacentes ao ato administrativo constante de fls. 51 do PA”.

11. O acto é anulável nos termos do artigo 163.º n.º 1 do CPA, e a sentença nula nos termos do disposto no artigo 615.º n. 1 d) do CPC, por omissão de pronuncia.

12. A MMa Juiz deu como provado no ponto 16 que “A petição inicial que motiva os presentes autos deu entrada neste tribunal em 15/5/2019” mas não deu como provado que o A. apenas foi notificado em 19/6/2019 do novo ofício datado de 13/6/2019 com a nova fundamentação e que é o cerne de todo o processo.

13. Na fundamentação do parecer da Comissão de Verificação a fls. 3 do PA, nada é referido quando à capacidade/incapacidade do A. para o trabalho, atendendo a que trabalhava na construção civil, pelo que tal deliberação é anulável enquanto acto preparatório que faz parte da cadeia procedimental do acto impugnado, ex vi do disposto nos artigos 64.º do CPTA e 124.º, 125.º e 163.º do CPA, anulabilidade que a douta sentença não se pronunciou.

14. A violação do núcleo essencial de direito à vida e a uma subsistência condigna, bem como a protecção da Segurança Social que o A., com a “bacia óssea” completamente destruída e graves problemas na coluna vertebral, totalmente impedido de trabalhar, foi confrontado com a decisão da Comissão de Reavaliação do dia 05-02-2019 que se recusou assinar ex vi do disposto no artigo 21.º da Constituição e não por mera discordância com o teor da mesma.

15. O A. esteve incapacitado para o trabalho conforme CITs junto aos autos na p.i., incapacidade que se prolongou.

16. O douto tribunal não apreciou o ato impugnado que padece de vício de ilegalidade, denegando o direito do A. ter a proteção na doença conferida pelo artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa.

17. O douto tribunal deu como provado no ponto 18 o despacho emitido pela Senhora Diretora do Núcleo de Prestações de doença e Parentalidade proferido em 29/5/2019, despacho este ferido de nulidade, porque remeteu a decisão que proferiu para a comunicação efectuada ao A., e que a própria Ré deu sem efeito no oficio/notificação datada de 13/6/2019 e recepcionada pelo A. em 19/6/2019.

18. O despacho de 29/5/2019 proferido pela Ex.ma Senhora Diretora, é nulo porque remete para um ofício - acto administrativo inválido porque perdeu eficácia jurídica ao ser substituído por outro, enferma de nulidade nos termos do artigo 64.º do CPTA.

19. Não se compadece que o A. tenha trabalhado toda uma vida e quando padeceu de uma situação de doença comprovada através de certificados de incapacidade temporária para o trabalho a Ré lhe tenha denegado um direito a que o mesmo tem nos termos da Constituição da Republica Portuguesa.

20. O A. esteve de baixa médica sem ter recebido qualquer subsídio de doença até 02/2/2021, por a lei não permitir estar mais tempo, tendo em 11.10.2021 pedido pensão de invalidez, factos que o tribunal não permitiu produzir prova quando julgou a instância extinta sem haver julgamento com audição da prova arrolada.

21. No ano de 2022, foi atribuída ao A. uma incapacidade de 64%, incapacidade atestada de acordo com a TNI, conforme atestado médico de Incapacidade multiuso que aqui ora se junta ao abrigo do artigo 651.º n.º 1 do CPC, uma vez que se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

22. A douta sentença enferma ainda de erro de julgamento, por violação do D.L. n.º 28/2004, de 04/02 e 360/97, de 17/12 e os princípios constitucionais da igualdade, o direito à segurança social e à proteção da saúde e de a promover e defender, nos termos dos artigos 13.º, 63.º e 64.º da Constituição.

23. O A. esteve incapacitado para o trabalho e não auferiu qualquer subsídio de doença ou qualquer rendimento porque a R. cessou sem qualquer fundamento válido e legal, atentando contra os direitos fundamentais à dignidade da pessoa humana, à segurança social e à saúde, vertidos nos artigos 1°, 63.° e 64.°, todos da Constituição da República Portuguesa.

24. A douta sentença violou princípios constitucionais ao declarar a extinção da instância sem atender aos direitos fundamentais à dignidade da pessoa humana, à segurança social e à saúde, vertidos nos artigos 1°, 63.° e 64.°, da CRP. e ainda do direito à vida, dignidade, previstos no artigo 18.º, 20.º, 24.º e 25.º todos da CRP, que com a decisão de indeferimento impugnada foram flagrantemente violados

25. Não tendo o tribunal de Trabalho considerado que o A. estava com incapacidade permanente resultante do acidente de trabalho, teriam os presentes autos que prosseguirem para apurar se a incapacidade resultou de situação mórbida e evolutiva, pois à luz do disposto no artigo 2.º do DL. 28/2004, de 04/2, há lugar à proteção na doença.

26. A Ré ao ter cessado o subsídio de doença ao A. desde 27.11.2018 até ao ano de 2021, violou o direito à sobrevivência, do A. viver em condições no mínimo dignas, tendo sido assacado de forma flagrante e violador do princípio constitucional ínsito no artigo 24.º da CRP, sendo a decisão inconstitucional

27. A douta sentença proferida violou o disposto nos artigos 3.º n.º 3, 195.º n.º 1, 277.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1 d) do CPC, artigos 124.º, 125.º e 163.º do CPA, artigo 64.º do CPTA e os artigos 1.º, 13.º, 18.º, 20.º, 21.º, 24.º, 25.º 59.º, 63 e 64.º da Constituição da Republica Portuguesa e ainda artigo 2.º do D.L. n.º 28/2004, de 04/02.

Termos em que deve revogar-se a decisão proferida e substituir-se por outra que ordene o prosseguimento dos autos nos termos previstos no CPTA, tudo com as legais consequências.

Decidindo nesta conformidade será feita!

JUSTIÇA!
Não foram juntas contra-alegações.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. O Autor sofreu um acidente de trabalho no dia 20/03/2017, quando estava a trabalhar em Munique-Alemanha, tendo participado o sinistro ocorrido nos Serviços do Ministério Público, do Tribunal de Trabalho de Vila Nova de Famalicão, que deu origem ao Processo n.º 4152/18.5T8VNF – cfr. doc. 2 junto com a petição inicial;

2. Em consequência do acidente, o Autor foi acompanhado pela companhia de Seguros [SCom01...] até ao dia 12/07/2017, tendo-lhe sido atribuída alta curado no dia 13/07/2017 – cfr. doc. 3 junto com a petição inicial;

3. Desde o dia 13/07/2017 até à presente data que o Autor está de baixa médica, por doença natural/doença direta, tendo sido atribuída, pelos médicos de Medicina Geral e Familiar do Centro de Saúde de Vila Nova de Famalicão, incapacidade temporária para o trabalho – cfr. doc. 5 junto com a petição inicial;

4. Em 27.11.2017, o Autor foi presente a Comissão de Verificação, tendo sido deliberado que “Não subsiste a incapacidade temporária para o trabalho a partir de 27.11.2018” – cfr. fls. 2 a 5 do PA no SITAF;

5. Em 29.11.2018, o Réu por ofício intitulado de subsídio de doença concessão provisória, tendo como período de referência de incapacidade de 2018-11-27 a 2018-12-08, solicitou ao Autor que devolvesse uma declaração de acidente devidamente preenchida e assinada, informando-o que o pagamento do referido subsídio só poderia ser efetuado após a devolução da declaração – cfr. doc. 6 junto com a petição inicial;

6. Em cumprimento do solicitado, o Autor entregou, no dia 12.12.2018, nos serviços do Réu, a declaração de acidente devidamente preenchida e assinada com a indicação do processo de trabalho supra mencionado – cfr. doc. 7 junto com a petição inicial;

7. Por carta com data de expedição de 07.12.2018, e recebida pelo Autor a 10.12.2018, a Segurança Social por novo ofício com a designação subsídio de doença, tendo como período de referência de incapacidade de 2018-11-27 a 2018-12-08, informou o Impugnante/A. de que: “não haveria lugar à atribuição do subsidio de doença, referente ao período acima indicado, se, no prazo de 10 (dez) dias úteis a contar da data da recepção deste ofício, não desse entrada nos serviços de resposta por escrito, da qual constassem elementos que possam obstar à não atribuição, juntando meios de prova, se for caso disso.
Os fundamentos para a não atribuição, previstos no Decreto-Lei citado, são os seguintes:
- Por a incapacidade ser resultante de acidente de trabalho conforme artigo 2.º do Dec. Lei n.º 28/2004, de 04 de fevereiro” – cfr. doc. 8 junto com a petição inicial;

8. O Autor apresentou resposta no dia 21.12.2018, sendo que o subsídio de doença já havia sido cessado – cfr. doc. 9 junto com a petição inicial;

9. Em 11.12.2018, o Autor requereu intervenção de Comissão de Reavaliação – cfr. fls. 15 do PA no SITAF;

10. Por ofício datado de 18.12.2018, foi o Autor notificado da restituição da quantia de 373,20€, relativa a subsídio de doença do 28.11.2018 a 09.12.2018 – cfr. doc. 12 junto com a petição inicial;

11. Em 09.01.2019, o Autor apresentou pronúncia escrita quanto ao pedido de restituição – cfr. doc. 13 junto com a petição inicial;

12. Em 05.02.2019, o Autor foi presente a Comissão de Reavaliação, tendo sido deliberado que “Não subsiste a incapacidade temporária para o trabalho a partir de 27.11.2018” – cfr. fls. 46 a 49 do PA no SITAF;

13. Por ofício datado de 05.02.2019, o Autor foi notificado do seguinte – cfr. fls. 50 do PA no SITAF:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

14. Em 15.02.2019, o Autor foi notificado por missiva da Segurança Social com data de expedição de 12.02.2019, da seguinte informação: “Serve o presente, para informar V.ª Ex.a, que, relativamente à sua exposição de 10/01/2019, se procedeu a uma reapreciação do seu processo, tendo-se concretizado o indeferimento do subsídio de doença, da incapacidade iniciada a 27/11/2018, por despacho superior de 07/02/2019, da Sr.a Diretora de Núcleo de Doença e Parentalidade, com os seguintes fundamentos:
- A incapacidade temporária para o trabalho foi resultante do acidente de trabalho, ocorrido no dia 20/03/2017, logo, não subsumível ao conceito de doença natural objecto de proteção do subsídio de doença, nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 04 de fevereiro.” – cfr. doc. 1 junto com a petição inicial;

15. Por ofício datado de 11.02.2019, a Segurança Social requereu junto o Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Famalicão, o seguinte – cfr. fls. 53 do PA no SITAF:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

16. A petição inicial que motiva os presentes autos deu entrada neste Tribunal, em 15.05.2019 – cfr. registo SITAF;

17. Em 23.05.2019, foi elaborada a seguinte informação – cfr. fls. 84 do PA no SITAF:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

18. Em tal informação foram apostos parecer e despacho, com o seguinte teor – cfr. fls. 85 do PA no SITAF:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

19. Por ofício datado de 13.06.2019, foi o Autor notificado do seguinte – cfr. fls. 86 do PA no SITAF:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

20. No âmbito do processo 4152/18.5T8VNF, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Famalicão, foi proferida a seguinte sentença, com trânsito em julgado em 11.12.2020 – cfr. certidão junta em 30.06.2022:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
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DE DIREITO
Está posta em causa a decisão que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
Constitui entendimento unívoco da doutrina e obteve consagração legal o de que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia, dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
Assim, o presente recurso tem por objecto a sentença que decidiu a inutilidade superveniente da lide e, em consequência, a extinção da presente instância.
Cremos que tem razão o Recorrente.
Vejamos,
O Autor apresentou ação administrativa para impugnação de acto administrativo e de condenação à prática do acto devido, de uma decisão do acto administrativo de indeferimento do subsídio de doença, notificada ao Autor no dia 15/02/2019 por carta registada, da incapacidade iniciada a 27/11/2018, por a incapacidade temporária para o trabalho ter resultado de acidente de trabalho, não subsumível ao conceito de doença natural objecto de proteção jurídica nos termos do artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 28/2004, de 04 de fevereiro, pedindo que fossem
a) Declaradas as arguidas nulidades, nos termos supra expostos.
b) Subsidiariamente, ser declarada a anulabilidade do ato, ex vi artigo 163.º do CPA, por violação das normas jurídicas aplicáveis, nos termos supra expostos;
Sem prescindir,
c) Ser a R. condenada à prática do ato devido, com a reposição do pagamento da concessão provisória do subsídio de doença ao A. , da incapacidade para o trabalho desde 27/11/2018 até á presente data, no valor de 7.174,31 € (sete mil cento e setenta e quatro euros e trinta e um cêntimos), a que devem acrescer os valores vincendos até ao cessar da mesma ou do apuramento da responsabilidade da entidade (a que ocorra em primeiro lugar), por violar os direitos liberdade e garantias constitucionalmente consagrados e violação de lei.
A Ré apresentou contestação com documentos e, juntou o processo administrativo, onde consta o novo acto administrativo datado de 13/06/2020.
O A. notificado da contestação e dos documentos e do processo Instrutor apresentou réplica pelo facto de a Ré ter apresentado defesa por excepção contra o peticionado, requerendo a admissão da réplica e, em consequência que fosse ordenado o prosseguimento dos autos nos termos do artigo 64.º do CPTA para decisão atenta a carência que a falta do subsídio está a causar ao A. que atinge mesmo o seu normal direito a uma subsistência minimamente condigna,
Em 04.12.2020 o Tribunal de Trabalho de Vila Nova de Famalicão enviou ofício aos presentes autos com a sentença proferida no processo de acidente de trabalho.
O Tribunal por despacho de 11.02.2021 notificou a Ré da réplica apresentada pelo A. e concedeu prazo para a Ré se pronunciar, ao abrigo do Princípio do contraditório e Igualdade das partes, e no mesmo prazo apresentar nos autos os elementos documentais, que não constem do Processo Administrativo.
A Ré Centro Distrital de Braga do Instituto da Segurança Social, I. P, respondeu ao despacho pugnando pela não admissão da réplica apresentada pelo A. e não juntou documentos.
O Senhor Juiz notificou o Autor para, no prazo de 10 dias, tomar posição quanto ao exposto pela Entidade Demanda no Requerimento de 10.03.2021.
O A. em cumprimento do despacho apresentou resposta requerendo a admissibilidade da Réplica e o prosseguimento dos autos.
Em 05/07/2021 o Senhor Juiz proferiu despacho com o seguinte teor: “Compulsado o teor da contestação, extrai-se que não foi apresentada defesa por exceção, nem foram deduzidos pedidos reconvencionais (Cfr. fls. 134 a 139, do processo eletrónico). Da análise do teor da Réplica, apresentada pelo Autor, constata-se que na mesma é unicamente dada resposta à defesa por impugnação apresentada pela Entidade Demandada, na sua Contestação. Não detinha, pois, o Autor o direito processual para apresentar articulado de resposta à contestação. A prática de tal ato não é válida. Nestes termos, e por tal não ser consentido pelas disposições legais aplicáveis, acima já enunciadas, determino o desentranhamento do articulado em causa. Custas pelo incidente a que deu causa a cargo do Autor, com taxa de justiça que fixo no mínimo legal. Notifique.”
Não se conformando com a decisão o Autor em 26-07-2021 apresentou recurso do despacho que ordenou o desentranhamento do articulado “réplica” e condenou o A. em custas pelo incidente.
O recurso apresentado pelo A. foi admitido e julgado procedente por este TCAN - Processo 908/19.0BEBRG-S1, em 26-09-2022, em que decidiu revogar a decisão recorrida e admitir a réplica do Autor.
Em 19-09-2023 o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho, “Cotejada a pretensão do Autor, vertida na petição inicial, com a sentença proferida no âmbito do processo decorrente de acidente de trabalho, afigura-se que o presente processo deixou de se revestir de qualquer utilidade. Assim, notifique as partes para emitirem pronúncia, em 10 (dez) dias.
Em 28-09-2023 o A. apresentou pronúncia requerendo o prosseguimento dos autos.
Em 11-01-2024 o Tribunal recorrido emitiu despacho com o seguinte teor: “Pedido de informação: informe que os autos se encontram em fase de instrução. Notifique o Réu para emitir pronúncia quanto ao requerimento que antecede. Prazo: 10 (dez) dias.
Na óptica do Recorrente a sentença recorrida padece de manifesta nulidade e erros de julgamento.
Repete-se que assiste razão ao Apelante.
Com efeito, sem qualquer prévia possibilidade de exercício do contraditório foi proferida sentença que: determinou a inutilidade superveniente da lide e, em consequência, a extinção da presente instância, condenando o Autor no pagamento das custas, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que haja sido concedido.
O Tribunal a quo proferiu decisão entendendo existir perda de utilidade da presente ação, por existência de sentença, já transitada em julgado, da qual resulta que se provou a ausência de qualquer incapacidade na sequência de acidente de trabalho.
O Tribunal proferiu decisão sem notificar as partes que o ia fazer, violando o disposto no artigo 3.º, do CPC, que confere às partes a faculdade de, antes da decisão, tomarem uma posição sobre o facto que o juiz oficiosamente se propõe introduzir no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos.
Ao não cumprir o referido direito ao contraditório, foi o A./Recorrente confrontado com uma decisão surpresa.
Acresce que o julgamento da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide pressupõe a formulação de um juízo sobre o prosseguimento daquela e que dele resulte o convencimento de que esse prosseguimento é absolutamente inútil por não trazer benefícios a nenhuma das partes.
Ocorre inutilidade (ou impossibilidade) superveniente da lide quando, na pendência da instância, a resolução do litígio deixe de interessar seja em razão de desaparecerem o(s) sujeito(s) ou objeto do processo, seja por o Autor lograr satisfação fora do âmbito da instância. A inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide é causa de extinção da instância.
A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide pode ocorrer quando sobrevém uma circunstância na pendência da lide que impede a manutenção da pretensão formulada, quer por via do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou por encontrar satisfação fora do próprio processo, deixando de ter interesse a solução propugnada, dando lugar à extinção da instância, sem apreciação do mérito da causa.
A inutilidade superveniente da lide é uma realidade absoluta, não se podendo extinguir a instância nos casos em que a utilidade existe, ainda que mínima ou pouco provável.
O decretamento da extinção da instância, com fundamento na inutilidade superveniente da lide, a que se reporta o artigo 277.º n.º 1 alínea e) do CPC,
pressupõe sempre a ocorrência, posterior à propositura da acção, de circunstâncias pelas quais seja retirado às partes, de forma muito clara e objectiva, o interesse em agir ou a possibilidade de obter uma qualquer vantagem juridicamente relevante com o prosseguimento da lide.
No caso sub judice, a resolução do litígio tem interesse porque não desapareceu o sujeito do processo, nem o Autor logrou satisfazer a sua pretensão, na justa medida em que lhe foi retirado o seu direito.
Como alegado, o Tribunal decidiu julgar inútil o prosseguimento da lide, e consequentemente a extinção da instância, sem ter apreciado a pretensão do Autor ao longo dos seus articulados, indo pelo caminho de denegar o acesso à justiça.
Ora, o Autor só tomou conhecimento através da contestação da Ré de um novo acto administrativo que substitui o impugnado pelo Autor na p. i. que apresentou, pelo que a questão que lhe subjazia, subsídio de doença por incapacidade para o trabalho, não deixou de ter utilidade porque não foi resolvida pelo desfecho do processo laboral, antes pelo contrario, ficou por resolver, uma vez que o Tribunal não considerou que o sinistrado sofreu qualquer lesão nem era portador de qualquer sequela decorrente do acidente.
O processo de acidente de trabalho decidiu que a incapacidade não era decorrente do acidente de trabalho e ao ter decidido neste sentido, o Tribunal a quo teria que mandar prosseguir os presentes autos porque o Autor esteve de facto incapacitado para o trabalho.
Ensinava Alberto dos Reis que “uma coisa são actos absolutamente inúteis, outra actos supérfluos ou desnecessários, mas que podem ter alguma utilidade”.
Ao contrário da decisão proferida o Autor não viu realizada a sua pretensão nem nos autos do processo de acidente de trabalho porque considerou que a incapacidade do mesmo não resulta do acidente ocorrido.
Tal equivale a dizer que o Tribunal ao avançar com o fundamento na inutilidade da lide incorreu em erro de julgamento, uma vez que nem sequer foi apreciada a questão que se impunha decidir sobre o pagamento da prestação do subsídio de doença.
Sobre esta temática, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo entende que só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica e que, por ser assim, não se pode considerar actividade inútil o prosseguimento do processo quando ele se destine a expurgar da ordem jurídica um acto ilegal e a proporcionar a tutela efectiva dos direitos daqueles a quem o mesmo atinge. A utilidade da lide correlaciona-se, assim, com a possibilidade da obtenção de efeitos úteis pelo que a sua extinção só deve ser declarada quando se conclua, com a necessária segurança, que o provimento do recurso em nada pode beneficiar o recorrente - Acórdãos de 18/1/01, Proc. 46.727, de 30/9/97, Proc. 38.858, de 23/9/99, Proc. 42.048, de 19/12/00, Proc. 46.306 e de 29/05/2002, Proc. 47.745, entre outros.
Como decorre do artigo 2º/2 do CPTA, a utilidade de uma acção judicial afere-se pelo efeito jurídico que o autor pretende com ela obter.

A utilidade da lide está, pois, correlacionada com a possibilidade de obtenção de efeitos úteis, pelo que a sua extinção, com base em inutilidade superveniente, só deverá ser declarada quando se possa concluir que o prosseguimento da acção não trará quaisquer consequências benéficas para o autor.
Tal declaração postula e pressupõe que o julgador possa efectuar um juízo apodítico acerca da total inutilidade superveniente da lide.
A inutilidade superveniente da lide tem, pois, a ver com a perda de interesse em agir, ou seja, com a perda da necessidade do processo para obter o pedido. O que equivale a dizer que tal inutilidade se dá, se e quando o efeito jurídico pretendido através do processo foi plenamente alcançado durante a instância.
A inutilidade superveniente da lide, como causa de extinção da instância, ocorrerá sempre que, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não possa subsistir por motivos atinentes ao sujeito ou ao objecto do respectivo processo, configurando-se como um modo anormal de extinção da instância, por cotejo com a causa dita normal, traduzida na prolação de uma sentença de mérito (cfr. Alberto dos Reis, em Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, págs. 364 e seguintes e Lebre de Freitas, em Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 512). Isto é, existe impossibilidade/inutilidade superveniente da lide sempre que se verifica uma ocorrência factual que inviabiliza a produção de efeitos jurídicos que o requerente esperava alcançar com a procedência da providência; o mesmo é dizer que a impossibilidade/inutilidade superveniente da lide se verifica quando por facto ocorrido na pendência da instância a pretensão do autor/requerente não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo.
Voltando à situação vertente, temos que não tendo o Tribunal de Trabalho considerado que o Autor estava com incapacidade permanente resultante do acidente de trabalho, teriam os presentes autos que prosseguir para apurar se a incapacidade resultou de situação mórbida e evolutiva, pois à luz do disposto no artigo 2.º do DL. 28/2004, de 04/2, há lugar à proteção na doença.
Em suma,
A extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou por encontrar satisfação fora do esquema da providência/pretensão requerida, sendo que num e noutro caso a solução do litígio deixa de interessar;
Este modo de terminar com a lide consubstancia-se naquilo a que a doutrina designa por “modo anormal de extinção da instância”, visto que a causa de extinção natural/normal é a decisão de mérito;
O tribunal só pode julgar extinta a instância por essa causa (inutilidade/impossibilidade da lide) se estiver em condições de emitir um juízo apodítico acerca da ocorrência superveniente da inutilidade, já que esta modalidade de extinção da instância exige a certeza absoluta da inutilidade a declarar, o que ora não sucede;
Reitera-se, conforme decorre do artigo 2º/2 do CPTA, a utilidade de uma acção judicial afere-se pelo efeito jurídico que o autor pretende com ela obter;
No caso concreto, não tendo perdido pertinência e utilidade a acção, nos termos do artigo 277º/e) do CPC, ex vi artigo 1° do CPTA, não pode ser declarada a extinção da lide.

DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida e determina-se o prosseguimento dos autos, caso a tal nada mais obste.
Sem custas, atenta a ausência de contra-alegações.
Notifique e DN.
Porto, 21/06/2024

Fernanda Brandão
Paulo Ferreira de Magalhães
Rogério Martins