Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01154/17.2BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/08/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:LUÍS MIGUEIS GARCIA
Descritores:RESPONSABILIDADE;
ACIDENTE;
EMPREITADA;
Sumário:
I) – Encontram-se reunidos, no caso, e omitido dever de vigilância, pressupostos de responsabilidade.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso da Autora,
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

[SCom01...], S.A. (Av.ª ..., ... ...) [à qual sucedeu [SCom02...], SA – Sucursal em Portugal (Av.ª ..., ..., ... ...] intentou acção administrativa contra o Município ... (Praça ..., ..., ..., ...), [SCom03...], S.A. (Av.ª ..., ..., ...) e [SCom04...], S.A. (Rua ..., ..., ..., ...), pedindo que estes sejam condenados a pagar-lhe a quantia de € 21.971,25 acrescida de juros de mora vencidos e vincendos a partir da citação até efetivo e integral pagamento.
É interveniente principal [SCom05...] Companhia de Seguros, S.A..
O TAF do Porto julgou a acção “parcialmente procedente e, consequentemente:
a) Condena-se a Ré [SCom03...], S.A. e o Réu Município e a Interveniente Principal, solidariamente, a pagar à Autora a quantia de € 10.871,52 (dez mil oitocentos e setenta e um euros e cinquenta e dois cêntimos);
b) Absolve-se a Ré [SCom03...], S.A. e o Réu Município e a Interveniente Principal do demais peticionado;
c) Absolve-se a Ré [SCom04...], S.A. do pedido”.

A Autora [SCom01...] interpõe recurso jurisdicional, onde conclui:

1. O presente recurso tem como objeto a apreciação de matéria de direito considerada pela douta Sentença de que se recorre, em especial no que concerne à existência de culpa do condutor do veículo de matrícula LG e à divisão de responsabilidades pela ocorrência do presente sinistro entre o condutor deste veículo e os Recorridos.
2. O presente recurso tem ainda por objeto o valor dos danos considerados como sendo indemnizáveis pela douta sentença recorrida, uma vez que a Recorrente considera que estes devem também incluir o montante despendido a título de peritagens e averiguação
3. Para existir culpa do lesado é necessário que este haja praticado um facto culposo.
4. Na douta sentença recorrida, em momento algum é apontado ao condutor do veículo LG a prática de um qualquer facto culposo, o que se compreende, uma vez que analisando o elenco dos factos considerados como provados não é possível imputar qualquer culpa ao condutor do veículo LG.
5. De facto, um condutor normal colocado nas mesmas circunstâncias que o condutor do veículo LG atuaria da mesma forma que este.
6. O condutor do veículo LG não violou qualquer regra estradal. Nem tão pouco a douta sentença recorrida lhe imputada qualquer violação de norma estradal.
7. A circunstância de previamente a este sinistro terem ocorrido outros dois acidentes indicia que não foi a conduta do condutor do veículo LG que contribuiu para a ocorrência do sinistro, uma vez que assim fosse, apenas teria existido ocorrido o presente sinistro.
8. A conduta do condutor do veículo LG em nada contribuiu para a ocorrência do presente sinistro, não podendo ser apontada como uma concausalidade adequada à produção ou agravamento de danos.
9. Não resulta demonstrado nos presente autos que tenha ocorrido culpa do lesado na produção ou agravamento dos danos resultantes do presente sinistro que, nos termos do disposto no artigo 570º, nº 1 do Código Civil determine uma concorrência de culpas na produção do presente sinistro.
10. Por outro lado, dúvidas não existem de que os Recorridos Município ... e [SCom03...], S.A. atuaram de forma ilícita e culposa ao não removerem o buraco ou, pelo menos, ao não o sinalizarem.
11. E, como tal, o presente acidente ocorreu por culpa exclusiva dos Recorridos Município ... e [SCom03...], S.A., sendo estes responsáveis pela totalidade dos danos decorrentes do presente sinistro.
12. Contudo, caso assim não se entenda, por se considerar que o condutor do veículo LG atuou com culpa e contribuiu para a ocorrência do sinistro, o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, sempre se dirá que, este não contribuiu de igual forma para a produção do presente sinistro.
13. Tal como resulta da douta sentença recorrida se os Recorridos Município ... e [SCom03...], S.A. tivessem diligenciado pela eliminação do buraco o acidente não teria ocorrido. Assim como se tivessem diligenciado pela sua sinalização o acidente também não teria ocorrido.
14. Qualquer facto culposo praticado pelo condutor do veículo LG, que, repita-se, a Recorrente não consegue identificar do elenco dos factos provados, terá contribuído de forma muito reduzida para a ocorrência do presente sinistro, pelo que não se poderá proceder a uma divisão equitativa da responsabilidade pelo sinistro entre o condutor do veículo LG e os Recorridos Município ... e [SCom03...], S.A.
15. Relativamente ao valor dos danos considerados pela douta sentença recorrida, mais concretamente às despesas de averiguação e peritagem, sempre se dirá que existe nexo de causalidade entre estas e o presente sinistro, uma vez que se o sinistro não tivesse ocorrido a Recorrente nunca teria tido de suportar tais despesas, pelo que devem as mesmas ser contempladas no montante a indemnizar à Recorrente
16. A Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo violou os artigos 570º, nº 1 e 487º, nº 2 do Código Civil.

A ré [SCom03...] também interpõe recurso jurisdicional, onde conclui:

A. No entender da ora Recorrente, houve um erro notório na apreciação da prova, no que concerne à prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento.
B. A Recorrente não se conforme com as seguintes matérias dadas como provadas:
d) A depressão na via (buraco) mencionado em 4), na data e local do acidente com o veículo LG não se encontrava sinalizado, nem existia sinalização de aproximação do mesmo .
e) Um paralelo tem a altura máxima de 17 cm.
f) A depressão existente na via foi provocada pela execução da empreitada mencionada em 23.
C. Acontece que, quer dos depoimentos prestados pela Eng.ª «AA» e pela Eng.ª «BB» inquiridas no decurso da audiência de julgamento resulta que as mesmas não deveriam ter sido dadas como provadas.
D. A colisão se deu exclusivamente ao comportamento culposo do condutor do veículo, «CC», que ao circular com excesso de velocidade não conseguiu, em condições de segurança, fazer parar o veículo automóvel em espaço livre e visível à sua frente, praticando assim, uma condução imprudente e irresponsável, originando a colisão.
E. Nos termos da legislação em vigor e nos termos do Caderno de Encargos nas Cláusulas Gerais, alíneas d) e), f) h) e i), do ponto 20.2.5., o Empreiteiro tem o dever de: Delimitar, por sinalização temporária, as obras e obstáculos na via pública, com recurso a sinais verticais, horizontais e luminosos, bem como a dispositivos complementares; os sinais verticais e os dispositivos complementares devem ser de material retrorrefletor, permanentemente, incluindo horários noturno, fins de semana e feriados.
F. A Recorrente tomou todos os cuidados na execução da empreitada e pós a receção definitiva, nomeadamente na sinalização.
G. Atenta a factualidade, a existência de quaisquer danos alegadamente provocados à Autora e eventual reparação e indemnização deverá ser imputada à 3.ª Ré Empreiteira, [SCom04...], S.A., e não à ora Recorrente.
H. O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito quanto à responsabilidade.
I. Pois, culpa efetiva pelo sinistro se ficou a dever única e exclusivamente pela imprudência do condutor, sendo aplicável a presunção de culpa prevista no art. 503.º, n.º 1.ª, do Código Civil.

A interveniente [SCom05...] também interpõe recurso jurisdicional, onde conclui:

1-Não concorda a recorrente com o facto dado como provado nº4, pois das declarações da testemunha «CC» (minuto 06:00:00 ao minuto 08:15:00 transcritas nas alegações) o condutor do veículo Audi, tinha conhecimento do mau estado da estrada, nomeadamente, da presença de buracos na mesma, pelo que, não se pode considerar que o mesmo foi surpreendido pelo aparecimento do buraco.
2- O condutor do veículo Audi, «CC», nas suas declarações, refere por várias vezes que passava naquele local todos os dias e que sabia da existência de vários buracos.
3- Errou o tribunal a quo ao entender que o condutor do veículo Audi deparou-se inesperadamente e sem que nada o fizesse prever com um buraco na via.
4-Menciona a referida testemunha a presença de um outro veículo na faixa de rodagem, o que foi totalmente esquecido pelo tribunal a quo e que no entendimento da Recorrente pode ter concorrido para a perda de controlo do veículo Audi, durante tal manobra.
5- Entende a Recorrente que o facto nº 4 deve passar a ter a seguinte redação: Quando o LG circulava no sentido Rio Mau/Junqueira deparou-se com um veículo que circulava em sentido contrário que lhe fez sinais de luzes, e ao executar a manobra de passagem, contornando um buraco na via em redor de uma tampa da Portugal Telecom, com largura de 1 metro e com 0,5 metros de comprimento, que se encontrava do seu lado direito, como era do seu conhecimento, perdeu o controlo do veículo indo embater com o lado direito no poste de telefone nº 21.
6-Considerou o tribunal a quo como provado o facto nº 16, contudo das declarações da testemunha «AA» (minuto 01:42:05 a 01:42:52 e minuto: 01:43:24 a 01:45:15, transcritas nas alegações, a depressão na via encontrava-se sinalizada com ferros e rede de cor laranja
7- Entende a Recorrente que o facto nº 16 deve passar a ter a seguinte redação: A depressão na via (buraco) mencionado em 4), na data e no local do acidente com o veículo LG encontrava-se sinalizado com ferros e rede laranja.
8- Considerou o tribunal a quo como provado o facto nº 19, contudo tendo em conta as declarações da testemunha «BB», engenheira da R. [SCom04...] (minuto 02:14:30 a 02:15:41, transcritas nas alegações) um paralelo tem altura máxima de 5 a 6 cm
9- Sugere a Recorrente que o facto nº 19 passe a ter a seguinte redação: Um paralelo tem altura máxima de 5 a 6 cm.
15- O acidente deveu-se unicamente á conduta incauta do condutor do veículo Audi.
16-O tribunal a quo entendeu que o acidente deveu-se á culpa presumida dos RR Município e [SCom03...] (art.º 493 nº1 do C.C) a concorrer com a culpa efetiva do condutor do veículo Audi, contudo, nos termos do art.º 570º, 2 do C. Civil “(…)2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.”.
17-O art.º 570 nº2 tem o sentido de não permitir a condenação do agente apenas com fundamento na presunção de culpa, sempre que coexista culpa do lesado, ou seja, equivale a uma verdadeira ilisão da presunção de culpa, levando, portanto, a que o dever de indemnizar deva assentar (em caso de concorrência de culpa do lesado) necessariamente na culpa efetiva, sendo que, nesses casos, a presunção de culpa cede, nos termos do n.º 2, provando-se que houve culpa do lesado. A responsabilidade há-de basear-se, portanto, na culpa efetiva do agente, segundo a regra geral do art.º 487º.”
18-A culpa efetiva apurada do condutor do veículo Audi, por força do princípio que emana do n° 2 do art.º 570° do C. Civil, afasta ou exclui a responsabilidade dos RR Município e [SCom03...], baseadas numa mera culpa presumida, o que não foi tido em conta pelo tribunal a quo na aplicação do direito.
19- No caso dos autos, o condutor do veículo Audi tinha perfeito conhecimento do estado da via e o acidente só ocorreu por este não ter adequado a condução às condições da estrada, como aliás veio a reconhecer o tribunal a quo.
20-Não concorda a Recorrente com a conclusão do tribunal a quo no que respeita á franquia não ser oponível a terceiros.
21-A franquia funciona como estímulo à atitude prudente do segurado, é elemento de cálculo do prémio, e diminui a possibilidade de o segurador se ocupar de sinistros de pequeno valor.
22-Entende a Recorrente que no contrato de seguro facultativo, como é o caso dos autos, no montante indemnizatório garantido e a pagar não se inclui a franquia, sendo que, o valor desta é devido pelo segurado ao lesado, mais propriamente do R. Município á A, pelo que, mal andou o tribunal a quo em admitir que a franquia não é oponível a terceiros.
23- Não pode a recorrente concordar com o raciocínio do tribunal em quo em não aplicar ao presente caso a exclusão prevista na clausula 3º al i) da Condição especial 008, do contrato celebrado entre o R. Município e a Recorrente, já que, o acidente dos autos ocorre quando existe a execução de uma empreitada conforme documento nº1 junto com a contestação do R. Município.
24- Nos termos do nº 28 da matéria de facto dada como provada: A depressão existente na via foi provocada pela execução da empreitada mencionada em 23.
25- A reparação do buraco decorreu dos trabalhos, não podendo tal reparação dissociar-se da empreitada, porque resultou da mesma, sendo que, inclusive, foi a própria empreiteira a ter iniciativa de reparar o buraco (veja-se a motivação da decisão do facto nº 27) pelo que deveria o referido buraco estar sinalizado, sendo que essa sinalização fazia parte dos trabalhos.
26-Considera a R. que o presente sinistro está excluído nos termos da apólice por falta se sinalização e aviso de trabalhos de reparação do buraco.
27-Pugna a ora Recorrente pela revogação da Sentença proferida pelo douto tribunal “a quo”, na parte em que condena a Recorrente.

Este último recurso contra-alegado pelo réu Município, onde por fim remata que “deve ser dado provimento ao recurso, pelos motivos enunciados nas conclusões 1 a 19 da minuta da Recorrente; se, porém, assim não se entender, deve negar-se provimento ao recurso, no que tange à matéria levada às conclusões 23 e seguintes, confirmando-se, nessa parte, a douta sentença recorrida.”.

A Autora também apresentou contra-alegações a respeito dos recursos interpostos por [SCom03...] e [SCom05...], terminando por expressar que “não deve ser dado provimento ao presente recurso, porém a douta Sentença recorrida deverá ser alterada nos termos defendidos no presente articulado, bem como nas alegações de recurso oportunamente apresentadas pela Recorrida”.
*
O Exm.º Procurador-Geral Adjunto foi notificada nos termos do art.º 146º, nº 1, do CPTA, não emitindo parecer.
*
Dispensando vistos, cumpre decidir.
*
Factos, que o tribunal “a quo fixou como provados:
1) No exercício da sua atividade, a Autora celebrou com «CC», um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice nº ...89, o qual incluía a cobertura “choque, colisão e capotamento” e de “veículo de substituição” e através do qual foi transferida para a Autora a responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação, relativamente ao veículo de matrícula ..-LG-...
2) Aquando da celebração do contrato de seguro foi contratada uma franquia correspondente a 2% do capital seguro (€ 839,00).
3) No dia 11 de novembro de 2015, pelas 22h30m, ocorreu um acidente na Rua ..., na freguesia ..., em ..., no qual foi interveniente o veículo de matrícula ..-LG-.., da marca Audi e modelo A8, conduzido por «CC».
4) Quando o LG circulava no sentido Rio Mau/Junqueira deparou-se, inesperadamente e sem que nada o fizesse prever, com um buraco na via provocado pela ausência de vários paralelos com largura de 1 metro e com 0,5 metros de comprimento em redor de uma tampa da Portugal Telecom e ao desviar-se do mesmo perdeu o controlo do veículo indo embater com o lado direito no poste de telefone n.º 21.
5) Em consequência do acidente descrito em 4) resultaram danos na parte frontal direita, bem como na parte inferior do veículo seguro LG, nomeadamente no para-choques, na jante, no pneu, no eixo, na transmissão e na caixa de velocidades.
6) O valor orçamentado para a reparação de tais danos ascendeu ao montante líquido de € 21.552,73.
7) A Autora, ao abrigo do contrato de seguro mencionado em 1 e 2, procedeu ao pagamento diretamente ao tomador do seguro «CC», do montante de € 20.300,26.
8) O veículo LG ficou imobilizado durante 23 dias.
9) Uma vez que, aquando da celebração do contrato de seguro foi também contratada a cobertura facultativa de veículo de substituição, a Autora colocou à disposição do tomador do seguro um veículo de substituição durante 23 dias.
10) A Autora suportou com o custo do aluguer do veículo de substituição o montante de € 1.442,79. 11) Com a peritagem e averiguação do sinistro a Autora despendeu a quantia de € 228,20. 12) O local do acidente mencionado em 3) configura uma reta em paralelo com inclinação descendente e boa visibilidade, cuja largura da faixa de rodagem é de 5,60 metros e onde o trânsito se processa em ambos os sentidos.
13) No momento em que ocorreu o sinistro era já noite e no local não existia iluminação pública.
14) O condutor do veículo LG encontra-se habilitado com carta de condução desde ../../1998.
15) O condutor do veículo LG, submetido a teste de alcoolemia, apresentou o resultado TAS 0,00.
16) A depressão na via (buraco) mencionado em 4), na data e local do acidente com o veículo LG não se encontrava sinalizado, nem existia sinalização de aproximação do mesmo.
17) No local do acidente com o veículo LG foram registados, pela Guarda Nacional Republicana, outros dois acidentes com os autos n.º 463/2015 e 466/2015, sendo o auto do acidente em causa nestes autos o n.º 470/2015.
18) No site Google Maps consta a imagem captada em novembro de 2014 na qual é possível identificar uma tampa em redor da qual faltam paralelos.
19) Um paralelo tem a altura máxima de 17 cm.
20) No local do acidente encontra-se um sinal A29 Outros Perigos e um sinal C13 Proibição de exceder 40 Km/hora.
21) A Autora solicitou ao Réu Município o pagamento das quantias referidas, mas este recusou qualquer assunção de responsabilidade, que remeteu para a Ré [SCom03...], S.A. não tendo por isso efetuado qualquer pagamento até à data.
22) Por contrato para “Aquisição de Apólices de Seguro – Ramo Frota Automóvel e Responsabilidade Civil Extracontratual”, titulado pela apólice n.º ...01, o Réu Município transferiu para a [SCom05...], SA o pagamento de indemnizações por danos patrimoniais ou não patrimoniais resultantes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros no exercício da sua atividade.
23) A Ré [SCom03...], S.A. adjudicou à Ré [SCom04...], S.A., a execução da “Empreitada de Execução do Sistema Elevatório do Rio Este (FD 0) – 1ª Fase”, a realizar no Concelho ....
24) Durante o prazo de garantia da obra adjudicada mediante o contrato mencionado em 23 a Ré [SCom04...], S.A., na qualidade de adjudicatária, ficou obrigada a efetuar, à sua custa, as substituições de materiais ou equipamentos e a executar todos os trabalhos de reparação indispensáveis para assegurar a perfeição e o uso normal da obra nas condições previstas.
25) Nos termos do contrato mencionado em 23 ficou ainda acordado que a Ré [SCom04...], S.A. responderia pelos encargos decorrentes de indemnização de todos os danos derivados da execução da obra.
26) Em 27/10/2015 foi elaborado o auto de receção provisória da empreitada mencionada em 23).
27) A Ré [SCom04...], S.A. reparou a depressão/buraco existente na via.
28) A depressão existente na via foi provocada pela execução da empreitada mencionada em 23.
*
Os recursos.
Vindo a Autora exercer sub-rogação, o tribunal “a quo” entendeu que, face à responsabilidade em que teriam incorrido as rés para com o segurado daquela a propósito do acidente de viação supra relatado, o peticionado seria de parcialmente proceder, e pela repartição de culpas que entendeu ser de afirmar.
As questões suscitadas nos diversos recursos convivem numa análise não estanque.
Sobre a matéria de facto.
O que se encontra provado sob:
4) Quando o LG circulava no sentido Rio Mau/Junqueira deparou-se, inesperadamente e sem que nada o fizesse prever, com um buraco na via provocado pela ausência de vários paralelos com largura de 1 metro e com 0,5 metros de comprimento em redor de uma tampa da Portugal Telecom e ao desviar-se do mesmo perdeu o controlo do veículo indo embater com o lado direito no poste de telefone n.º 21.
A recorrente interveniente chama atenção para as declarações da testemunha «CC».
No seu entendimento “Considera a Recorrente que a testemunha, condutor do veículo Audi, tinha conhecimento do mau estado da estrada, nomedamente, da presença de buracos na mesma, pelo que, não se pode considerar que o mesmo foi surpreendido pelo aparecimento do buraco. A testemunha refere por várias vezes que passava naquele local todos os dias e que sabia da existência de vários buracos. Logo, está em crer a Recorrente que o tribunal a quo errou ao entender que o condutor do veículo Audi deparou-se inesperadamente e sem que nada o fizesse prever com um buraco na via. Por outro lado, Menciona a referida testemunha a presença de um outro veículo na faixa de rodagem, facto que nem sequer consta da Participação das autoridades policiais. Tal facto foi totalmente esquecido pelo tribunal a quo e que no entendimento da Recorrente pode ter concorrido para a perda de controlo do veículo Audi, durante tal manobra. Com efeito, entende a Recorrente que o facto nº 4 deve passar a ter a seguinte redacção: 4- Quando o LG circulava no sentido Rio Mau/Junqueira deparou-se com um veículo que circulava em sentido contrário que lhe fez sinais de luzes, e ao executar a manobra de passagem, contornando um buraco na via em redor de uma tampa da Portugal Telecom, com largura de 1 metro e com 0,5 metros de comprimento, que se encontrava do seu lado direito, como era do seu conhecimento, perdeu o controlo do veículo indo embater com o lado direito no poste de telefone nº 21.”.
Aproveitando a transcrição, e reproduzindo:
Adv- O local em causa era iluminado, existia iluminação publica?
T- Não
Adv- E então queria, Sr. «DD», que nos descrevesse o que é que aconteceu, portanto circulava em que sentido de transito?
T- Ia para sul
Adv- Se eu lhe disser aqui, se calhar não lhe diz nada, sentido Rio Mau- Junqueira?
T- Não
Adv- Mas na sua ideia será sentido Norte- Sul?
T- Não porque eu moro mais á frente...eu vou para casa vou para Vilarinho venho para o sul.
Adv-Pronto. Sentido Norte-Sul, muito bem.
T- Eu passo ali todos os dias.
Adv- E então o que é que aconteceu?
T- O que aconteceu como assim, o acidente?
Adv- Como é que ocorreu o acidente?
T- Eu vou para ir para casa, eram para aí 21h30, de noite que eu vinha de trabalhar, e ia a andar normalmente, vinha um carro de frente para mim, até nem vinha um, vinham dois vá…! O que vinha atrás era daqueles sem carta, aqueles que andas os senhores sem carta...
Adv- Mas vinha no sentido contrário?
T- No sentido contrário…e na altura o senhor dá-me sinal de luzes, que eu vou-me a desviar da tampa, que nem sabia que tinha ali um buraco, pelo menos a tampa sempre que fosse passa vá, não fazia barulho, e eu já era do vicio desviava-me dela, na altura em que eu me desvio do sentido é quando se dá o embate, rebentou-me um pneu e jante
Adv- Não percebi senhor «DD», portanto, o senhor ia nesse sentido Sul Norte e apercebeu-se do quê?
T- Eu desvio-me um bocadinho da tampa, mas o senhor que já era um senhor de idade, dá-me sinal de luzes, pronto, dá-me sinal de luzes, e eu desvio-me um bocadito, porque é normal eu fazer sempre isso, desviar-me da tampa.
Adv- Mas a tampa era do seu lado direito a tampa?
T-Tava do meu lado direito…e eu quando o carro na altura, é que quando pressinto que rebentou-me um pneu e puxou-me a jante atrás e entro em despiste… (…)
Adv- Alguma vez se tinha apercebido da existência daquele buraco?
T- Naquela estrada desde que mexeram nela tem muitos…na altura desde que mexeram nela tem muitos, que eu me lembre, já tinha acontecido ali muitos rebentamentos de pneus…
Colocar a jogo que “a presença de um outro veículo na faixa de rodagem (…) pode ter concorrido para a perda de controlo do veículo” com base nestas declarações é não mais que suscitar imaginativa especulação.
Querer ver com base nestas declarações que o dito buraco - aquele que especificamente tratamos, e com as suas específicas características - era do conhecimento do declarante é ver nas suas declarações o que nelas nenhum apoio tem.
O que se encontra provado sob:
16) A depressão na via (buraco) mencionado em 4), na data e local do acidente com o veículo LG não se encontrava sinalizado, nem existia sinalização de aproximação do mesmo.
A recorrente interveniente busca apoio nas declarações da testemunha «AA», assim reproduzidas:
Adv- Numa dessas visitas que fez ao local, o buraco estava ou não estava sinalizado?
T- O buraco esteve sinalizado.
Adv-E como é que estava sinalizado?
T- Nós não aceitámos o buraco, fizemos comunicação ao empreiteiro no âmbito das garantias da obra, o buraco chegou a estar sinalizado com uns ferros e uma rede laranja.
Adv- E quem é que meteu esses ferros e a rede laranja?
T- Não consigo precisar, não sei se foi o empreiteiro, alguém da junta de freguesia ou município, nós donos de obra não fomos.
(…)
Adv- Disse que quando soube do buraco comunicou ao empreiteiro e quais foram as diligências que foram efectuadas pelo empreiteiro?
T-O empreiteiro tratou de ir fazer o levantamento das condições do local e comunicou com o sub-empreiteiro a necessidade de reparação.
Adv- Sabe-me dizer em que data é que isso ocorreu? Este acidente ocorreu no dia 11.11.2015, sabe em que momento é que o empreiteiro fez essa reparação?
T-Consigo precisar até, consigo saber quais os dias antes…, nós comunicámos ao empreiteiro a necessidade de proceder ás reparações do buraco, no dia 10, o empreiteiro foi lá, fez o levantamento, e o local ficou vedado com os tais ferros e rede laranja.
Daqui tira: “Como tal entende a Recorrente que o facto nº 16 deve passar a ter a seguinte redacção: 16- A depressão na via (buraco) mencionado em 4), na data e no local do acidente com o veículo LG encontrava-se sinalizado com ferros e rede laranja.”.
Claramente insuficiente para impor decisão diversa.
Não só pela fragilidade do testemunho, isoladamente visto.
De acordo com o regime para impugnação da decisão sobre matéria de facto (cfr. art.º 662º, nº 1 do Código de Processo Civil), não basta à procedência da impugnação e, portanto, para a modificação da decisão de facto, que as provas produzidas permitam ou consintam uma decisão diversa da proferida pelo tribunal, sendo necessário que as provas concretas imponham a modificação da decisão de facto, isto é, que façam prova por si, de que os factos se passaram de forma diversa daquela que perfilhou o tribunal a quo.
Como o tribunal “a quo” motivou, valorou “a participação de acidente de viação que constitui o documento n.º 2 junto com a petição inicial conjugados com o depoimento de «EE» (militar da GNR, participante do sinistro) e com o depoimento da testemunha «CC» (condutor).”.
«Fundamentando-se a decisão da matéria de facto em diversos meios de prova a não valoração no recurso de um deles implica a insuficiência da censura para se alterar tal decisão.» (Ac. RG, de
de 02-11-2017, proc. n.º 522/13.3TTGMR.G1
).
O mesmo se observa, no ponto, quanto ao recurso da recorrente [SCom03...], ao respaldar a impugnação nos depoimentos de «AA» e de «BB», descurando tudo o mais que guiou a convicção adquirida, segundo liberdade de julgamento.
Sendo também certo que o depoimento de «BB» de que se serve - coincidente com aquele que a recorrente interveniente [SCom05...] também se serve a propósito do que se refere ao provado em 19) que infra vem - nem minimamente tem qualquer contribuição.
Como também o depoimento de «AA», como já acima observado, é frágil para justificar alguma modificação.
Desse depoimento a recorrente [SCom03...] destaca:
Advogada da R. AdNorte – Na fase da garantia provisória?
Testemunha: Depois da fase da garantia da obra foi imensas vezes ao local onde este sinistro ocorreu.
Advogada da R. AdNorte: Na fase de garantia da obra lembra-se alguma veze de lá estar um buraco?
Testemunha: Sim.
Advogada da R. AdNorte: Esse buraco, lembra-se mais ou menos em que local ficava esse buraco?
Testemunha: Sim, nós chegamos a reportar e a solicitar a reparação do buraco junto a uma caixa de telecomunicações.
Advogada da R. AdNorte: Esse buraco ficava junto ao intercetor no local onde tinha sido aberta a vala para colocar o intercetor ou estava desviado?
Testemunha Não, no local da vala no alinhamento da vala não, mas uma caixa de telecomunicações está quase junto ao muro, ou seja na berma da estrada e o buraco estava numa das laterais dessa caixa.
Advogada da R. AdNorte: E a vala do intercetor a que distancia estava do buraco e a vala qual era a distância?
Testemunha: A distância não consigo precisar, mas coincide com o buraco junto as caixas de telecomunicações e a vala que abrimos não são coincidentes.
Advogada da R. AdNorte: Não são coincidentes?
Testemunha: Não.
Advogada da R. AdNorte- Numa dessas visitas que fez ao local, o buraco estava ou não estava sinalizado?
Testemunha- O buraco esteve sinalizado
Advogada da R -E como é que estava sinalizado?
Testemunha – O buraco costuma estar sinalizado. Nós não aceitámos o buraco, fizemos comunicação ao empreiteiro para fazer uma reparação no âmbito das garantias da obra, o buraco chegou a estar sinalizado com uns ferros e uma rede laranja.
Advogada da R - E quem é que meteu esses ferros e a rede laranja?
Testemunha - Não consigo precisar, não sei se foi o empreiteiro, alguém da junta de freguesia ou alguém do município, nós donos de obra não fomos.
Do depoimento (este e o acima transcrito) desta testemunha não temos que se possa assertivamente retirar que o buraco estava sinalizado no momento histórico do acidente; apenas que “esteve”, “chegou a estar”, por ferros e rede laranja (e isto também num sentido mais empírico do que possa ser entendido por “sinalizar”…).
O que se encontra provado sob:
19) Um paralelo tem a altura máxima de 17 cm.
A recorrente interveniente [SCom05...] recorda o testemunho de «BB», no seguinte excerto:
Adv- Em termos de profundidade, este buraco, que profundidade é que isto teria?
T-o cubo que lá está tem cerca de 10/11 cm, o buraco que fomos reparar ainda tinha areia, por isso o cubo é assente numa base de areia, fica enterrado numa base de areia para ficar seguro, por isso o cubo tem 10/11 cm de altura e fica semi-enterrado numa caixa de areia, por isso quando eu fui lá o que nós tínhamos era meia dúzia de cubos que não estavam lá sequer, tinham sido tirados, pronto, e tava a caixa de areia por isso tínhamos a areia mais ou menos a metade do cubo, estamos a falar de 5/6cm de desnível.
Daqui, “sugere a Recorrente que o facto nº 19 passe a ter a seguinte redacção: 19- Um paralelo tem altura máxima de 5 a 6 cm.”.
O tribunal “a quo” motivou que “O vertido em 19) resultou do documento 2 junto com a contestação da Ré [SCom04...].”.
A recorrente busca apoio para diferente sentido mas não exerce qualquer censura crítica que evidencie um erro no exercício da liberdade de julgamento e que pudesse acolher a sua sugestão com base num meio de prova em desfavor de diferente apoio do outro.
O que também se pode observar à impugnação que a recorrente [SCom03...] também dirige neste ponto; que faz apelo aos depoimentos de «AA» e de «BB»; depoimento de «AA» que nem minimamente oferece um qualquer contributo quanto ao ponto.
O que se encontra provado sob:
28) A depressão existente na via foi provocada pela execução da empreitada mencionada em 23.
A recorrente [SCom03...] dirige impugnação com base nos depoimentos de «AA» e de «BB», acima transcritos.
Que em nada amparam que ocorra erro de julgamento no que foi julgado provado.
Sobre o direito.
O maior pomo de censura, comum aos recursos:
- a recorrente Autora entende que “A conduta do condutor do veículo LG em nada contribuiu para a ocorrência do presente sinistro, não podendo ser apontada como uma concausalidade adequada à produção ou agravamento de danos”;
- a recorrente [SCom03...] aponta que “A colisão se deu exclusivamente ao comportamento culposo do condutor do veículo, «CC», que ao circular com excesso de velocidade não conseguiu, em condições de segurança, fazer parar o veículo automóvel em espaço livre e visível à sua frente, praticando assim, uma condução imprudente e irresponsável, originando a colisão”; é também a posição da recorrente interveniente, “Sustenta a Recorrente, para o efeito, que, em face da matéria de facto, das regras de experiência comum e dos comandos estradais violados pelo condutor do Audi, é de concluir que tal circunstancialismo do acidente é de imputar, em exclusivo, a este condutor.”.
O tribunal “a quo” ponderou:
«(…)
Compulsada a factualidade levada ao probatório constata-se que no local onde se deu o acidente existe um sinal alertando para Outros Perigos e um sinal de proibição de exceder a velocidade de 40 Km/hora.
A Autora alega que o veículo circulava a uma velocidade não superior a 35 Km/hora. Não se provou tal facto, nem se provou que circulasse a velocidade superior,
pelo que releva a análise da dinâmica do acidente por forma a aferir o respetivo processo causal em ordem à determinação da existência de uma única causa ou mais. Assim, constata-se pela análise ao probatório que quando o LG circulava no sentido Rio Mau/Junqueira, de noite e numa via sem iluminação, se deparou, inesperadamente e sem que nada o fizesse prever, com um buraco na via provocado pela ausência de vários paralelos e que ao desviar-se do mesmo o condutor perdeu o controlo do veículo indo embater com o lado direito no poste de telefone n.º 21 (cfr. factualidade vertida em 4) e 13)). Verifica-se ainda da factualidade levada ao probatório que o LG é um veículo automóvel da marca Audi, modelo A8 e que sofreu danos materiais na parte frontal direita, bem como na parte inferior, nomeadamente no para choques, na jante, no pneu, no eixo e na caixa de velocidades e que o valor orçamentado para a reparação de tais danos ascendeu ao montante líquido de € 21.552,73 (cfr. factualidade vertida em 3), 5) e 6)).
Por outro lado, resulta assente que um paralelo tem a altura máxima de 17 cm (cfr. factualidade levada ao probatório em 18)), pelo que a profundidade máxima do buraco seria de 17 cm (desconsiderando a areia existente em redor do paralelo, porquanto não resultou provado que tal areia se encontrasse no local e qual o seu volume).
Desta feita é possível concluir que o facto do condutor do LG se deparar inesperadamente e sem que nada o fizesse prever com a existência de um buraco com uma profundidade máxima de 17 cm, buraco esse sem sinalização e delimitação, sendo de noite e numa zona sem iluminação é apto a provocar alguns dos danos sofridos pelo LG.
Contudo, convocando as regras da experiência, não é possível concluir que um veículo com as características do LG, conduzido por alguém com cerca de 17 anos de experiência, mesmo numa zona sem iluminação pública, circulando a 40 Km/hora e alertado para outros perigos, confrontado com um buraco sem sinalização nem delimitação na via, seria causa adequada, só por si, a produzir todos os danos suportados pelo LG.
O que não fica afastado pelo facto da Guarda Nacional Republicana ter registado a ocorrência de outros acidentes naquele local, porquanto são desconhecidas as circunstâncias em que os mesmos ocorreram.
Temos, com efeito, por adquirido, que o aviso de “Outros Perigos” em conjugação com o de proibição de velocidade superior a 40 km/h é apto a fornecer aos condutores mecanismos de defesa e precaução para aquele obstáculo específico, mas não tem adequada aptidão para fornecer mecanismos de defesa e precaução para o obstáculo inesperado ali em presença, um buraco de dois metros na via, obstáculo esse que impunha outro tipo específico de sinalização.
E, sendo assim, necessário se torna concluir que a conduta do condutor do LG contribuiu necessariamente para a produção dos danos a que o veículo foi sujeito.
Assim, preceitua o artigo 570º do Código Civil, sob a epígrafe “Culpa do Lesado” que “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”(n.º 1) e que “Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.” (n.º 2).
(…)
No presente caso, a existência de uma depressão na via com largura de 1 metro e com 0,5 metros de comprimento, não sinalizado nem delimitado, não é indiferente à produção dos danos em termos de causalidade adequada, já que se os Réus Município e [SCom03...], S.A. tivessem adotado um comportamento de eliminação do obstáculo, o acidente não teria ocorrido ou, na impossibilidade imediata de tal, tivesse sinalizado o obstáculo à circulação viária, poderia o acidente não ter ocorrido.
Resulta de todo o exposto que existe concorrência de culpas na produção do acidente dos autos.
(…)».
Não vemos que possa afirmar-se a concorrência de “culpas” (causalidade).
O acervo factual que foi tomado em ponderação para o juízo afirmado, por si só, não o permite; nem esse acervo é suficiente para justificar tirar presunção - mesmo que não explicitada ou menos explícita -, e dela imbuído conduzir ao concluído.
E, e também assim, muito menos se autoriza imputar “culpa” exclusiva ao condutor (ou outra “divisão equitativa da responsabilidade”).
Passando a ver de algumas particularidades de cada recurso, ou mais comuns do lado passivo.
Assim.
Sobre o que a Autora aponta relativamente às “despesas de averiguação e peritagem”.
O tribunal “a quo” entendeu que “quanto às despesas de peritagem e averiguação do sinistro inexiste nexo causal entre estas e a atuação ilícita dos Réus pelo não são as mesmas indemnizáveis.”.
Efectivamente, tendo em conta o direito que a Autora exerce, de sub-rogação, tendo este a extensão do direito do lesado, e entendendo à luz da corrente doutrina de causalidade adequada, não há como não confirmar.
Posto isto.
Do caso não fica arredada presunção de culpa por comando do art.º 493 nº1 do CC (não adquirida culpa do lesado - art.º 570º, 2, do CC), reunindo a responsabilidade, fonte indemnizatória, todos demais pressupostos.
A recorrente interveniente intenta sacudir a responsabilidade do seu segurado (Município) por via de interposição de empreitada levada cabo por terceiro.
Mas sem razão.
«O dever do Município de fiscalizar e de proceder à sinalização temporária dos obstáculos existentes em via rodoviária sob seu domínio não termina, ou não cessa, pelo facto de terceiro aí se encontrar a realizar empreitada, mesmo até que tenha acordado no cumprimento dessa sinalização pelo empreiteiro» – Ac. deste TCAN, de 18-10-2019, proc. n.º 506/07.0BECBR.
O mesmo fio de lógica se impõe mesmo que o Município não seja dono da obra.
No ponto, e de caso análogo - até pelo que se identifica de fonte de sinistro -, veja-se o Ac. este TCAN, de 13-03-2020, proc. n.º 02764/17.3BEPRT.
Como se impõe à recorrente [SCom03...], avalizando aqui o que foi juízo do tribunal “a quo”, vendo que “a conduta do Réu Município e da Ré [SCom03...], S.A. violou o disposto nos artigos 5º, n.º 2 do Código da Estrada, 77º, n.ºs 1 e 2, 78º, n.º 1, 82º, 83º e 84º do Regulamento de Sinalização de Trânsito, e bem assim, os deveres objetivos de cuidado, fiscalização e vigilância.”.
A recorrente interveniente considera o sinistro excluído dos termos da apólice.
O tribunal “a quo” não acolheu, já que “não estando em causa nos presentes autos a falta de sinalização de aviso de trabalhos, mas antes o incumprimento dos deveres de vigilância do Réu Município e a falta de sinalização de um obstáculo existente na via da rede municipal, em decurso da realização de uma empreitada, fica afastada a exclusão da cláusula 3ª, al. i), nos termos da condição especial 008 do contrato de seguro celebrado entre estes”; a recorrente não consegue contrariar; questão já vista no dito proc. n.º 02764/17.3BEPRT.
Mas tem num ponto razão; pode ver deduzida a “franquia” (10%, que se traduzem em € 1.174,30); trata-se de seguro facultativo e não vem notícia de inoponibilidade a terceiro.
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso da Autora, em negar provimento ao recurso da Ré [SCom03...], e em conceder parcial provimento ao recurso da interveniente, em consequência do que se eleva a condenação solidária dos réus [SCom03...], S.A. e do Réu Município a pagar à Autora a quantia de € 21.743,05 (vinte e um e setecentos e quarenta e três mil euros e cinco cêntimos), e também a condenação solidária da Interveniente Principal no pagamento até ao montante de € 20.568,75 (vinte mil e quinhentos e sessenta e oito euros e setenta e cinco cêntimos).
Custas: de acordo com a proporção de vencimento/decaimento de cada parte, nos recursos e no que resulta para a acção.
Porto, 08 de Novembro de 2024.

Luís Migueis Garcia
Ana Paula Martins
Celestina Caeiro Castanheira