Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00705/09.0BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/29/2025
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:VIRGÍNIA ANDRADE
Descritores:IRC;
INDISPENSABILIDADE; MAIS-VALIAS;
GASTO CONTABILÍSTICO VS FISCAL;
Sumário:
I. Não existe uma absoluta coincidência entre o gasto contabilístico e gasto fiscal, na medida em que, fiscalmente, a dedutibilidade de gastos tem de obedecer ao preenchimento de dois requisitos, quais sejam a comprovação da sua ocorrência e a indispensabilidade destes, sendo que a ausência de um destes pressupostos implica a sua não consideração como custo fiscal, uma vez que no IRC vigora o princípio do auto-apuramento do lucro contabilístico do sujeito passivo.

II. O princípio da liberdade económica não é um valor absoluto, uma vez que, tal faculdade não pode ser entendida como uma autorização ilimitada de planeamento fiscal.

III. O poder de fiscalização atribuído à AT não traduz uma ingerência ilegal na esfera privada da própria sociedade, pois esta limita-se a aferir da legalidade da transposição da operações vertidas na contabilidade para o plano fiscal.

IV. Incumbe à AT pôr em causa a indispensabilidade de um determinado “custo” (gasto), através da evidenciação de indícios sólidos e consistentes da sua dispensabilidade ao abrigo do disposto no artigo 74.º n.º 1 da LGT), face à presunção de veracidade de que gozam as declarações dos contribuintes e os dados inscritos na sua contabilidade (art. 75.º, n.º 1 da LGT).

V. Recai sobre o sujeito passivo de imposto o ónus da prova da dispensabilidade dos custos deduzidos fiscalmente.

VI. Não obstante, as menos valias realizadas fazerem parte do elenco exemplificativo dos custos fiscais elegíveis, não as subtrai ao teste da indispensabilidade para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora, que o corpo do artigo proclama como regra geral.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte

1 – RELATÓRIO
A Fazenda Pública vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 24.07.2016 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou procedente a impugnação intentada por [SCom01...], SGPS, S.A., contribuinte fiscal n.º ...10 da decisão de indeferimento do recurso hierárquico deduzido da reclamação apresentada contra a liquidação de IRC de 2002, no montante de €28.687.346,90.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
“I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por [SCom01...], SGPS, S.A. contra a liquidação de IRC do exercício de 2002.
II. O douto Tribunal anulou a liquidação em causa por ter considerado que a AT não poderia, ao abrigo do artigo 23.º do CIRC, ter recusado como custo as menos-valias resultantes da alienação de participações sociais de uma dominada da impugnante a outra dominada do mesmo grupo empresarial.
III. A questão decidenda a submeter ao julgamento do Tribunal ad quem consiste em saber se o douto Tribunal incorreu em incorrecta apreciação e valoração da factualidade dada como assente, em deficiente selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito controvertida, em errónea subsunção da matéria a considerada como provada aos comandos normativos contidos nos artigos 23.º do CIRC e 74.º da LGT e em incorrecta interpretação e aplicação daquelas mesmas normas.
II - A factualidade dada como provada

IV. A recorrente manifesta discordância com factualidade dada por assente pelo Tribunal a quo, na medida em que este não poderia dar como provados determinados factos, atenta a prova documental carreada para os autos, nem poderia tirar as ilações que tirou dos mesmos, para além de que deveriam ter sido dados como provados determinados factos que o não foram, além de que, em relação a outros, foi-lhes dada uma redacção diversa da que se impunha.
Assim,
V. O facto 3. não deveria ter sido dado como provado ou, a sê-lo, deveria ter a redacção proposta no ponto 4 f) das alegações, dado que a formulação constante na douta sentença constitui um mero facto conclusivo, não podendo tal facto ser considerado público e notório, inexistindo qualquer prova nos autos que o confirme
VI. O facto 4. deveria ser dado como provado com a redacção proposta no ponto 5 c) das alegações, dado que o enquadramento temporal definido no facto em apreço não corresponde à realidade.
VII. O facto 15. deveria ser dado como provado com a redacção proposta no ponto 6 b) das alegações, dado ter-se tratado de um evidente erro de escrita quanto ao valor de alienação das acções.
VIII. Assim, a decisão recorrida no que tange à “Motivação de facto” encontra-se necessariamente inquinada pela selecção factual realizada pelo Tribunal a quo.

III – O erro de julgamento da matéria de facto

IX. Todo o entendimento do douto Tribunal se alicerçou na convicção de que os actos praticados pela [SCom02...] relativamente à [SCom03...] se inscreveram no plano da denominada “euforia bolsista” das novas tecnologias e no âmbito de uma “racionalidade empresarial” compreensível e ajustada àquela realidade.
X. Porém, concatenando a factualidade cronologicamente fixada pelo douto Tribunal quanto à [SCom02...] e à [SCom03...] (ponto 9 das alegações) com o enquadramento temporal realizado, no sentido de que a denominada bolha da internet se estendeu entre 1995 e Março de 2000 (ponto 5 das alegações), não podemos concordar com a afirmação de que “as circunstâncias dos autos ocorreram num contexto de euforia bolsista resultante de subida consistente dos preços das ações de «empresas tecnológicas»”.
XI. Pelo contrário, as “as circunstâncias dos autos” ocorreram num período em que manifestamente as acções das empresas ligadas às novas tecnologias de informação e comunicação se encontravam em queda abrupta, levando ao encerramento de muitas delas (ponto 10 das alegações).
XII. Logo, laborou o douto Tribunal em erro de julgamento ao considerar que “as circunstâncias dos autos ocorreram num contexto de euforia bolsista” ou que a [SCom02...] e a [SCom03...] foram criadas nesse contexto de “alguma euforia”, bem como ao sustentar que a constituição da [SCom02...] e a sucessiva aquisição de acções da [SCom03...] foram actos dotados de “uma racionalidade empresarial perfeitamente compreensível” atendendo a que se inseriam nos investimentos de “um sector prometedor de lucros substanciais quase garantidos e duradouros no tempo” (ponto 11 das alegações).
XIII. Não obstante o colapso bolsista ter ocorrido em Março de 2000 e as cotações das empresas tecnológicas terem batido no fundo no final desse ano, a [SCom02...] continuou a investir fortemente na aquisição das acções da [SCom03...], em 2000, 2001 e 2002.
XIV. Logo, o douto Tribunal laborou ainda em erro de julgamento por ter considerado que a impugnante teria reajustado os projectos em função daquele colapso bolsista, na medida em que precisamente após o colapso é que começou a investir naquelas empresas.
XV. Ademais, ainda que as regras da experiência permitissem concluir que, quando as empresas tentam limitar as perdas, geram-se menos-valias, no caso em apreço esta conclusão é destruída pela sucessão factual descrita no Relatório e dada como provada na sentença quanto à constituição das empresas e todas as vicissitudes que se lhe seguiram.
XVI. Por outro lado, resulta da douta sentença que, não tendo a FP impugnado o documento de fls. 164 a 167 do processo físico, o investimento do "Grupo 1..." naquela área de negócios “era do conhecimento público” e que a falta de sucesso do mesmo “foi devidamente mediatizado”, assim se dando por assente a “intencionalidade meramente empresarial”.
XVII. Neste ponto incorreu também o Tribunal a quo em erro de julgamento, visto que o Parecer foi impugnado não só em sede de contestação, como na própria reclamação graciosa , além de que não se entrevê como se pode – e que dispositivo legal obriga a – impugnar uma intenção [de investimento] constante de uma referência a uma entrevista ou declaração perante um órgão de comunicação social.
Posto isto,
XVIII. Estamos em condições de nos debruçarmos sobre o thema decidendum que é “saber se a dedutibilidade da menos-valia gerada pela ditada venda pode ser recusada com fundamento no disposto no artigo 23.º do CIRC”, o que nos conduz ao IV – Erro de julgamento da matéria de direito
XIX. Considerou o douto Tribunal que “perante os factos descritos e com a fundamentação usada (artigo 23.º do CIRC), a AT não poderia recusar a dedutibilidade das perdas apuradas no negócio em causa ”.
XX. É certo que “a questão dos custos é uma matéria complexa, sobretudo devido à indeterminação do conceito de «indispensabilidade» (para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora) que a lei exige para a sua relevância fiscal”
XXI. No entanto, “não podem ser contabilizados como custos despesas que não têm qualquer relação direta com a actividade principal da empresa e não revelem indispensáveis à obtenção dos proveitos ou à manutenção da fonte produtora”.
XXII. Porém, “um outro problema se coloca que é saber quem tem o encargo de provar o quê”.
XXIII. Quanto à 1.ª parte, o douto Tribunal recorrido considerou – e bem – que “se a AT equaciona e suscita a dúvida sobre a relação justificada de uma determinada despesa com a actividade do sujeito passivo, necessária e logicamente, por se encontrar mais habilitado para o efeito, compete a este uma explicação sobre a ¯congruência económica‖ da operação, a qual não se cumpre com a alegação abstracta e conclusiva de que a despesa se insere no interesse societário e/ou da existência de relação justificada com a actividade desenvolvida, exigindo-se, sim, que o contribuinte alegue e comprove factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade, veracidade, das actuações empresariais provocantes dos gastos registados, em ordem a que, entre o mais, não resulte inviabilizada a função fiscalizadora da AT”.
XXIV. A discordância da recorrente prende-se com a 2.ª parte, i.e., saber o que tem de ser provado e, no caso concreto, se a parte sobre a qual impendia o respectivo ónus se desonerou do mesmo.
XXV. Ora, o douto Tribunal considerou que a impugnante logrou “remover aquelas dúvidas” na medida em que, para o caso somente importaria “apurar a existência da componente negativa do lucro comprovada por meio idóneo e a relação de causalidade com o fim social em que foi incorrida”, assim incorrendo em erro de julgamento. Com efeito,
XXVI. Por um lado, a AT questionou» validamente a indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos, na medida em que, após proceder a uma análise e a uma descrição exaustivas de todos os actos praticados pelas sociedades envolvidas, concluiu que toda aquela miríade de operações se destinou, desde logo, a permitir a dedutibilidade das menos-valias fiscais geradas.
XXVII. Por outro lado, a impugnante “não conseguiu remover as dúvidas validamente suscitadas pela AT”, dado que:
a) excepção feita ao artigo 15.º da PI, aquela limitou-se a espraiar conceitos jurídico-tributários e a imputar a prática de ilegalidades procedimentais ao acto em questão (ponto 31.1 das alegações);
b) mesmo naquele artigo 15.º da PI apresenta explicação idêntica à que havia avançado no Relatório de Gestão da [SCom02...] para o exercício de 2002 e na resposta à notificação realizada no procedimento inspectivo, não dando cumprimento ao dever de esclarecimento da sua situação tributária, refugiando-se em conceitos meramente formais, esvaziados de qualquer conteúdo (ponto 31.2 das alegações);
c) a impugnante “até renunciou à discussão sobre a indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora”, ao defender que as menos-valias, sendo “uma das espécies de «custos ou perdas fiscais» que a lei admite como «comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos»” não se encontram sujeitas ao denominado “teste da indispensabilidade” (ponto 31.3 das alegações).
XXVIII. EM CONCLUSÃO, tendo a AT questionado validamente a dedutibilidade fiscal dos custos suportados com a menos-valia fiscal e, em sentido inverso, não tendo a impugnante logrado comprovar ou esclarecer devidamente a indispensabilidade de tais custos, afigura-se-nos, com o devido respeito, que o Tribunal a quo laborou em erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 23.º do CIRC e 74.º da LGT, conducente à revogação da douta sentença aqui recorrida, assim se fazendo
JUSTIÇA”
**
A Recorrida deduziu contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso.
**
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, por aderir às alegações e conclusões aduzidas pela Recorrente.
**
Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos ao abrigo do disposto no artigo 657.º n.º 4 do Código de Processo Civil, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

**
Objecto do recurso

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta do disposto no artigo 608.º n.º 2, artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir do erro de julgamento de facto e do erro de julgamento de direito.


**
2 - Fundamentação
2.1. Matéria de Facto
O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma, que aqui se reproduz:
“1. A "[SCom01...], SGPS, S.A." [doravante [SCom01...]] dedica-se à gestão de participações sociais não financeiras - CAE 64202, sendo a holding (empresa-mãe) do ""Grupo 1..."" - fls. 1, 3 e 4 do PA, art. 2° da Contestação;
2. A "[SCom02...], SGPS, S.A.", registada na Conservatória do Registo Comercial ... sob n.° ..74, com capital social de € 50.000 detido a 100% pela "[SCom04...], SGPS, S.A", NIPC ...88, coletou-se em 14/06/2000 sob o CAE 74150 - Sociedade Gestoras de Participações Sociais de outras empresas como forma indireta de exercício de atividades económicas e em 15/12/2005 apresentou a cessação da sua atividade - fls. 16 e 17, 45, 49 do PA, art. 3° da Contestação;
3. É publico que o ""Grupo 1..."" tencionou investir na área das "novas tecnologias de informação", podendo ler-se em notícia publicada no "Jornal de Negócios" de ... que a [SCom01...]. com foi criada como «sub-holding» do "Grupo 1..." para a área das novas tecnologias, que integra três empresas, a [SCom05...], a [SCom03...] e a [SCom06...] e o grupo tem vindo a concentrar-se na actividade da [SCom03...], empresa de «quiosques multimédia interactivos» e que "«A [SCom03...] está a acompanhar uma tendência internacional: estamos a intervir num sector onde todos os indicadores macro internacionais indicam um forte crescimento», disse «AA» ("presidente da [SCom01...]")" -http://www.jornaldenegocios.pt/ empresas/tecnologias /detalhe/[SCom02...] prevê facturação de 10 milhões para 2000.... e fls. 164 a 167 do processo físico;
4. É público que, sensivelmente entre 1995 e 2002, ocorreu uma fase de euforia financeira popularmente conhecida por "bolha especulativa da Internet" ou "bolha das empresas ponto com", caracterizada por uma forte alta das ações das novas empresas de tecnologia da informação e comunicação (TIC) baseadas na Internet, também chamadas "ponto com" ou "dot com", e que se considera que o colapso (estouro) dessa bolha deu-se em meados do ano 2000, quando o "índice Nasdaq" (da bolsa eletrónica de Nova Iorque desvalorizou repentinamente - facto público e notório, cfr. por todos: https://pt.wikipédia.org/wiki/Bolha da Internet;
5. Em 17/07/2000, por Escritura Pública registada sob o n.º ...28 e celebrada no ... Cartório Notarial ..., foi constituída a sociedade "[SCom07...], SGPS, S.A", com sede no ..., e com capital social de € 2.500.000,00, dividido em 2.500.000 ações de valor nominal de um euro cada e valor de emissão de dois euros cada, tendo o capital sido subscrito em 99,99% pela acionista "[SCom08...] B. V." (2.499.996 ações), constituída sob as leis holandesas e com sede em Roterdão, e as restantes 4 ações subscritas individualmente por «BB», «CC», «DD» e «EE» (uma ação cada um), tendo alterado a sua denominação social em 2002, por meio de escritura pública, passando a designar-se "[SCom03...], SGPS, S.A" [doravante [SCom03...]], cujo objeto social consistia na gestão de participações sociais de outras sociedades, operando na área dos "quiosques multimédia', era a holding do grupo "[SCom03...]" no setor vocacionado para as Novas Tecnologias - art. 3° da Contestação, fls. 45, 237 do PA;
6. A [SCom08...] B. V foi neste ato representada por «CC», realizando o capital mediante a entrega de participações sociais nas seguintes empresas:
IdentificaçãoCapital
Social
Ações
Entregues
Valor €
NIPCDesignação SocialNominalAtribuído
...00[SCom03...], S.A49.879,79450022.445,913.456.669,00
...32[SCom09...], SA50.000,0027.500137,171.491.779,00
...42[SCom10...], SGPS, SA50.000,0035.000174,5835.015,00
Florida EU [SCom11...] Inc1 oo.ooo998,00
Florida EU [SCom12...] Inc100.000998,00
Delawar EU [SCom13...], LLC594.529.085
TOTAL 9.514.544,00
- fls. 237, 238 e 323 do PA;
7. Em 25/07/2000, a [SCom03...], reuniu-se em Assembleia-Geral para deliberar a atribuição de Direitos de Subscrição sobre ações, num eventual futuro aumento de capital, tendo sido (esse direitos) atribuídos à empresa terceira "[SCom14...], N. 17" [doravante [SCom14...]], com sede em ... — Antilhas Holandesas — fls. 177 e 207 do processo físico, fls. 47 do PA;
8. Em 27/7/2000:
a) Em contrato, não registado nem reconhecido por entidades públicas, a sociedade "[SCom14...].", alegadamente constituída de acordo com a lei das Antilhas Holandesas, com sede em ..., 81, Curaçao, Antilhas Holandesas, representada pelo procurador «CC» (que também ocupava o cargo de Vogal no Conselho de Administração da `1-mediata') declarou ser "titular dos Direitos de Subscrição das ações correspondentes ao referido aumento de capital" (clausula I) e que por esse contrato vende tais direitos à "[SCom02...], SGPS, S.A." pelo preço (contrapartida) de 1.900.000.000$00 ou € 9.477.160,04 (mais tarde e por mútuo acordo, reduzidas para € 7.621.432,35), a pagar da seguinte forma: a) 113.000.000$00 já pago em 4/7/2000; b) 917.000.000$00 já pago na data da celebração do contrato (27/7/2000); c) 150.000.000$00 em 31/1/2001; d) 260.000.000$00 em 31/7/2001; e) 150.000.000$00 em 31/1/2002; f) 260.000.000$00 em 31/7/2002, g) 50.000.000$00 em 31/10/2002 (cláusulas II e III e V), obrigando-se a adquirente a entregar uma garantia bancária irrevogável, "on first demand', no montante global de 870.000.000$00, a favor da [SCom14...], válida até 15/11/2002 (Cláusula 111.4), e a subscrever a totalidade das ações a emitir no aumento de capital da sociedade "[SCom15...]" bem como a realizar as prestações acessórias ou suplementares de capital e o prémio de emissão, no total de 2.000.000.000$00 (cláusula IV) mediante relativas aos Direitos de Subscrição — art. 3°, 5° e 6° da Contestação, fls. 206 a 212 do processo físico, fls. 45 a 47 do PA;
b) A sociedade "[SCom02...]" subscreveu um aumento do capital social na sociedade "[SCom15...]", que passou para € 5.000.000,00, adquirindo 2.500.000 ações pelo valor de € 5.000.000,00, passando a participar em 50% do capital dessa empresa — fls. 177 processo físico, fls. 45, 238 do PA, art. 15° da p.i não impugnado, art. 6° da Contestação;
9. Em 28/12/2001, reforçando a sua posição na sociedade "[SCom03...]" a sociedade [SCom02...] adquiriu mais 1.500.000 novas ações à [SCom08...], no valor de € 7.335.917,61, representativas de 30% do Capital Social, passando a deter 80% da totalidade do capital social da [SCom03...] — fls. 178 do processo físico, art. 15° da p.i não impugnado, fls. 48 e 325 do PA;
10. Em finais de 2001 a "[SCom02...]" detinha já na "[SCom03...]" o montante global de € 8.305.138,91, a título de prestações acessórias — fls. 178 processo físico, fls. 48 do PA;
11. Em 2/3/2002, o ""Grupo 1..."" apresentou a declaração de opção pelo RETGS - Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades - art. 7° da p.i não impugnado, fls. 4 e 319 do PA;
12. Na opção de tributação pelo RETGS, para a composição do grupo, foram consideradas as seguintes sociedades:
- [SCom01...], SGPS, S.A. (dominante);
- [SCom16...], SGPS, SA; - [SCom17...], SGPS, S.A.;
- [SCom18...], S.A; - [SCom19...], SGPS, S.A.;
- [SCom04...], S.A.; - [SCom05...], S.A.;
- [SCom20...], S.A; - [SCom21...], S.A;
- [SCom22...], SGPS, S.A; - [SCom23...], SGPS, S.A.;
- [SCom24...] - SGPS, S.A; - [SCom02...], SGPS, S.A; [SCom25...], SGPS, S.A - [SCom26...], Lda.; - [SCom27...], Lda.;
- [SCom28...], SGPS, S.A [dissolvida e liquidada por escritura pública de 11/12/2002, que, para efeitos de tributação dos resultados obtidos pelo grupo, foram, os seus resultado fiscais, excluídos] — fls. 4 e 5, 109 a 111 do PA;
13. Em 12/11/2002, a [SCom02...] recebeu da "[SCom29...]" (original acionista maioritária da [SCom03...]), 999.996 ações, representativas de 19,99% do capital da [SCom03...], a título de dação em cumprimento, "por dívida daquela", pelo preço de € 1.480.000,00, passando agora a [SCom02...] a deter 99,99% do capital social da "[SCom03...], SGPS, S.A" - fl s. 178 do processo físico e art. 15° (ponto 4 a 6) da p.i não impugnado, fls. 48, 49 do PA;
14. Em 09/12/2002 a "[SCom04...]" [doravante também [SCom04...]] realizou uma operação financeira na Holanda, através da qual adquiriu 100°/0 do capital social (€ 18.000,00) da sociedade "[SCom30...], B.V.", com sede na Holanda, que passou a integrar (economicamente) o ""Grupo 1..."" e a ser "irmã" da [SCom02...] - art. 57° da Contestação, fls. 221 do processo físico, fls. 49, 189 e 190 do PA;
15. Em 24/12/2002 a "[SCom02...]" alienou 4.000.000 ações correspondente a 80% do capital social que detinha na "[SCom03...], SGPS, S.A.", no montante global de € 80.000.000,00, bem como as prestações suplementares, à "[SCom30...] B.V", devido "a uma reestruturação estratégica de participações ao nível da própria [SCom04...]", gerando uma menos-valia fiscal declarada de €20.382.207,25 e um prejuízo fiscal declarado de € 20.847.026,38 - fls. 44, 48 do PA, fls. 175 e 176, 213 a 215 do processo físico, art. 13° da p.i não impugnado, art. 4° da Contestação;
16. Em 30/05/2003 a agora Impugnante apresentou a declaração modelo 22 relativa ao "Grupo 1...", na qual procedeu à autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2002, declarando no Q07 uma menos-valia fiscal no valor de € 20.382.207,25 — fls. 263 a 266 do PA;
17. Ao abrigo da ordem de serviço interna n° ...33, em 17/1/2006 a AT deu inicio a ação inspetiva à atividade da sociedade [SCom02...], SGPS, SA no exercício do ano 2002 e, em 15/03/2006, os Serviços de Inspeção Tributária (SIT), remeteram à "[SCom02...] - SGPS", Ofício n.° ...98, solicitando elementos no âmbito do dever de colaboração — Análise do Dossier Fiscal do Exercício de 2002, no sentido de "complementar e clarificar os elementos já anteriormente solicitados através do Ofício n.° ...56 de 17 / 01 / 2006", tendo em resposta a [SCom02...] enviado descrição cronológica das sucessivas aquisições das ações e a remeter "cópia dos Relatórios de Gestão (que incluíam Balanço, e Demonstração de Resultados dos exercícios de 2000 a 2002 da [SCom03...], SGPS, S.A.'), acrescentando que "houve uma forte desvalorização do negócio, o que levou a um desinvestimento forçado", tendo sido a empresa forçada a vender a preços "dramaticamente mais baixos que os preços de compra', frustrando as expetativas que havia aquando da celebração inicial do negócio, o que se "refletiu em prejuízos significativos e na redução de capitais próprios da mesma' - art. 7° da Contestação, fls. 216 a 220 do processo físico;
18. No Relatório final datado de 20/6/2006, homologado por despacho de 21/6/2006, relativo à inspeção à sociedade "[SCom02...]" a AT verificou que em 24/12/2002 essa sociedade alienara, a favor da sociedade "[SCom30...] B.V", com sede na Holanda, 80% das ações que detinha na sociedade participada "[SCom03...], SGPS, SA" de cuja operação resultaram menos-valias fiscais declaradas de € 20.382.207,25 e um prejuízo declarado de € 20.847.026,38, apurando a AT que a menos-valia efetiva foi de €28.687.346,16 sem que tivesse apresentado qualquer reclamação contra o prejuízo adicional de 8.305.138,91, concluindo a AT que essa situação resulta de "uma operação de engenharia contabilística e financeira inspirada exclusivamente pelas consequências fiscais daí resultantes, traduzidas na eventual dedutibilidade fiscal das menos-valias geradas" e do facto de as sociedades envolvidas na operação ([SCom02...] e [SCom30...]) pertencerem ao mesmo Grupo empresarial dominado pela agora Impugnante, que (esta) "talhou" a [SCom02...] para apresentar prejuízos fiscais sistemáticos e investiu nela € 28.262.488,87 entre Julho de 2000 e Dezembro de 2001, e considerando que é incompreensível e inaceitável a desvalorização correspondente à venda que pouco depois (em 24/12/2002) fez, a outra empresa do mesmo grupo, de 80% do capital da [SCom03...] pelo preço de € 80.000 sem que previamente tivesse constituído provisão ( fiscalmente dedutível ou não), assim conseguindo "de uma forma habilidosa, possibilitar-se a transferência para já não falar em fuga de capitais, para contas no estrangeiro tituladas sabe-se lá por quem", pelo que "não vislumbramos nesta operação a justificação económica imprescindível que nos leve a concluir pela sua indispensabilidade para a manutenção da fonte produtora a que se refere o artigo 23° do CIRC' — fls. 40 a 60 do PA;
19. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.° ...34, de 09/06/2006, foi realizada ação inspetiva externa, iniciada em 21/07/2006, à atividade da agora Impugnante, de âmbito parcial aos elementos contabilistico-fiscais constantes da Declaração Modelo 22 de IRC do exercício de 2002, e "teve como objetivo verificar o cumprimento das obrigações fiscais inerentes à aplicação do RETGS por parte do "Grupo 1..."" - fls. 3 e 4 do PA;
20. Em 20/11/2006 a agora Impugnante foi notificada do teor do projeto de Relatório da inspeção aludida no ponto anterior, não tendo exercido o direito de audição - fls. 8 do PA não impugnado;
21. Em 07/12/2006 foi a ora Impugnante notificada, por carta entregue em mão, do teor do Relatório final de inspeção e das correções efetuadas à matéria tributável - fls. 69 do PA;
22. Na ação inspetiva agora em causa foram efetuadas correções ao lucro tributável do "Grupo 1...", no valor de € 20.584.661,53 a favor do Estado [resultantes de correções efetuadas na esfera individual da "[SCom04...], SGPS, S.A'; no valor de € 202.454,28 por cálculo incorreto de menos-valias fiscais; da "[SCom02...], SGPS, S.A.", no valor de €20.382.207,25, relativo a menos-valias fiscais apuradas na venda de participações sociais]; bem como ao nível do cálculo do Imposto do grupo no montante global de € 2.430,72a favor do Estado [resultantes de correções efetuadas na esfera individual da "[SCom21...], Importação e Exportação, S - fls. 3 e 6 do PA;
23. Em 28/12/2006 a AT procedeu à liquidação n.° ...83 e à compensação n.° ...36, apurando IRC de 2002 a pagar (até 25/1/2007) no montante de € 2.554,05 — fls. 181 e 234 do PA;
24. Em 24/04/2007 deu entrada no Serviço de Finanças ..., requerimento de Reclamação Graciosa contra liquidação de IRC acima referida (referente ao ano de 2002, no valor de € 2.554,05), com fundamento na desconsideração pela AT de duas menos-valias (resultantes da dissolução da [SCom28...], e da alienação de ações da sociedade [SCom03...], SGPS, S.A), o qual foi autuado sob o n.° ...63 — fls. 70 a 180, 312 do PA;
25. Através de Oficio n.° ...18, de 22/07/2008, enviado sob registo postal de 23/07/2008, a AT notificou a agora Impugnante do projeto de decisão de "deferimento parcial' da Reclamação Graciosa, procedendo a Reclamação quanto à correção relativa à não consideração das menos valias resultantes da dissolução da "[SCom28...], SGPS, SA" (participada pela "[SCom04...] SGPS, SA), tendo a interessada exercido o direito de audição em 28/07/2008 quanto ao indeferimento da reclamação relativa à desconsideração da menos valia resultante da venda (pela participada "[SCom02...]") de 80% do capital social da sociedade participada "[SCom03...] SGPS, SA" - fls. 233 a 253 do PA;
26. Por despacho de 6/10/2008 a AT tornou definitiva a projetada decisão de deferimento parcialmente da Reclamação Graciosa e por oficio n° ...35, de 7/10/2008, remetido sob registo postal cujo aviso de receção foi assinado em 8/10/2008, procedeu à notificação à agora Impugnante - fls. 254 a 260, 313 e 314 do PA;
27. Em 05/11/2008 a agora Impugnante interpôs Recurso Hierárquico (proc. n.° 25/2008) relativo à aludida decisão de indeferimento parcial da Reclamação Graciosa - fls. 267 a 312, em particular fls. 310, do PA;
28. Por despacho de 10/9/2009 a AT negou provimento do recurso hierárquico - fls. 318 a 330 do PA;
29. Por Ofício n.º ...02 171, de 22/09/2009, enviado sob registo postal cujo aviso de receção foi assinado em 24/09/0009, a AT notificou o Mandatário da aqui Impugnante do teor do despacho acima referido - fls. 47 do processo físico, fls. 331 a 333 do PA;
30. Em 19/10/2009 deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, a p.i. da presente Impugnação - fls. 1 e 2 do processo físico.
*
3.2 - Matéria de facto dada como não provada:
Não há factos a considerar como não provados com relevância para a boa decisão da questão.”

***

2.3 – O direito
Constitui objecto do presente recurso a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal e Fiscal de Aveiro, que julgou procedente a impugnação intentada por [SCom01...], SGPS, S.A., contribuinte fiscal n.º ...10, da decisão de indeferimento do recurso hierárquico deduzido da reclamação apresentada da liquidação de IRC de 2002, no montante de €28.687.346,90.
A Recorrente, discordando da decisão proferida no sentido da procedência da impugnação judicial, vem invocar o erro de julgamento de facto e o erro de julgamento de direito.
A Recorrida, apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso interposto.

2.3.1. O erro de julgamento de facto

Invoca a Recorrente o erro de julgamento de facto por deficiente selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito controvertida.
Vejamos.
Como decorre do disposto no artigo 607.º n.º 4 do Código de Processo Civil “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”
Nesta senda, “na decisão de facto, o tribunal declara quais os factos, dos alegados pelas partes e dos instrumentais que considere relevantes, que julga provados (total ou parcialmente) e quais os que julga não provados, de acordo com a sua convicção, formada no confronto dos meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador; esta conviçção tem de ser fundamentada, procedendo o tribunal à análise crítica das provas e à especificação das razões que o levaram à decisão tomada sobre a verificação de cada facto (art. 607, nºs 4, 1ª parte, e 5)” – cfr. José lebre de Freitas (in “A Acção Declarativa Comum à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 4ª edição, Gestlegal, pag. 361).
Ora, no dizer de Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, vol. III, 1982, p. 268/269), “são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos”, (…), acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem constituir objecto da especificação e questionário (isto é, matéria de facto assente e factos controvertidos), o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstractos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a
valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste” (in Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, vol. III, 1982, p. 268/269).
Acresce que, parafraseando Helena Cabrita, (in “A fundamentação de facto e de direito da decisão cível”, págs. 106, 110 e 111), “Os factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo, desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos forem considerados provados ou não provados, toda a acção seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência), com base nessa única resposta”.
“Assim, em linha com esse entendimento, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que, sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [[SCom02...]. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.]. Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que deve ser desconsiderado um facto controvertido cuja enunciação se revele conclusiva, desde que o mesmo se reconduza ao thema decidendum, não podendo esquecer-se que o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes e que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (..)” [art.º 5.º 1 do CPC].” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27.09.2023, proc. 9028/21.6T8VNG.P1.
Acresce que, “a intenção, o convencimento, enquanto realidades do mundo psicológico, fazem parte das realidades de facto; sustentando-se em Alberto dos Reis já se escrevia no Assento de 19-10-1954 que “averiguar a intenção dos outorgantes ou do testador é averiguar um fenómeno psicológico o que, à evidência, não constitui matéria de direito, mas pura matéria de facto” (R.L.J., Ano 87º, n.º 3035, pág. 224); assim se entendeu no [SCom02...]. do S.T.J. de 4-10-2001 (Simões Freire), revista n.º 2485/01- 2ª secção[2] que " são quesitáveis os atos de foro interno e os juízos de facto, entendidos estes como dirigidos ao "ser", ontologicamente concebido, e não ao dever ser normativo" e, no âmbito de ação de simulação, considerou -se no [SCom02...]. do S.T.J. de 7-3-2002 (Ferreira de Almeida), revista n.º 4129/01- 2ª secção que " a determinação da intenção dos contraentes, designadamente do animus decipiendi, integra matéria de facto cujo apuramento é apanágio exclusivo das instâncias e cujo ónus de dedução e de prova impende sobre o demandante - arguente" – cfr. Acórdão do STJ de 16.10.2012, proc. n.º 649/04.2TBPDL.L1.S1.
Como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 5.º do CPC “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.”
Acresce que, estatui também o n.º 2 deste preceito legal que “Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.”
Por outro lado, dispõe o n.º 1 do artigo 412.º do Código de Processo Civil que “Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral”
“Como refere Calamandrei (Per La Definizione Del Fatto Notorio, 1925, 1º, pg. 309), “trata-se do conhecimento comum das pessoas que pertencem a uma determinada esfera social, sendo esta constituída por um conjunto de pessoas que, por diversos motivos - de tempo, religião, de profissão, de cultura, etc.-, têm interesses comuns. Daí que, a doutrina tem classificado os factos notórios em duas espécies:
- Os acontecimentos de que a generalidade das pessoas tomou conhecimento (v.g., um terramoto, uma guerra, um ciclone, uma inundação, um incêndio, uma revolução política, etc.);
- Os factos que adquiriram o carácter de notórios por via indirecta, ou seja, através de raciocínios desenvolvidos a partir de factos do conhecimento comum.
Nesta senda, Alberto dos Reis (CPC Anotado, III, p. 261) classifica como "factos notórios apenas aqueles que sejam do conhecimento geral, ou seja, os que sejam do conhecimento da massa dos cidadãos portugueses regularmente informados, isto é, com acesso aos meios normais de informação".

Consequentemente, não se podem considerar como notórios os factos que sejam do conhecimento de um sector restrito de pessoas, com informação muito acima da média ou de um sector muito específico (ex. problemas de natureza económica, ocorrências ou práticas de funcionais de uma profissão).
Já o conhecimento que o Juiz tem do facto enquanto notório resulta não dos seus conhecimentos particulares, mas sim do conhecimento que o Juiz tem, colocado na posição de cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos (cfr. Castro Mendes, "Do Conceito de Prova", 711 e Vaz Serra, Provas, BMJ 110.º-61). De outro modo, seria um conhecimento ao qual faltaria a generalidade cognitiva para ser qualificado como notório.
Relevante na sua definição é o conhecimento e não a relevância do facto. Como decidido no [SCom02...]. STJ, 25.10.2005, proc. 05A3054, dgsi.pt), o facto notório tem que ser conhecido, "não bastando para tal classificação qualquer conhecimento, pois é indispensável um conhecimento de tal modo extenso e difundido que o facto apareça como evidente, revestido de um carácter de certeza resultante do conhecimento do facto por parte da massa dos portugueses que possam considerar-se regularmente informados por terem acesso aos meios normais de informação". Ou seja, ao definir no n.º 1 do art.º 514.º os factos notórios como os que são do conhecimento geral, assim elegendo o conhecimento, e não os interesses, como critério de notoriedade, a lei faz apelo a uma ideia de publicidade, implicando a extensão e difusão do conhecimento à grande maioria dos cidadãos, de modo que o facto apareça revestido de um carácter de certeza" (cfr. [SCom02...]. STJ, 26.09.1995, BMJ, 449, p. 293).
(Neste sentido, cfr. Joel Timóteo, Factos Notórios, o que são, Revista «O Advogado», II Série, Junho de 2006) – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.11.2010, proc. 1378/10.3TVLSB.L2-8
No presente caso, a Recorrente vem invocar que o facto vertido no ponto 3. da factualidade assente não deveria ter sido dado como provado, dado que a formulação constante na douta sentença constitui um mero facto conclusivo, não podendo tal facto ser considerado público e notório, inexistindo qualquer prova nos autos que o confirme.
Ademais, sustenta que uma intenção não configura um verdadeiro facto susceptível de figurar entre a matéria dada por assente.
Nessa medida, sustenta que o facto a constar da matéria de facto assente deveria ter a seguinte redacção: “O Presidente da [SCom02...], «AA», declarou perante um órgão de comunicação social especializado na área económica, conforme edição datada de 27 de Dezembro de 2000, o seguinte: “A [SCom03...] está a acompanhar uma tendência internacional: estamos a intervir num sector onde todos os indicadores macro internacionais indicam um forte crescimento”.
Ora, o Tribunal a quo fixou como ponto 3. da factualidade assente o seguinte facto:
“3. É publico que o ""Grupo 1..."" tencionou investir na área das "novas tecnologias de informação", podendo ler-se em notícia publicada no "Jornal de Negócios" de ... que a [SCom02...] foi criada como «sub-holding» do "Grupo 1..." para a área das novas tecnologias, que integra três empresas, a [SCom05...], a [SCom03...] e a [SCom06...] e o grupo tem vindo a concentrar-se na actividade da [SCom03...], empresa de «quiosques multimédia interactivos» e que "«A [SCom03...] está a acompanhar uma tendência internacional: estamos a intervir num sector onde todos os indicadores macro internacionais indicam um forte crescimento», disse «AA» ("presidente da [SCom01...]")" - http://www.jornaldenegocios.pt/ empresas/tecnologias /detalhe/[SCom02...] prevê facturação de 10 milhões para 2000.... e fls. 164 a 167 do processo físico;”
Como já supra fizemos menção, uma intenção configura um facto, não se verificando por essa razão qualquer erro no facto fixado.
No entanto, como aqui demos conta, consideramos que um facto para ser notório tem de abranger um alargado conjunto de pessoas num espaço geográfico relativamente alargado (a nível nacional).
No caso dos autos, o facto foi considerado público e notório tendo por base uma publicação on line no jornal de negócios.
Ora, consideramos que os factos noticiados on line no jornal de negócios não consubstanciam factos notórios atendendo à pequena franja de população que abrangem.
Com efeito, é seguro considerar que somente uma pequena parte da população lê o jornal de negócios, população com informação muito acima da média pertencente a um sector muito específico, a área dos negócios.
Nesta senda, não deveria ter sido levado ao acervo probatório tal facto, por não ser um facto público e notório, concedendo-se assim provimento ao alegado.
Quanto ao ponto 4) da factualidade assente, e ao abrigo do que dispõe n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, impõe-se também considerar que não deveria o mesmo ter sido levado ao acervo probatório, senão vejamos.
O Tribunal a quo também deu como assente tal facto por o ter considerado público e notório, sustentando-se em publicação da wikipédia.
Sucede que, para além de consideramos que a informação que consta do site da wikipédia não é informação fidedigna, na medida em que, a informação que lá consta pode ser introduzida por qualquer pessoa, a publicação em tal site também não torna público e notório um determinado facto, uma vez que, não acarreta a difusão de informação de forma generalizada permitindo o seu conhecimento por parte da maioria da população.
Com efeito, cremos que a maioria da população, na consulta à wikipédia não pesquisa por matéria tão especifica como seja a “bolha da Internet”.
Assim, os factos que constam dos pontos 3. e 4. do acervo probatório terão de ser retirados da factualidade assente.
Quanto ao facto que consta do ponto 15. da factualidade assente, sustenta a Recorrente que o mesmo deveria ser dado como provado com a redacção proposta no ponto 6 b) das alegações, dado ter-se tratado de um evidente erro de escrita quanto ao valor de alienação das acções, €80.000,00 em vez de 80.000.000,00
Vejamos.
No ponto 15. o Tribunal a quo fixou o seguinte facto: “Em 24/12/2002 a "[SCom02...]" alienou 4.000.000 ações correspondente a 80% do capital social que detinha na "[SCom03...], SGPS, S.A.", no montante global de € 80.000.000,00, bem como as prestações suplementares, à "[SCom30...] B.V", devido "a uma reestruturação estratégica de participações ao nível da própria [SCom04...]", gerando uma menos-valia fiscal declarada de € 20.382.207,25 e um prejuízo fiscal declarado de € 20.847.026,38”.
Ora, como decorre do relatório do procedimento inspectivo, a fls. 48 do processo administrativo junto aos autos, o valor da alienação das 4.000.000 acções correspondentes a 80% ascendeu a €80.000,00, verificando-se assim um lapso manifesto na menção a tal valor.
Pelo que, concedendo-se provimento ao alegado, o facto que consta do ponto 15. da factualidade assente passa a ter o seguinte teor:

15. Em 24/12/2002 a "[SCom02...]" alienou 4.000.000 ações correspondente a 80% do capital social que detinha na "[SCom03...], SGPS, S.A.", no montante global de €80.000,00, bem como as prestações suplementares, à "[SCom30...] B.V", devido "a uma reestruturação estratégica de participações ao nível da própria [SCom04...]", gerando uma menos-valia fiscal declarada de €20.382.207,25 e um prejuízo fiscal declarado de € 20.847.026,38 — fls. 44, 48 do PA, fls. 175 e 176, 213 a 215 do processo físico, art. 13° da p.i não impugnado, art. 4° da Contestação.

Pelas razões supra expostas, concede-se provimento ao erro de julgamento de facto invocado.
A Recorrente vem sob o titulo “III – O erro de julgamento da matéria de facto”, recorrer da motivação de facto.
Ora, para além de não se mostrar relevante o recurso da motivação da matéria de facto, se não for impugnada a matéria de facto, no presente caso, tendo logrado obter provimento o recurso da impugnação da matéria de facto, fica prejudicada tal questão.

2.3.2. O erro de julgamento de direito

No âmbito de acção inspectiva realizada à Recorrida, tendo por objecto o exercício de 2002, a Autoridade Tributária e Aduaneira ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, desconsiderou os custos relativos a menos-valia obtida e declarada na transmissão de acções por parte da [SCom02...] à sociedade [SCom03...] SGPS, SA por ter considerado inexistir racionalidade económica na operação que lhe deu origem, não resultando de um acto normal de gestão, mas de operação de engenharia contabilística e financeira inspirada exclusivamente pelas consequências fiscais daí resultantes, traduzidas na eventual dedutibilidade fiscal das menos-valias geradas.
O Tribunal a quo considerou que a Autoridade Tributária e Aduaneira não poderia recusar a dedutibilidade das perdas apuradas no negócio em causa, tendo anulado o acto de liquidação impugnado.
A Recorrente, discordando do assim decidido, sustenta, no essencial, que a sentença em recurso errou no julgamento de direito por errónea interpretação e aplicação do preceituado no artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e artigo 74.º da Lei Geral Tributária.
Vejamos.
Como decorria à data dos factos do disposto no n.º 1 do artigo 17.º do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas “O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do nº 1 do artigo 3º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”
Com efeito, “a determinação do lucro tributável, não obstante ter na sua base a contabilidade, impõe a esta, frequentemente, correções e adaptações, pelo que nem tudo que é custo ou perda em termos contabilísticos o será em termos fiscais. Consequentemente, o que pode ser uma perda em termos contabilísticos pode não ser reconhecida, ou apenas parcialmente, em termos fiscais. Domina, portanto, um modelo da dependência parcial entre fiscalidade e contabilidade para apuramento do lucro tributável.” – cfr. Acórdão do STA de 10.04.2024, proc. n.º 02866/14.8BEPRT.
A par, decorria à data dos factos do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas “1 - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: (…)
i) Menos-valias realizadas;”
Desta forma, entre o gasto contabilístico e gasto fiscal não existe uma absoluta coincidência, na medida em que, fiscalmente a dedutibilidade de gastos tem de obedecer ao preenchimento de dois requisitos, quais sejam a comprovação da sua ocorrência e a indispensabilidade destes, sendo que a ausência de um destes pressupostos implica a sua não consideração como custo fiscal, uma vez que no IRC vigora o princípio do auto-apuramento do lucro contabilístico do sujeito passivo.
Parafraseando António Moura Portugal (in “A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa”, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, pag. 116) “Os custos indispensáveis equivalem, assim, aos gastos contraídos no interesse da empresa. A dedutibilidade fiscal do custo deve depender apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se “sempre que – por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas - as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma indirecta ou mediata.”
Mais concretamente sobre o critério da indispensabilidade, o mesmo Autor refere que “O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa” (cfr. ob. cit., p. 136.).
Assim, inerente à indispensabilidade dos custos temos o interesse da empresa, sendo necessária a existência entre uma relação de causalidade (indispensabilidade) entre os encargos e os proveitos ou em face da manutenção da fonte produtora.
Acresce que “A indispensabilidade dos custos não deve ser aferida por citérios abstractos mas sim de racionalidade económica. Ou seja, deve ser determinado de acordo com aquilo que é considerado útil e inevitável para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora.” – cfr. Acórdão deste Tribunal de 14.01.2016, proc. n.º 00634/06.0BEPRT.
Retornando ao caso dos autos, o Tribunal a quo considerou que:
“Se bem se percebe, o que a AT pretende dizer - negando a dedutibilidade com tal fundamento - é que as partes simularam o preço de venda à "[SCom30...]" de maneira a transferir fraudulentamente o património de Portugal (em nome da [SCom02...]) para a Holanda, desvalorizando anormalmente o primeiro.
Para se poder acompanhar tal raciocínio a AT teria de provar, nos termos do artigo 74°, n°1, da LGT - porque é ela que alega tal situação — que as ações transmitidas tinham um valor de mercado muito superior ao declarado no negócio (e que retomaram o valor normal já na esfera da adquirente).
Tal prova não foi sequer esboçada pela AT, limitando-se a imputar esse ónus à Impugnante.
Na verdade, a tese da AT assenta toda no pressuposto de que entre as ditas empresas (compradora e vendedora) existem relações especiais e que, só por isso, o preço declarado é muito inferior ao valor real de mercado. Para ajustamentos com base nesse pressuposto a AT deveria ter invocado e respeitado, nomeadamente, a regulamentação que consta da portaria n° 146-C/2001, de 21 de dezembro, relativa aos "preços de transferência", e não o fez.
Além disso, a AT imputa ao dito "esquema" um duplo objetivo: beneficiar a dedutibilidade do custo inerente às menos-valias e fuga de capitais.
No entanto, não explica a seguinte contradição:
- o esquema (traduzido na constituição de uma empresa holandesa para transmissão das ações para ela) visou deduzir em Portugal um elevado valor resultante das menos-valias;
- o que implica que as ações tinham valor real mais elevado (e que poderiam ter sido vendidas por valor muito mais alto); - logo, a empresa terá trocado o lucro resultante de uma venda pelo valor real por uma percentagem desse ganho, constituída pela vantagem fiscal.
- Para quê desperdiçar lucro em troca de dedução fiscal? Isto é, porquê "trocar farinha por farelo"?
- Viu-se - e é do conhecimento público - que a "bolha tecnológica" começou a esvaziar rapidamente em 2000 e 2001, acelerando esse processo imediatamente a seguir, causando grandes prejuízos a muitos investidores, como foi mediatizado no caso concreto referido nos presentes autos.” – fim de citação.
Ora, a Recorrente vem defender que o ónus de comprovar a indispensabilidade do custo recai sobre a Recorrida, incumbindo à Autoridade Tributária e Aduaneira suscitar “a dúvida sobre a relação justificada de uma determinada despesa com a actividade do sujeito passivo”
Com efeito, e como é sobejamente considerado pela Jurisprudência, “cabe à AT pôr em causa a indispensabilidade de um determinado “custo” (gasto), através da evidenciação de indícios sólidos e consistentes da sua dispensabilidade “para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” (art. 74.º, n.º 1, da LGT), face à presunção de veracidade de que goza as declarações dos contribuintes e os dados inscritos na sua contabilidade (art. 75.º, n.º 1 da LGT);” – cfr. Acórdão do TCA Sul de 8.07.2021, proc. n.º 311/03.3BTLRS.
Sendo que “(…), tem sido entendido que tal prova não tem de ser directa antes pode resultar de circunstâncias paralelas e indirectas que, atenta a idoneidade dos respetivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado atendível.” – cfr. Acórdão deste Tribunal de 12.06.2024, proc. n.º 00431/11.0BECBR.
Assim, se por um lado a Autoridade Tributária e Aduaneira tem o ónus de reunir indícios que coloquem em causa a indispensabilidade de determinado custo, por outro lado, o sujeito passivo do imposto tem de o ónus de comprovar a indispensabilidade desse mesmo custo.
Acresce que, “O facto de as menos valias realizadas fazerem parte do elenco exemplificativo dos custos fiscais elegíveis não as subtrai ao teste da indispensabilidade para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora, que o corpo do artigo proclama como regra geral. (cfr. [SCom02...]. do TCAS n.º 05315/12 de 17-04-2012 Relator: JOAQUIM CONDESSO Sumário: 4. Prevê o artº.23, nº.1, al.i), do C.I.R.C., que são considerados custos ou perdas, nomeadamente as menos-valias realizadas. Deve entender-se que a mera menção a “menos-valias realizadas” na al. i), do nº.1, do referido artº.23, do C.I.R.C., não confere, só por si, a aquisição de todos os requisitos para os valores assim considerados serem aceites como componentes negativas do rédito, pois que não podem deixar de ficar, como acontece com todos os demais custos ou perdas na mesma norma enumerados, sujeitos ao escrutínio do corpo do nº.1, do referido preceito, portanto que se afigurem como comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.)
E essa obrigação de prova (de comprovação) resulta do disposto art. 74 da LGT em articulação com a alínea b) do n.º 2 do art. 75 da LGT (dever de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da lei, for legítima a sua recusa).” – cfr. Acórdão do TCA Norte de 14.01.2016, proc. n.º 00634/06.0BEPRT.
Assim, e em jeito de conclusão impõe-se chamar o decidido no Acórdão deste Tribunal de 14.01.2016, proc. n.º 00634/06.0BEPRT, quando concluiu que:
“Portanto, podemos concluir:
A contabilização de um custo prefigura um elemento negativo da conta de resultados.
É dedutível fiscalmente quando comprovadamente for indispensável para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva.

A comprovação da indispensabilidade deve ser objectiva.
A AT não pode sindicar a maior ou menor eficácia na prossecução dos interesses empresariais (não pode sindicar a qualidade da gestão);
Não pode validar os custos consoante a sua verificação a posteriori para a geração, ou não, de proveitos.
Se a AT questiona validamente que determinada despesa possa ser considerada como custo, designadamente porque não se revela indispensável para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora, (como manifestamente é o caso de uma redução de património destinada a gerar custos extraordinários e assim diminuir os resultados), o contribuinte tem o ónus de remover essas dúvidas.” - fim de citação.
Consequentemente, não podemos concordar com o decidido pelo Tribunal a quo, quando considerou que recaía sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira o ónus de comprovar que as acções tinham um valor de mercado muito superior ao declarado negócio.
Com efeito, e como supra referenciamos, à Autoridade Tributária e Aduaneira incumbia tão só colocar em questão o custo controvertido, o que logrou fazer, na medida em que, questionou a justificação económica imprescindível para tal custo, uma vez que, o único motivo apresentado e subjacente à operação controvertida foi o de uma restruturação estratégica de participações ao nível da [SCom01...].
Ora, é perceptivel que não se coteje da justificação económica para a alienação de acções entre empresas pertencentes ao mesmo grupo económico quando, no curto espaço de 2 anos e meio se verifica uma desvalorização das mesmas na ordem dos €20.382.207,25, gerando assim uma menos-valia fiscal dessa grandeza e um prejuízo fiscal declarado de €20.847.026,38 - cfr. ponto 15. da matéria de facto assente.

Pelo que, consideramos que Autoridade Tributária e Aduaneira cumpriu com o ónus que sobre ela recaía.
O Tribunal a quo também considerou que “No caso dos presentes autos a AT coloca em causa o pressuposto relativo à indispensabilidade do custo ou perda resultante da alienação de participações sociais (80% do capital social) da [SCom03...], em que foram intervenientes (como contraentes), por um lado a [SCom02...] e por outro a [SCom30...], ambas detidas a 100°/0 pela [SCom04...], SGPS, S.A.
Como se disse, em princípio todos os custos e perdas são dedutíveis para a determinação do lucro tributável (que neste caso é efetuado pela aplicação do art. 69° e 70° do CIRC), pelo que para que um custo seja aceite, isto é, para que um custo seja dedutível em IRC, basta que tal custo ou perda seja incorrido no âmbito da atividade empresarial, ou melhor na prossecução do objeto social da empresa.
Não cabe à Administração, nem muito menos ao Tribunal, avaliar do mérito das decisões de gestão tomadas pelas empresas no âmbito que o princípio da autonomia privada lhes confere. Ora, avaliar e questionar se determinado negócio foi ou não o mais acertado equivale a uma ingerência ilegal na esfera privada da própria sociedade, efeito não pretendido pela norma do 23° do CIRC.
Mesmo que o negócio tenha sido ruinoso para a empresa, apesar de a intenção subjacente a todos os negócios realizados ser o da obtenção de lucro não se pode dizer que, por isso, era dispensável no sentido do artigo 23° do CIRC. A verdade é que os investimentos e decisões empresariais, sempre arriscadas por causa do natural contexto relativamente aleatório, poderão não resultar em lucro ou de algum modo não corresponder às expetativas iniciais.
Essa visão, partidária da conceção restrita da indispensabilidade eficiente, deve ser rejeitada.” - - fim de citação.
Ora, a Recorrente insurge-se contra o assim decidido.
Vejamos.
Com protecção constitucional, o direito à iniciativa económica privada decorre do disposto no artigo 61.º da Constituição da República Portuguesa, reconhecendo-se ao contribuinte a livre disponibilidade económica dos seus interesses patrimoniais.
Assim, é consabido que o nosso sistema tributário reconhece a livre conformação fiscal dos indivíduos, “traduzida na liberdade destes para planificarem a sua vida económica sem consideração das necessidades financeiras da respectiva comunidade estadual e para actuarem de molde a obter o melhor planeamento fiscal (…) da sua vida, designadamente vertendo a sua acção económica em actos jurídicos ou actos não jurídicos de acordo com a sua autonomia privada, e guiando-se mesmo por critérios de evitação de impostos ou de aforro fiscal, conquanto que, por uma tal via, se não viole a lei do imposto, nem se abuse da configuração jurídica dos factos tributários, provocando evasão fiscal ou fuga aos impostos através de puras manobras ou disfarces jurídicos da realidade económica” – cfr. José Casalta Nabais (in “O Dever Fundamental de Pagar Impostos”, Almedina, 2009, p. 205 e 206).
Nessa senda, poderá concluir-se pelo direito do contribuinte ao planeamento fiscal, tendo a faculdade de, ao analisar as vantagens e desvantagens de uma ou outra via, legalmente concedidas pelo legislador, optar por aquela que for mais favorável ou menos dispendiosa a nível tributário para atingir o seu objectivo.
No entanto, o princípio da liberdade económica não é um valor absoluto, uma vez que, tal faculdade não pode ser entendida como uma autorização ilimitada de planeamento fiscal.
Isto porque, se por um lado, decorre de auto-limitação resultante dos próprios fins que se lhe encontram subjacentes, por outro lado, decorre da limitação resultante da difusão dos efeitos jurídicos dos demais princípios e regras que, integrando o sistema jurídico, se mostram relevantes no contexto da situação jurídica.
Com efeito, e como já supra mencionado, não obstante, a liberdade de gestão dos sujeitos passivos de imposto, tais opções têm de se adequar ao sistema fiscal vigente, por forma a não colidir com o mesmo, não traduzindo o poder de fiscalização atribuído à Autoridade e Tributária e Aduaneira uma ingerência ilegal na esfera privada da própria sociedade, pois esta limita-se a aferir da legalidade da transposição da operações vertidas na contabilidade para a vertente fiscal.
Uma vez colocado em causa o sobredito custo, incumbia à Recorrida comprovar a racionalidade económica de tal custo.
Ora, quanto a essa questão o Tribunal a quo discorreu o seguinte:
“Viu-se - e é do conhecimento público - que a "bolha tecnológica" começou a esvaziar rapidamente em 2000 e 2001, acelerando esse processo imediatamente a seguir, causando grandes prejuízos a muitos investidores, como foi mediatizado no caso concreto referido nos presentes autos. - Pelo que tem de se acompanhar a tese da Impugnante segunda a qual tais ações estavam fortemente desvalorizadas no ano 2002.
- Se o mesmo esquema visou transferir capital para a Holanda, ali sujeito a impostos menos agressivos, isso implicava que as ações transmitidas tinham valor muito mais elevado do que o preço declarado;
- Ora, isso é contraditório com o conhecimento público existente já na altura dos factos, segundo o qual a s ações da [SCom03...] estavam muito desvalorizadas e o "Grupo 1..." procurava desfazer-se desse projeto falhado.
- Além disso, a venda abaixo do preço de mercado em virtude da existência de relações especiais entre as partes do negócio, com consequente "transferência" ilegal de capitais, não admite a aplicação direta do artigo 23° do CIRC
Assim, e tendo em conta a Motivação de Facto constante do ponto 4, considera este Tribunal que não se vê razão suficiente para as menos-valias em causa serem desconsideradas como custo fiscal com o fundamento de "não ter sido comprovada a racionalidade económica dos valores de aquisição, nem tão pouco dos valores de alienação; e que tal decisão de alineação da participação não resultou de um ação de gestão consentânea com a obtenção de proveitos ou ganhos sujeitos a tributação nem tão pouco para a manutenção da fonte produtora, por não ter subjacente o interesse da sociedade alienante e sim o interesse individual da sociedade dominante".
É normal que a vontade da sociedade dominante - a aqui Impugnante, se sobreponha à vontade de todas as outras as empresas do grupo. Sendo normal também que a vontade da [SCom04...], enquanto sociedade dominante da [SCom02...] e da [SCom30...], por deter 100°/0 do seu capital social, prevaleça sobre o interesse e necessidades individuais de cada uma das sociedades dominadas.
Ora, em regra, aquilo que interessa à dominante também é do interesse da dominada enquanto elemento do grupo económico.” – fim de citação.
No entanto, há que ressalvar que os pontos 3. e 4. do acervo probatório foram retirados da factualidade assente, e, nessa medida, a motivação da matéria de facto a eles respeitante também deixou de fazer sentido.
Por outro lado, mesmo que assim não fosse, nunca poderia servir de justificação da transação controvertida o facto das acções da sociedade [SCom03...], SGPS, SA estarem muito desvalorizadas e o "Grupo 1..." ter pretendido desfazer-se desse projeto falhado, isto porque, se assim fosse, as acções teriam sido alienadas a outra sociedade que não a [SCom30...], na medida em que, esta era participada pela [SCom04...], SGPS, SA a 100%, que, por sua vez, também participava a 100% na [SCom02...].
Ademais, não se vislumbra em que medida a prevalência da vontade da Recorrida na qualidade de sociedade dominante releva para aferir do critério económico do custo incorrido, nem tal foi questionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Decidiu também o Tribunal a quo que “Para o caso apenas importa apurar a existência da componente negativa do lucro comprovada por meio idóneo e a relação de causalidade com o fim social em que foi incorrida.
As mais-valias encontram-se documentadas e registadas contabilisticamente. Esse facto não é controvertido. Pelo que o primeiro requisito encontra-se verificado.
Por outro lado, a relação de causalidade do custo/perda com o fim social da empresa também é evidente: as menos-valias resultaram da venda das ações por preço inferior ao preço de aquisição, sendo certo que a compra e venda de ações é o cerne do objeto social da sociedade vendedora, "[SCom02...], SA".- fim de citação.
No entanto, tal qual já aqui demos conta, o critério para aferir da dispensabilidade do custo não se cinge à sua vertente subjectiva, na medida em que esta tem de ser objectiva, sendo necessário aferir da racionalidade económica, isto é, deve ser determinado de acordo com aquilo que é considerado útil e inevitável para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora.
Com efeito, e como evidencia a Recorrente, impunha-se que a Recorrida tivesse informado e esclarecido “i) qual ou quais os critérios que estiveram subjacentes à valorização do Preço de Custo por acção na [SCom03...], relativamente às aquisições feitas em 2000 e 2001; ii) qual ou quais os critérios que estiveram subjacentes à valorização das mesmas acções no momento da sua alienação; iii) além de prestarem esclarecimentos que permitissem compreender a menos-valia fiscal registada no conjunto destas operações”, o que não logrou fazer, pois, para além de ter descrito a factualidade subjacente à controvertida operação, limitou-se a tecer considerações jurídicas sobre a indispensabilidade dos custos.
Ora, tal como decidiu este Tribunal no Acórdão proferido em 14.01.2016, proc. n.º 00634/06.0BEPRT em situação em tudo idêntica à dos presentes autos e que vem norteando a nossa decisão “Se a AT questiona validamente que determinada despesa possa ser considerada como custo, designadamente porque não se revela indispensável para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora, (como manifestamente é o caso de uma redução de património destinada a gerar custos extraordinários e assim diminuir os resultados), o contribuinte tem o ónus de remover essas dúvidas”, o que in casu também não se verificou.
Nos termos do supra exposto, impõe-se concluir que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, sendo de conceder provimento ao alegado, revogando-se a decisão recorrida e mantendo-se na esfera jurídica da Recorrida a liquidação de IRC impugnada.

***


Nos termos do disposto no artigo 663.º nº 7 do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte SUMÁRIO:

I. Não existe uma absoluta coincidência entre o gasto contabilístico e gasto fiscal, na medida em que, fiscalmente, a dedutibilidade de gastos tem de obedecer ao preenchimento de dois requisitos, quais sejam a comprovação da sua ocorrência e a indispensabilidade destes, sendo que a ausência de um destes pressupostos implica a sua não consideração como custo fiscal, uma vez que no IRC vigora o princípio do auto-apuramento do lucro contabilístico do sujeito passivo.
II. O princípio da liberdade económica não é um valor absoluto, uma vez que, tal faculdade não pode ser entendida como uma autorização ilimitada de planeamento fiscal.
III. O poder de fiscalização atribuído à AT não traduz uma ingerência ilegal na esfera privada da própria sociedade, pois esta limita-se a aferir da legalidade da transposição da operações vertidas na contabilidade para o plano fiscal.
IV. Incumbe à AT pôr em causa a indispensabilidade de um determinado “custo” (gasto), através da evidenciação de indícios sólidos e consistentes da sua dispensabilidade ao abrigo do disposto no artigo 74.º n.º 1 da LGT), face à presunção de veracidade de que gozam as declarações dos contribuintes e os dados inscritos na sua contabilidade (art. 75.º, n.º 1 da LGT).
V. Recai sobre o sujeito passivo de imposto o ónus da prova da dispensabilidade dos custos deduzidos fiscalmente.
VI. Não obstante, as menos valias realizadas fazerem parte do elenco exemplificativo dos custos fiscais elegíveis, não as subtrai ao teste da indispensabilidade para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora, que o corpo do artigo proclama como regra geral.

***
3 – Decisão

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, e, em consequência, revogar a sentença recorrida., mantendo-se a liquidação de IRC impugnada.


Custas pela Recorrente, nos termos do disposto no artigo 6.º n.º 2, artigo 7.º n.º 2 e artigo 12.º n.º 2, todos do Regulamento das Custas Processuais e tabela I-B.


Porto, 29 de Maio de 2025


Virgínia Andrade
Maria da Conceição Pereira Soares
Rui Esteves