Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01767/13.1BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:ANA PATROCÍNIO
Descritores:DESPACHO DE REVERSÃO;
FUNDAMENTAÇÃO;
Sumário:
I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.

II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.

III – A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do artigo 23.º da LGT). Sendo o despacho de reversão um acto administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (artigo 268.º n.º 3 da CRP; artigos 23.º n.º 4 e 77.º nº 1, da LGT).

IV - A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária e com a referência à extensão temporal dessa responsabilidade que está a ser efectivada.

V – No caso concreto, não se mostram alegados, no despacho de reversão, todos os pressupostos da responsabilidade subsidiária, nomeadamente, inexiste menção ao exercício efectivo das funções do gerente revertido. Por isso, falta fundamentação bastante para fundar a reversão.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 11/05/2018, que julgou procedente a oposição intentada por «AA», contribuinte n.º ...26, residente a Rua ..., PO1 C, em Vigo, na qualidade de revertido, contra o processo de execução fiscal n.º ...............085 e apensos, originariamente instaurado contra a sociedade comercial “[SCom01...] - Unipessoal, Lda.”, para cobrança de dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado, referente a 2011, no montante global de €1.510.944,53.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“A. Vem o presente recurso interposto da Sentença que julgou procedente a oposição à execução fiscal à margem identificada, e, em consequência decidindo condenar a Fazenda Pública no pedido de extinção da execução fiscal n.º ...............085 e apensos relativamente ao Oponente.
B. Ora, com o assim decidido, e salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode a Fazenda Pública conformar-se, padecendo a douta Sentença de erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito.
C. Entende a Fazenda Pública que o douto tribunal a quo (1) considerou provados factos a que correspondem as letras “L), M), N), O), P) e Q), com base apenas em declarações de parte, sem a mínima corroboração por qualquer outra prova produzida nos autos e em contradição a prova documental junta aos autos e cuja veracidade não foi colocada em causa, incorrendo em erro de julgamento de facto, (2) não valorou parte da prova documental junta aos autos pelo que não considerou como provados factos relevantes que deveria ter considerado (3) ao retirar daquele factos consequências jurídicas que eles não possuem, e ao não atribuir à prova documental junta aos autos os efeitos que aquela produz, incorreu a sentença em erro de julgamento de direito ao concluir que o Oponente não exerceu a gerência de facto, quando resulta exatamente o oposto dos autos, resultando não só que o Oponente assinou todos os documentos que permitiram à devedora originária operar, com plena consciência do que fazia, como sendo gerente único resulta claramente que só ele poderia ter exercido aquela gerência, pelo que, ao contrário do decidido pelo Tribunal, verificam-se preenchidos nos autos os requisitos impostos pela alínea b) n.º 1 do artigo 24.º da LGT para que se opere uma válida e eficaz responsabilização subsidiária do Oponente pelas dívidas da devedora originária.
D. O Oponente, supra identificado, foi citado, por reversão, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...............085 e apensos, instaurado contra a sociedade “[SCom01...] – Unipessoal, Lda”, portadora do NIPC ...65, por dívidas de IVA.
E. Veio o Oponente deduzir a competente OPOSIÇÃO, invocando, em síntese, o seguinte:
Ilegitimidade do oponente por nunca ter exercido a gerência da executada originária; e
Falta de fundamentação do despacho de reversão.
E em sede de contestação alegou, em suma, a RFP que a pretensão do Oponente não poderia ser atendida porque:
I – Não gerência de facto
A RPF procedeu à junção aos autos, com a contestação, de vários elementos que demonstram o exercício da gerência de facto pelo Oponente e requereu outras diligências que reforçaram a prova já junta. A Lei não define no que consiste a gerência, no entanto, vem a doutrina e a jurisprudência referindo que, como tal, se deve considerar aquela em que os gerentes praticam atos de disposição ou de administração, de acordo com o objeto social da sociedade, em nome e representação desta, vinculando-a perante terceiros, atento os contornos normativos que dela é feita nos artigos 252º, 259º e 260º do CSC (Código das Sociedades Comerciais), assim é gerente aquele que exterioriza a vontade das sociedades nos seus negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, praticando atos que traduzem tarefas de fiscalização, aprovação de contratos, pagamentos, assinaturas de diversos documentos que vinculem a sociedade, perante clientes, fornecedores, bancos, Estado, trabalhadores. Tendo o dever de administrar a empresa de modo a que ela subsista e cresça, para tal desenvolvendo os negócios adequados e, orientando a demais atividade daquela, deve cumprir os contratos celebrados, pagar as dívidas da sociedade e cobrar os seus créditos e sempre de molde a evitar que o património social se torne insuficiente para a satisfação das dívidas da sociedade. Ora, em face da prova produzida, e do já alegado na contestação, entende a RPF, que não restam dúvidas que o Oponente procedeu à representação da sociedade junto das instituições bancárias, assim como junto de fornecedores e clientes, obrigando a “[SCom01...]” junto daquelas instituições, factos que, demonstram amplamente o exercício da gerência pelo Oponente, e, nunca, o Oponente procedeu à nomeação de qualquer representante ou renunciou ao cargo de gerente, e nos termos do artigo 256.º CSC, as funções dos gerentes subsistem enquanto não terminarem por destituição ou renúncia. Por outro lado, uma vez que o oponente era o único sócio e gerente, sem a assinatura do qual a sociedade não se podia obrigar, há, segundo as regras da experiência, e seguindo um raciocínio lógico que concluir que, na impossibilidade da sociedade poder funcionar sem a sua assinatura, aquele praticou necessariamente os atos de gerência atinentes ao giro comercial da sociedade, sendo assim, sem dúvida, gerente de facto. Sublinhe-se a dificuldade da produção de prova, a nível documental, atendendo a que se trata de uma sociedade com total ausência de contabilidade organizada, e, ainda assim, a prova produzida nos autos, não só não acompanha as alegações do Oponente como demonstra o contrário das mesmas.
II – A invocada falta de fundamentação do despacho de reversão
A fundamentação deve ser entendida como a obrigação de enunciar os motivos de facto e de direito que determinaram o agente ou órgão decisor, esclarecendo o seu destinatário das razões que o motivaram e do porquê do sentido decisório, visando proporcionar ao administrado o conhecimento do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto. Deste modo, o ato estará fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o artigo 487º, nº 2, do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação. No caso em análise o Oponente não só conheceu das razões que levaram a administração à prática do ato de reversão como se opôs de forma esclarecida a essas razões – discutindo-as. Com efeito, uma coisa é a falta ou insuficiência de fundamentação do ato, que constitui vício de forma, gerador de anulabilidade, coisa distinta será a discordância da fundamentação apresentada, sendo certo que essa discordância não consubstancia, contrariamente ao pretendido, falta de fundamentação.
F. Por despacho de 31-10-2013, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, tendo em consideração o valor dos autos de € 1.510.944,53, nos termos da Lei n.º 59/2011, de 28 de novembro, bem como da Deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 4 de dezembro de 2012, remeteu os mesmos à Equipa Extraordinária de Juízes, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que por despacho de 18-12-2014 dispensou a inquirição das testemunhas arroladas e em 24-04-2015 proferiu Sentença, que julgou improcedente a presente oposição, na sequência de recurso interposto pelo Oponente o Tribunal Central Administrativo Norte decidiu anular a Sentença recorrida e determinar a baixa dos autos à 1ª instância, remetidos os autos ao TAF de Braga foi efetuada inquirição de testemunhas e proferida a Sentença de que se recorre.
G. A douta sentença considerou no ponto III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: “Factos Provados”, como provados os factos referidos em L), M), N), O), P) e Q) que não estão devidamente fundamentados, não resultam da prova produzida nos autos, resultam apenas e só das declarações de parte do Oponente, as quais não podem ser valoradas como qualquer outra prova e muito menos contrariar prova documental não impugnada pelo Oponente.
H. Consta da página 6 da Sentença de que agora se recorre, sob a epígrafe “III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:” “Factos Provados” que: (…)
“L) O Oponente aceitou constar como gerente da sociedade a pedido de «BB», que pretendia viabilizar a constituição da mesma e estava impedido de o fazer por motivos pessoais;
M) O Oponente, que se encontrava desempregado e a ultrapassar um momento de dificuldades económicas, aceitou constar como gerente da sociedade porque «BB» lhe prometeu, em troca, o pagamento de uma quantia pecuniária;
N) «BB» preparou todo o processo de constituição da sociedade devedora e efectuou o depósito da quantia de € 5.000,00, a título de capital social;
O) O Oponente não fez quaisquer compras ou vendas, em nome da sociedade executada;
P) Não recebeu dinheiro de clientes nem pagou a fornecedores;
Q) Não assumiu funções directivas ou de representação da sociedade.”
I. Ressalvando, sempre, o devido respeito por opinião diversa, entende a RFP que os factos considerados provados na Sentença, de que agora se recorre, transcritos supra, não decorrem dos elementos de prova apresentados, aliás a própria Sentença referindo que aqueles resultam da prova testemunhal não fundamenta a sua consideração, já que eles resultam exclusivamente das declarações de parte do Oponente e declarações de parte e prova testemunhal não se confundem.
J. Refira-se desde já que a Sentença, de que se recorre, não refere a valoração que atribuí às declarações de parte do Oponente, recorrendo a elas para considerar provado factos parecendo mesmo que as valora da mesma forma que os restantes testemunhos, entende esta RFP, que tal não se aceita pela própria natureza das declarações de parte, veja-se neste sentido, o teor do acórdão da Relação do Porto datado de 2014/11/20, proferido no âmbito do processo 1878/11.8TBPFR.P2, onde se pode ler que “as declarações de parte (art. 466 do CPC) ou o depoimento de um interessado na procedência da causa não podem valer como prova de factos favoráveis a essa procedência se não tiverem o mínimo de corroboração por um qualquer outro elemento de prova”, o que se verifica nos autos em análise.
K. Além de que, os factos referidos supra e dados como provados pelo Tribunal são contrariados por prova documental, principalmente o indicado em “Q” pelo que, se não podem as declarações de parte, só por si, provar factos sem que aqueles tenham o mínimo de corroboração com qualquer outro elemento de prova, não podem certamente afastar prova documental não impugnada pelo Oponente, conforme aliás, bem refere o Magistrado do Ministério Publico junto do TAF de Braga no seu parecer nos presentes autos.
L. Assim errou a Sentença ao considerar provados aqueles factos.
M. Entende ainda a RFP que o Tribunal não valorou prova documental junta aos autos, que se mostra imprescindível para efeitos de prova, devendo ter considerado provados factos que não considerou.
N. Deveria encontrar-se no âmbito dos factos provados, no sentido de demonstrar a existência de atividade pela devedora originária, o seguinte facto:
Na sequência de acção inspectiva levada a efeito à primitiva devedora, apurou-se que: [imagem no original que aqui se tem por reproduzida] (Conforme folhas 92/107 dos autos que aqui se dão por integralmente reproduzidas).
O. Uma vez que, consta dos autos um documento designado “...X...” que se trata de um fornecedor da devedora originária (identificado no quadro anteriormente reproduzido) o qual está devidamente assinado pelo Oponente em representação da devedora originária e instruído com cópia do seu documento de identificação, deveria constar dos factos provados, o seguinte facto:
Resultou da ação inspetiva e constam dos autos a existência de termos e condições de contratos com fornecedores com carimbo da primitiva devedora e assinados pelo Oponente.” (Conforme Relatório inspectivo e fls. 112/117 dos autos)
P. Uma vez que, foi apurado na ação inspetiva e consta dos autos documentos que comprovam que pagamentos a fornecedores foram efetuados através das contas da devedora originária, abertas pelo Oponente, e, segundo aquele documento “Criação” e Autorização” também efetuada pelo Oponente, deveria constar dos factos provados, o seguinte facto:
“Os pagamentos a fornecedores foram efetuados através de contas da primitiva devedora nas instituições bancárias “Banco 1... e Banco 2...” abertas pelo Oponente e movimentadas em nome daquele.” (Conforme Relatório inspectivo e fls. 112/117 dos autos)
Q. Refere a sentença [página 10] que atenta a estrutura delineada na petição inicial, começará por conhecer a questão da ilegitimidade do Oponente (…). E, depois de uma referência à legislação aplicável refere na página 13:
“Cotejada a fundamentação do despacho de reversão não se extrai qualquer facto que revele, no caso concreto, o exercício da gerência de facto. Acresce que da consulta, de princípio ao fim, do processo de execução fiscal também não resulta qualquer documento que tenha como objectivo a demonstração de tal pressuposto. A isto não obsta o teor da informação prestada pela Administração Tributária nos termos do artigo 208.º, nº 1, do CPPT, o teor da contestação apresentada, nem os elementos probatórios juntos a estes autos. No sentido da inadmissibilidade da consideração de fundamentos de facto e de direito que não tenham sido oportunamente invocados no despacho de reversão, entendimento que se perfilha, vide o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Abril de 2009, (…)”
R. Ora, incorreu em erro a Sentença aqui em análise ao proferir tal afirmação, ainda que supostamente não se fosse referir a questões de fundamentação do despacho de reversão que é o que aqui faz, mas ainda assim, errou na afirmação que profere, uma vez que, resulta claramente do despacho de reversão a alegação de que o Oponente exerceu as funções de gerente da devedora originária, nada obstando a que os elementos que o comprovem sejam juntos aos autos em processo judicial, como foram, sendo o que resulta da jurisprudência conforme, a título exemplificativo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) no processo n.º 0580/12 de 31-10-2012 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN) no processo 0445/12.3BEVIS de 16-03-2017 e no processo n.º 0450/12.0BEVIS de 30- 03-2017, entre outros.
S. Refere a Sentença a páginas 14 que:
“Ainda que não se perfilhasse tal entendimento, sempre resultaria demonstrado nos autos que a nomeação do Oponente como único gerente da sociedade executada [cfr. alínea B) dos factos provados], não foi acompanhada da direcção de facto da sociedade.”, ora, a afirmação transcrita apresenta-se como um contrassenso, ainda que não resultasse dos autos, como resulta, que o Oponente praticou todos os atos que permitiram à sociedade funcionar, como constituí-la, abrir contas, assinar faturas e formulários de fornecedores sem os quais não se operavam as importações/aquisições intracomunitárias referidas, também, resulta claramente da jurisprudência, por exemplo do Acórdão do TCA Sul de 09.03.2010 no processo n.º 02486/08 que: “tal efetivo exercício da gerência pode, pelo juiz, ser inferido do conjunto da prova produzida e/ou omitida, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc., (…) Colhido o facto de que a sociedade devedora se obrigava com e pela assinatura de um gerente, na medida em que, após 21.3.2000, o oponente passou a ser o único gerente designado, pelo funcionamento das regas da experiência, nos termos apontados, é forçoso concluir que este tinha de exercer de facto, com efetividade, a gerência, porquanto a sociedade continuou em funcionamento e o exercício da sua atividade impunha, necessária e obrigatoriamente, a intervenção daquele, seu exclusivo responsável pela gestão diária”.
T. Posteriormente a douta Sentença [páginas 14 e 15], fundando-se nos factos dados como provados em L), M), N), O), P) e Q) efetua uma série de afirmações em total desconsideração da prova documental junta aos autos, retirando-lhe os efeitos que aquela produz e atribuindo às declarações de parte do Oponente efeitos provatórios que aquela não pode ter, conforme já se referiu, ao considerar como provados os factos L), M), N), O), P) e Q) incorreu a Sentença em erro de julgamento de facto pois não resultam de nenhuma prova junta aos autos, documental ou testemunhal, resultando apenas e só das declarações de parte do Oponente que não é testemunha, além de que contrariam prova documental junta aos autos e cuja veracidade não foi nunca colocada em causa, no entanto é com base naqueles factos que a Sentença concluí: “(…) conclui-se que o probatório comporta um conjunto de elementos, que permitem apreender: por um lado, a função meramente utilitária do Oponente na prática de actos em representação da sociedade devedora (promovida, conscientemente, por um terceiro, num momento em que o Oponente atravessa dificuldades económicas); por outro lado, a ausência de envolvimento do Oponente na direcção da sociedade.”
U. Ora, desconhecemos a que se refere a “função meramente utilitária do Oponente na prática de atos em representação da devedora originária” que não sejam outras palavras para dizer exatamente aquilo que a função do Oponente foi, ou seja, a de gerente da sociedade, foi com a assinatura do Oponente que a sociedade se constituiu, iniciou atividade, abriu contas no banco que lhe permitiu pagamentos, validou faturas e formulários que permitiram à sociedade a operacionalização das aquisições intracomunitárias de valores avultados e que constituíram a sua atividade, aquele não prova, tão pouco alega, que não praticou aqueles atos, que não assinou aqueles documentos, que eles são falsos ou que não tinha consciência do que estava a assinar.
V. Foi a assinatura do Oponente que representou a sociedade junto do Registo Comercial, junto da Autoridade Tributária, junto de Bancos e junto de fornecedores, conforme todos os documentos juntos aos autos, mas, entendeu o Tribunal que aquela forma de atuação do Oponente que permitiu a operacionalização da empresa e a sua representação com todos aqueles terceiros é uma “função meramente utilitária” e não o exercício da gerência de facto, julgando assim pela ilegitimidade do Oponente, ora, aquilo que resulta dos autos, salvo o devido respeito por opinião diversa, é que ficou demonstrado o exercício da gerência de direito e de facto pelo Oponente, pelo que, não tendo aquele afastado a presunção de culpa (aliás que sequer alegou) nos termos que o artigo 24º n.º 1, alínea b) da LGT, deve improceder a presente oposição, pelo que se encontra em erro a Sentença de que se recorre.
W. Neste mesmo sentido foram proferidos o Parecer do Ministério Publico junto do TAF de Braga e a Sentença do TAF do Porto, nos presentes autos, cujas palavras apropriamos: “(…) Ou seja, para que se verifique a responsabilidade a que alude aquele preceito legal tem a doutrina e a jurisprudência defendido que se torna necessário como pressuposto da responsabilidade, a existência de uma nomeação para qualquer um dos órgãos representativos da sociedade e o exercício efectivo desse cargo societário de representação da sociedade. ---
Como se conclui da inclusão naquela disposição das expressões «exerçam, ainda que somente de facto, funções» e «período de exercício do seu cargo», não basta para responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções, ponto este que é pacífico, a nível da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (neste sentido cf. Ac. do STA nº 0709/08 de 11-03- 2009). ---
Incumbe à Fazenda Pública, como titular do direito de reversão da executada contra o responsável subsidiário fazer a prova da gerência de facto e de direito deste. ---
Resulta daqui que a responsabilidade subsidiária assenta numa presunção de culpa funcional relacionada com o exercício efectivo das funções por parte do gerente pelo que não basta a mera qualidade jurídica de gerente ou administrador. ---
Sucede que, resulta da factualidade apurada que o oponente era o sócio único com a qualidade de gerente da primitiva devedora (trata-se de uma sociedade unipessoal), sendo com a assinatura dele que a mesma se obrigava. ---
Por outra banda, resulta claro que o oponente constituiu uma sociedade da qual era o único sócio e gerente no período a que as dívidas se reportam, uma vez que nada ficou provado no sentido de existirem outras pessoas que exercessem aquela função. ---
Acresce que estão juntos aos autos vários documentos assinados pelo próprio oponente na qualidade gerente da primitiva devedora. ---
De facto, o oponente constitui uma sociedade unipessoal figurando como único sócio e gerente, apresentou a declaração de início de actividade onde reafirmou a sua gerência, no exercício dessa sua actividade abriu conta bancária e assumiu-se, uma vez mais, como gerente, assinou facturas “pró-forma” com carimbo da sociedade. ---
Assim, encontra-se devidamente documentada a actuação como gerente de facto e de direito do oponente. ---
Destarte, toda a responsabilidade da sociedade há-de recair sobre o oponente, sendo seu o ónus de provar que não lhe é imputável a falta de pagamento do imposto (art. 24º, nº 1 alínea b) da LGT). ---
E, pese embora o oponente alegue que constituiu a sociedade por especial favor com terceiro, que se encontrava em situação difícil e a quem não interessava constituir a sociedade, ou à data ser sócio, o certo é que tal factualidade não resultou provada. Mas, ainda que resultasse provada, o facto de o oponente confessadamente agir da forma referida não lhe retira a culpa, cuja prova da inexistência sempre seria sua nos termos do disposto no art. 24º, nº 1 alínea b) da LGT e que como vimos não demonstrou. ---
Resuma do que vem dito que a presente oposição está votada ao insucesso. ---"
Nestes termos e nos demais de Direito:
1) Deve ser dado provimento ao presente recurso por erro de julgamento, revogando-se a douta sentença recorrida.
2) A Fazenda Pública requer, muito respeitosamente a V. Exas., ponderada a verificação dos seus pressupostos, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça prevista no n.º 7 do art.º 6º do RCP.”
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O Recorrido contra-alegou, tendo concluído da seguinte forma:
1 – “A Recorrente entende que existe falta de fundamentação de facto, quantos aos factos dados como provados a que correspondem as letras L); M); N), 0); P) e Q).
2 [Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]- A Recorrente entende que as declarações prestadas pelo ora Recorrido, enquanto oponente não podem ser suficientes para dar os factos como provados, uma vez que, devem ser valoradas dando a devida relevância ao interesse que lhe está inerente como parte.
3 - As declarações do oponente, foram totalmente corroboradas de forma clara, isenta e objetiva pela Testemunha «CC», bem como pela prova documental junta aos autos, pelo que, outra valoração não lhe podia ter sido dada pelo douto Tribunal.
4 - O despacho de reversão diz unicamente o seguinte: "inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício de excussão prévia art. 230/n 0 2 da LGT): Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, as funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (art.240/n.º 1/b) LGT."
5 - O despacho de reversão refere a qualidade de gerente do ora oponente e inexistência de bens, bem como o preceito legal em que se pretende fundamentar a responsabilidade subsidiária, mas nada é dito quanto à existência de culpa pela inexistência/insuficiência de património social.
6 - Pelo que é claro e evidente, salvo devido respeito por opinião contrária, de que deve concluir-se pela falta de fundamentação do despacho de reversão da execução fiscal contra o oponente, uma vez que não faz qualquer referência a um dos pressupostos da responsabilidade subsidiária (culpa pela insuficiência de património), o que bem entendeu o douto Tribunal nesse sentido.
7 - O direito à fundamentação, relativamente aos atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos, tem hoje consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados na CRP (artigo 2680), encontrando-se tal princípio constitucional densificado, desde logo, nos artigos 124 0 e 125.º do CPA e nos artigos 77.º n.º 1 e 2 e 23.º n.º 4 da LGT.
8 - Esse direito à fundamentação e correlativo dever de fundamentação mostram bem que a fundamentação tem a par de uma função exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do ato ou pela sua impugnação - uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, isenta e séria.
9 - A jurisprudência e a doutrina têm vindo a afirmar reiteradamente que a fundamentação dos atos administrativos há-de ser contextual, integrada no próprio ato, expressa, acessível (através da exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente.
10 - Com a fundamentação do presente despacho de reversão, a Administração Tributária, salvo melhor e douta opinião, não esclareceu suficientemente as razões de facto que levaram à reversão da execução contra o oponente.
11 - E como bem entendeu o douto Tribunal, não "se compreenderia que mais tarde viesse, como que dar uma ajuda à Administração Tributária, dando expressão a um fundamento "ex novo" que legitimasse a decisão de reversão, por via desta surpreendendo o revertido, já que até ser proferia sentença jamais teria possibilidade de se pronunciar sobre esses novos factos e fundamentos”.
12 - Contrariamente à posição aqui assumida pela Recorrente, o Recorrido afastou a presunção de culpa.
13 - O Recorrido aceitou constar como gerente da sociedade a pedido de «BB», que pretendia viabilizar a constituição da mesma e estava impedido de o fazer por motivos pessoais, mais ficou provado que o fez por estar a ultrapassar dificuldades financeiras, mais se provou que este não levou a efeito quaisquer atos que possam ser tidos como uma verdadeira gerência de facto.
14 - Pelo que, salvo melhor e douta opinião, não deve a presente decisão ser revogada como pretende a Recorrente, mas sim ser confirmada por esse venerando Tribunal.
15 - O presente recurso carece de qualquer suporte legal, salvo melhor e douta opinião.
16 - Em consequência, deve ser negado provimento ao Recurso interposto pela Recorrente.
Assim se fará a sempre sã e inteira justiça!”
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e julgada a oposição improcedente.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, ao considerar que o despacho de reversão não está fundamentado e que não estão reunidos os pressupostos para operar a reversão, nomeadamente, a verificação da gerência de facto.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Factos provados:
Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
A) Na execução fiscal n.º ...............085 e apensos, a correr termos no Serviço de Finanças ..., em que é devedora originária “[SCom01...] Unipessoal, Lda”, NIPC ...65, visa-se a cobrança coerciva de dívidas provenientes de IVA, respeitantes ao ano de 2011, no montante global de € 1.510.944,53 e acrescidos – cf. Processo de Execução Fiscal (PEF), apensado a estes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
B) A 18.03.2011, «AA», ora Oponente, foi nomeado único gerente da sociedade executada – cf. documento a fls. 41 dos autos;
C) A 22/03/2011, foi apresentada, no Serviço de Finanças ..., “Declaração de inscrição no Registo/Início de Actividade” relativa à sociedade executada, que se encontra assinada pelo Oponente, na qualidade de gerente – cfr. documento a fls. 88 a 91 dos autos;
D) A 22/03/2011, foi celebrado entre a sociedade executada e o Banco 2..., “Contrato de Abertura de Conta Empresa”, encontrando-se o mesmo, bem como os restantes documentos atinentes ao processo de abertura de conta, assinados pelo Oponente, na qualidade de gerente – cfr. documentos a fls. 129 a 143 dos autos;
E) A 25.01.2012, «DD», na qualidade de representante do Oponente, prestou, a «EE», em serviço na Direcção de Finanças ... – Serviços de Inspecção Tributária, as seguintes declarações:
“ (…). Fui abordado por um suposto sobrinho do Sr. «AA», habitual cliente do restaurante onde trabalho para ajudá-lo a tirar o nº de contribuinte, no sentido de este arrendar um apartamento em Valença. Fui representar o Sr. «AA» junto das finanças e depois nunca mais tive contacto nem com o Sr. «AA» nem com o suposto sobrinho. Representei o Sr. «AA» de boa fé uma vez que, como vivi muitos anos no Brasil, também tive um representante em Portugal e não vi mal nenhum em representá-lo. (…)”- cf. documento a fls. 108 dos autos;
F) A 25/01/2012, «CC» prestou, a «EE», em serviço na Direcção de Finanças ... – Serviços de Inspecção Tributária, as seguintes declarações:
“(…). Tratei do processo de constituição da empresa. O Sr. «AA», acompanhado de outra pessoa, compareceu no nosso escritório a fim de ser esclarecido sobre a constituição de uma sociedade comercial por quotas. A mesma foi constituída através da escritura celebrada no dia 18/03/2011 no Cartório Notarial ..., em Valença. O gerente manifestou interesse em, possivelmente, importar bebidas alcoólicas tendo sido acompanhado a Alfândega ... a fim de colher esclarecimentos para poder trabalhar dentro da legalidade atendendo ao tipo de actividade em causa. Depois disso, o processo ficou parado, a aguardar decisões do gerente e, a partir daí, o gerente nunca mais compareceu no nosso escritório nem tem estado contactável para resolver os problemas de ordem contabilística. (…)” – cf. documento a fls. 110 dos autos;
G) Na sequência da acção inspectiva levada a efeito à contabilidade da sociedade executada, apurou-se a existência de facturas “pro-forma” com carimbos da sociedade e assinadas pelo Oponente – cfr. documentos a fls. 112 a 117 dos autos;
H) A 15/07/2013, foi elaborado projecto de decisão relativo à reversão da execução fiscal aludida no ponto anterior contra o Oponente – cfr. fls. 24 do PEF;
I) Por ofício datado de 15.07.2013, o Oponente foi notificado para exercer o direito de audição prévia – cfr. fls. 25 do PEF;
J) A 16.08.2013, foi elaborado, pelo Serviço de Finanças ..., despacho de reversão, do qual consta, em suma, o seguinte:
“(…). FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º/nº 1/b) LGT].
IDENTIFICAÇÃO DA DÍVIDA EM COBRANÇA COERCIVA
N.º PROCESSO PRINCIPAL: .......................085
TOTAL DA QUANTIA EXEQUENDA: 1.510.944,53 EUR1)
TOTAL DE ACRESCIDOS: 0,00 EUR TOTAL: 1.510.944,53 EUR
* Conforme anexo.
1) Este valor não é definitivo, na medida em que os juros de mora continuam a vencer-se por cada mês de calendário ou fracção e as custas são liquidadas em função da fase processual. Sobre as coimas e multas não incidem juros de mora. (…).” – cf. documento a fls. 27 dos autos;
K) Através do ofício n.º ...32, expedido através de carta sob o registo “RM .........28 9 PT”, foi o Oponente, em 16/09/2013, citado para a execução, na qualidade de responsável subsidiário – cfr. documentos a fls. 29 a 31 dos autos;
L) O Oponente aceitou constar como gerente da sociedade a pedido de «BB», que pretendia viabilizar a constituição da mesma e estava impedido de o fazer por motivos pessoais;
M) O Oponente, que se encontrava desempregado e a ultrapassar um momento de dificuldades económicas, aceitou constar como gerente da sociedade porque «BB» lhe prometeu, em troca, o pagamento de uma quantia pecuniária;
N) «BB» preparou todo o processo de constituição da sociedade devedora e efectuou o depósito da quantia de € 5.000,00, a título de capital social;
O) O Oponente não fez quaisquer compras ou vendas, em nome da sociedade executada; P) Não recebeu dinheiro de clientes nem pagou a fornecedores;
Q) Não assumiu funções directivas ou de representação da sociedade.
*
Factos não provados:
Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.
*
Motivação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo, referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais não foram impugnados e que, dada a sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal.
A convicção do Tribunal estribou-se, ainda, no que concerne aos factos constantes nas alíneas L), M), N), O), P) e Q) do probatório assente, na apreciação crítica e conjugada, à luz das regras da experiência, do depoimento da testemunha «CC» (na altura dos factos, contabilista) e das declarações de parte do Oponente.
A testemunha «CC» e o Oponente apresentaram, no geral, um discurso fluido, circunstanciado e objectivo, merecendo, por isso, credibilidade, razão pela qual foi valorizada, nos termos em que foi fixada a matéria de facto supra, a versão dos acontecimentos que carrearam para estes autos.
Dos seus depoimentos extrai-se que o Oponente não teve qualquer intervenção no destino da sociedade executada, não tendo praticado quaisquer actos necessários à prossecução do seu fim.
A sua entrada para a administração da sociedade surgiu na sequência de um pacto celebrado com «BB», que sempre esteve à frente dos destinos da empresa, o qual não podia constar como gerente, por força de problemas pessoais. Acresce que, no momento em que tal pacto foi celebrado, o Oponente atravessava um período difícil, do ponto de vista financeiro (por se encontrar, há cerca de três anos desempregado), tendo sido aliciado pela promessa de obter um trabalho.
Vejamos pormenorizadamente.
A testemunha «CC» contou ao Tribunal que conheceu o Oponente no dia em que ele apareceu no seu escritório de contabilidade. Referiu que o Oponente ia acompanhado de um outro indivíduo, de apelido «BB», que já tinha passado, várias vezes, no seu escritório, para conversar sobre a constituição de uma sociedade em Portugal.
Referiu que sempre partiu do princípio de que a sociedade “seria para o Senhor «BB»” e que só ficou a saber que assim não seria no momento da celebração da escritura, quando ele lhe contou que não ia ser ele o promotor da empresa mas, antes, o seria o seu amigo (ora, Oponente), que ali também se encontrava. Realçou, de forma contundente, que quando foi celebrar a escritura ficou bastante surpreendido, pois sempre pensou que fosse o Senhor «BB» o dono da empresa.
Disse que, após a celebração da escritura, nunca mais teve contacto nem com o Oponente nem com o Senhor «BB» e que nunca mais tinha aparecido ninguém no escritório.
Explicou que o Oponente só apareceu no escritório de contabilidade “quando começaram a chegar as notificações do Fisco”. Segundo a testemunha, o Oponente, nessa altura, contou-lhe que era uma pessoa inocente, que não sabia o que se estava a passar e que havia um esquema com outras sociedades montadas em Espanha, em que determinados indivíduos arranjavam “cabeças de turco” para encabeçar várias sociedades.
Confrontado com o auto de declarações, junto aos autos a fls. 110 e 11, disse reconhecer o mesmo e ter prestado as declarações aí constantes. Esclareceu que o gerente a que se refere nas suas declarações seria o Oponente, mas que todos os contactos foram feitos com o Senhor «BB», e não com o Oponente, que só apareceu no dia em que foi assinada a escritura.
Posteriormente foi ouvido, por determinação oficiosa do Tribunal, o Oponente. A tomada das suas declarações foi crucial na recolha da factualidade aqui em causa: por um lado, atenta a credibilidade e clareza das mesmas e por outro lado, atenta a participação directa do Oponente nos acontecimentos narrados. Realça-se que, não obstante o Oponente ser parte nos presentes autos, as suas declarações foram espontâneas, claras e objectivas, razão pela qual mereceram igualmente a credibilidade do tribunal.
O Oponente começou por explicar ao Tribunal que conheceu «BB» numa taberna em Vigo, no ano 2010. Contou que «BB» se dedicava aos negócios e que, por isso, lhe pediu trabalho, uma vez que se encontrava, desde 2008, desempregado.
Referiu que, um dia, «BB» lhe disse que tinha um trabalho para lhe oferecer. «BB» propôs, então, ao Oponente, a constituição de uma sociedade, em Portugal, de importação de produtos tecnológicos para computadores. O Oponente referiu que lhe disse que não tinha recursos económicos para isso ao que «BB» respondeu que os mesmos não seriam necessários. Segundo o Oponente, «BB» contou-lhe que era um empresário com muitas empresas e que não lhe convinha ter mais uma em seu nome, razão pela qual necessitava da sua colaboração.
Disse que, praticamente nessa mesma semana, «BB» o trouxe a Portugal para constituir a sociedade. Referiu que o processo de constituição da mesma já estava preparado e que «BB» revelava já conhecer o Senhor «CC». O Oponente disse que foi «BB» quem depositou a quantia de € 5.000, 00, a título de capital social da empresa.
Segundo o Oponente, a sua ligação com a empresa ocorreu, apenas, no momento em que foi celebrada a escritura de constituição da sociedade, tendo sido o Senhor «BB» quem tratou de tudo.
O Oponente referiu que a partir desse momento não teve ligação com a sociedade, não tendo efectuado compras nem vendas, em seu nome. Contou que abriu duas contas (uma no Banco 1... e outra no Banco 2...), em representação da sociedade, mas que não era ele quem as geria.
O Oponente disse, ainda, que o Senhor «BB» lhe prometeu pagar uma quantia por figurar como gerente da sociedade a constituir, o que o levou a aceitar o pacto, atentas as dificuldades económicas que vivia, por se encontrar, à data, desempregado. O Oponente referiu, de forma expressiva, a este respeito, que se deixou “levar pelas dificuldades”.

2. O Direito

Anteriormente, por acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 12/11/2015, onde intervieram a aqui relatora, na qualidade de primeira adjunta, e a Meritíssima Juíza Desembargadora aqui segunda adjunta, nessa mesma qualidade, foi deliberado anular sentença proferida nestes autos, em 24/04/2015, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (Equipa Extraordinária – Lei n.º 59/2011, de 28 de Novembro), uma vez que, embora o tribunal recorrido tenha concluído pela fundamentação do despacho de reversão, certo é que não constava qualquer elemento atinente a esse despacho de reversão no probatório, tendo-se considerado insuficiente a transcrição realizada da nota de citação, tanto mais que, apenas com esse elemento, ficava o revertido sem saber a que período se reporta a dívida em causa, quando se venceu, de forma a sindicar se a dívida se venceu, ou não, no período do exercício do seu cargo. Acrescendo não ter sido localizado nos autos o próprio despacho de reversão, pelo que este tribunal determinou a remessa do processo à primeira instância, para que providenciasse pela junção ao mesmo dos elementos atinentes à reversão da execução, incluindo o próprio despacho de reversão e, após, fosse proferida nova sentença, da qual constasse a fixação da matéria de facto necessária à respectiva decisão de mérito.
Remetidos os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, foi apensa aos autos cópia certificada dos elementos integrantes do processo de execução fiscal em falta, efectuada inquirição de testemunhas e proferida a sentença agora recorrida.
Apesar de o tribunal recorrido afirmar expressamente que começará por conhecer a questão da ilegitimidade do Oponente e, no caso de entender que a mesma não se verifica, conhecerá a questão de saber se o despacho de reversão padece do vício de forma, por falta de fundamentação, a verdade é que, como salienta a Recorrente, não deixou de julgar o seguinte:
“(…) No caso sub judice, conforme se extrai do elenco dos factos provados, nomeadamente da alínea J), foi determinada a reversão contra a Oponente, constando dos fundamentos da reversão a referência ao artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT. Cotejada a fundamentação do despacho de reversão não se extrai qualquer facto que revele, no caso concreto, o exercício da gerência de facto. Acresce que da consulta, de princípio ao fim, do processo de execução fiscal também não resulta qualquer documento que tenha como objectivo a demonstração de tal pressuposto.
A isto não obsta o teor da informação prestada pela Administração Tributária nos termos do artigo 208.º, nº 1, do CPPT, o teor da contestação apresentada, nem os elementos probatórios juntos a estes autos. No sentido da inadmissibilidade da consideração de fundamentos de facto e de direito que não tenham sido oportunamente invocados no despacho de reversão, entendimento que se perfilha, vide o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Abril de 2009, no qual pode ler-se: «[…] o despacho de reversão, proferido pelo órgão da administração tributária que dirige a fase administrativa do processo de execução fiscal, consubstancia uma mera alteração subjectiva da instância executiva e daí que deva conter os requisitos de uma petição em ordem àquela alteração, ou seja, deve enunciar os pressupostos fácticos e de direito previstos nos artigos 23.º da LGT e 153.º do CPPT. Em consequência, a AF só pode socorrer-se dos factos que aí são alegados. Ora, sendo assim, como é, numa fase pré-jurisdicionalizada do processo executivo, não se compreenderia que mais tarde o tribunal viesse, como que dar uma ajuda à Administração Tributária, dando expressão a um fundamento “ex novo” que legitimasse a decisão de reversão, por essa via surpreendendo o revertido, já que até ser proferida a sentença jamais tivera possibilidade de se pronunciar sobre esses novos factos e fundamentos» - acórdão proferido no processo com o n.º 1130/08, disponível em www.dgsi.pt.
Ainda que não se perfilhasse tal entendimento, sempre resultaria demonstrado nos autos que a nomeação do Oponente como único gerente da sociedade executada [cfr. alínea B) dos factos provados], não foi acompanhada da direcção de facto da sociedade. (…)”
Verifica-se, portanto, que o tribunal recorrido encontrou deficiência/insuficiência na fundamentação do despacho de reversão e, mesmo que assim não fosse, considerou o Oponente parte ilegítima na execução, por não ter ficado demonstrada a sua gerência de facto na devedora originária; isto é, julgou a oposição procedente, indicando estes dois motivos para tanto.
A Recorrente sustenta, desde logo, ter a sentença recorrida incorrido em erro ao proferir tal afirmação, referente ao despacho de reversão, ainda que supostamente não se fosse referir a questões de fundamentação do despacho de reversão que é o que aqui faz, mas ainda assim, errou na afirmação que profere, uma vez que, resulta claramente do despacho de reversão a alegação de que o Oponente exerceu as funções de gerente da devedora originária, nada obstando a que os elementos que o comprovem sejam juntos aos autos em processo judicial, como foram, sendo o que resulta da jurisprudência conforme, a título exemplificativo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) no processo n.º 0580/12 de 31-10-2012 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN) no processo 0445/12.3BEVIS de 16-03-2017 e no processo n.º 0450/12.0BEVIS de 30- 03-2017, entre outros – cfr. conclusão R) das alegações do recurso.
Consideramos esta questão basilar, dado ser nessa decisão de reversão que culmina todo o procedimento de reversão, aí se colhendo os fundamentos indicados pela AT para decidir reverter a execução fiscal contra o Recorrido. Na medida em que a legalidade do acto de reversão é apreciada tendo por base a motivação ínsita no mesmo, bem como as informações que o precederam e sustentaram, importou carrear os fundamentos do despacho de reversão, plasmando-os na decisão da matéria de facto – cfr. os pontos H), I), J), K) do probatório, conforme determinado no acórdão prolatado nestes autos por este tribunal superior em 12/11/2015.
Vejamos.
In casu, a dívida revertida respeita a IVA de 2011.
O dever de fundamentação do despacho de reversão insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.”
No que tange aos actos tributários, o dever de fundamentação encontra-se especificamente previsto no artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:
“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, para que o respectivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do acto em causa.
Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, assim, o desiderato constitucionalmente consagrado. De igual forma, se a fundamentação não tiver estas características, existe uma impossibilidade de o tribunal sindicar se estão presentes os requisitos para que possa operar a reversão da execução fiscal.
Sobre o alcance do dever de fundamentação do despacho de reversão, é de chamar à colação o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, prolatado em 16/10/2013, no âmbito do processo n.º 0458/13, onde se refere:
“(…) [E]nquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (…)
Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).
Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).
Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido (…)” (cfr., igualmente, os Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 31/10/2012, processo n.º 580/12 e de 23/01/2013, processo n.º 953/12, mais recentemente, vide o Acórdão do STA, de 27/11/2019, proferido no âmbito do processo n.º 02001/16.8BEPRT 0552/18).
Para aferir do cumprimento do dever de fundamentação do despacho de reversão por parte do órgão de execução fiscal, cumpre atentar na disciplina aplicável in casu no que ao regime jurídico da reversão respeita.
Assim, desde logo, há que considerar o disposto no artigo 23.º da LGT, decorrendo do seu n.º 1 que é através da reversão que se efectiva a responsabilidade tributária subsidiária.
Resulta deste mesmo artigo 23.º que a reversão depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor originário (n.º 2), sendo a este propósito de ter em consideração o disposto no n.º 2 do artigo 153.º do CPPT.
Nos termos do n.º 4 do mesmo artigo 23.º da LGT, a reversão é precedida de audição do responsável subsidiário e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.
Somos ainda remetidos para o artigo 24.º, n.º 1, da LGT, nos termos do qual:
“1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.
Este artigo 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão de facto é suficiente para accionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito.
O artigo 24.º da LGT demarca duas situações, nas duas alíneas do seu n.º 1.
A primeira, correspondente à sua alínea a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efectiva - culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à AT alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.
A segunda, constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. A presunção constante da referida alínea b) do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, deriva da consagração do dever de boa prática tributária, constante do artigo 32.º da LGT, que prevê “(...) um especial dever de diligência no cumprimento dos deveres tributários [das pessoas colectivas] (...) - dever de diligência que se presume violado caso tais deveres tributários não sejam cumpridos” – cfr. Isabel Marques da Silva, «A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais», Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, p. 132. Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir.
Feito este enquadramento legal (cfr. Acórdão do TCA Sul, de 29/04/2021, proferido no âmbito do processo n.º 723/10.6BELLE), resulta que, do ponto de vista do cumprimento de dever de fundamentação formal do despacho de reversão, é exigido ao órgão de execução fiscal que:
a) Indique as normas legais que determinam a imputação da responsabilidade;
b) Mencione o preenchimento dos pressupostos da reversão, a saber:
b.1) Inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis da devedora originária (n.º 2 do artigo 23.º da LGT e n.º 2 do artigo 153.º do CPPT);
b.2) O exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes, dependendo do enquadramento da situação na alínea a) ou na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT;
c) Mencione a sua extensão temporal.

In casu, consta do processo de execução fiscal apenso nos autos toda a sua tramitação e preparação para a reversão no âmbito do respectivo procedimento, não se vislumbrando que tivessem sido realizadas quaisquer diligências prévias ao projecto de reversão ou ao próprio acto de reversão, pelo menos não consta qualquer registo das mesmas.
Portanto, sem que haja notícia de quaisquer averiguações, foi chamado à execução este contribuinte, tendo sido notificado para exercer por escrito o seu direito de audição prévia, nos termos do n.º 4 do artigo 23.º da LGT, em conjugação com o artigo 60.º do mesmo diploma, não constando que o tenha realizado. Note-se que do teor do modelo de notificação para audição prévia à reversão apenas se mostram transcritos dois normativos para sustentar o projecto de reversão: o artigo 23.º, n.º 2 da LGT (sem sequer se optar pela inexistência ou pela insuficiência de bens) e o artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT.
Portanto, como não se remete para diligências precedentes, desconhece-se a motivação do órgão de execução fiscal para chamar o Recorrido à execução fiscal na qualidade de responsável subsidiário.
Na sequência desta notificação, sem pronúncia pelo Recorrido, foi emitido o acto de reversão propriamente dito, reproduzido no ponto J) do probatório.
Compulsando o teor do despacho de reversão, verificamos não ter em conta quaisquer diligências precedentes, limitando-se a reproduzir a norma do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT e a identificar a dívida em cobrança coerciva, por referência ao elenco que consta em anexo.
Resulta inequivocamente do normativo legal referido que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente/administrador e reportada ao período do respectivo exercício. Ou seja, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.
Desde logo ressalta que o pressuposto de reversão relativo à gerência efectiva não se mostrava vertido no despacho de reversão.
Como vimos supra, é essencial definir se os gerentes exerceram efectivamente funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária, pois, caso contrário, aplicar-se-á o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea a) da LGT [e não a alínea b)], com substanciais diferenças no ónus da prova da culpa, como referimos anteriormente.
Com efeito, consta uma referência temporal à responsabilidade subsidiária - reportando-se a dívidas de IVA de vários períodos de 2011. Contudo, nenhuma menção é efectuada quanto ao exercício efectivo da gerência, nem a relacionando com a sua extensão temporal, desconhecendo-se se o prazo legal de pagamento das dívidas em questão terminou no período de exercício da sua gerência ou se o respectivo facto constitutivo ocorreu no período de exercício da sua gerência.
Em termos de declaração, em concreto, dos pressupostos da reversão, o despacho em análise nada afirma, apenas alude ao teor do normativo do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, nem sequer mencionando expressamente a inexistência de bens penhoráveis do devedor originário (estando, depois, aludido no ofício de citação – “inexistência ou insuficiência”) ou a gerência de facto e a extensão temporal da administração de facto, exigível como pressuposto da reversão, omitindo, assim, a alegação ou a mera declaração de todos os pressupostos da reversão.
Portanto, ao contrário do alegado neste recurso pela Representação da Fazenda Pública, o problema do despacho de reversão, identificado pelo tribunal recorrido, não reside na falta de indicação expressa no mesmo de elementos de prova do exercício, de facto, das funções de administrador por parte do Recorrido, mas sim na total omissão de alegação ou de mera declaração de todos os pressupostos da reversão.
Na linha do mencionado acórdão do Pleno do STA, não se impõe que do despacho de reversão constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido; ainda assim, não consta do despacho de reversão em crise qualquer alegação, declaração ou alusão ao exercício efectivo das funções do gerente revertido. Nesta conformidade, falta fundamentação bastante para fundar a reversão.
Salientamos que, inexistindo esta alegação, não poderá a AT, na informação prestada nos termos do artigo 208.º do CPPT e na sua contestação, como tentou fazê-lo, produzir prova da gerência de facto por parte do revertido.
O alargamento da matéria de facto que a Representação da Fazenda Pública pretende com este recurso reporta-se, na sua esmagadora maioria, a factualidade que a mesma desconheceria à data da prolação do despacho de reversão, pois os documentos relevantes não constam do processo de execução fiscal, tendo sido somente juntos com a informação oficial e com a contestação, após diligências (tardias) que terão sido encetadas pela Administração Tributária, ao deparar-se com a invocação efectuada na petição de oposição, não existindo quaisquer documentos relevantes nesse sentido no processo de execução fiscal; referimo-nos especificamente à certidão permanente da sociedade principal, à declaração de início de actividade daquela sociedade (juntas com a informação prestada nos termos do artigo 208.º do CPPT), ao relatório de inspecção tributária, aos autos de declarações nesse âmbito prestadas ou às facturas “pro forma” (juntos com a contestação). Logo, não influenciaram nem podiam ter influenciado a decisão de reversão, pelo que, pela sua superveniência, se apresentam irrelevantes para efeitos de apreciação da fundamentação da mesma.
Por outro lado, não vislumbramos como poderia a Fazenda Pública, em sede de oposição judicial, provar que, da parte do Oponente, houve administração ou gerência de facto, se nem sequer a indicou no despacho de reversão, como pressuposto da mesma – cfr., entre outros, os Acórdãos do TCA Norte, de 07/03/2019 e de 05/12/2019, proferidos no âmbito dos processos n.º 120/11.6BEPRT e n.º 46/14.1BEMDL, respectivamente.
Assim sendo, na medida da suficiência do já exposto, mostra-se prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas no presente recurso, nomeadamente as conexas com a correcção ou alteração da decisão da matéria de facto e as consequentes ilações.
A anulação, que se impõe, do acto de reversão acarreta a falta de título executivo contra o revertido e a sua ilegitimidade processual passiva na execução, pelo que em relação à execução o Oponente não pode deixar de ser absolvido da instância – cfr. artigo 278.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil; bem como os Acórdãos do STA, de 10/10/2012, de 22/04/2015 e de 24/02/2016, proferidos no âmbito dos processos n.º 726/12, n.º 511/14 e n.º 0700/15, respectivamente.
Logo, impõe-se negar provimento ao recurso, manter a sentença recorrida com a presente fundamentação, confirmando o julgamento de total procedência da oposição judicial, mas anulando o despacho de reversão e absolvendo o Oponente da instância executiva.

Importa, por último, realçar que o valor em que a parte decaiu e será condenada nas respectivas custas assenta na base tributável de €1.510.944,53, valor esse que se apresenta superior a €275.000,00, montante a partir do qual passa a acrescer 1,5 UC, a final, por cada €25.000,00 ou fracção e que importa ponderar à luz do princípio da proporcionalidade aferido ao concreto serviço prestado.
Nesta instância, tudo ponderado e perante a possibilidade de graduação casuística e prudencial do montante da taxa de justiça devida a final, não perdendo de vista que deve existir correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º da CRP, atendendo ainda ao direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º igualmente da CRP e as questões colocadas serem simples, por reiteradamente julgadas de forma uniforme; alcançamos razões válidas e ponderosas para dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do RCP.
Na sequência do exposto, deverá a conta de custas a elaborar desconsiderar o remanescente da taxa de justiça.

Conclusões/Sumário

I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.
II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
III – A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do artigo 23.º da LGT). Sendo o despacho de reversão um acto administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (artigo 268.º n.º 3 da CRP; artigos 23.º n.º 4 e 77.º nº 1, da LGT).
IV - A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária e com a referência à extensão temporal dessa responsabilidade que está a ser efectivada.
V – No caso concreto, não se mostram alegados, no despacho de reversão, todos os pressupostos da responsabilidade subsidiária, nomeadamente, inexiste menção ao exercício efectivo das funções do gerente revertido. Por isso, falta fundamentação bastante para fundar a reversão.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso, anulando o despacho de reversão e absolvendo o Oponente, aqui Recorrido, da instância executiva.

Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais; devendo a conta de custas a elaborar desconsiderar o remanescente da taxa de justiça.

Porto, 21 de Março de 2024

Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Ana Paula Santos