Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00567/12.0BEPRT-A
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/15/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:VITOR SALAZAR UNAS
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADOS;
COMPENSAÇÃO;
JUROS INDEMNIZATÓRIOS;
Sumário:
I – Estabelecia o CPC, no artigo 666.º [atual 615.º] que «[p]roferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa» [n.º 1]; e que «[é] lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e reformá-la, nos termos dos artigos seguintes.» [n.º 2].

II - Por sua vez, prescrevia o art. 669.º - sob a epígrafe “Esclarecimento ou reforma da sentença” -, n.º 1 que «[p]ode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença: a) O esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos; b) A sua reforma quanto a custas e multa.» Prescrevendo o seu n.º 3, que cabendo recurso da decisão «o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação».

III - Atualmente, o n.º 2 do art. 615.º, do CPC, depois da reforma levada a cabo com a Lei n.º 41/2013, de 26/04, deixou de incluir a possibilidade de o tribunal esclarecer dúvidas existentes na sentença; e o artigo 616.º eliminou a figura da aclaração prevista no anterior art. 669.º, considerando agora que a eventual ambiguidade ou obscuridade da decisão, que a torne ininteligível, configurará a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC.

IV – Tendo sido proferido despacho judicial, na sequência de pedido de esclarecimento da sentença, a declarar que o direito aos juros indemnizatórios era uma consequência pacífica da anulação do ato de compensação operada nos autos, não pode essa decisão ser contrariada/alterada pela sentença proferida na execução de julgados por força do caso julgado formal, entretanto, formado no processo [art. 672.º, (atualmente, 620.º), do CPC].*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO:
«[SCom01...], S.A.», com NIPC ...51 e demais sinais nos autos, vem interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou a execução de julgados parcialmente procedente e, em consequência, não reconheceu à exequente o direito a juros indemnizatórios, pelo que apenas quanto a este segmento incide o presente recurso.
A Recorrente termina as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«(…).
i. Para julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, refere o Tribunal a quo que «(...) a sentença proferida no processo de reclamação n.º 567/12.0BEPRT (...) limitou-se a anular os atos de compensação efectuados, sem tomar posição expressa quanto ao pedido de juros indemnizatórios. E a ali Reclamante, notificada dessa sentença, não arguiu nulidade da mesma, designadamente por omissão de pronúncia, limitando-se a pedir um esclarecimento sobre se a sua procedência incluía o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, tendo-se decidido, por despacho de 19/11.2012, que nada havia a esclarecer, fazendo-se alusão ao Acórdão do TCA Sul de 13/04/2010, processo 03630/09, no qual estava em causa uma decisão que havia determinado a restituição de uma compensação, acrescida de juros indemnizatórios. ».
ii. Como resulta dos autos, e ao invés do pretendido na sentença recorrida, o Tribunal apenas entendeu que nada havia a esclarecer na medida em, como claramente expõe, julgou como pacífico o entendimento no sentido de que, na sequência da anulação de um acto de compensação, O CONTRIBUINTE TINHA DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS - sustentando essa conclusão em Jurisprudência da qual resulta, claramente, que «(...) a reintegração da situação actual hipotética da exequente implica a sua compensação pela indisponibilidade a que se viu, ilegalmente, votada, nos termos daquela decisão judicial, a título de juros, tanto indemnizatórios, como moratórias, que se mostrem legalmente devidos.».
iii. Ainda assim, o Tribunal a quo entende que do referido despacho não resulta o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, quando não é essa a interpretação plausível que um qualquer normal destinatário, quando colocado na posição da Recorrente, pode retirar do referido despacho.
iv. Como tem vindo a ser salientado, não se tratando de um verdadeiro negócio jurídico, a decisão judicial não traduz uma declaração pessoal de vontade do julgador, antes exprimindo «uma injunção aplicativa do direito, a vontade da lei», no caso concreto, correspondendo ao «resultado de uma operação intelectual que consiste no apuramento de uma situação de facto e na aplicação do direito objectivo a essa situação».
v. Face ao teor desse despacho, considerando o que nele se refere, quanto ao seu contexto factual e jurídico - inclusivamente com a referência expressa a jurisprudência - não se vê como possa ser afirmado, nos termos em que o faz o Tribunal a quo, que «o referido despacho não se pronuncia expressamente nesse sentido" - do direito a juros indemnizatórios.
vi. Ao invés do pretendido na sentença recorrida, o Tribunal a quo não se limitou a referir que "nada há a esclarecer", sendo perfeitamente perceptível o contexto em que o Tribunal refere ser desnecessário o esclarecimento adicional - ou seja, a convicção do Julgador, expressamente firmada e fundamentada em jurisprudência, no sentido de que "a anulação de um acto de compensação (...) implica necessariamente o pagamento de juros".
vii. Ao invés do pretendido na decisão recorrida, a interpretação de um despacho judicial não pode assentar exclusivamente na análise do sentido da parte decisória, tendo naturalmente que considerar os seus antecedentes lógicos, toda a fundamentação que a suporta, sem deixar de ter em conta outras circunstâncias relevantes, mesmo que posteriores à respectiva elaboração".
viii. Não está em causa saber se o Tribunal a quo concorda ou não com o entendimento sufragado em tal despacho - porquanto este consolidou-se no ordenamento jurídico nos seus precisos termos - sendo que, inclusivamente, resulta mesmo da decisão recorrida a intenção directa e manifesta de contradizer o teor daquele despacho, ao referir que a jurisprudência invocada para sustentar tal entendimento "trata de uma situação diferente da reclamação em apreço".
ix. «O caso julgado respeita, (...) a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito», e a autoridade de caso julgado impõe a aceitação de uma decisão judicial anterior, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida possa ser validamente definida de modo diverso.
x. Recorde-se que fundamento do caso julgado reside no prestígio dos tribunais, sendo que «tal prestígio seria comprometido em alto grau se mesma situação concreta uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente»; e numa razão de certeza ou segurança jurídica, sendo que «sem o caso julgado estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa».
xi. Nos termos em que vem proferida, afigura-se inequívoco que a decisão recorrida contradiz frontalmente o que o mesmo Tribunal afirmara anteriormente.
xii. O relevante não é aferir se o julgador procedeu bem ou mal quando proferiu o despacho em causa - mas apenas constatar que o mesmo se consolidou, pua tale, no ordenamento jurídico, sendo esse juízo insusceptível de inversão por outra posterior decisão judicial.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve conceder-se provimento ao presente recurso, anulando-se a decisão recorrida, o que se deverá fazer por obediência à Lei e por imperativo de JUSTIÇA!»
A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada da apresentação do recurso, não apresentou contra-alegações.
*
Com dispensa dos vistos legais, [cfr. 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil], cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.
*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR.
A questão que cumpre conhecer prende-se em saber se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quanto à não atribuição de juros indemnizatórios à exequente por no entendimento do tribunal recorrido essa atribuição não decorrer da sentença proferida no processo principal e, por outro lado, por não se verificarem em concreto as condições para aquela atribuição.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO:
III.1 – DE FACTO
Na sentença foi fixada matéria de factos nos seguintes termos:
1. FACTOS PROVADOS
A) Em 14/0212012, a ora Exequente apresentou reclamação contra os atos de compensação de créditos indemnizatórios por encargos incorridos com a prestação e manutenção de garantia levados a cabo, em 30101/2012, no processo de execução fiscal n.° ...80, pedindo a anulação dessas compensações e a sua restituição, acrescida de juros indemnizatórios - cfr. fls. 7 a 28 e 38 a 40 do processo principal (reclamação de atos do órgão de execução fiscal n.° 567/12.0BEPRT), de que a presente execução constitui apenso.
B) Por sentença de 19/10/2012, a reclamação mencionada na alínea que antecede foi julgada procedente, tendo sido determinada "(...) a anulação do acto de compensação reclamado, com as legais consequências" - cfr. fls. 221 a 228 do processo principal, cujo teor se dá por reproduzido.
C) Notificada da sentença mencionada na alínea antecedente, a ora Exequente solicitou que fosse esclarecido se a procedência da reclamação abrangia igualmente o reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios peticionados, o que deu lugar à prolação do despacho inserto a fls. 253 do processo principal, cujo teor se dá por reproduzido, notificado às partes, sob registo postal, em 20/11/2012 -cfr., também, fls. 245, 259 e 260 do processo principal.
D) A Fazenda Pública interpôs recurso da sentença mencionada na alínea B) supra, ao qual foi negado provimento por Acórdão do TCA Norte de 14/0312013, notificado às partes, sob registo postal, em 19103/2013 - cfr. fls. 234 a 242, 311 a 332, 335 e 336 do processo principal.
E) Em 27/03/2013, a ora Exequente juntou aos autos a nota discriminativa e justificativa de custas de parte enviada à parte vencida em 25/03/2013, no valor total de € 642,60, sendo € 321,30 referentes a taxa de justiça e € 321,30 respeitantes a honorários - cfr. fls. 348 e 349 do processo principal.
F) Em 10/05/2013, a Fazenda Pública pagou à ora Exequente custas de parte no valor de 321,30 - facto admitido por acordo.
G) A presente execução deu entrada neste tribunal, por correio eletrónico, em 24/12/2013 - cfr. fls. 1 dos autos.
H) À data em que foi apresentada a contestação à presente execução (03/03/2014), encontravam-se em curso diligências tendentes à restituição à ora Exequente dos créditos indevidamente compensados - cfr. fls. 38 a 40 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem, com interesse para a decisão.
MOTIVAÇÃO:
A convicção do tribunal quanto aos factos dados como provados resultou da análise dos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados, e, bem assim, da posição assumida pelas partes nos respetivos articulados.»
*
Aditamento oficioso à matéria de facto [art. 662.º, n.º 1, do CPC].
I) A 12.11.2012, a Exequente, notificada da sentença no processo principal, dirige um requerimento ao tribunal nos seguintes termos:
«[SCom01...], SA, (…), notificada da douta Sentença de 19.10.2012, vem, respeitosamente, solicitar V. Exa. se digne esclarecer se a procedência da presente reclamação, decidida a final do douto aresto, abrange igualmente o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, conforme peticionado na p.i..» [cfr. págs. 282 da paginação eletrónica do processo 567/12.0BEPRT];
J) A 19.11.2012, foi proferido despacho com o seguinte teor:
«Fls. 247: Pretende a requerente ver esclarecido se a procedência da reclamação abrange o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios.
É pacífico que a anulação de um acto de compensação obriga a Administração Tributária à reconstituição da situação anterior à compensação, e implica necessariamente o pagamento de juros. Como ensina o Ac. do TCAS de 13/4/2010, Proc. nº 3630/09, “A reintegração da situação actual hipotética da exequente implica a sua compensação pela indisponibilidade a que se viu, ilegalmente, votada, nos termos daquela decisão judicial, a título de juros, tanto indemnizatórios, como moratórios, que se mostrem legalmente devidos.”
Assim sendo, nada há a esclarecer.
Sem custas.
Notifique.» [cfr. págs. 288 da paginação eletrónica do processo 567/12.0BEPRT].
*
IV –DE DIREITO:
A questão que cumpre conhecer, conforme antecipamos, prende-se com o alegado erro de julgamento quanto à não atribuição de juros indemnizatórios à exequente por no entendimento do tribunal recorrido essa atribuição não decorrer da sentença proferida no processo principal e não se verificar em concreto os pressupostos para a sua atribuição.
Para melhor compreensão e enquadramento da questão suscitada passamos a transcrever, por extrato, o discurso fundamentador da sentença quanto à matéria controvertida, desenvolvido nos seguintes moldes:
«Atentemos, agora, na questão dos juros indemnizatórios.
No entendimento da aqui Exequente, face ao teor do despacho de 19/11/2012, proferido no processo principal, assiste-lhe o direito a receber juros indemnizatórios no valor de € 1 971,09, contados desde 30/01/2012 (data da compensação indevida) até 01/05/2013 (que, no entendimento da Exequente, corresponde ao termo do prazo para execução espontânea da sentença).
A Executada insurge-se contra este entendimento, sustentando que a sentença exequenda não condenou a AT a pagar juros indemnizatórios e que do despacho de 19/11/2012 não se retira essa obrigação, sustentando, ainda, que também não estão verificados os pressupostos legais para esse pagamento, por não estarmos em presença de uma anulação de um tributo indevidamente compensado, mas sim perante a utilização, em ato de compensação, de créditos indemnizatórios por encargos incorridos com a prestação e manutenção de garantia.
Vejamos.
A execução de julgados visa obter, pela via judicial, as providências materiais que concretizem, no plano dos factos, aquilo que foi juridicamente determinado na sentença/acórdão, ou seja, a decisão exequenda define os exatos termos e limites da execução do julgado.
Conforme resulta provado, a sentença proferida no processo de reclamação n.° 567/12.0BEPRT, confirmada por acórdão do TCA Norte, limitou-se a anular os atos de compensação efetuados, sem tomar posição expressa quanto ao pedido de juros indemnizatórios. E a ali Reclamante, notificada dessa sentença, não arguiu qualquer nulidade da mesma, designadamente por omissão de pronúncia, limitando-se a pedir um esclarecimento sobre se a sua procedência incluía o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, tendo-se decidido, por despacho de 19/11/2012, que nada havia a esclarecer, fazendo-se alusão ao Acórdão do TCA Sul de 1310412010, processo 03630109, no qual estava em causa uma decisão que havia determinado a restituição de uma compensação, acrescida de juros indemnizatórios.
A ora Exequente baseia-se no sobredito despacho para afirmar que lhe foi reconhecido o direito a juros indemnizatórios, posição com a qual não podemos concordar.
De facto, da sentença exequenda não resulta a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios (apesar de eles terem sido pedidos). Aliás, no entendimento que vimos defendendo, a reclamação prevista no art.° 276° do CPPT nem sequer é o meio processual adequado para fazer valer o direito ao pagamento de juros indemnizatórios (neste sentido, veja-se o Acórdão do TCA Norte de 02/07/2010, processo 00148/10, cujo discurso fundamentador subscrevemos).
Por outro lado, afigura-se-nos que também não decorre do despacho de 19/11/2012 a concessão à aqui Exequente do direito aos juros indemnizatórios a que se arroga. Com efeito, o referido despacho não se pronuncia expressamente nesse sentido, referindo, claramente, que nada há a esclarecer, sendo certo que só um despacho que defira o pedido de esclarecimento é que passa a fazer parte integrante da sentença, o que não é o caso. Para além disso, o mencionado despacho alude a um acórdão (Acórdão do TCA Sul de 13/04/2010, processo 03630/09) que trata de uma situação diferente da reclamação em apreço, uma vez que naquela situação existia uma sentença a condenar expressamente no pagamento de juros indemnizatórios, o que, in casu, não se verifica.
Pelos motivos expostos, impõe-se concluir que a ora Exequente não dispõe de uma decisão judicial, passível de execução, que lhe confira o direito a juros indemnizatórios a que se arroga.
Ainda assim, esta circunstância nem sequer seria impeditiva de requerer, em sede de execução de julgado, o pagamento de juros indemnizatórios, desde que estivessem preenchidos os pressupostos legais para o seu pagamento, ou seja, desde que tivesse em causa o pagamento indevido de uma prestação tributária, o que, como veremos, não se verifica no caso sub judice. Na verdade, e como a própria Exequente afirma no seu requerimento inicial (cfr. artigo 6°), estão em causa "(...) 3 actos tributários de compensação de créditos indemnizatórios por encargos incorridos com a prestação e manutenção de garantia (...)", ou seja, os créditos compensados têm na sua génese uma indemnização por prestação indevida de garantia para suspender a execução (cfr. art.os 53° da LGT e 171° do CPPT), pelo que não existiu uma compensação da dívida exequenda com qualquer prestação tributária que a executada tivesse direito a receber, ou, dito de outra forma, não ocorreu a privação de uma prestação tributária, sendo que apenas esta é passível de indemnização, nos termos fixados nos art.os 43° e 100° da LGT.
A este respeito, Jorge Lopes de Sousa faz notar que embora não se refira expressamente no n.° 1 do art.° 43° da LGT que o ato viciado de erro deve ser um ato de liquidação, são os atos deste tipo os que provocam diretamente o pagamento de uma dívida tributária e, por isso, terá de ser a atos daquele tipo que se reporta esta disposição.
Refere ainda o citado Autor que os casos em que o art.° 43° da LGT reconhece ao contribuinte o direito a ser indemnizado por atos da AT, não podem ser entendidos como exaustivos, mas apenas como uma indicação de situações em que é de presumir a existência de um prejuízo para o contribuinte (independentemente de qualquer alegação e prova dos danos sofridos) e a responsabilidade da administração pela ocorrência do mesmo. Contudo, salienta o mencionado Autor, o contribuinte não fica impedido de obter o ressarcimento dos danos que efetivamente lhe foram causados por condutas da administração não previstas no art.° 43° da LGT, só que nesse caso, para ver reconhecido o seu direito, terá de propor a adequada ação para efetivação de responsabilidade civil e nela fazer prova dos prejuízos sofridos ou, então, nos processos em que se aplica subsidiariamente o regime da execução de julgados previsto no CPTA, formular o respetivo pedido e efetuar essa prova nesse processo executivo.
Ora, não sendo os montantes compensados subsumíveis (como vimos) no art.° 43° da LGT e não tendo a aqui Exequente feito prova, nesta sede, dos prejuízos incorridos com a compensação indevida, não lhe assiste, também por esta via, o direito aos peticionados juros indemnizatórios.
Assim sendo, improcede, nesta parte, a presente execução».
Extratada a fundamentação da sentença verifica-se que o tribunal entendeu não ser de atribuir na presente execução de julgados os juros indemnizatórios por (i) não terem sido concedidos na decisão do processo principal e, ainda, (ii) não se verificarem os pressupostos para o efeito.
Alega a Recorrente, em suma, que para julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios «refere o Tribunal a quo que «(...) a sentença proferida no processo de reclamação n.º 567/12.0BEPRT (...) limitou-se a anular os atos de compensação efectuados, sem tomar posição expressa quanto ao pedido de juros indemnizatórios. E a ali Reclamante, notificada dessa sentença, não arguiu nulidade da mesma, designadamente por omissão de pronúncia, limitando-se a pedir um esclarecimento sobre se a sua procedência incluía o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, tendo-se decidido, por despacho de 19/11.2012, que nada havia a esclarecer, fazendo-se alusão ao Acórdão do TCA Sul de 13/04/2010, processo 03630/09, no qual estava em causa uma decisão que havia determinado a restituição de uma compensação, acrescida de juros indemnizatórios. ». Todavia, entende que, como resulta dos autos «e ao invés do pretendido na sentença recorrida, o Tribunal apenas entendeu que nada havia a esclarecer na medida em, como claramente expõe, julgou como pacífico o entendimento no sentido de que, na sequência da anulação de um acto de compensação, O CONTRIBUINTE TINHA DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS - sustentando essa conclusão em Jurisprudência da qual resulta, claramente, que «(...) a reintegração da situação actual hipotética da exequente implica a sua compensação pela indisponibilidade a que se viu, ilegalmente, votada, nos termos daquela decisão judicial, a título de juros, tanto indemnizatórios, como moratórias, que se mostrem legalmente devidos; E que, ainda assim, «o Tribunal a quo entende que do referido despacho não resulta o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, quando não é essa a interpretação plausível que um qualquer normal destinatário, quando colocado na posição da Recorrente, pode retirar do referido despacho».
Entende, pois, que «a decisão recorrida contradiz frontalmente o que o mesmo Tribunal afirmara anteriormente.» e que o «relevante não é aferir se o julgador procedeu bem ou mal quando proferiu o despacho em causa - mas apenas constatar que o mesmo se consolidou, qua tale, no ordenamento jurídico, sendo esse juízo insusceptível de inversão por outra posterior decisão judicial.»
A questão que é submetida ao nosso conhecimento ter-se-á que resolver por apelo ao conteúdo do requerimento apresentado pela exequente/recorrente e do despacho que sobre ele recaiu em conjugação com o quadro legal pertinente desenhado no Código de Processo Civil, na versão vigente à data dos factos.
Estabelecia o CPC, no artigo 666.º [atual 615.º] que «[p]roferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa» [n.º 1]; e que «[é] lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e reformá-la, nos termos dos artigos seguintes[n.º 2].
Por sua vez, prescrevia o art. 669.º - sob a epígrafe “Esclarecimento ou reforma da sentença” -, n.º 1 que «[p]ode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença: a) O esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos; b) A sua reforma quanto a custas e multa.» Prescrevendo o seu n.º 3, que cabendo recurso da decisão «o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação».
Atualmente, o n.º 2 do art. 615.º, do CPC, depois da reforma levada a cabo com a Lei n.º 41/2013, de 26/04, deixou de incluir a possibilidade de o tribunal esclarecer dúvidas existentes na sentença; e o artigo 616.º eliminou a figura da aclaração prevista no anterior art. 669.º, considerando agora que a eventual ambiguidade ou obscuridade da decisão, que a torne ininteligível, configurará a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC.
Apresentado o quadro legal relevante, importa agora evidenciar as especificidades do caso em análise.
Conforme se extrai das ocorrências processuais aditadas nesta instância, a Recorrente, notificada da sentença, solicitou ao tribunal que esclarecesse se a procedência da reclamação abrangia igualmente o reconhecimento ao direito de juros indemnizatórios conforme peticionado na p.i. [facto elencado em I)]. Este pedido tinha sustentação legal, à data, por força do disposto do mencionado art. 669.º, n.º 1, alínea a), do CPC.
Na sequência do pedido, o tribunal emitiu pronúncia [facto elencado em J)].
Analisado o teor do despacho judicial, a primeira conclusão a assentar é que o tribunal não viu razões para o rejeitar ou indeferir (ou até mesmo, eventualmente, para reconhecer a existência de omissão de pronúncia quanto a esse pedido).
A segunda ilação a extrair é de que o tribunal concedeu provimento à pretensão da exequente no sentido de esclarecer que a decisão incluía o reconhecimento ao direito de juros indemnizatórios peticionados [conforme decorre dos artigos 69.º e 70.º da PI] pelo exequente.
Na verdade, não obstante o despacho não se apresentar de forma clara e modelar, daí, talvez, a leitura contrária retirada pelo tribunal a quo, a interpretação, ainda assim, condizente com o teor literal do texto do despacho e ao contexto em que o mesmo foi proferido é, pois, de que o tribunal acolheu a pretensão da exequente.
Quanto ao contexto em que o despacho foi proferido, resulta linear que o foi no uso da prerrogativa prevista no artigo 666.º, n.º 2, do CPC, na sequência do requerimento apresentado pela exequente após a notificação da sentença, sem que o tribunal tenha, como já se disse, encontrado razões para o rejeitar ou indeferir ou até mesmo para suprir uma eventual nulidade por omissão de pronúncia da sentença quanto ao pedido de juros indemnizatórios.
E, no que concerne ao teor literal, temos como seguro que o tribunal entendeu que a anulação de um ato de compensação «obriga a Administração Tributária à reconstituição da situação anterior à compensação, e implica necessariamente o pagamento de juros.»
Do exposto, resulta que o tribunal -, mal ou bem, não interessa agora apurar, uma vez que o despacho não foi objeto de qualquer impugnação, apesar de devidamente notificado às partes, pelo que adquiriu força obrigatória dentro do processo [art. 672.º, (atualmente, 620.º), do CPC] -, esclareceu que a sentença proferida nos autos de anulação do ato de compensação tem como consequência, pacífica, o pagamento dos juros indemnizatórios que forem legalmente devidos. E, em reforço do seu pensamento, faz referência ao acórdão do TCAS de 13.04.2010, proc. n.º 3630/09, com citação parcial da sua fundamentação. Daí, ter referido que nada havia a acrescentar, no entendimento, segutamente, que esse efeito resultava claro e inequívoco da decisão.
Recuperando a fundamentação da sentença proferida no processo principal extrai-se que a ilegalidade da compensação foi determinada por duas ordens de razões: «a existência de controvérsia em relação à quantia em execução, relativa à exigibilidade da dívida compensada, alegadamente prescrita, e relativamente à legalidade do despacho que indeferiu a suspensão do processo executivo, implica que a compensação por iniciativa da Administração tributária não possa ter lugar enquanto tal controvérsia não se encontre judicialmente sanada», por um lado; e que «a reclamação judicial a que alude o artigo 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário sobe nos próprios autos do processo de Execução Fiscal a que respeita, e como tal, na pendência de reclamação judicial, não podem ser praticados actos de execução pelo Órgão de Execução Fiscal (Ac. do TCAN de 11/8/2010, Proc. nº 1910/09)», por outro.
Determinando, a final e na procedência da reclamação, a anulação do ato de compensação reclamado, com as legais consequências. Decisão que veio a ser confirmada por acórdão deste TCA.
Do exposto, resulta que o tribunal detetou que o órgão de execução fiscal procedeu, indevidamente, à compensação (i) enquanto se encontrava pendente ação judicial em que se discutia a exigibilidade da dívida compensada e a legalidade do despacho que indeferiu a suspensão do processo executivo e (ii) por, com a compensação, ter praticado na execução fiscal atos proibidos por lei, concretamente em violação do disposto no art. 276.º do CPPT. Decisão que veio a ser confirmada por este TCA a 14.03.2013, na sequência do recurso apresentado pela ATA.
Neste conspecto, resulta que no caso, por força de qualquer uma daquelas anomalias, existiu manifestamente erro e imputável aos serviços, leia-se, órgão de execução fiscal, condição bastante para que sejam atribuídos juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º da LGT.
Seguramente, foi por força desta evidência vertida na sentença que o juiz do processo principal entendeu, no despacho analisado, que o direito aos juros indemnizatórios era uma consequência pacífica da anulação do ato de compensação operada nos autos, decisão que não pode ser alterada por força do caso julgado formal, entretanto, formado nos autos.
Destarte, nos termos do art. 100.º da LGT, a reconstituição da situação atual hipotética da exequente pressupõe a sua indemnização pela indisponibilidade a que se viu ilegalmente obrigada da importância objeto de compensação e desde do termo do prazo para cumprimento espontâneo da decisão do processo principal até à data do efetivo pagamento [neste sentido, vide acórdão do TCAS de 13.04.2010, proc. n.º 3630/09, citado no despacho analisado].
Sendo assim, no prosseguimento de todo o exposto, não podemos acompanhar o tribunal recorrido quando conclui «que a ora Exequente não dispõe de uma decisão judicial, passível de execução, que lhe confira o direito a juros indemnizatórios a que se arroga.», razão pela qual a sentença não se pode manter no ordenamento jurídico.
Nesta conformidade, na procedência do recurso, revoga-se a sentença e condena-se a executada/recorrida ao pagamento de juros indemnizatórios a favor da exequente/recorrente.
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Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso e, nessa sequência, revogar a sentença na parte recorrida, julgar a execução parcialmente procedente e, nessa medida, condenar a executada ao pagamento de juros indemnizatórios.
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Nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC., formula-se o seguinte SUMÁRIO:
I – Estabelecia o CPC, no artigo 666.º [atual 615.º] que «[p]roferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa» [n.º 1]; e que «[é] lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e reformá-la, nos termos dos artigos seguintes[n.º 2].
II - Por sua vez, prescrevia o art. 669.º - sob a epígrafe “Esclarecimento ou reforma da sentença” -, n.º 1 que «[p]ode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença: a) O esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos; b) A sua reforma quanto a custas e multa.» Prescrevendo o seu n.º 3, que cabendo recurso da decisão «o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação».

III - Atualmente, o n.º 2 do art. 615.º, do CPC, depois da reforma levada a cabo com a Lei n.º 41/2013, de 26/04, deixou de incluir a possibilidade de o tribunal esclarecer dúvidas existentes na sentença; e o artigo 616.º eliminou a figura da aclaração prevista no anterior art. 669.º, considerando agora que a eventual ambiguidade ou obscuridade da decisão, que a torne ininteligível, configurará a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC.
IV – Tendo sido proferido despacho judicial, na sequência de pedido de esclarecimento da sentença, a declarar que o direito aos juros indemnizatórios era uma consequência pacífica da anulação do ato de compensação operada nos autos, não pode essa decisão ser contrariada/alterada pela sentença proferida na execução de julgados por força do caso julgado formal, entretanto, formado no processo [art. 672.º, (atualmente, 620.º), do CPC].

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V – DECISÃO:
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso e, nessa sequência:
· revogar a sentença na parte recorrida;
· julgar a execução parcialmente procedente; e
· condenar a executada ao pagamento de juros indemnizatórios.


Custas pela Recorrida, as quais não incluem taxa de justiça na presente instância por não ter contra alegado.
Porto, 15 de maio de 2025

Vítor Salazar Unas
Maria do Rosário Pais
Cláudia Almeida