Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01848/19.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/21/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA; INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.;
DECRETO-LEI N.º 28/2004, DE 4 DE FEVEREIRO;
ACIDENTE DE TRABALHO; CONCESSÃO PROVISÓRIA DO SUBSÍDIO DE DOENÇA;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA» instaurou ação administrativa contra o Instituto da Segurança Social, I.P., ambos melhor identificados nos autos, peticionando:
Nestes termos e nos mais de direito, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, deve:
a) anular-se o despacho de 28/06/2019, do Senhor Chefe da Equipa de Prestações de Doença, Parentalidade e Verificação das Incapacidades do Centro Distrital da Segurança Social de Viana do Castelo, que não reconheceu ao Autor o direito à concessão provisória de subsídio de doença no período, de 08/12/2017 até ao presente;
b) condenar-se o Réu na prática de acto devido, nomeadamente, na prolação de decisão que reconheça o Autor o direito ao recebimento do subsídio de doença, relativamente ao período que mediar entre 03/07/2018 e a data da cessação da sua incapacidade temporária para o trabalho, fixando-se custas a cargo do Réu.
Por decisão proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a acção.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:

1. Na concessão “ordinária” do subsídio de doença, enquadrável na definição do art. 2.° do Decreto-Lei n.° 28/2004, de 4 de Fevereiro, não há acto da responsabilidade de terceiro e, por isso, a concessão de tal prestação é definitiva e mantém-se enquanto se mantiver a situação de incapacidade ou, no limite, até ao prazo máximo de concessão do subsídio de doença, previsto no art. 23.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 28/2004, de 4 de Fevereiro.

2. Na concessão provisória do subsídio de doença, prevista no art. 7.° do mesmo diploma, uma vez que o facto gerador da incapacidade para o trabalho é um acto da responsabilidade de terceiro, esse subsídio corresponde, em linguagem coloquial, a um adiantamento que a Segurança Social faz ao sinistrado e do qual é posteriormente reembolsada, caso seja apurada a responsabilidade de terceiro pela situação de incapacidade.

3. Por ter sido criado para fazer face a situações em que o sinistrado está sem rendimento, por ainda aguardar que a responsabilidade por acto de terceiro seja apurada, é que o subsídio de doença previsto no art. 7.° do Decreto-Lei n.° 28/2004, de 4 de Fevereiro, é concedido de forma provisória, já que cessará logo que tal responsabilidade seja assumida pela entidade responsável.

4. É precisamente seguindo essa lógica que o n.° 2 do art. 7.° do Decreto-Lei n.° 28/2004, de 4 de Fevereiro, prevê, para além das causas gerais de cessação do subsídio de doença (previstas no art. 24.° do Decreto-Lei n.° 28/2004, de 4 de Fevereiro), duas únicas situações em que poderá ser decidida a cessação de tal concessão provisória (cfr. art. 7.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 28/2004, de 4 de Fevereiro), a saber: o reconhecimento judicial da obrigação de indemnizar, ou seja, a prolação de decisão final, transitada em julgado, por uma instância judicial, que decida definitivamente que as lesões causadoras da incapacidade são consequência de acto da responsabilidade de terceiro; o pagamento voluntário da indemnização pelo terceiro, ou seja, a adopção, por parte do ente responsável, de uma conduta que revele a assunção de responsabilidade.

5. Caso haja responsabilidade de terceiro (seja por decisão judicial, seja por assunção), a Segurança Social não só poderá cessar o subsídio de doença, como terá direito a ser ressarcida dos montantes pagos, na medida em que há um terceiro responsável pelo dano sofrido pelo sinistrado; caso não haja responsabilidade de terceiro, a Segurança Social não poderá cessar o subsídio de doença nem terá direito a ser ressarcida, porque a incapacidade para o trabalho não é da responsabilidade de ninguém e, em tal hipótese, dado que o sinistrado não poderá ficar desprotegido na eventualidade da doença, terá de ser ressarcida pelo sistema de previdência social, através do subsídio de doença.

6. Sempre que não se verifique reconhecimento judicial da obrigação de indemnizar ou pagamento voluntário da indemnização pelo ente responsável, não será lícito à Segurança Social cessar a concessão provisória do subsídio de doença (salvo caso se verifique alguma das causas gerais de cessação previstas no art. 24.º), tal como expressamente dispõe o n.º 2 do art. 7.º do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4 de Fevereiro, a contrario.

7. Se quanto ao período após 09/12/2017 não estavam reunidos os pressupostos para a cessação da concessão provisória do subsídio de doença, a Segurança Social não poderia deixar de pagar esta prestação social ao Autor, sob pena de o mesmo ficar sem qualquer tipo de assistência ou previdência social na doença.

8. O facto de no Tribunal do Trabalho se ter fixado a data da alta a 09/12/2017 não significa que, a partir dessa data, o Autor ficou apto para o trabalho; significa apenas que nessa data ocorreu a consolidação das lesões decorrentes do acidente de trabalho e, por inerência que qualquer eventual incapacidade subsistente após essa data não decorre do acidente de trabalho.

9. A alta não significa que o Autor ficou apto para o trabalho, mas que a sua inaptidão (comprovada por CIT emitidos pelo médico de família) deixou de ter como causa o acidente de trabalho – que é coisa bem diferente.

10. O acto impugnado, ao determinar o não pagamento do subsídio de doença após 09/12/2017, quando, em relação a tal período, não se verificaram os pressupostos previstos no art. 7.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 28/2004, de 4 de Fevereiro, violou essa referida disposição legal, o que inquina tal acto com vício de anulabilidade – cfr. art. 163.°, n.° 1 do CPA.

11. E a douta sentença recorrida, ao julgar improcedente a pretensão do Autor, contendeu com ambas as normas referidas no precedente parágrafo - art. 7.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 28/2004, de 4 de Fevereiro, e art. 163.°, n.° 1 do CPA.

12. Daí que se requeira expressamente a V. Exas. que, julgando procedente o presente recurso, seja determinada a revogação da douta sentença recorrida e proferido, em sua substituição, Acórdão que julgue a presente acção integralmente procedente.

13. Nem se diga, contra o que se vem de expor, que o facto de o médico de família ter feito constar do CIT, como causa da incapacidade, a ocorrência de AT impedia a Segurança Social de proceder ao pagamento do subsídio de doença.

14. A única relevância de tal qualificação, pelo médico de família, é a de despoletar o procedimento interno da Segurança Social tendente ao apuramento do terceiro responsável e à dedução do competente pedido de reembolso. No mais, os CIT em nada diferem de qualquer outro CIT, ou seja, declaram e comprovam que o Autor estava incapaz para o trabalho e, nessa medida, com direito ao pagamento de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária (baixa), seja ele terceiro responsável, seja ele a Segurança Social.
15. Resta dizer que a douta sentença recorrida surge em contraciclo relativamente àquela que tem sido a experiência do Signatário em processos análogos, tal como resulta do Douto Acórdão do TCAN e da Douta Sentença deste TAF de Braga que se anexam às presentes alegações: docs. n.º 1 e 2.
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Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, com a consequente revogação da Douta Sentença recorrida e prolação, em sua substituição, de Acórdão que esteja em conformidade com as conclusões acima formuladas, julgando a presente acção integralmente procedente,

com o que se fará Justiça!
Não foram juntas contra-alegações.
O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

1.O Autor trabalhava ao serviço de “[SCom01...], Lda.”, sociedade comercial com sede e oficinas na Rua ..., na freguesia ..., em ... – cfr. docs. 1 e 2 juntos com a petição inicial;

2. O Autor exercia funções de Diretor (Gerente) da referida sociedade comercial, bem como de carpinteiro, mediante o pagamento de retribuição mensal base de € 557,00, acrescida de subsídio de alimentação no valor mensal de € 110,00, o que se traduzia num salário anual de € 9 008,00 (€ 557,00 x 14 meses + € 110,00 x 11 meses) – cfr. docs. 1 e 2 juntos com a petição inicial;

3. No dia 14/11/2017, cerca das 17h00, na oficina da entidade patronal sita na Rua ..., na freguesia ..., em ..., o Autor estava a exercer funções de carpinteiro, ao serviço da referida entidade patronal – cfr. docs. 1 e 2 juntos com a petição inicial;

4. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, quando se encontrava a aplainar uma tábua, tendo em vista o seu alisamento, o Autor, com o esforço feito, sentiu uma dor forte ao nível da zona do braço e ombro direito – cfr. docs. 1 e 2 juntos com a petição inicial;

5. Na sequência desse evento, o Autor foi assistido no Serviço de Urgência da ULSAM – ... – Hospital ... e, posteriormente, nos serviços clínicos da Companhia de Seguros [SCom02...], S.A.;

6. A responsabilidade emergente de acidentes de trabalho estava transferida pela entidade patronal acima referida para a Companhia de Seguros [SCom02...], através da apólice n.º ...96 – cfr. docs. 1 e 2 juntos com a petição inicial;

7. Esses serviços consideraram o Autor curado, sem desvalorização, 07/12/2017 – cfr. doc. 2 junto com a petição inicial;

8. No dia útil seguinte ao da alta dada pelos serviços clínicos da seguradora (09/12/2017), o Autor apresentou-se ao trabalho, perante a entidade patronal acima referida;

10. O Autor contactou a Companhia de Seguros [SCom02...], no sentido de lhe ser novamente avaliado pelos Serviços Clínicos dessa Companhia de Seguros mas a Comp. Seguros [SCom02...] manteve a posição inicialmente assumida;

11. No dia 24/01/2018, o Autor dirigiu-se ao médico de família, na USF ... – ..., que emitiu certificados de incapacidade temporária para o trabalho, por acidente de trabalho, desde 24.01.2018 até 27.09.2019 – cfr. docs. 9 a 29 juntos com a petição inicial;

12. Por não se conformar com a alta clínica dada pelos serviços clínicos da Comp. Seguros [SCom02...], o Autor apresentou participação de acidente de trabalho no Juízo do Trabalho de Viana do Castelo, que foi distribuída com o n.° 775/18.... – cfr. docs. 1 a 3 juntos com a petição inicial;

13. Na sequência da participação feita pelo Autor, correu termos o processo de acidente de trabalho, no Juízo do Trabalho de Viana do Castelo, com o n.° 775/18..... Nesse processo, o Autor foi submetido a exame médico-legal, para verificação da incapacidade decorrente de acidente de trabalho – cfr. docs. 1 a 3 juntos com a petição inicial;

14. Esse exame, por um lado, considerou o Autor curado sem desvalorização, e, por outro, considerou que a consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo Autor (alta clínica) ocorreu em 02/07/2018 (mais de seis meses mais tarde da data indicada pelo seguro – 07/12/2017) – cfr. doc. 3 junto com a petição inicial;

15. Na sequência desse exame médico legal, em 18/03/2019, realizou-se tentativa de conciliação nesse processo, em que não foi possível obter a conciliação das partes, em virtude de o Autor não concordar com o resultado do exame médico-legal acima referido – cfr. doc. 5 junto com a petição inicial;

16. O Autor requereu a realização de exame por junta médica, por discordar do resultado do exame médico legal realizado pelo IML – cfr. doc. 6 junto com a petição inicial;

17. No exame por junta médica concluiu-se que os períodos de incapacidade temporária para o trabalho, decorrentes do acidente, eram os que resultavam do exame médico-legal realizado pelo IML – alta clínica em 02/07/2018 – e, ainda, que o Autor se encontrava curado sem desvalorização, e considerou-se que o Autor apresentava lesões e sequelas, concluindo-se que as mesmas não eram decorrentes do acidente de trabalho – cfr. resposta ao quesito 3.º (cfr. resposta ao ponto 3: “Não. São de patologia prévia”) – cfr. doc. 7 junto com a petição inicial;

18. Na sequência dessa decisão, o Autor recebeu da Comp. Seguros [SCom02...] a quantia de €1.311,24, a título de diferenças na indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, entre o período de alta clínica fixado pela Seguradora (07/12/2017) e a fixada pelo Tribunal (02/07/2018) – cfr. doc. 8 junto com a petição inicial;

19. Em 17/04/2019, o Autor, através de mandatário, dirigiu requerimento ao Réu em que solicitou:
a) a notificação de eventual decisão de revogação da concessão provisória do subsídio de doença;
b) o pagamento do subsídio de doença relativamente a todo o período que decorreu entre janeiro de 2018 e a data de apresentação desse requerimento: cfr. docs. 50 a 52 juntos com a petição inicial;

20. Em resposta a essa comunicação, o Autor recebeu o seguinte ofício datado de 28.06.2019 – cfr. doc. 53 junto com a petição inicial:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
21. A petição inicial, que motiva estes autos, deu entrada neste Tribunal, em 27.09.2019 – cfr. registo SITAF.
DE DIREITO
É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, com consagração nos artigos 635.º, n.º(s) 4 e 5, 639.º, n.º(s) 1 e 2 e artigos 1.º, 140.º, n.º 3 e 146.º, n.º 4 do CPTA que o objeto do recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, pelo respetivo recorrente, o que se traduz no impedimento do tribunal ad quem de conhecer de matéria que aí não tiver sido invocada, exceto as situações de conhecimento oficioso, seja de mérito ou de natureza adjetiva.
Assim,
É objecto de recurso a sentença que julgou a acção totalmente improcedente.
Na óptica do Recorrente esta padece de erro de julgamento de Direito.
Cremos que lhe assiste razão.
Vejamos,
O procedimento administrativo em referência nos autos circunscreve-se ao domínio da concessão provisória do subsídio de doença, regulada pelo artº 7.º do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro.
Para cabal compreensão do conceito, interessa distinguir:
a) por um lado, o subsídio de doença propriamente dito, que consiste numa prestação social que visa compensar o trabalhador nos casos de incapacidade temporária para o trabalho, motivados por doença, que não seja decorrente de acto da responsabilidade de terceiro, previsto no artº 2.º do citado Decreto-Lei;
b) por outro lado, a concessão provisória do subsídio de doença, que consiste numa prestação social que visa compensar o trabalhador nos casos de incapacidade temporária para o trabalho, motivados por doença, decorrentes de acto da responsabilidade de terceiro, enquanto essa responsabilidade não está definida, o qual está previsto no artº 7.º do mesmo DL.
Na concessão “ordinária” do subsídio de doença, enquadrável na definição do artº 2.º do DL 28/2004, de 4 de fevereiro, não há acto da responsabilidade de terceiro e, por isso, a concessão de tal prestação é definitiva e mantém-se enquanto se mantiver a situação de incapacidade ou, no limite, até ao prazo máximo de concessão do subsídio de doença, previsto no artº 23.º, n.º 1 do Diploma em referência.
Já na concessão provisória do subsídio de doença, prevista no seu artº 7., uma vez que o facto gerador da incapacidade para o trabalho é um acto da responsabilidade de terceiro, esse subsídio corresponde a um adiantamento que a Segurança Social faz ao sinistrado e do qual é posteriormente reembolsada, caso seja apurada a responsabilidade de terceiro pela situação de incapacidade.
Assim, a título de exemplo trazido pelo Apelante, se um trabalhador tem direito a receber da companhia de seguros responsável a quantia de 10 000,00 €, a título de baixas (indemnização pelos períodos de incapacidade temporária), mas já recebeu 5 000,00 € da Segurança Social, a título de concessão provisória do subsídio de doença (enquanto se discutia a responsabilidade), isso significa que, logo que a responsabilidade seja assumida, a Companhia de Seguros:
a) ressarcirá a Segurança Social dos 5 000,00 € que adiantou;
b) pagará ao trabalhador 5 000,00 € (a diferença entre os 10 000,00 € que teria direito a receber e os 5 000,00 € que lhe foram provisoriamente adiantados pela Segurança Social).
Por ter sido criado para fazer face a situações em que o sinistrado está sem rendimento, por ainda aguardar que a responsabilidade por acto de terceiro seja apurada, é que o subsídio de doença previsto no artº 7.° do Decreto-Lei n.° 28/2004, é concedido de forma provisória, já que cessará logo que tal responsabilidade seja assumida pela entidade responsável.
É precisamente seguindo essa lógica que o n.° 2 do artº 7.° prevê, para além das causas gerais de cessação do subsídio de doença (previstas no artº 24.° do DL 28/2004, de 4/02, duas únicas situações em que poderá ser decidida a cessação de tal concessão provisória (cfr. artº 7.°, n.° 2 do apontado Diploma, a saber:
a) o reconhecimento judicial da obrigação de indemnizar, ou seja, a prolação de decisão final, transitada em julgado, por uma instância judicial, que decida definitivamente que as lesões causadoras da incapacidade são consequência de acto da responsabilidade de terceiro;
b) o pagamento voluntário da indemnização pelo terceiro, ou seja, a adopção, por parte do ente responsável, de uma conduta que revele a assunção de responsabilidade.
Por força do estatuído no n.º 2 do artº 7.º do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro, com excepção das causas gerais de cessação do subsídio de doença, a concessão provisória do subsídio de doença prevista no artº 7.º desse diploma só poderá cessar caso se verifique uma das hipóteses elencadas no precedente parágrafo: reconhecimento judicial da obrigação de indemnizar ou pagamento da indemnização.
A lógica do legislador é simples, já que:
a) caso haja responsabilidade de terceiro (seja por decisão judicial, seja por assunção), a Segurança Social não só poderá cessar o subsídio de doença, como terá direito a ser ressarcida dos montantes pagos, na medida em que há um terceiro responsável pelo dano sofrido pelo sinistrado;
b) caso não haja responsabilidade de terceiro, a Segurança Social não poderá cessar o subsídio de doença nem terá direito a ser ressarcida, porque a incapacidade para o trabalho não é da responsabilidade de ninguém e, em tal hipótese, dado que o sinistrado não poderá ficar desprotegido na eventualidade de doença, terá de ser ressarcido pelo sistema de previdência social, através do subsídio de doença.
Como decorre do exposto, sempre que não se verifique reconhecimento judicial da obrigação de indemnizar ou pagamento voluntário da indemnização pelo ente responsável, não será lícito à Segurança Social cessar a concessão provisória do subsídio de doença (salvo caso se verifique alguma das causas gerais de cessação previstas no artº 24.º), tal como expressamente dispõe o n.º 2 do artº 7.º do DL 28/2004, a contrario.
Voltando ao caso concreto temos que:
a) o Autor sofreu um acidente de trabalho em 14/11/2017, sendo que existe uma companhia de seguros responsável pelo ressarcimento dos danos daí decorrentes;
b) essa companhia de seguros pagou ao Autor as indemnizações por períodos de incapacidade temporária (baixas) relativamente ao período de 14/11/2017 a 09/12/2017;
c) os períodos de incapacidade temporária (baixas) decorrentes desse acidente trabalho foram judicialmente fixados entre 14/11/2017 e 09/12/2017 - o que significa que, a partir de 10/12/2017, o Autor deixou de estar incapaz para o trabalho por facto imputável ao acidente de trabalho;
d) de 10/12/2017, o Autor continuou em situação de incapacidade temporária para o trabalho, conforme CIT - Certificados de Incapacidade Temporária para o Trabalho - emitidos pelo médico de família.
Perante tal quadro, há que distinguir 2 (dois) momentos:
a) quanto ao período de 14/11/2017 a 09/12/2017, houve reconhecimento judicial da obrigação de indemnizar (o Tribunal do Trabalho entendeu que tais datas correspondiam ao período de incapacidade temporária) e houve pagamento das indemnizações por incapacidade temporária, relativas a esse período;
b) quanto ao período após 09/12/2017, não houve reconhecimento judicial da obrigação de indemnizar (o Tribunal do Trabalho entendeu que, após essa data, eventual incapacidade já não decorreria do acidente de trabalho), nem houve pagamento das indemnizações por incapacidade temporária, relativas a esse período.
Subsumindo os factos ao normativo do artº 7.º do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro, temos que:
a) quanto ao período de 14/11/2017 a 09/12/2017, verificaram-se os pressupostos de cessação (não pagamento) da concessão provisória do subsídio de doença, já que o Autor foi ressarcido pelo terceiro responsável;
b) quanto ao período após 09/12/2017, não se verificaram os pressupostos de cessação (não pagamento) da concessão provisória do subsídio de doença, uma vez que o Autor não foi ressarcido pelo terceiro responsável e a decisão judicial proferida não considerou a incapacidade relativa a este período consequência de acto de terceiro. Ou seja: se quanto ao período após 09/12/2017 não estavam reunidos os pressupostos para a cessação da concessão provisória do subsídio de doença, a Segurança Social não poderia deixar de pagar esta prestação social ao Autor, sob pena de o mesmo ficar sem qualquer tipo de assistência ou previdência social na doença.
Note-se que o facto de no Tribunal do Trabalho se ter fixado a data da alta a 09/12/2017 não significa que, a partir dessa data, o Autor ficou apto para o trabalho; significa apenas que nessa data ocorreu a consolidação das lesões decorrentes do acidente de trabalho e, por inerência que qualquer eventual incapacidade subsistente após essa data não decorre do acidente de trabalho. Isto é, a alta não significa que o Autor ficou apto para o trabalho, mas que a sua inaptidão (comprovada por CIT emitidos pelo médico de família) deixou de ter como causa o acidente de trabalho - que é coisa diferente.
Em suma,
Como sabemos, o subsídio por doença constitui um “substituto” da retribuição devida aos trabalhadores, tendo uma natureza substitutiva e compensatória de modo a proteger socialmente o trabalhador incapacitado temporariamente.
O DL nº 28/2004, e as alterações ao mesmo introduzidas, define o regime jurídico de proteção social na eventualidade doença no âmbito do subsistema previdencial que se realiza mediante a atribuição de prestações destinadas a compensar a perda de remuneração presumida, em consequência de incapacidade temporária para o trabalho.
O direito às prestações deste benefício social é reconhecido aos beneficiários que à data do início da incapacidade temporária para o trabalho, reúnam condições de atribuição, definidas naquele diploma.
Deste modo, reunidos os pressupostos legais, o Instituto da Segurança Social, enquanto não for reconhecida a entidade responsável pela reparação do acidente de trabalho, procederá, provisoriamente e em caso de incapacidade para o trabalho, ao pagamento do subsídio de doença, tendo, porém, uma vez reconhecida a entidade responsável por essa reparação, o direito de regresso sobre esta (artºs 71º da Lei 32/02, de 20/12 e 7º do DL 28/04).
Face ao disposto no artº 31º nºs 1, 2 e 3 do Dec. Lei nº 28/04, uma seguradora demandada em ação por acidente de trabalho (terceiro responsável pela indemnização) não deve proceder ao pagamento direto da indemnização por ITA que seja devida ao sinistrado, sem antes se ter certificado que não houve qualquer pagamento de subsídio de doença por parte da Segurança Social, sob pena de ter de responder solidariamente com o beneficiário pelo reembolso do valor dos subsídios de doença provisoriamente concedidos.
Decorre do artigo 7º daquele diploma (subsídio provisório) que:
“1 - Nas situações de incapacidade temporária para o trabalho decorrentes de acidente de trabalho ou de ato da responsabilidade de terceiro, pelo qual seja devida indemnização, há lugar à concessão provisória de subsídio de doença enquanto não se encontrar reconhecida a responsabilidade de quem deva pagar aquelas indemnizações.
2 - A concessão provisória do subsídio de doença cessa logo que se verifique o reconhecimento judicial da obrigação de indemnizar ou o pagamento voluntário da indemnização, sem prejuízo do disposto no artigo 31º
3 - Sempre que seja judicialmente reconhecida a obrigação de indemnizar, as instituições de segurança social têm direito ao reembolso dos valores correspondentes à concessão provisória do subsídio de doença até ao limite do valor da indemnização.
(…)”
In casu, o acto impugnado, ao determinar o não pagamento do subsídio de doença após 09/12/2017, quando, em relação a tal período, não se verificaram os pressupostos previstos no artº 7.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 28/2004, de 4 de fevereiro, violou essa referida disposição legal, o que inquina tal acto com vício de anulabilidade - artº 163.°, n.° 1 do CPA.
E a sentença recorrida, ao julgar improcedente a pretensão do Autor, contendeu com ambas as normas referidas no precedente parágrafo - artº 7.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 28/2004, de 4 de fevereiro, e artº 163.°, n.° 1 do CPA -.
Tal determina a procedência do recurso.
De sublinhar que o Réu nem ofereceu contestação nem juntou contra-alegações.
Nem se diga, contra o que se vem de expor, que o facto de o médico de família ter feito constar do CIT, como causa da incapacidade, a ocorrência de AT impedia a Segurança Social de proceder ao pagamento do subsídio de doença.
Como bem alegado, a única relevância de tal qualificação, pelo médico de família, é a de despoletar o procedimento interno da Segurança Social tendente ao apuramento do terceiro responsável e à dedução do competente pedido de reembolso. No mais, os CIT em nada diferem de qualquer outro CIT, ou seja, declaram e comprovam que o Autor estava incapaz para o trabalho e, nessa medida, com direito ao pagamento de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária (baixa), seja ele terceiro responsável, seja ele a Segurança Social.
Procedem as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a sentença e julga-se procedente a acção.
Sem custas.
Notifique e DN.

Porto, 21/6/2024

Fernanda Brandão
Paulo Ferreira de Magalhães
Rogério Martins