Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01197/20.9BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/11/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:ROGÉRIO PAULO DA COSTA MARTINS
Descritores:ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO; ARTIGO 58º, N.º1 ALÍNEA B), DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS;
ACÇÃO PARA A CONDENAÇÃO DA PRÁTICA DE ACTO DEVIDO; N.º2 DO ARTIGO 38º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS;
REVISÃO DE ACTO CONSOLIDADO NA ORDEM JURÍDICA;
Sumário:
1. A tempestividade de uma acção de impugnação – artigo 58º, n.º1 alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - afere-se pelo acto impugnado e pela sua notificação e não por qualquer outro acto ou notificação.

2. Saber se com a acção para a condenação da prática de acto devido se afasta da ordem jurídica um acto já consolidado na ordem jurídica é matéria diversa, da inadmissibilidade da acção por inimpugnabilidade desse acto consolidado. É matéria de excepção resultante do disposto no n.º2 do artigo 38º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

3. Esta norma não contempla as situações em que se invoca legislação superveniente que permite, na alegação do autor, a revisão desse acto.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 05.06.2024, proferida na acção administrativa que intentou contra a Caixa Geral de Aposentações e que julgou procedente a excepção de intempestividade de acto processual e, consequentemente, absolveu a Ré da instância.

A Recorrida contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1ª A sentença recorrida incorre em erro de julgamento da matéria de facto e da apreciação de Direito que se seguiu, padecendo do vício de violação de Lei.

Com efeito,

2ª Inexiste a alegada intempestividade do ato processual praticado, porquanto,

3ª O Despacho de 2018.03.28 não consubstanciou um acto administrativo definitivo e executório na esfera jurídica do Autor por não conter a decisão final acerca do seu pedido de atribuição da pensão de invalidez,

4ª Mas apenas a decisão interlocutória de dar sem efeito a Junta Médica realizada, informando o Autor que deveria ser avaliado pelos serviços médicos do Departamento Contra os Riscos Profissionais, para declarar o eventual nexo de causalidade entre a doença e o exercício de funções.

Ora,

5ª Apesar de o A., aqui recorrente considerar estranho e mesmo contraditório - face à decisão da junta médica militar (ATFA) efectuada à época - e porque em abstracto a avaliação médica em questão poderia confirmar a decisão da junta médica militar,

6ª Não fez sentido para si impugná-lo por não lhe estar a ser denegado em definitivo o direito à pensão de invalidez, tanto mais porque o despacho em questão não decidiu qual o regime jurídico aplicável à situação do A., sendo aliás omisso quanto ao seu enquadramento legal,

Assim,

7ª Apenas quando viu de uma vez por todas indeferido o pedido para ser considerado Pensionista por Invalidez - vertido no Despacho de 2020.06.05 (e recepcionado em 12 de maio de 2020) é que passou a deter a possibilidade de impugnar o ato administrativo, o qual passou a ser para si definitivo e executório,

8ª Percebendo o verdadeiro sentido e alcance da posição da Ré:
A aplicação indevida do Decreto-Lei n° 503/99 de 20 de novembro, nomeadamente do seu artigo 24°, dado que o Autor não instaurou qualquer procedimento tendo por base uma recidiva ou o reconhecimento da mesma, mas antes solicitou a remessa do seu processo à Ré, Caixa Geral de Aposentações (tendo em conta a desvalorização atribuída pelas entidades médicas militares), a fim de ser considerado pensionista de invalidez, (Cfr. fls. 133 e 221 do P.A.)

Não sendo de olvidar que,

9ª O citado Decreto-Lei n° 503/99 dispõe de uma norma - artigo 56° - sob a epígrafe “Regime transitório” - que no seu n°2 visa acautelar os factos ocorridos no passado, isto é, antes de 01 de maio de 2000 (data da entrada em vigor do diploma, conforme dispõe o seu artigo 58°),

10ª Fazendo aplicar o Estatuto da Aposentação Pública (EAP) em detrimento do Decreto-Lei n° 503/99.

Com efeito,

11ª A doença do A. reporta-se a eventos ocorridos entre janeiro de 1968 a 23 de janeiro de 1970, altura em que baixou ao HMR 3, com tuberculose pulmonar, quando constava perto de 2 anos de serviço, aí se referindo também que foi transferido para o HMDIC e presente em 23NOV71 à junta da ATFA que o julgou incapaz de todo o serviço com 10% de desvalorização (Cfr. fls. 33 do P.A.)

Pelo que,

12ª Encontra-se o A. abrangido pelas normas contidas no regime especial do EAP que regulam a “pensão de invalidez de militares”, previstas nos artigos 127° e seguintes ex vi artigo 38° do Estatuto da Aposentação Pública, na redacção anterior ao DL 503/99, de 20 de Novembro, em virtude da doença do A. se ter despoletado e confirmada pelas entidades médico militares antes de 01 de Maio de 2000.

Ora,

13ª Pese embora a vasta jurisprudência citada e consolidada no nosso ordenamento jurídico, proferida pelos seguintes Tribunais Superiores, a saber: Tribunal Central Administrativo Norte no Acórdão datado de 27/05/2011, proferido no âmbito do Processo n° 00216/05.3BEMDL;
Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão datado de 25/10/2012, proferido no âmbito do Processo n° 02554/07;
Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 20-06-2013, proferido no âmbito do Processo n° 07895/11;
Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão datado de 19/06/2014, proferido no âmbito do Processo n° 01738/13, veio a esclarecer em definitivo a referida questão, ao sumariar:

“A despeito do previsto no n°1 do artigo 56° do DL n° 503/99, de 20 de Novembro e de o diagnóstico final se fazer depois da entrada em vigor do diploma, sempre que nesse exame se determine, a posteriori, que os factos causalmente relevantes que foram condição da doença profissional ocorreram, todos eles, antes do início da vigência da referida lei nova, a situação é enquadrável na previsão excepcional da parte final do n°2 do mesmo preceito e a pensão relativa à doença profissional deve decidir-se de acordo com as disposições do Estatuto da Aposentação na versão anterior à daquele Decreto-lei,

O qual foi reiterado por novo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do Processo n° 2243/15-3BEPRT;

14ª A verdade é que a decisão recorrida permanece insensível às questões aí decididas,

Ainda que,

15ª Não exista qualquer prazo para o exercício do direito do A. e por conseguinte a excepção de caducidade invocada e muito menos a intempestividade da prática do ato processual!

Por último.

16ª Não se compreende e lamenta-se a postura da Ré, ora recorrida, face à publicação da Lei n° 46/2020 de 20 de Agosto, a qual na redacção do seu artigo 6° procedeu à alteração do artigo 55° (sob a epígrafe “Pessoal militar e militarizado”), n°3 do Decreto-Lei n° 503/99, de 20 de Novembro, o qual passou a ter a seguinte redacção:
“O disposto no n°1 não se aplica aos militares das Forças Armadas que contraíram doenças no cumprimento do serviço militar, quando os factos que dão origem à pensão de reforma ou de invalidez tenham ocorrido antes da entrada em vigor do presente diploma, aplicando-se nesse caso as disposições do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n° 498/72, de 09 de dezembro, na sua redação atual”,

17ª Dispondo a Caixa Geral de Aposentações, nos termos do artigo 9° da citada Lei n° 46/2020 de 20 de Agosto, do prazo de 180 a contar de 01 de Setembro de 2000, para rever os processos dos militares que se encontrem abrangidos pelo n°3 do artigo 55° do Decreto-Lei n° 503/00, de 20 de novembro, a quem foi aplicado este regime,
Sendo de salientar que,

18ª À data da entrada da Contestação da Ré em juízo (em 28/09/2020), já se encontrava em curso o prazo para que a mesma pudesse e possa rever o processo do A., por se encontrar abrangido pela referida alteração legal,

19ª O que nunca aconteceu na pendência da acção, o que também foi desprezado pela sentença recorrida, não fazendo aplicar a Lei entretanto criada e de aplicação a curto prazo (90 dias).

Por todo o exposto,

20ª A sentença recorrida viola o artigo 56°, n°s 1 e 2 ex vi artigo 55° do Decreto-Lei n° 503/99 de 20 de novembro, na redacção introduzida pela Lei n° 46/2020 de 20 de agosto (artigo 6°) e o artigo 58° do Decreto-Lei n° 503/99 na sua redacção actual.

Viola igualmente as disposições dos artigos 127° (ex vi art°. 38° e 54°, n°4) a 131° do EAP na redacção anterior ao DL 503/99 de 20/11;

Termos em que, concedendo provimento ao presente recurso, anulando-se a sentença recorrida, far-se-á inteira e sã JUSTIÇA.

*

II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte, para o efeito de decidir a matéria de excepção:

1. Em 07.05.2015, o Autor formulou o seguinte requerimento - cfr. fls. 43 do processo administrativo no SITAF:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

2. Em 20.05.2015, a Direção da Administração de Recursos Humanos do Exército Português remeteu à Caixa Gral de Aposentações, o processo de reforma de invalidez do ex-militar «AA» - cfr. fls. 42 e seguintes do processo administrativo no SITAF.

3. Do referido processo, consta o auto da Junta da ATFA que, em sessão de 03.11.1971, o julgou incapaz para todo o serviço militar com uma desvalorização de 10% - cfr. fls. 42 e seguintes do processo administrativo no SITAF.

4. Por ofício de 29.01.2016, o Autor foi convocado para a realização de uma Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações a realizar no dia 23.02.2016 - cfr. fls. 127 do processo administrativo no SITAF.

5. Realizada em 23.02.2016, a Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações considerou que as lesões apresentadas pelo Autor - sequelas de tuberculose pulmonar - resultaram de desastre/doença ocorrida no exercício das funções militares e por motivo do seu desempenho - cfr. fls. 129 do processo administrativo no SITAF.

6. Por ofício de 14.03.2016, a Caixa Geral de Aposentações notificou o Autor do resultado da referida junta médica - cfr. fls. 131 do processo administrativo no SITAF.

7. Por fax de 15.06.2016, para a instrução regular do procedimento, a Caixa Geral de Aposentações solicitou à Direcção da Administração dos Recursos Humanos do Exército que fosse remetido o requerimento de atribuição da pensão de invalidez - cfr. fls. 217 do processo administrativo no SITAF.

8. O referido requerimento, assinado pelo Autor e com data de 07.07.2016, foi remetido pelo Exército à Caixa Geral de Aposentações, em 29.11.2016 - cfr. fls. 219 do processo administrativo no SITAF.

9. Em 07.07.2016, o Autor apresentou o seguinte requerimento - cfr. fls. 221 do processo administrativo no SITAF.

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

10. Por despacho de 28.03.2018, proferido pela Direcção da Caixa Geral de Aposentações, ao abrigo de delegação de poderes conferida pelo respectivo Conselho Directivo, publicado no Diário da República, II Série, n.º 152, de 08.08.2017, foi deliberado dar sem efeito a Junta Médica realizada em 23.02.2016, relativa ao ex-Soldado NIM ...67, em referência, em virtude do processo ter sido desencadeado posteriormente a 01.05.2010 junto dos serviços do Exército, devendo o processo ser avaliado pelos serviços médicos do Departamento Contra os Riscos Profissionais (DCRP) entidade com competência para declarar o eventual nexo de causalidade entre a doença e o exercício de funções - cfr. fls. 232 do processo administrativo no SITAF.

11. Por ofícios de 09.04.2018, a Direcção da Administração de Recursos Humanos do Exército e o Autor foram notificados do despacho de 28.03.2018, tendo a notificação do Autor, o seguinte teor - cfr. fls. 233 e 234 do PA no SITAF:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

12. Por ofício de 09.04.2018, para efeitos de caracterização da doença como doença profissional, o processo do Autor foi remetido para o Centro Nacional Contra os Riscos Profissionais - cfr. fls. 235 do processo administrativo no SITAF.

13. Em 22.04.2020, foi aposto despacho de concordância do Director do Departamento de Protecção dos Riscos Profissionais (que sucedeu ao CNPRP) com a Certificação de Incapacidades, que não caracterizou a doença do Autor como doença profissional - cfr. fls. 239 e 240 do processo administrativo no SITAF.

14. Em 27.04.2020, o Departamento de Protecção dos Riscos Profissionais, em cumprimento do disposto no artigo 28°, n° 1 e para efeitos do artigo 26°, n° 2 do Decreto-Lei n° 503/99, de 20 de Novembro, devolveu à Caixa Geral de Aposentações o processo do Autor - cfr. fls. 238 do processo administrativo no SITAF.

15. Por despacho de 06.05.2020, da Direcção da Caixa Geral de Aposentações, por delegação de poderes publicada no Diário da República, II Série, n° 244, de 19 de Dezembro de 2019, o pedido de atribuição de pensão de invalidez foi indeferido com base no seguinte fundamento: a doença não foi caracterizada como Doença Profissional pelo Centro Nacional Protecção Contra os Riscos Profissionais - cfr. fls. 265 do processo administrativo no SITAF.

16. A petição inicial, que motiva os presentes autos, deu entrada neste Tribunal, em 25.08.2020 - cfr. registo SITAF.

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*

III - Enquadramento jurídico.

A decisão recorrida procedeu ao seguinte enquadramento jurídico, na parte aqui relevante:

“(…)

Da intempestividade da prática de ato processual.

Na presente ação, o Autor, imputando ilegalidade ao despacho de maio de 2020 (facto 15) – que indeferiu a sua pretensão por não ter sido reconhecido o nexo de causalidade entre a doença e o serviço militar – requer a condenação do Réu à prática do ato devido, qual seja, a organização do processo militar com a observância das disposições especiais sobre pensão de invalidez de militares, nomeadamente com a observância do disposto nos artigos 127' a 131' do EAP, ex vi artigos 38' e 54', n'4 do EAP na versão anterior ao Decreto-Lei n' 503/99, com a consequente presença do Autor a uma junta médica da Caixa Geral de Aposentações para determinar o grau de incapacidade geral de ganho e a conexão da incapacidade com o acidente militar sofrido.

A Ré opõe-se a tal, invocando, a título de exceção, que ocorre intempestividade da prática de ato processual, uma vez que o Autor pretende sindicar o ato que, em 2018, deu sem efeito a junta médica realizada e o reconhecimento da existência de nexo de causalidade entre a doença e o serviço militar (facto 10).

Em réplica, o Autor aduz que o ato de março de 2018 (facto 10) não lhe foi devidamente notificado, que tal ato não decidiu qual o regime jurídico aplicável à situação do Autor e que não era, ainda, o ato administrativo definitivo e executório, porquanto não lhe denegava o direito a uma pensão de invalidez.

Ora, esta ação reveste a forma de condenação à prática do ato. Neste domínio, chama-se à colação o disposto no artigo 66.°, n.° 2 do C.P.T.A., nos termos do qual «ainda que a prática do ato devido tenha sido expressamente recusada, o objeto do processo é a pretensão do interessado e não o ato de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta diretamente da pronúncia condenatória». Por isso mesmo se estabelece no artigo 51.°, n.° 4 do mesmo Código que «se contra um ato de indeferimento for deduzido um pedido de estrita anulação, o tribunal convida o autor a substituir a petição, para o efeito de formular o adequado pedido de condenação à prática do ato devido». Como refere MÁRIO AROSO DE ALMEIDA (O novo regime do processo nos tribunais administrativos, Almedina, 4.ª edição, p. 211), «a reação contra atos administrativos de indeferimento deixa de ser objeto, no novo contencioso administrativo, de um processo impugnatório, dirigido à anulação ou declaração de nulidade desses atos». Agora «o titular de uma posição subjetiva de conteúdo pretensivo que deduza um pedido de condenação à prática de um ato administrativo não vai discutir em juízo o ato de recusa, por referência aos estritos termos em que ele se possa ter baseado, mas vai fazer valer a sua própria pretensão, em todas as dimensões em que ela se desdobra» (ob. cit., pp. 216 e 217).

O que vem dito serve para sublinhar o relevo que, na ação de condenação à prática de ato devido, assume a pretensão do autor, em detrimento de um juízo centrado no ato.

Perante este enquadramento, avance-se.

A intempestividade da prática do ato processual é uma exceção dilatória, expressamente prevista no artigo 89°, n.° 4, alínea k) do C.P.T.A., que, a ser procedente, determinará a absolvição da instância do Réu, isto é, obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa.

Estando em causa ação para condenação à prática de ato, o prazo, para recorrer à via judicial, estando em causa uma situação de inércia, é de um ano após o termo do prazo legal de decisão, ou, caso haja indeferimento, a tempestividade afere-se por reporte ao prazo para impugnação de atos impugnáveis – artigo 69°, n.° 2 do C.P.T.A. - o prazo de impugnação contenciosa, para atos anuláveis, encontra-se previsto no artigo 58°, n.° 1, alínea b) do C.P.T.A. e é de três meses desde a notificação do ato, o qual se suspende com a utilização de meios de impugnação graciosa, retomando-se ou com a notificação da decisão quanto à impugnação administrativa ou com o decurso do prazo legal de decisão, consoante o que ocorra em primeiro lugar (artigo 59°, n.° 4 do C.P.T.A.).

Na presente situação, o Autor apresentou requerimento, em março de 2015, para que a Ré o considerasse pensionista do Exército; em 2016, tendo o Autor sido submetido a junta médica, conclui-se que havia nexo de casualidade entre a doença e o serviço militar, tendo sido fixada incapacidade de 10%; sucede que, em 2018, foi praticado ato no sentido de dar sem efeito a junta médica realizada e o resultado ali obtido, devendo remeter-se o processo do Autor a uma outra entidade, que deveria instruir o processo (o Centro Nacional Contra os Riscos Profissionais) – facto 10; nesta sequência, foi dado conhecimento ao Autor e o mesmo veio a ser submetido a junta médica, naquela entidade, a qual veio a concluir que não havia nexo de causalidade entre a doença e o serviço profissional, vindo a ser indeferido o seu pedido de pensão de invalidez – facto 15.

Ora, o Autor, indica reagir contra este ato final, proferido na sequência da junta médica realizada pelo Centro Nacional Contra os Riscos Profissionais; contudo, a sua pretensão, atento o modo como configurou a sua petição inicial, assenta na ilegalidade, deste ato, porquanto o mesmo não aplicou o regime legal devido, devendo ser anulado e determinar-se a remessa do seu processo à Ré, à qual incumbirá realizar junta médica e apreciar o pedido de pensão de invalidez; e, em nome do princípio do aproveitamento dos atos, 61° E considerando que o A. já foi presente a uma junta médica da Ré em 23 de Fevereiro de 2016, a qual reconheceu o nexo causal entre a doença do A. e o cumprimento do serviço militar, confirmando a desvalorização de 10% atribuída pelas entidades médico militares, 62° Deverá prevalecer a referida decisão, validando a mesma, revogando-se o despacho que deliberou dar sem efeito a referida junta.

Portanto, muito embora o Autor impute ilegalidade ao ato de 2020 (facto 15), efetivamente o que o Autor pretende é que lhe seja aplicado o regime do Decreto-Lei 498/72 e que se reconheça que a Ré é que tem competência para instruir o processo de invalidez, mormente realizando junta médica para estabelecimento do nexo causal e fixação de incapacidade, o que sucedeu em 2016 e depois foi dado sem efeito; ou seja, o Autor pretende retroagir a 2018, revogando-se esse ato, que deu sem efeito a junta médica realizada pela Ré em 2016. Sendo que é assim que termina a sua petição inicial e, aliás, formula o pedido “condenando-se a Ré à prolação de novo despacho nos termos melhor descritos nos artigos 57º a 64º da presente petição inicial”.

Mais se esclareça que o ato que, em 2018, deu sem efeito a junta médica e decidiu remeter o processo a outra entidade, não lhe tenha declinado o direito a uma pensão de invalidez, esse ato teve efeitos jurídicos na esfera do Autor. Esse ato destruiu os efeitos que decorriam da realização de uma junta médica, que estabeleceu o nexo de causalidade entre a doença e o serviço militar e que fixou uma incapacidade – portanto, era um ato administrativo impugnável (artigo 148° do C.P.A. e artigo 51° do C.P.T.A.).

Além disso, a circunstância de não indicar o regime legal aplicável e de ter havido notificação imperfeita ou defeituosa não contendeu com a tomada de conhecimento do ato – o Autor soube que a junta médica foi dada sem efeito e que o seu processo foi remetido a outra entidade. O Autor reconhece tal factualidade e afirma que se conformou com tal. Não tendo compreendido o alcance do ato ou o fundamento do mesmo, sempre deveria ter reagido oportunamente quanto a esse ato, o que não fez.

Acresce, ainda, que, quanto ao segundo ato (de 2020 – facto 15), que se prende com o indeferimento da pensão de invalidez em consequência da junta médica, o Autor nada lhe imputa. Pelo que não poderia seguir a ação, tendo-o por referência.

Em suma, do expendido decorre que, sendo a ação seja de condenação à prática do ato, a contagem do prazo para reação contenciosa é feita por reporte a um ato administrativo impugnável, que, no caso, foi o ato de 2018 (facto 10). O Autor sempre teria que reagir ao referido ato, no prazo do artigo 58°, n.° 1, al. b), por remissão do artigo 69°, n.° 2, todos do C.P.T.A..

Não tendo o Autor dado cumprimento ao prazo de três meses, ali, previsto, é forçoso concluir pela intempestividade da prática de ato processual, a qual é dilatória, impede o conhecimento do mérito e determina a absolvição da Ré da instância (artigo 89°, n.°s 1, 2 e 4, al. k) do C.P.T.A.).
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Por ser procedente a matéria de exceção, é o Autor responsável pelo pagamento das custas, nos termos dos artigos 527°, n°s 1 e 2, do Código de Processo Civil e 6° e 13° do Regulamento das Custas Processuais.

(…)”

Não se pode subscrever esta decisão, cabendo razão ao Recorrente, adianta-se.

A tempestividade de uma acção de impugnação afere-se pelo acto impugnado e pela sua notificação e não por qualquer outro acto ou notificação.

No caso, o acto impugnado é o despacho de 06.05.2020 notificado ao Autor em 12.05.2020, como decorre inequivocamente da petição inicial e está comprovado nos autos.

Pelo que a acção de condenação à prática do acto devido e que, procedendo, terá como consequência a remoção deste acto da ordem jurídica, intentada em 25.08.2020, é tempestiva, tendo em conta que o mês de Agosto é de férias judiciais e o disposto nos artigos 58º, n.ºs1, alínea b), e 2, e 69º, n.º2, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Saber se com tal acção se afasta da ordem jurídica um acto já consolidado na ordem jurídica é matéria diversa, da inadmissibilidade da acção por inimpugnabilidade desse acto consolidado. É matéria de excepção resultante do disposto no n.º2 do artigo 38º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:

“Sem prejuízo do disposto no número anterior, não pode ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável”.

E também essa excepção se não verifica.

Esta norma não contempla as situações como a dos autos em que se invoca legislação superveniente que permite, na alegação do autor, a revisão desse acto.

Só faz sentido falar da revisão de um acto que se tenha consolidado na ordem jurídica.

No caso o autor invocou o disposto artigo 9º da Lei nº 46/2020, de 20.08, ou seja, posterior ao acto referido na decisão recorrida como consolidado na ordem jurídica, o despacho 28.03.2018 (facto provado sob o n.º10), para julgar a acção intempestiva.

E não se diga que não invoca normas que lhe permitam sustentar o pedido que deduziu, o que eventualmente traduziria uma outra excepção, a ineptidão da petição inicial.

Pelo contrário.

Imputou ilegalidades ao acto que pretende ver revisto – artigo 54º da petição inicial:

“Os artigos 56º, nºs 1 e 2 e 58º do DL 503/99, de 20 de Novembro;
As disposições dos artigos 127º (ex vi artº. 38º e 54º, nº4) a 131º do
EAP na redação anterior ao DL 503/99 de 20/11;
Os artigos 34º e 37º da Lei 30/87, de 07JUL;
Os artigos 44º e 46º da Lei 174/99, de 21SET;
Os artigos 78º e 80º do DL 463/88, de 15DEZ;
Os artigos 72º e 73º do DL 289/2000, de 14NOV;
O artigo 176º, a) do DL 34-A/90, de 24JAN;
O artigo 161º, a) do DL 236/99, de 25JUN;
O artigo 160º, a) do DL 197-A/2003, de 30AGO;
(…)”.

Mas invocou também o fundamento legal para a pretendida revisão desse acto e para anulação do acto efectivamente impugnado (artigo 65º da petição inicial):

O artigo 9º da Lei nº 46/2020 de 20.08.

Saber se estes fundamentos procedem ou não já é matéria de mérito da acção cujo conhecimento pressupõe não se verificar qualquer excepção que obste ao conhecimento de mérito.

Com sucede, procedendo o recurso.

*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO pelo que:

1. Revogam a decisão recorrida.

2. Determinam a baixa dos autos para que prossigam os seus normais termos para conhecimento de mérito se nada mais a tal obstar.

Custas em ambas as instâncias pela Ré/Recorrida.

*
Porto, 11.10.2024

Rogério Martins
Isabel Costa
Fernanda Brandão