Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00268/10.4BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/11/2024
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:ROSÁRIO PAIS
Descritores:IVA; FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO DA SENTENÇA;
TRANSCRIÇÃO DO RIT; ANÁLISE CRÍTICA DA PROVA; DÉFICE INSTRUTÓRIO;
ERRO NA VALORAÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL; FATURAS FALSAS; INDÍCIOS;
Sumário:
I - É pertinente a transcrição do Relatório da Inspeção Tributária de molde a permitir conhecer motivação da AT, bem como a apreender o seu iter congnoscitivo, percebendo quais os factos que apurou, como a eles chegou e quais as conclusões que deles extraiu. Saber se os factos foram legalmente apurados, isto é, se a prova foi legalmente obtida, se correspondem à realidade ontológica, se são relevantes para as conclusões a extrair e, bem assim, se permitem as conclusões extraídas, são já operações a realizar em sede de apreciação crítica da prova e de subsunção dos factos ao direito aplicável.

II – Há, manifestamente, apreciação crítica da prova se, na motivação da matéria de facto (que ocupa 5 (cinco) páginas da sentença), se analisaram, os depoimentos prestados, discriminando o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo as concretas razões que o determinaram a desvalorizá-los, no todo ou em parte; indicando de seguida, circunstanciadamente, a convicção que formou, em face da prova carreada para os autos, quanto à materialidade das operações comerciais que a AT reputou de falsas.

III - O défice instrutório ocorre quando sejam omitidas diligências de prova relevantes para o apuramento da verdade material, não podendo, por isso, julgar-se verificado se a Recorrente não concretiza, nem nós conseguimos descortinar, quais as diligências de prova que, sendo relevantes, foram omitidas.

IV - O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode subverter ou aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.

V - Apenas pode vingar a tese da AT (de que, nas declarações de IVA apresentadas pela Impugnante figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, por “falsidade” das faturas) quando (i) faça prova dos factos-índice por si alinhados, (ii) estes sejam reveladores de uma elevada probabilidade de as operações comerciais questionadas não terem ocorrido e de que (iii) o contribuinte beneficiário das faturas sabia ou devia saber que participava numa fraude ao IVA, conquanto este não produza contraprova relativamente aos mesmos factos, tornando-os duvidosos. Só vencida esta fase, isto é, comprovado que esteja, sem margem para dúvidas, que os factos-índice apontados pela AT têm aderência à realidade, sobre eles seja possível formar aquele juízo de “elevada probabilidade” e estes, objetivamente, permitam inferir que o contribuinte sabia ou devia saber da situação de fraude, é que passa a caber ao contribuinte a prova de que as operações económicas subjacentes às faturas ocorreram nos exatos termos nelas descritos.

VI – Não podem considerar-se observados os formalismos legalmente exigíveis para a reapreciação da matéria de facto se a Recorrente, na motivação do seu recurso, não indica a decisão que, em seu entender, devia ser proferida sobre a factualidade impugnada e, nas respetivas conclusões, não faz menção à impugnação da matéria de facto, nem identifica os concretos pontos de facto impugnados.

VII - Os fortes indícios apurados na esfera da emitente “GMOF”, cujos factos sustentadores não foram objeto de contraprova pela Recorrente, aliados à circunstância de haver levantamento de cheques ao balção por pessoas relacionadas com a sociedade que os emitiu, sem qualquer justificação válida, permitem concluir ser altamente provável que as faturas emitidas por aquela sociedade não correspondem a efetivas operações económicas e que a Recorrente participou na fraude e, assim, que, objetivamente, sabia ou devia saber da sua existência.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte


1. RELATÓRIO
1.1. [SCom01...], Lda., devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida em 29.03.2022 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, pela qual foi julgada totalmente improcedente a impugnação por si intentada contra as liquidações de IVA e juros compensatórios dos anos de 2005 e 2006, no valor global de € 213.128,61.

1.2. A Recorrente [SCom01...], Lda. terminou as respetivas Alegações formulando as seguintes conclusões:
«a) Na sentença ora em crise o Tribunal a quo reduz e analisa mal os fundamentos da impugnação como apresentada pela recorrente;
b) Conduzindo a que o recorrente nela detecte vícios e erros que levam a que aquela deve ser declarada nula por falta de fundamentação, em violação do preceituado nos art.s 125º, 1 CPPT e 607º, 4 CPC,
c) Pois omite a indicação dos elementos de prova utilizados para formar a convicção do juiz a quo, bem como ao não proceder à análise crítica da prova;
d) A sentença em crise viola igualmente o preceituado nos art.s 125º, 1 CPPT e 662º, 1 do CPC pois padece de déficit instrutório
e) Sendo-lhe detectadas contradições entre factos dados como provados, não provados e o dispositivo da decisão a decisão, por erro na fixação da matéria de facto, quanto aos factos que dá como provados e como não provados e que impunham diversa solução de Direito, isto em clara violação do preceituado na lei;
f) Considera o recorrente que o Tribunal a quo fundamentou de forma deficiente, ambígua e obscura a sentença, inviabilizando qualquer juízo inteligível sobre o seu conteúdo;
g) Torna-se impossível à recorrente descortinar a matéria de facto que foi dada como provada e logo fazer o seu exame critico, pois, a mesma não é feita dos termos previstos na lei,
h) Em violação clara do preceituado nos art.s 125º, 1 do CPPT e 607º, 3 e 4 do CPC;
i) O Tribunal a quo errou ao considerar matéria dita como dada provada de partes inteiras do relatório de inspecção, sem indicar – discriminar, especificar-, os factos que esses documentos alegadamente comprovavam;
j) O Tribunal não selecionou do relatório aqueles factos – e só esses – que considerava como provados e relevantes para a decisão, mas de forma discriminada, por alíneas ou números;
k) Assim deve ser considerada nula a sentença recorrida por violação do artigo 125º, 1 do CPPT,
l) Também se considera que não ocorreu a competente explicitação e concretização do exame critico da prova como terá sido efectuado em violação clara do preceituado no art. 607º, 4 do CPC;
m) Mais ainda considera a recorrente que não houve pelo Tribunal uma correcta análise da prova testemunhal e da sua articulação com a demais prova dos autos;
n) Foram deficientemente valorados o depoimento da testemunha destituídos da sua efectiva razão de ciência, sendo omitidos factos essenciais ao julgamento—o que conduziu a uma análise, manifestamente, precária, parcial e facciosa da prova testemunhal dos autos;
o) Omitindo-se o Tribunal do seu dever de motivação no que respeita à prova testemunhal pois desconsiderando injustificadamente o depoimento da testemunha da recorrente violando assim o previsto no art. 607º, 4 e 5 do CPC;
p) Nula a sentença porque padecendo, também, de défice instrutório porque "esquecida" a prova dos autos e logo porque omitidos no julgamento factos essenciais para a boa decisão da causa;
q) Porque nula a sentença recorrida, vem a recorrente perfilhar o entendimento da modificabilidade da decisão de facto pelo TCA ao abrigo do disposto no artigo 665º n.º1 do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT, devendo, em cumprimento dos deveres imposto ao abrigo do princípio do inquisitório e em busca da verdade material, ser alterada a matéria de facto da sentença recorrida, apreciada livremente a prova documental e testemunhal produzida (artigo 607.º n.º 5 do CPC) e conhecido o objecto do presente recurso;
r) A sentença em crise padece de vários erros decisórios, de facto e de direito, um deles a existência de erro de julgamento da matéria de facto,
s) Num deles o Tribunal a quo não relevou a ausência de indiciação ou qualificação como arguida da recorrente em processos que foram ditos como fundamentais pela AT para sustentar a inspecção e as correcções efectuadas;
t) Também errou no julgamento de facto quando fixou a matéria de facto quanto aos factos que dá como provados e não provados e que impunham diversa solução de Direito,
u) A AT que nunca pôs em causa as vendas da recorrente, não conseguiu demonstrar o porquê dessas mesmas vendas, também reais,
v) E logo não conseguiu reunir os requisitos de prova indiciária necessários à afirmação do carácter fictício das operações declaradas nas facturas;
w) A reanalise da prova gravada e factual terá de conduzir não só à alteração da matéria do ponto 9 como também do ponto 12 da matéria dada como provada como matéria não provada pois tais liquidações foram erradas e ilegais;
x) Finalmente cumpre reiterar a errada aplicação pela AT de métodos directos nos anos em causa nos autos sem qualquer base legal ou real de sustentação para aplicação dos mesmos;
y) Por tudo o alegado deve ser concedido provimento ao presente recurso e revogada a douta sentença só assim se fazendo JUSTIÇA;
Termos em que, em face do que se alega, da fundamentação exposta e porque a douta sentença em crise mal andou, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, julgando-se:
a) Nula a sentença recorrida por erro de julgamento de facto e de direito e, em consequência, declarados ilegais e nulos o acto de liquidação impugnado e respectivos juros compensatórios, com as devidas consequências legais, conforme peticionado na presente impugnação judicial (violação dos art.s 125º, 1 CPPT e 607, 4 CPC);
b) Sem prescindir, sempre deverá a sentença igualmente ser declarada/julgada nula por claro deficit instrutório (art.s 125º, 1 CPPT e 607, 4 e 662º, 1 do CPC);
c) Igualmente nula será por falta de fundamentação, ao omitir a indicação dos elementos de prova utilizados para formar a convicção do Juiz a quo, bem como ao não proceder à análise crítica da prova, devendo o Venerando Tribunal, em substituição, conhecer do objecto do presente recurso, já que os autos fornecem todos os elementos de prova (quer documental, quer testemunhal) para o efeito (violação dos art.s 2º e 125º, 1 CPPT e 607, 4 e 5 e 665º, 1 do CPC),
d) Ou, caso assim, não se entenda, sem conceder, ordenada a remessa dos autos ao tribunal recorrido para que seja proferida nova decisão, ficando assim prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados (art. 662º, 2 do CPC);».

1.3. A Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer, com o seguinte teor:
«[SCom01...], Lda., contribuinte fiscal n.º ...98, com sede na Rua ..., ..., ..., deduziu, ao abrigo do disposto nos artigos 86º e 95º da Lei Geral Tributária (LGT), 97º, 99º, 100º, 101º e 117º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT)1, a presente IMPUGNAÇÃO JUDICIAL contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios de 2005 e 2006, no total de € 213.128,61, alegando, pra o efeito, que as liquidações padecem de erro sobre os pressupostos da qualificação das faturas emitidas pelos seus fornecedores melhor identificados nos autos como sendo “faturas falsas” e concluiu pedindo a anulação das liquidações e atribuindo ao processo o valor de € 213.128,61.
No que concerne à alegada falta de fundamentação dir-se-á que o direito à fundamentação dos actos administrativos e tributários que afectem direitos e interesses legalmente protegidos é princípio constitucional consagrado no artº 268º da Constituição da República.
Nos termos do CPA, a fundamentação dever ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.
De acordo com o mesmo preceito legal, equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
Os mesmos requisitos, critérios e exigências recorrem do art. 77º da LGT.
O mesmo se aplica à fundamentação das sentenças, como decorre do art. 123º nº 2 do CPPT.
Só assim a parte pode analisar a decisão e ponderar se lhe dá ou não o seu acordo; também só por essa via, ela fica munida dos elementos essenciais para poder impugnar a decisão; só sabendo quais os factos concretos considerados pelo decisor, ela pode argumentar se eles se verificam ou não; só conhecendo os critérios valorativos do julgador sobre esses factos, ele pode discuti-los.
Ou seja, a fundamentação tem de traduzir-se numa declaração formal externa ou explicita que dê a conhecer ao seu destinatário, a motivação funcional da decisão, os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro.
Os fundamentos de facto e de direito, para a decisão em causa constam do acto / liquidação em causa como bem entendeu a douta sentença.
Como se refere no acórdão do TCAN (processo 00018/02 de 22.10.2010) a fundamentação há-de ser:
-expressa através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão;
- clara, permitindo que através dos seus termos se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide;
- suficiente, possibilitando ao administrado ou contribuinte um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja as razões de facto e de direito que determinaram o agente ou órgão a actuar como actuou;
- congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos indicados como sua justificação envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão.
Assim, afigura-se-nos que o acto em causa se encontra suficientemente fundamentado e inteligível, pelo que não se verifica o vício de falta de fundamentação.
As liquidações adicionais resultaram de se ter apurado que a impugnante / recorrente tinha contabilizado naqueles exercícios facturas que não correspondiam a serviços reais
Da mesma forma, ali constam os custos indevidamente deduzidos, os factos (indícios) que levam à conclusão de que as faturas eram “falsas”, bem como as normas legais ao abrigo das quais a AT atuou.
A administração tributária fundamentou as correcções no relatório da acção inspectiva, que considerou como falsas todas as facturas que tivessem sido emitidas pelas entidades ali mencionadas.
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O Tribunal apreciou a prova produzida.
A única conclusão a tirar foi aquela que o Tribunal tirou de que se estava perante operações comerciais simuladas.
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Nos termos do art.º 123.º n.º 2 do CPPT, o Juiz discriminará a matéria de facto prova nada da não provada fundamentando as suas decisões.
Nos termos do art.º 125.º n.º 1 constituem causas de nulidade da sentença a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva conhecer ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
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O art.º 607.º n.º 5 do CPC, consagra o princípio da livre apreciação das provas dispondo que o tribunal aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Todavia, a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial nem aqueles que só possam ser provados por documentos, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
A livre convicção é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade.
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O princípio da livre apreciação da prova não aponta, nem pode apontar para uma apreciação dos factos que seja imotivável, incontrolável e logo arbitrária.
A convicção do Juiz tem de ser pessoal, mas não pode ser puramente subjectiva e emocional pois uma das funções da sentença é o de convencer os interessados da bondade e do bom fundamento da decisão.
Essa convicção só existirá quando o Tribunal se convencer da verdade dos factos para além de uma dúvida razoável.
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Ora, a sentença recorrida elenca os factos que deu como provados e os factos que deu como não provados.
A administração tributária recolheu e demonstrou a verificação de um conjunto de indícios credíveis, seguros, sérios e consistentes de que não tinham existido as operações comerciais contabilizadas pela impugnante.
Assim, tal como se decidiu no acórdão proferido pelo TCAN em 29 de Novembro de 2006 no âmbito do processo 168/02, «tendo a administração fiscal recolhido indícios sérios e credíveis de que as operações tituladas pelas facturas não correspondem a operações reais (emitente legalmente sem actividade, falta de documentos comprovativos dos pagamentos, assinaturas constantes das facturas não condizentes com vários documentos dos emitentes) cabia ao contribuinte provar a materialidade das operações, nomeadamente, o local concreto da prestação dos serviços, identificação de quem os realizou e forma de pagamento »
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«É à Fazenda Pública que cabe provar os indícios de que determinadas facturas não correspondem a serviços efectivamente prestados, cabendo ao contribuinte provar que os trabalhos foram efectivamente prestados» (Ac. do TCAS de 23/1/2007, processo 1365/06)
«Sendo certo que ... o acto tributário não goza de presunção de legalidade... e que a declaração do contribuinte goza de uma aura de verdade... no caso da avaliação da situação dos emitentes das facturas redundar na recolha de indícios fortes da ocorrência de transacções fictícias,
obrigatoriamente, essa informação não pode ser tida por irrelevante e desprezível com o singelo argumento que se trata da conduta de terceiro.
A génese destas situações não pode ser outra que não o comportamento assumido por este, mas sempre e necessariamente com a complacência do receptor da facturação» (Ac. do TCAN de 1/3/2007, processo 00027/00)
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Em acórdão recente, entendeu o TCAN que a prova da realidade das operações tem de ser inequívoca, positiva, concludente e sem margem para dúvida da realidade das operações facturadas. Tal prova deve ser concretizadora em termos de tempo, espaço e valores envolvidos no sentido da demonstração correcta da cada operação... (Ac. do TCAN de 5/11/2020, processo n.º 497/08.0BEPRT)
“Quando estão em causa a desconsideração de custos documentados por facturas, que foram consideradas falsas pela A.T. as regras de repartição do ónus da prova são as seguintes:
Em primeira linha “compete à A.T. fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, terá de demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na factura foi simulada.
Em segunda linha, após feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a deduzir os custos declarados na determinação da matéria tributável nos termos que decorrem do art.º 19.º n.º 3 do CIVA e 23.º n.º 1 do CIRC não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade” (Ac. do TCAN de 19/11/2020, processo n.º 1206/17.9BEBRG)
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Os factos que a sentença recorrida deu como provados e não provados levam a concluir que as operações comercias contabilizadas pela sociedade impugnante não eram verdadeiras.
Não existem fundamentos para revogar a sentença recorrida, que aliás está desenvolvida e muito bem elaborada, quer de facto, quer de direito.
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Numa situação como a dos autos, compete ao utilizador das faturas fundadamente reputadas como falsas o ónus de provar o direito à dedução dos correspondentes custos fiscais e do IVA mencionado nesses documentos.
Não cumprindo esse ónus, a situação resolve-se contra a parte onerada.
Nesse caso, o valor exato das faturas reputadas falsas, apurado diretamente com base nos registos da contabilidade do sujeito passivo utilizador, deverá ser corrigido por métodos diretos de avaliação (artigos 81, 83º, 85º e 87º da LGT). E foi exatamente isso que a AT fez.
No caso, a AT verificou e relatou indícios sérios de que as aludidas faturas não consubstanciam quaisquer operações e, portanto, foram simuladas com fins meramente fiscais e a impugnante não logrou provar qualquer facto suscetível de gerar, pelo menos, dúvida fundada, acerca da existência de faturas falsas nem sobre a quantificação efetuada pela AT.
Desta forma, e aderindo à argumentação e respectivos fundamentos da douta sentença recorrida em tudo o mais alegado, entendemos ser a mesma de manter e negado provimento ao recurso».
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Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se sentença recorrida enferma das nulidades que lhe vêm apontadas por falta de fundamentação e de exame crítico da prova, bem como de défice instrutório e de erro na apreciação da prova testemunhal produzida e no consequente erro na apreciação do direito aplicável.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Com base nos documentos junto aos autos e no processo administrativo (PA) apenso considera-se provada a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão:
1. A sociedade impugnante, constituída em 1989, tem por objeto social a “compra e venda de sucatas, bidons e recuperação do mesmo material” e encontra-se fiscalmente registada para o exercício da atividade de “indústria de valorização de resíduos metálicos – CAE 038321” – pág. 3 e 4 do Relatório de fls. 6 do PA;
2. O capital social é detido por «CC» e «DD» e a gerência está atribuída a ambos os sócios, mas a sociedade é representada através da assinatura de pelo menos um dos gerentes – pág. 3 do Relatório de fls. 6 do PA;
3. A sociedade impugnante encontra-se fiscalmente enquadrada no regime simplificado do IRC em 2005 e no regime geral do IRC em 2006 e 2007 e no regime normal de periodicidade mensal do IVA em todo o período de 2005 a 2007 – pág. 2 do Relatório de fls. 6 do PA;
4. Entre 2004 e 2007, resultam da contabilidade da sociedade impugnante os seguintes elementos:
20042005var.
(2005-2004)
% var.
(2005-2004)
2006Var
(2006-2005)
% var.
(2006-2005)
2007Var
(2007-2006)
% var.
(2007-2006)
Vendas149.361,77766.125,18618.763,41414,27664.590,48103.534,70-13,48295.617,07368.973,41-55,52
Proveitos144.890.53778.383,18665.560,61282.702,48
CMVMC100.159,13704.600,40584.098,57214.102,95
Custos totais144.557,91777.681,75 659.747,22 263.401,45
MBs/Vendas32,94%8,27% 12,11% 27,57%
quadros de pág. 5 e 6 do Relatório, de fls. 7 do PA.
5. Nos anos 2005 a 2007, a agora impugnante contabilizou as seguintes faturas e deduziu o respetivo IVA:
EmitenteFact.VD n.ºDataAnoValor BaseValor IVAValor Total
[SCom02...]., Lda.3909-03-2005200514.789,25€2.809,96€17.599,21 €
[SCom02...]., Lda.5412-04-2005200514.107,50€2.680,43€16.787,93€
[SCom02...]., Lda.2901-06-2005200523.787,00€4.519,53€28.306,53€
[SCom02...]., Lda.12808-06-2005200525.480,00 €4.841,20 €30.321,20 €
[SCom02...]., Lda.13615-06-200520058.959,00€1.702,21 €10.661,21 €
[SCom02...]., Lda.16914-07-2005200519.480,50€4.090,91 €23.571,41 €
[SCom02...]., Lda.6117-09-2005200514.355,00€3.014,65€17.369,55€
[SCom02...]., Lda.21629-09-2005200531.170,00€6.545,70€37.715,70 €
[SCom02...]., Lda.7729-09-2005200520.163,00€4.234,23€24.397,23€
[SCom02...]., Lda.23007-10-2005200519.980,00€4.195,80€24.175,80€
[SCom02...]., Lda.24418-10-2005200557.453,00€12.065,13€69.518,13€
[SCom02...]., Lda.25124-10-2005200523.133,00€4.857,93€27.990,93€
[SCom02...]., Lda.25224-10-2005200512.185,25€2.558,90€14.744,15€
[SCom02...]., Lda.26908-11-2005200524.849,00€5.218,29€30.067,29€
[SCom02...]., Lda.28014-11-2005200528.545,00€5.994,45€34.539,45€
Total – 2005338.436,50 €69.329,31 €407.765,71 €
[SCom02...]., Lda.14430-01-2006200636.432,00€7.650,72€44.082,72€
[SCom02...]., Lda.36704-02-2006200613.156,00€2.762,76€15.918,76€
[SCom02...]., Lda.41008-03-2006200646.553,50€9.776,24 €56.329,74 €
[SCom02...]., Lda.18229-03-2006200643.125,00€9.056,25€52.181,25€
[SCom02...]., Lda.45917-04-2006200615.152,50€3.182,03€18.334,53€
[SCom02...]., Lda.51519-05-2006200639.847,50€8.367,98€48.215,48€
[SCom02...]., Lda.52831-05-20062006128.511,00€26.987,31 €155.498,31 €
Total – 2006322.777,50€67.783,28 €390.560,78 €
Totais661.214,00€137.112,59€798.326,49€
EmitenteFact.VD n.ºDataAnoValor BaseValor IVAValor Total
«EE»722-02-20052005707,00€134,33€841,33€
«EE»14620-05-200520057.700,00€1.463,00€9.163,00€
«EE»15425-05-200520056.272,00 €1.191,68 €7.463,68€
«EE»15527-05-200520058.568,00€1.627,92€10.195,92€
«EE»16006-06-2005200513.692,00€2.601,48€16.293,48€
«EE»16407-06-200520057.588,00€1.441,72€9.029,72€
«EE»18020-06-2005200510.136,00 €1.925,84 €12.061,84€
«EE»18424-06-200520058.862,00€1.683,78€10.545,78€
«EE»25301-09-20052005647,50€135,98€783,48€
«EE»25609-09-200520051.034,60 €217,27 €1.251,87€
«EE»26014-09-200520051.319,50 €277,10€1.596,60€
«EE»27120-09-20052005432,60€90,85€523,45 €
«EE»27624-09-200520051.517,40 €318,65€1.836,05€
«EE»29230-09-200520051.690.20€354,94€2.045,14€
«EE»41805-12-200520058.700,00€1.827,00€10.527,00€
«EE»42107-12-200520057.700,00€1.617,00€9.317,00€
«EE»44722-12-200520051.443,00€303,03€1.746,03€
«EE»45527-12-200520051.200,00€252,00€1.452,00€
Total – 200589.209,80617.463,566106.673,366
«EE»50427-01-200620064.620,00€970,20€5.590,20 €
«EE»53308-02-2006200615.072,50€3.165,23€18.237,73€
«EE»64306-04-200620061.600,00 €336,00€1.936,00€
«EE»68909-05-2006200626.386,00€5.541,06€31.927,06€
«EE»70419-05-2006200625.951,50€5.449,82€31.401,32 €
«EE»75126-06-2006200622.208,80€4.663,85 €26.872,65€
Totais52.461,0069.967,59662.428,596
EmitenteFact.VD n.ºDataAnoValor BaseValor IVAValor Total
«FF»103116-02-2005200541.580,00 €7.900,20 €49.480,20€
«FF»109206-04-2005200510.881,00€2.067,39€12.948,396
Totais661.214,00€137.112,59€798.326,49€
EmitenteFact.VD n.ºDataAnoValor BaseValor IVAValor Total
«GG»51626-06-200620068.528,20€1.790,92€10.319,12€
«GG»52429-06-200620061.384,20 €290,68 €1.674,88 €
«GG»65212-10-200620061.474,50€ 1.474,50 €
«GG»66720-10-200620061.248,00€ 1.248,00€
«GG»67826-10-200620062.931,00€ 2.931,00€
«GG»68027-10-200620062.266,50€ 2.266,50€
«GG»70615-11-200620061.498,50€ 1.498,50 €
«GG»71523-11-2006200612.014,35 € 12.014,35€
«GG»72602-12-20062006975,75€ 975
«GG»75929-12-20062006918,00€ 918
Total – 200533.239,00 62.081,60 635.320,606
«GG»8305-03-200720071.442,40€ 1.442,40 €
«GG»9912-03-200720071.442,40€ 1.442,40€
«GG»13328-03-200720071.646,40€ 1.646,40€
«GG»14904-04-200720072.151,60 € 2.151,60€
«GG»17718-04-2007200746.851,00€ 46.851,00 €
«GG»18323-04-200720071.621,20 € 1.621,20€
«GG»81328-04-200720071.431,60 € 1.431,60 €
«GG»26528-05-200720072.913,00€ 2.913,00€
«GG»28105-06-200720072.532,00 € 2.532,00€
«GG»29713-06-200720072.302,50€ 2.302,50 €
«GG»31219-06-200720072.428,50€ 2.428,50€
Total – 200766.762,60 60,00666.762,60 6
Totais100.001,6062.081,606102.083,206
– acordo e pág. 8 a 10 do Relatório e respetivos anexos 1 a 4, de fls. 8, 9 e 51 a 248 do PA;
6. Nos processos de averiguações nº ...3/06.6JAPRT e ..7/06.9JAPRT, abertos no âmbito do combate à fraude fiscal no setor da sucata, os emitentes das faturas referidas no ponto anterior foram indiciados como emitentes de faturas falsas («GG» no processo nº ...3/06.6JAPRT e «EE», [SCom02...]. e «FF» no processo nº ..7/06.9JAPRT) – pág. 7 do Relatório, de fls. 8 do PA;
7. Com base nas Ordens de Serviço nº ...95 (exercício de 2005) e ...96 (exercícios de 2006 e 2007) a AT levou a cabo uma ação inspetiva externa à atividade da sociedade agora impugnante, que decorreu entre 13/3/2009 e 13/7/2009 e incidiu sobre o IRC e IVA nos exercícios de 2005 a 2007, tendo a mesma culminado com o Relatório final de 13/8/2009, homologado por despacho de 14/8/2009, no qual a AT efetuou (além de outras) correções “meramente aritméticas” em sede de IVA por considerar que o sujeito passivo deduziu indevidamente o imposto, nos montantes de € 96.760,46 em 2005 e € 89.991,04 em 2006, porque, na sua perspetiva, as respetivas faturas merecem ser qualificadas como falsas – fls. 1 e seguintes do PA, em particular os quadros de pág. 77 e 78 do Relatório a fls. 43 do PA;
8. Após notificação pessoal efetuada em 25/6/2009, a AT lavrou auto de ocorrência subscrito pelo TOC da impugnante em 29/6/2009, no qual consta que a sociedade “não exibia nem facultava cópias dos extratos bancários da conta que a sociedade possui no Banco 1..., com o nº ...12, dos anos 2005, 2006 e 2007” – fls. 252 do PA;
9. Do Relatório final de inspeção, acima aludido, consta, além do mais, o seguinte:
«III.1.1. Indícios recolhidos nos emitentes
Juntam-se resumos das conclusões obtidas na sequência dos procedimentos de inspecção levados a efeito aos emitentes supra mencionados e/ou informações das investigações efectuadas, no âmbito dos Processos de Inquérito com NUIPC nº ...3/06.6JAPRT e ..7/06.9JAPRT, onde se prova que estas sociedades/empresários estão indiciadas/os no crime de fraude fiscal pela utilização e emissão de “facturas falsas” e se concluí pela inexistência de actividade susceptível de suportar as alegadas aquisições efectuadas pela [SCom01...].
III.1.1.1. «GG»
«GG», (doravante também designado somente de «GG»), portador do NIF ...45, de acordo com o Serviço de informática da DGCI, no Ministério das Finanças, tem domicílio fiscal na Rua ..., N EN... – Ft/C., ... ....
No dia 15-03-2005, entregou no Serviço de Finanças ..., a Declaração de Início de Actividade, com domicílio fiscal e sede da actividade na Rua ..., em ..., declarando, a partir desse mesmo dia, o início da actividade de “Comércio por Grosso de Sucatas” (actual CAE Rev.3 46.771).
Da declaração de início de actividade consta a seguinte informação:
– a intenção de não efectuar aquisições ou transmissões intracomunitárias nem importações ou exportações;
– um volume de negócios anual estimado de 30.000 €;
– o início de uma actividade secundária, o “Comércio por Grosso de Desperdícios de Têxteis, Cartão e Papel”;
– como TOC responsável pela contabilidade indicou «HH», NIF ...51.
A 04-10-2006, alterou o domicílio fiscal e sede da actividade, via Internet, para o seu actual domicílio fiscal.
Pelo exercício da actividade para a qual se colectou ficou enquadrado:
– em sede de IRS, na categoria B de rendimentos no regime de contabilidade organizada;
– em sede de IVA, no Regime Normal com periodicidade trimestral (a partir de 01-01-2007 passou para o regime normal mensal).
Ainda do cadastro informático da DGCI, verificou-se que «GG» foi sócio da empresa “[SCom03...], Lda.”, NIF ...18, com a actividade de comércio de automóveis e sede em ....
Em sede de IRS, tendo em conta as declarações de rendimentos entregues por «GG», apuram-se as seguintes informações:
– constitui o único elemento do seu agregado familiar;
– não existem declarações de IRS entregues para os anos anteriores a 2002;
– nos anos de 2002 e 2003 foram entregues as declarações de IRS com rendimentos da Categoria A na qualidade de trabalhador dependente da sociedade “[SCom03...], Lda.”, com rendimentos baixos e sem o apuramento de qualquer imposto a pagar;
– no ano de 2004, na declaração de IRS entregue declarou apenas rendimentos da Categoria G (mais-valias), relativo à venda de um imóvel no valor de cerca 3.000,00 €;
– no ano de 2005 foi entregue a declaração de IRS, na qual declarou rendimentos da Categoria B, resultante da sua actividade no valor de 10.150,00 €, do que resultou imposto pago de 1.360,64 €;
– no ano de 2006 foi entregue a declaração de IRS, na qual declarou rendimentos da Categoria B, resultante da sua actividade no valor de 54.785,64 €, do que resultou imposto pago de 16.190,12 €;
Em sede de IVA, procedeu à entrega das declarações periódicas de IVA, a que se refere o artigo 28.º do Código do IVA.
III.1.1.1.2. Procedimentos de Inspecção levados a efeitos pela Direcção de Finanças ...
Consta dos arquivos da Direcção de Finanças ... relatório final de Inspecção Tributária elaborado pelos Inspectores Tributários (IT’s) «II» e «JJ», datado de Junho de 2008.
O procedimento externo de inspecção, que abrangeu os exercícios de 2005 e de 2006, decorreu ao abrigo da Ordem de Serviço n.º ...54, entre o dia 15-04-2008 e 28-05-2008.
«GG» é arguido no processo de inquérito n.º NUIP 703/0...., SRICCEF/2º/2º (P.J. do Porto). Foi alvo de buscas a 28-11-2007, tendo-lhe sido apreendidos documentos da sua contabilidade.
Do relatório final da inspecção tributária extraem-se as seguintes informações / conclusões:
– «GG», nos anos de 2005 e de 2006, emitiu facturas de venda de sucata nos valores de 1.205.853,10€ e 13.876.062,05€, respectivamente;
– Apesar do volume de negócios, subjacente à facturação emitida, da análise da estrutura de custos, verifica-se não terem qualquer compatibilidade com tal volume de vendas, na medida em que, não se encontram registos de quaisquer custos relativos a pessoal, financeiros, amortizações ou rendas; Relativamente a esta incongruência, referem os IT’s:
«(...) O sujeito passivo apenas contabilizou e declarou custos de estrutura de € 3.063,13 no ano de 2005 e € 35.800,68 no ano de 2006, não sendo evidenciados quaisquer custos relativos a pessoal, seguros inerentes à actividade, honorários, rendas de instalações, custos financeiros e amortizações de imobilizado. Se a actividade tivesse sido efectivamente exercida, os custos de estrutura inerentes seriam muito superiores aos evidenciados na contabilidade.
(...)”
Como da contabilidade não permitiu extrair elementos que permitissem sustentar a actividade que a facturação transparece, os IT’s procuraram indícios, junto de terceiros e, directamente, junto de «GG», que permitissem sustentar tal actividade.
Transcrevem-se, de seguida, partes do relatório de inspecção relativas ao levantamento da estrutura empresarial de «GG»:
Inexistência de qualquer estrutura empresarial:
A sede declarada e estaleiro
No Auto de Declarações, o Sr. «GG» referiu “... o seu estaleiro desde o início da sua actividade situa-se na Estrada..., ..., .... A partir do ano de 2007, para além do estaleiro, passou também a ter um armazém arrendado situado na Zona Industrial ......”
De visita realizada ao local da sede declarada e do estaleiro do sujeito passivo, na Rua ..., ... em ..., verificou-se que a mesma correspondia a uma parcela de terreno, vedado com uma rede de cerca de 2 metros de altura. Este espaço apresenta um aspecto de abandono sem quaisquer condições para armazenar o tipo e a quantidade de sucata de valor elevado (cobre, latão, alumínio, inox) que o Sr. «GG» declara ter transaccionado.
O terreno encontra-se dividido em duas partes, separado por uma linha de depósitos pequenos de plástico. Do terreno, cerca de 75% é ocupado por um stand automóvel denominado “[SCom03...]” que não parece ter qualquer actividade, onde se encontram 4 camiões antigos em exposição. Os restantes cerca de 25% do terreno são ocupados pelo suposto estaleiro do sujeito passivo.
Relativamente à parte destinada ao estaleiro, trata-se de um espaço reduzido com uma entrada de difícil acesso em que a maioria dos camiões que são referidos nas facturas de compra e venda, constantes da contabilidade do sr. «GG», não conseguiriam entrar nem proceder a qualquer carga ou descarga. Contém um contentor com ferrugem que evidencia não ser utilizado, uma roulote, uma balança com aspecto de abandonada e uma empilhadora também com aspecto de obsoleta.
No espaço não se verificou a existência do tipo de sucata que é mencionada nas facturas de compras e vendas do sujeito passivo, nomeadamente cobre, latão, alumínio e inox, só se podendo visualizar alguma sucata de carroçarias automóveis. O espaço não dispõe de qualquer armazém fechado e coberto, não apresentando quaisquer condições para armazenar a sucata supostamente transacionada.
Questionada a responsável de café vizinho, a mesma afirmou que já não via qualquer movimento de pessoas ou de bens já há alguns meses e que nunca viu movimento relacionado com cargas e descargas de sucata. (sublinhado nosso)
Contactado e interrogado o sr. «KK», enteado da proprietária do terreno, obteve-se a seguinte informação:
O terreno é da propriedade da sra. «LL» – NIF ...13 e da empresa “[SCom04...], S.A” – NIF ...38 e tem uma área total de 0,685 ha., conforme a caderneta predial rústica do artigo matricial n.º ...08 do Serviço de Finanças ... (...);
Foi contactado pelo sr. «MM» – NIF ...80, tendo-lhe sido arrendado todo o terreno, conforme contrato de arrendamento comercial datado de 01-03-2005(...);
De todo o terreno arrendado, só uma parte é que se encontra cercada por rede, sendo ocupada pelo stand automóvel e pelo suposto estaleiro do sr. «GG». A restante área não foi utilizada para qualquer fim;
Do que pôde observar, nunca viu qualquer movimento relacionado com cargas e descargas de sucata. Contactado por telefone, o Sr. «MM», que também exerce a actividade no sector da sucata, declarou que efectivamente tinha arrendado o referido terreno, mas quem o utiliza e paga as rendas é o seu filho «GG», que por estar ausente na data da assinatura do contrato de arrendamento, ficou em seu nome.
Por duas vezes que se marcou encontros na Direcção de Finanças ..., para reduzirmos a escrito as declarações do Sr. «MM», mas este nunca compareceu.
Acrescenta-se o facto de, como já foi referido, não estarem registadas na contabilidade do sujeito passivo nos anos de 2005 e 2006, as rendas do terreno, que também é a sua sede e domicílio fiscal. Do verificado e descrito, é possível concluir-se que o estaleiro não possuía quaisquer condições para movimentar ou armazenar em segurança as quantidades e tipo de sucata que o sr. «GG» declara transaccionar (chão em terra e erva, sem qualquer vedação ou protecção que garantisse a sua guarda). Para além de servir de depósito de alguma sucata ferrosa de pequeno valor, o terreno terá sido utilizado apenas para justificar a suposta actividade declarada.
Importa por último referir que o local de carga declarado em todos os documentos de venda emitidos pelo sr. «GG» nos anos de 2005 e 2006 é ....
Instalações na Zona Industrial ...
De acordo com o anexo J entregue, verificámos que o Sr. «GG» arrendou um pavilhão na Zona Industrial ... no lugar de ..., freguesia ... e concelho ..., inscrito na matriz predial sob o n.º ...06, por um valor mensal de €1.200,00 a «NN», NIF ...30.
Segundo elementos retirados do sistema da DGCI, da caderneta predial urbana, o referido prédio é composto por um pavilhão industrial de rés de chão com zona ampla, zona social e administrativa, três WC, hall, escritório e primeiro andar com salão amplo com uma superfície coberta de 741,00 m2 e descoberta de 764,00 m2 (...).
Contactado o arrendatário, o Sr. «NN» – NIF ...30, foram as seguintes as informações prestadas:
– Confirma que celebrou o contrato de arrendamento com o Sr. «GG» em 28 de Dezembro de 2006 e que é válido por um prazo de cinco anos, com início no dia 1 de Janeiro de 2007 (...);
– O inquilino tem pago a renda estabelecida e das poucas vezes que entrou dentro das instalações arrendadas, apenas viu um pequeno contentor com sucata.
Através de informações obtidas nos armazéns próximos das instalações arrendadas pelo sujeito passivo, foi-nos dito que não viam grande movimento durante o dia e o pouco que assistiam era sempre fora de horário normal de funcionamento quando por vezes ficavam até mais tarde a trabalhar.
Não foram conhecidos quaisquer outros locais com condições ou capacidade para armazenar ou movimentar mercadorias por parte do sujeito passivo.
Refere-se o facto de que inicialmente o sr. «GG» não mencionou o aluguer do armazém na Zona Industrial ..., só quando questionado sobre esse facto, é que o confirmou.
Pessoal e situação perante a Segurança Social
Na contabilidade, não se encontram processados quaisquer ordenados.
A este propósito, foram as seguintes as afirmações produzidas por «GG»: “... Na sua actividade, trabalha com o seu irmão e quando necessita recorre a outras pessoas para fazer umas horas.... Esclareceu que, relativamente ao seu irmão, este só trabalha como empregado a tempo inteiro desde o ano de 2007, sendo que antes só o chamava quando necessitava de ajuda...”
Nos registos contabilísticos de 2005 e 2006 não se encontram registados quaisquer pagamentos destes supostos serviços – tal situação revela também o carácter marginal e ocasional das operações.
. Resta referir que o irmão de «GG» não declarou quaisquer rendimentos nos anos de 2005 e 2006.
De acordo com informações recolhidas na Segurança Social, o sr. «GG» não tem trabalhadores a seu cargo. Encontra-se qualificado como trabalhador independente na Segurança Social desde 15-03-2005, tendo-lhe sido atribuído uma isenção de pagamento de contribuições até 28-02-2006. Apesar de estar obrigado ao pagamento de contribuições desde 01-03-2006, apenas efectuou pagamentos desde Agosto de 2007 até à presente data. Não se encontra a receber qualquer prestação de rendimento Social de Inserção (...).
O imobilizado corpóreo – viaturas e equipamentos
Com base nos elementos recolhidos na contabilidade do sujeito passivo (matriculas mencionadas em algumas facturas de compra e venda), na base de dados do Imposto de Circulação e Camionagem da DGCI e das informações solicitadas às Conservatórias do Registo Automóvel do Porto e ... (...), foi realizado um levantamento das viaturas afectas à actividade nos dois anos em análise, cujo resultado se encontra patente no quadro seguinte:
ViaturaElementos ConservatóriaElementos da Contabilidade (a)
MatrículaMarcaCat/TipoAnoData
Registo
Anterior ProprietárioAno Aquis.Valor Aquis.
..-..-CJISUZULi. Merc.199322-06-2005[SCom05...], Lda.20050,00
SA-..-..IVECOPes. Merc.198922-03-2006«OO»20060,00
..-DA-..DAFPes. Merc.199528-03-2007«PP»200614.863,20 (b)
(a Nos anos de 2005 e de 2006 não foram registados quaisquer valores relativos a amortizações destas viaturas;)
(b) Este valor inclui a factura de aquisição do camião, um sistema GPS adquirido e diversos gastos de reparação do camião.
Estas viaturas são propriedade do sujeito passivo e em termos documentais são supostamente utilizadas na sua actividade, mas na contabilidade apenas se encontra registado no ano de 2006 a aquisição da viatura ..-DA-...
Conforme consta de muitos documentos de venda emitidos por «GG», a viatura por ele mais utilizada tem a matrícula ..-..-CJ. No entanto, na contabilidade não se encontra contabilizada a factura de compra da referida viatura.
Consultado o cadastro informático da DGCI, verificou-se que essa matrícula corresponde a uma viatura ISUZU, «GG» de mercadorias, com a capacidade de carga máxima de 3.500 kg (...). Esta viatura tinha como antigo proprietário a empresa “[SCom05...], Unipessoal, Lda.” – NIF ...33 com sede em .... De acordo com informação obtida dessa empresa, a referida viatura em Maio de 2004 foi vendida ao “[SCom06...], Lda.” – NIF ...63 (...).
Em termos de Imposto de Circulação e Camionagem, está registada em nome de «GG», apenas desde 21 de Junho de 2006 (...).
Segundo o sistema informático da DGCI, a viatura SA-..-.. pertence a «GG» desde 24 de Julho de 2006 e é uma viatura pesada de mercadorias, com um peso máximo a transportar de 28.000 kgs. (...).
A viatura ..-DA-.. foi adquirida ao fornecedor belga «PP», BE ...22, em 6 de Outubro de 2006 e a legalização foi concluída apenas em 27 de Fevereiro de 2007, na Alfandega ... (Declaração Aduaneira de Veiculo – DAV n.º ...39), estando registada em nome do sujeito passivo desde 28-03-2007 (...).
É uma viatura com 12 anos e com um peso bruto total de 30.000 kgs. e de tara 14.200 kgs.
Não se encontra também contabilizado qualquer seguro de viaturas, o que também não deixa de ser estranho.
A este propósito, foram as seguintes as afirmações produzidas por «GG»: “...Para o transporte de sucata, desde o início da sua actividade utiliza a sua viatura de matrícula ..-..-CJ. Posteriormente passou a utilizar as viaturas SA-..-.. e a ..-DA-... Antes de ter a última viatura mencionada, para cargas mais pesadas recorria ao serviço de uma empresa de transportes denominada de “[SCom07...], Lda.”
A análise mais pormenorizada às referidas viaturas será efectuada em ponto futuro deste relatório. Ao nível do imobilizado corpóreo, para além da viatura de mercadorias ..-DA-.., apenas consta na contabilidade do sujeito passivo os seguintes bens (...):
– 1 GPS – mobiele MID C710 no valor de € 499,90 (adquirido em 7 de Outubro de 2006);
– 1 Empilhador Toyota Sduni no valor de € 3.000 (adquirido em 24 de Julho de 2006).
Contas bancárias
A contabilidade do sujeito passivo não reflecte nenhuma conta bancária. Todos os movimentos financeiros (recebimentos e pagamentos) são contabilizados na conta “caixa”, significando que todos eles foram supostamente efectuados em numerário.
A este propósito, foram as seguintes as afirmações produzidas pelo sr. «GG»: “...os pagamentos aos fornecedores nos anos de 2005 e 2006 foram feitos a dinheiro... Não tem nenhuma conta bancária afecta à sua actividade, sendo que por vezes utiliza contas pessoais para proceder ao pagamento de algumas despesas profissionais...” (...)
Outros custos e despesas
Para além de supostos custos com transportes, que conforme já foi referido serão objecto de análise própria em ponto futuro, verificou-se a existência de um reduzidíssimo número de documentos e valores referentes a outros custos e despesas, não relacionados directamente com compras ou vendas, muito inferiores ao que seria normal para o nível da actividade declarado.
Relativamente aos combustíveis, os talões não se encontravam devidamente contabilizados nos respectivos meses pelo que foi necessário separar todos os documentos e incluí-los no mês correcto. (...)
Com base neste trabalho, elaborou-se quadros resumo onde se relacionam todos os documentos relativos a combustíveis nos anos de 2005 e 2006 (...) e que serviram de apoio aos valores constantes nos quadros abaixo apresentados.
De uma análise feita aos documentos, verificou-se que os principais documentos arquivados relativos a tais custos, são referentes a combustíveis e serviços de transporte, cujos montantes se resumem na tabela abaixo para os anos de 2005 e 2006:
Ano de 2005
MesesMaterial EscritórioComunicaçãoConservação Rep. ViaturasFerramentas e utensíliosCombustíveisTransportes MercadoriasVendas
Março 0,00 3.317,50
Abril 0,00 24.465,65
Maio 80,00 36.948,85
Junho 181.87 34.971,20
Julho 160,02 82.096,05
Agosto 20,00 16.074,60
Setembro 205,77350,00143.908,33
Outubro 356,02 104.083,55
Novembro 174,00 335,03 201.350,56
Dezembro 243,01100,00558.657,29
Totais133,20191,06174,00637,201.581,72450,001.205.873,58
Nos combustíveis, os valores incluem IVA, sendo os valores constantes dos talões
Ano de 2006
MesesMaterial EscritórioComunicaçãoConservação Rep. ViaturasFerramentas e utensíliosCombustíveisTransportes MercadoriasVendas
Janeiro 120,001.950,00813.803,36
Fevereiro80,00 212,00750,00479.337,17
Março 331,001.250,001.021.495,82
Abril a) 270,00334,212.300,00954.321,59
Maio 6,76615,745.100,001.409.673,93
Junho 590,125.350,001.431.441,47
Julho 645,734.600,002.039.616,79
Agosto 697,00900,00164.285,14
Setembro80,00 c) 1644,51 787.871.800,001.610.241,95
Outubro 980,61600,001.411.881,09
Novembro 10102,58200,001.244.540,05
Dezembro175,42b) 227,95 1.172,14d) 500,001.295.423,70
Totais335,42227,951.644,51276,767.589,0025.300,0013.876.062,06
a) 2 baterias
b) Inclui telemóvel de 86,78
c) Inclui compra de 4 pneus no valor de 1.028,72€, que tudo indica seria para a viatura SA-..-.., adquirida nesta data
d) Inclui aluguer de dois contentores no valor de 300€
Nos combustíveis, os valores incluem IVA, sendo os valores constantes dos talões.
Como se pode constatar não se encontram contabilizados custos com seguros, portagens, electricidade nem reparações com viaturas, nomeadamente referentes à viatura ..-..-CJ, que mais vezes supostamente foi utilizada, não se verificando despesas com a manutenção dessa viatura no que se refere por exemplo com as mudanças de óleo, que ao fim de determinados kms. terão que ser efectuadas.
Além desses factos, o consumo do combustível e o recurso aos serviços de transporte deveriam estar directamente associados ao valor das vendas, quando os clientes se repetem de um mês para outro.
Por exemplo, em Agosto de 2006 que apenas efectuou 5 transportes, contabilizou 697,00 € de combustíveis e em Julho que declarou um valor aproximado, efectuou 26 transportes. Podia-se apresentar outros exemplos, mas a conclusão retirada seria idêntica.
Conclui-se que o nível e a repartição dos custos relativos a Fornecimentos e Serviços Externos (FSE’s), evidencia uma estrutura e uma organização rudimentar e de dimensão completamente desajustada dos valores das compras e das vendas declaradas.
Conclusões sobre a estrutura empresarial
Os factos e averiguações descritas neste ponto comprovam, não só a completa inexistência de qualquer estrutura empresarial, como também a clara intenção de a dissimular (...) “
Por outro lado a componente principal dos custos são as compras de sucatas e que dão, por natureza, suporte às vendas destes artigos facturadas.
As compras de mercadorias registadas por «GG» na sua contabilidade e foram devidamente escalpelizadas, apurando-se em sede de procedimento de inspecção tributária o seguinte:
“(...)Da pesquisa realizada no cadastro informático da DGCI relativamente aos fornecedores, refere-se o seguinte:
– 11 “Fornecedores” encontram-se cessados para efeitos de IVA, por sua iniciativa, à data da emissão das facturas;
– 3 “Fornecedores” não estão registados para o exercício de qualquer actividade, tratando-se simplesmente de trabalhadores por conta de outrem;
– em 77 “fornecedores”, apenas 2 “fornecedores” declararam no anexo O (anexo recapitulativo de clientes) da declaração anual de informação contabilística e fiscal entregues para os anos de 2005 e 2006 que efectuaram transacções comerciais com o Sr. «GG»: foram as empresas “[SCom08...], Lda.” (comércio de sucatas) e “[SCom09...], Lda.” (que não é “fornecedor de sucata” mas sim uma empresa prestadora de serviços de transporte);
– A maioria tem actividade em sectores que não são geradores de sucata que o sr. «GG» supostamente transacciona: salões de cabeleireiro, transporte rodoviário de mercadorias, construção civil, montagem de trabalhos de carpintaria, revestimentos de pavimento, fabricação de passamarias, comércio de veículos automóveis, restaurantes, confecções de vestuário, comércio a retalho de carne. Sobre os seus fornecedores, foram as seguintes as afirmações produzidas por «GG»: “...Relativamente aos seus fornecedores nos anos de 2005 e 2006, não se recorda dos nomes destes. Normalmente, comprava directamente a “sucateiros” e a empresas produtoras de resíduos. Os seus fornecedores contactavam-no e iam depositar a sucata no seu estaleiro e em algumas vezes transferiam a sucata na estrada das viaturas dos fornecedores para as suas viaturas...”
Como se pode constatar, o que afirmou «GG» não tem nada a ver com o que demonstra os seus documentos de compra:
Adquire a sucateiros? Sim, apenas a um, a empresa “[SCom08...], Lda.” que representou em 2006, apenas 1% do valor das suas compras.
Adquire a indústrias? Quantas? Não se encontrou.(...)”
– Os serviços de inspecção tributária notificaram a quase totalidade dos alegados fornecedores de «GG» tendo apurado:
– Que as facturas que «GG» tinha na sua contabilidade eram diferentes das facturas utilizadas pelas empresas contactadas, logo não pertencentes às séries utilizadas pelas empresas; – Os elementos identificativos de alguns dos fornecedores (designação comercial, moradas, n.º de registo e telefones) não correspondiam aos verdadeiros, tendo sido inventados ou pertencem a outras empresas e mesmos organismos do Estado, como sendo Câmaras Municipais, etc.;
– Que os alegados fornecedores afirmaram não ter vendido nada a «GG» e que nem o conheciam;
O relato das diferenças encontradas nas facturas e dos depoimentos dos alegados fornecedores são tantos e tão diversificados que demonstram de forma segura que aquelas facturas foram inventadas e não correspondem a qualquer fornecimento efectivo de sucata.
Não foi possível identificar qualquer meio de pagamento relativo às facturas das alegadas compras, surgindo o seu pagamento efectuado por “Caixa”, ou seja pagas as facturas em numerário e a pronto.
A este propósito, foram as seguintes as afirmações produzidas pelo Sr. «GG» “...os pagamentos aos fornecedores nos anos de 2005 e 2006 foram feitos a dinheiro...”.
– Também no que se refere aos transportes das mercadorias alegadamente compradas foram analisadas as viaturas constantes dos alegados documentos de transporte ou facturas constantes em arquivo e concluíram também os serviços de inspecção tributária que a generalidade das matrículas mencionadas nesses documentos são falsas, por inexistência das mesmas, ou porque não pertencem a qualquer entidade interveniente no alegado negócio nem a qualquer transportador. Muitas das matrículas correspondem a viaturas que pela sua natureza e características técnicas impossibilitam o transporte (viaturas ligeiras de passageiros e de mercadorias).
– Foi efectuado controlo de quantidades às sucatas transaccionadas concluindo pela existência de divergências significativas;
– Por último, procederam os serviços de inspecção a análise detalhada dos transportes das mercadorias mencionadas nas guias de transporte timbradas em nome de «GG», concluindo que:
– Para que as viaturas propriedade de «GG» mencionadas nas guias de transporte efectuassem tais transportes teriam que evidenciar mais kms que os que constam em resultado do controlo efectuado através dos registos das inspecções periódicas;
– Já quanto à sub-contratação dos serviços de transportes a empresa terceira, através do cruzamento de dados junto do prestador dos serviços de transportes e junto de alguns dos clientes deste, apuraram evidências que as viaturas indicadas nos documentos de transporte efectuaram outros transportes, no mesmo dia e à mesma hora, para outros clientes, nomeadamente para outras empresas com quem essa empresa de transporte trabalha em regime de subcontrato, tudo indiciando que os serviços de transporte facturados a «GG» bem como as guias de transporte elaboradas são também documentos simulados.
Assim, concluíram os serviços de inspecção tributária:
“(...) Chegados a este ponto, podem extrair-se, desde já, as seguintes conclusões:
A única realidade possível e admissível, na prática, é a inexistência da generalidade das transacções tal como se encontram declaradas nas correspondentes facturas. Quando o documento era emitido, quem o emitia estava perfeitamente conhecedor da situação em que o fazia. Portanto, independentemente de existir ou não a viatura, era indiferente a viatura que se indicava como tendo realizado o transporte, simplesmente porque ou não existia qualquer mercadoria transaccionada para transportar ou porque as transacções reais eram completamente distintas das declaradas.
. Por outro lado, não é credível que, num valor de compras dessa ordem de grandeza, não exista uma parte significativa de documentos reais, que correspondam a transacções efectivas. Não é normal que num tal valor, não hajam pessoas ou sociedades que não tenham emitido um documento pelas vendas que realizaram. Tal situação só pode ter uma leitura, que o nível das compras reais é muito reduzido, representando apenas uma pequena parte dos valores declarados.
. O sujeito passivo não tem qualquer estrutura, condições ou capacidade para armazenar ou movimentar sequer uma pequena parte das quantidades indicadas nas facturas de compra.
. Face às quantidades de sucata transaccionada, não existem devoluções de compras ou vendas, descontos de perdas, correcções de preços por falta de qualidade, ou quaisquer outras reclamações, normais em qualquer sector de actividade.
. Tendo em conta que não se verificou a existência de qualquer estrutura empresarial, é humanamente impossível o sr. «GG» fazer sozinho todo o trabalho de expediente, administrativo e financeiro que envolveria a actividade que foi contabilizada e declarada. Em termos normais, para a dimensão da actividade declarada, esta seria desenvolvida por um conjunto de funcionários que compõem o sector administrativo de uma organização, mais ou menos, complexa.
. Não é possível que, num universo de compras declaradas no valor de mais de 15 milhões de euros em 2 anos (mais de 13 milhões só num ano), todos os fornecedores contactados refiram que não conhecem o sr. «GG», nem tiveram quaisquer relações comerciais com este.
Ora, se conclui que a parte principal das compras escrituradas e declaradas são falsas, pelo que também as vendas terão que ser falsas, exactamente na mesma proporção. (...).”
Refira-se que por participação ao Ministério Público dos factos antes descritos, corre processo de inquérito em que «GG» é arguido por indícios da prática do crime de emissão e utilização de facturas falsas.
III.1.1.2. «EE»
III.1.1.2.1. Identificação fiscal de «EE»
De acordo com os dados constantes do sistema informático da DGCI, verifica-se que «EE»:
– tem, actualmente, domicílio fiscal na Travessa ..., ..., em ..., ...;
– está colectado desde 2004/10/01, para o exercício da actividade de “Comércio por grosso de sucatas” (apesar de ter declarado o início da actividade em 21 de Janeiro de 2005, uma vez que foram encontradas facturas emitidas em seu nome com datas de Outubro de 2004, a data de início da colecta foi reportada oficiosamente ao dia 1 daquele mês);
– para efeitos de IVA encontra-se enquadrado no regime normal mensal;
– altera com frequência o domicílio fiscal, alternando a área geográfica da Direcção de Finanças ... com a área da Direcção de Finanças ...;
– é sócio da sociedade “[SCom10...], Lda.”, NIF ...14.
III.1.1.2.2. Acção de inspecção de que foi alvo «EE»
No âmbito das averiguações aos agentes do sector da sucata, foi realizado procedimento externo de inspecção tributária ao abrigo da Ordem de Serviço ...41, de 11/08/2005, que decorreu entre 21/08/2006 a 06/12/2006. 0 procedimento abrangeu os anos de 2004 a 2006 e foi elaborado relatório final de inspecção datado de 20 de Dezembro de 2006 pelo Inspector Tributário «QQ» da Direcção de Finanças do Porto, tendo sido remetida cópia a esta DF via oficio n.º ...06 de 20/12/2006.
Constam do referido relatório as seguintes informações relativamente ao SP «EE»:
– Em 05/05/2005 a DF ... solicitou à DF ..., via oficio, esclarecimentos relativamente à regularidade tributária do SP e sobre a capacidade deste em fornecer as mercadorias constantes das facturas timbradas em nome deste e detectadas na contabilidade de um outro SP que se encontrava a ser auditado e pertencente à área fiscal da DF .... O pedido referido foi dirigido à OF de ... em virtude de o SP «EE» à data ter domicílio fiscal em ... – ....
– Em informação datada de 09/06/2005 a D. F. ... informou que o sujeito passivo havia alterado entretanto o domicílio fiscal para a área desta Direcção de Finanças ... (... – ...), não tendo efectuado qualquer diligência.
Foi então proposta a emissão do Despacho com o objectivo de consulta, recolha e cruzamento de elementos (0I200516751).
As diligências efectuadas a coberto do referido Despacho ocorreram entre 18/11/2005 e 17/05/2006.
– A 24/04/2006, «EE» decide mudar novamente o seu domicílio fiscal para o Distrito ... (para ... – ...), no entanto o procedimento de inspecção teve sequência por parte dos Serviços de inspecção Tributária da ....
As diligências efectuadas em sede dos procedimentos tributários de inspecção ao próprio SP e a terceiros com quem este alegadamente manteve relações comerciais e que resumem-se de seguida:
III.1.1.2.2.1. O percurso profissional de «EE» e início da actividade
Trata-se de um sujeito passivo com 36 anos de idade, sem qualquer ligação laboral anterior ao negócio das sucatas. O seu percurso profissional nos últimos anos foi o seguinte:
. 1996 e 1997 – Empregado de mesa – “Restaurante ..., Lda.” – NIPC ...01 – com sede em ..., ...;
. 1998 – Empregado de mesa – no restaurante de “«RR»”, NIF ...97 – com sede / domicílio fiscal em ...;
. 1999 – Empregado de mesa – no restaurante / café de “«SS»”, NIF ...12 – com sede / domicílio fiscal em ...;
. 2002 e 2003 – Empregado fabril – na firma “[SCom11...], S.A.”, NIPC ...00, com sede em ..., ...;
. 2003 e 2004 – Empregado fabril – na firma “[SCom12...], Lda.”, NIPC ...31, com sede em ..., ....
Em todos estes anos os valores declarados para o seu rendimento foram sempre valores muito reduzidos, cerca do montante do salário mínimo estipulado para cada um destes anos.
– A 21/01/2005, este sujeito passivo, entregou uma declaração de início de actividade, registando-se para o exercício da actividade “Comércio por grosso de sucatas e de desperdícios metálicos – CAE 51571” tendo declarado que tencionava ter um volume de negócios de 45.870€ nos 12 meses de 2005, compras no valor de 38.990€.
Estes valores, reflectem bem o total desconhecimento do sujeito passivo face aos valores das facturas já emitidas em seu nome em 2004 (643.074,44 – Valor sem IVA), como também reflectem uma total ignorância face aos valores que iriam ser declarados em seu nome no exercício de 2005 (que foram de 24.257.663,86 – Valor do Volume de Negócios declarado – sem IVA).
Em 18/11/2005 verificaram que a contabilidade estava elaborada até 30/09/2005 não existindo qualquer referência à existência de contabilidade relativa ao ano de 2004. A contabilidade só estava a ser feita após a data declarada para o início de actividade.
– Auto de Declarações de «TT» (19/01/2005) – emitente confesso de facturas falsas:
(...) Lembra ainda o facto de num jantar ter apresentado ao «GG» (1 – Utilizador de facturas timbradas em nome de «TT» e «EE».) um amigo com carências familiares de nome «EE», e que pensa que pode estar a ser utilizado pelo «GG» (...)”;
Terá sido a partir deste jantar que «EE» se decide colectar para o exercício da actividade de comércio de sucatas.
III.1.1.2.2.2. Levantamento da capacidade produtiva evidenciada por «EE»
– Das facturas timbradas em nome de «EE» datadas de 2004 consta a morada “Rua ..., ...”, morada que se verificou não existir.
– Nas facturas datadas de 2005 consta a morada “Rua ..., ... – ... – ...”, morada que desde Abril de 2005 se encontrava alugada a outra pessoa que não «EE» e que segundo refere o inspector tributário, nunca ali foi desenvolvida a actividade para que o SP se havia colectado;
– No ano de 2006 o SP declarou ter estaleiro em Travessa ... em ..., local visitado pelo inspector tributário e que se verificou existirem incoerências ao nível do espaço, do arrendamento, da forma como foi preparada a visita pelo SP que levaram o inspector tributário a duvidar da efectiva utilização daquele espaço no âmbito da actividade declarada pelo SP;
– Concluíram os SIT que «EE», quer em 2004, quer em 2005, e mesmo em 2006, nunca dispôs de funcionários que lhe permitissem desenvolver a actividade declarada, muito menos nos valores e nas quantidades que as facturas emitidas no seu nome querem fazer crer;
– Relativamente aos Equipamentos (Imobilizado Corpóreo) de «EE», este declarou no auto de declarações de 28/11/2005:
“(...) Eu em 2004 não tinha qualquer tipo de meio de transporte de mercadorias próprio, ou qualquer outro tipo de equipamento (..)”.
“(...) Os transportes das Vendas e das Compras, antes de me colectar, uma vez que eu não tenho carta para condução de pesados, foram efectuados com um Sr. de ... de nome «TT» que vivia no lugar da ... na freguesia ... que parava no café ..., referente a este senhor não tenho n.º de telefone nem qualquer outro elemento que o possa identificar melhor. Alguns destes transportes foram também efectuados pelo meu cunhado que se chama «UU», mas que não tinha nenhum camião, este era sempre emprestado. O telefone do meu cunhado é o ...37, e este reside em ... na Rua .... Outros transportes eram ainda feitos pelo tio do Sr. «GG» (que é Serralheiro), que se chama «CC». Por cada um destes transportes pagava normalmente cerca de 50 €, mais almoço. O Sr. «TT» de ... fez um transporte, o meu cunhado fez uns quinze e o tio do «GG» fez os restantes.
Eu em 2004 não tinha qualquer meio de transporte de mercadorias próprio, ou qualquer outro tipo de equipamento.
Também não tinha qualquer funcionário.
Apesar de as facturas de vendas indicarem o lugar de carga como sendo ..., este pode não ser o local efectivo da carga, já que quer o fosse ou não eu indicava sempre nas facturas aquele local.
Também não sei quais as facturas que indicam o local correcto da carga, nem onde foram feitas as cargas indicadas nas facturas.
A morada que está inscrita nas facturas – Rua ... em ... corresponde a um terreno a céu aberto cedido pelo Sr. «VV» que tinha uma fábrica de móveis em ... perto do terreno.
Ao observar factura por factura de venda não consigo comprovar onde foram feitas as compras aí indicadas nem quais foram os fornecedores.
Os recebimentos foram sempre em dinheiro.
Não tinha, nem foram emitidas guias de remessa / transporte. (...)”.
– Na contabilidade do SP constavam as seguintes viaturas apesar deste não ter carta de condução válida para a condução de viaturas pesadas:
– Viatura de transporte de mercadorias Bedford, matrícula JM-..-..;
– Viatura de Transporte de mercadorias Steyr, matrícula ..-..-ZB;
– Relativamente aos equipamentos e instalações utilizadas no ano de 2005 afirmou:
“(...) Em termos de equipamento, para além destas duas viaturas, possuo ainda, no armazém da Tray. da ..., ..., o seguinte material:
1 Máquina de descascar cabo amarela, que comprei em segunda mão, sem factura, pelo valor de 2.500 €, ao Sr. «WW»;
1 Empilhador Mitsubishi de 1980, que também comprei em segunda mão, sem factura, pelo valor de 2.500 €, ao Sr. «WW»;
1 Rebarbadora que comprei nova por 106 € em Novembro de 2005;
1 Máquina de lavar de pressão e um compressor de ar, que comprei em estado de uso ao meu cunhado «XX» sem factura pelo valor de 400 em Agosto de 2005; 1 Balança com capacidade máxima de pesagem para 1000 Kgs, que comprei em ... a um cliente meu de nome “«YY»” em Julho / Agosto do corrente ano, mas da qual não possuo factura;
1 Balança com capacidade máxima de pesagem para 500 Kgs, que comprei ao meu ex-sogro, de nome “«ZZ»”, em Fevereiro do corrente ano, mas da qual também não possuo factura; (...)”
– A Viatura de marca BEDFORD, modelo NKR, matrícula JM-..-..
A aquisição desta viatura, por 2.250 €, foi titulada por uma factura emitida pela sociedade “[SCom13...], Lda.”, NIPC ...63, datada de 26/01/2005.
Em “teoria”, esta viatura, com capacidade para transportar 3.500 Kgs toneladas teria sido a responsável pelo transporte de todas as mercadorias vendidas entre 26/01/2005 e 27/05/2005 (Data de aquisição da outra viatura).
Todas as vendas excedem claramente os 3.500 Kgs e o total transportado nesse período totaliza 6.100.489 Kgs de sucata no valor de 9.789.678,55€ (c/ IVA).
Face às características desta viatura, e às cargas declaradas em 2005 por «EE», seguramente que esta não poderia servir de suporte ao transporte das mercadorias que as facturas emitidas em seu nome querem fazer crer.
– A viatura de marca STEYR, matrícula ..-..-ZB
A aquisição desta viatura, por 3.650 € (valor sem IVA), está titulada por factura emitida pela sociedade “[SCom02...], Unipessoal, Lda.”, NIPC ...05, datada de 27/05/2005.
Esta sociedade unipessoal por quotas, tem como sócio único e gerente, «FF» (O principal utilizador de facturas, que se concluíram não corresponderem a qualquer transmissão efectiva, timbradas em nome de «EE»).
Em 14/10/2004, «GG» registou em seu nome esta viatura pesada de transporte de mercadorias, matrícula ..-..-ZB, de marca STEYR, modelo 16 S 21/P52/4x2, de 1989 (na altura com 15 anos), que havia adquirido na Bélgica a 09/01/2004 por 2.350€. No entanto esta viatura nunca foi utilizada por si em 2004, para justificar qualquer tipo de transporte. A 01/02/2006 solicitaram-se elementos, através de ofício, à Direcção Geral de Viação no sentido de se obter informação para os anos de 2003 a 2006, das datas e locais de inspecção periódica, assim como dos quilómetros verificados naquelas datas para as viaturas de matrícula JM-..-.. e ..-..-ZB.
Na resposta a este ofício, verificou-se que a viatura Steyr, ..-..-ZB, efectuou 2 inspecções periódicas, uma a 10/03/2005 e outra a 23/11/2005. Entre estas duas datas e de acordo com a quilometragem registada nestas inspecções, esta viatura percorreu apenas 2.046 Kms.
Refira-se ainda que entre estas duas datas foram declaradas por «EE» transacções de 8.659.337 Kgs de sucata, no valor de 15.925.559,92 (valor com IVA).
A Conservatória do Registo Automóvel ... forneceu cópia de certidão identificativa por matrícula, dos proprietários registados, nos anos de 2003 e seguintes para as viaturas: JM-..-.., ..-..-ZB e ..-..-HE (Opel Corsa comercial, de cor branca, conduzido habitualmente por «EE», apesar de este não ter carta de condução).
A resposta a este ofício, que deu entrada nestes serviços a 10/02/2006 revelou o seguinte:
– JM-..-.. – à data encontrava-se registada a favor de «EE» desde 15/02/2005;
– ..-..-ZB – à data encontrava-se registada a favor da sociedade “[SCom02...], Unipessoal, Lda.”, com sede em ... – ..., desde 12/11/2004;
– ..-..-HE – à data encontrava-se registada a favor de “«AAA»”, desde 11/02/2005, residente em ... (Código Postal ...)
– A 22/02/2005 a Conservatória do Registo Automóvel ... identificou as viaturas a seguir mencionadas e registadas em nome do sujeito passivo:
– BEDFORD – JM-..-.. – desde 15/02/2005;
– OPEL – ..-..-HD – desde 07/03/2005;
– AUDI – ..-..-GJ – desde 30/05/2003;
– HONDA - LX-..-.. – desde 30/05/2005;
Apesar de ser um parque automóvel de reduzido valor, não deixamos de estranhar o facto de este contribuinte possuir 4 veículos registados em seu nome sem que no entanto possua qualquer habilitação para conduzir (não tem carta de condução).
A maior parte das despesas relacionadas com viaturas, registadas na contabilidade de «EE» em 2005, são relacionadas com estas viaturas ligeiras que acabamos de descrever, e que nada têm a ver com o desenvolvimento da pretensa actividade de comércio de sucatas declarada pelo sujeito passivo:
– Outras Imobilizações Corpóreas registadas na contabilidade de «EE» – 2005
Para além do equipamento descrito, a rubrica “Outras Imobilizações Corpóreas” regista um valor global de 592,83 € relativa aos seguintes bens:
Outras Imobilizações CorpóreasDataValor (s/ IVA)
Berbequim + Alicate26-04-200548,99 €
Rebarbadora27-04-200529,41 €
Máquina de Calcular19-05-200527,94 €
Esquentador08-10-2005190,08 €
Cad. Auto K1 Sydney09-10-2005106,42 €
Telemóvel22-10-2005189,99 €
Total 593,83 €
Como se verifica, estes equipamentos dificilmente se relacionam com a natureza do exercício de qualquer actividade económica com as características que resultam do valor e volume resultante dos documentos de venda emitidos.
– No ano de 2006 o Imobilizado Corpóreo era o seguinte:
Imobilizado CorpóreoEm
30/09/2006
Equipamento Básico2.000,00 €
Equipamento de Transporte6.900,00 €
Equipamento Administrativo4.000,81 €
Outras Imobilizações Corpóreas1.286,09 €
Total...14.186,90 €
Face ao imobilizado já identificado em 2005, e que a 31/12/2005 ascendia a 8.492,83 €, verificou-se um aumento desta rubrica em 5.694,07 €.
Este aumento deveu-se à aquisição do seguinte imobilizado corpóreo:
. Equipamento de Transporte – adquiriu uma viatura de marca NISSAN (usada – com 18 anos), matrícula RB-..-.., com capacidade para transportar 3.550 Kgs.. A aquisição desta viatura, por 1.000,00 €, foi titulada por uma factura emitida pela sociedade “[SCom14...], Lda.”, NIPC ...74, datada de 21/07/2006. Até 30/09/2006, não há documentos de reparação associados a esta viatura, nem quaisquer outros e não foi verificada qualquer referência a transportes efectuados com a mesma.
. Equipamento Administrativo, adquiriu os seguintes equipamentos:
o 1 Computador Portátil (Acer) – no valor de 928,00 € – em 16/02/2006;
o Mobiliário diverso no valor de 1.123,21 €, em 15/02/2006 e 24/03/2006;
o 1 Fotocopiador por 710,74 €, a 24/03/2006;
o e um outro computador (Tsunami) por 1.238,85€.
. Outras Imobilizações Corpóreas, adquiriu:
o 1 Telemóvel NOKIA 6230 – no valor de 256,12 € – em 11/01/2006;
o 1 Rebarbadeira no valor de 125,00 €, em 03/05/2006;
o e mais 3 telemóveis e carregador de isqueiro, por 312,14€, a 13/09/2006;
Face ao exposto, em 2006, verificaram-se aquisições de Imobilizado Corpóreo no valor global de 5.694,07 €.
Tal como já acontecia em 2005, para além da compra de uma viatura quase em estado de “sucata”, por 1.000,00 €,
apenas se adquiriu bens de uso pessoal, ou que «EE» pôs ao serviço de interesses de outros, já que este não necessitaria de diversos telemóveis, de dois computadores, de um fotocopiador nem sequer do mobiliário de escritório.
III.1.1.2.2.3. As compras de mercadorias registadas por «EE»
– As compras de mercadorias declaradas por «EE»
No âmbito dos procedimentos de inspecção apurou-se que os “fornecedores” principais constantes da escrita de «EE» são:
COMPRAS DE MERCADORIASNIF/NIPC2005%2006
(Até 30/09/2006)
%
Em nome de «BBB»...4722.837.391,85 €94,2%4.476.139,82 €15,99%
Em nome de [SCom15...], LDA....991.254.121,50 €5,2%
Em nome da [SCom16...], LDA....40123.216,00 €0,5%
Em nome da [SCom17...], LDA. 23.509.138,40 €83,98%
Em nome de OUTROS27.973.47 €0,1%9.707,28€0,03%
Total24.242.702,82 €100%27.994.985,50 €100%
No ano de 2004, não foram declarados quaisquer valores nem apresentados quaisquer tipos de documentos de suporte de aquisições de mercadorias.
De acordo com o mesmo auto de declarações lavrado a 28/11/2005, «EE» declarou o seguinte quando confrontado com a ausência de compras para o ano de 2004:
“(...) Relativamente às compras referentes às facturas de venda juntas do n.º 160 a n.º 192, foram efectuadas sem factura, mas o material foi adquirido às seguintes empresas:
– [SCom18...] Lda, com instalações em ..., tendo contactado o Sr. «BBB»;
– Outra empresa situada nos ... à beira do Restaurante ..., mas não me lembro do nome, tendo contactado um Sr. de idade, cujo nome também não me lembro.
– Em ..., comprava numa serralharia da qual não me lembro o nome, onde contactava com um senhor de nome «AAA»;
– Em ... comprava num sucateiro de nome «CCC» (3 – Trata-se também de um emitente de facturas falsas sem qualquer actividade comercial ou industrial);
– Em ..., atrás dos Bombeiros ..., comprava a um sucateiro de nome «WW»;
– Em ... comprava numa fundição de ferro à beira dos ..., onde falava com um Sr. de nome «AAA». Tal como já referi estas compras eram feitas sem factura e sem IVA e foram todas pagas em dinheiro.
Os transportes das Vendas e das Compras, antes de me colectar, uma vez que eu não tenho carta para condução de pesados, foram efectuados com um Sr. de ... de nome «TT» que vivia no lugar da ... na freguesia ... e parava no café ..., referente a este senhor não tenho n.º de telefone nem qualquer outro elemento que o possa identificar melhor. Alguns destes transportes foram também efectuados pelo meu cunhado que se chama «UU», mas que não tinha nenhum camião, este era sempre emprestado. O telefone do meu cunhado é o ...37, e este reside em ... na Rua .... Outros transportes eram ainda feitos pelo tio do Sr. «GG» (que é Serralheiro), que se chama «CC». Por cada um destes transportes pagava normalmente cerca de 50 €, mais almoço. O Sr. «TT» de ... fez um transporte, o meu cunhado fez uns quinze e o tio do «GG» fez os restantes. Eu em 2004 não tinha qualquer meio de transporte de mercadorias próprio, ou qualquer outro tipo de equipamento. Também não tinha qualquer funcionário.
Apesar de as facturas de vendas indicarem o lugar de carga como sendo ..., este pode não ser o local efectivo da carga, já que quer o fosse ou não eu indicava sempre nas facturas aquele local.
Também não sei quais as facturas que indicam o local correcto da carga, nem onde foram feitas as cargas indicadas nas facturas.
A morada que está inscrita nas facturas – Rua ... em ... corresponde a um terreno a céu aberto cedido pelo Sr. «VV» que tinha uma fábrica de móveis em ... perto do terreno.
Ao observar factura por factura de venda não consigo comprovar onde foram feitas as compras aí indicadas nem quais foram os fornecedores.
Os recebimentos foram sempre em dinheiro.
Não tinha, nem foram emitidas guias de remessa / transporte. (...)”
Ou seja, apesar do enorme volume de vendas facturado, a posição de «EE» no auto de declarações demonstra a sua incapacidade para esclarecer de forma convincente a realização dos negócios sustentados com facturas de venda suas e recolhidas noutros Sp’s no ano de 2004.
Já quanto aos anos posteriores, 2005 e 2006 e no que respeita aos alegados fornecedores de «EE», apurou-se:
– Em procedimentos externos de inspecção de que foram alvo as empresas mencionadas no quadro acima e relatados em relatórios próprios concluíram os SIT que as facturas destes não correspondiam a efectivas transmissões de mercadorias.
Quando questionado sobre as compras a alguns dos alegados fornecedores constantes da sua contabilidade declarou:
“(...) 3.5. – No que diz respeito aos fornecedores de mercadorias que se encontram registados na sua contabilidade, nomeadamente aos seguintes:
– «BBB» – NIF: ...47 – a quem adquiriu entre 21/01/2005 e 30/9/2005 mercadorias no valor de 16.494.453,31 (Valor com IVA incluído). Nas facturas registadas na contabilidade a morada nelas inscrita é a de Av. ..., ..., .... Note-se que nestas facturas não se encontra inscrito qualquer número de telefone;
– [SCom15...], Lda. – NIPC: ...99 – a quem adquiriu entre 21/01/2005 e 30/09/2005 mercadorias no valor de 1.501.773,73 (Valor com IVA incluído). Nas facturas registadas na contabilidade a morada nelas inscrita, é a de Rua ..., ..., ...;
– [SCom16...], Lda. – NIPC: ...40 – a quem adquiriu entre 21/01/2005 e 30/09/2005 mercadorias no valor de 146.627,04 E (Valor com IVA incluído). Nas facturas registadas na contabilidade a morada nelas inscrita, é a de ..., ..., ...;
Importa saber, como é que os conheceu, como é que os contacta, onde é que se situam as suas instalações, onde é que é carregada e pesada a mercadoria adquirida, como é que se chama a pessoa responsável pela entrega dessa mercadoria, como é que efectua o pagamento dessas mercadorias, em que prazo e a quem.
«BBB» – NIF: ...47
– No que diz respeito a este fornecedor tenho a declarar o seguinte:
Conheci o «BBB» em 2004, em Agosto, quando estava a começar a trabalhar por conta própria e soube que ele era sucateiro. Como noutros casos dirigi-me a ele, falei com ele e entreguei-lhe o meu cartão para começarmos a trabalhar juntos. Passados uns tempos ele telefonou-me e começamos a fazer negócio.
Que eu saiba ele não tem qualquer tipo de telefone. Quando preciso de falar com ele vou directamente a sua casa, que fica na morada constante das facturas, ou vou ao seu estaleiro, a céu aberto, onde guarda as suas mercadorias, e que fica em ... perto da carreira de tiro e de uma outra sucata de carros. À beira tem também um marmorista que é irmão dele, que eu acho que se chama «DDD». Este estaleiro é dividido com este seu irmão, e é metade para as mármores e metade para a sucata. Se não o encontrar nestes sítios, deixo ficar recado, e ele depois telefona-me.
No que diz respeito às suas instalações, tal como referi acima, só lhe conheço o estaleiro de ....
Cerca de um quarto das mercadorias adquiridas a este fornecedor são carregadas no seu estaleiro de .... O restante é directamente carregado nos locais onde ele compra as mercadorias.
Os transportes foram efectuados até Junho/Julho de 2005 na minha carrinha de 3.500 Kg e na do meu empregado «EEE» de igual capacidade. Posteriormente foram também efectuados pelo meu camião Steyr.
Relativamente às mercadorias carregadas no estaleiro deste fornecedor, as pesagens eram feitas a cerca de 1 Km na Zona Industrial ... numa fábrica de Azeitonas junto ao estaleiro da Câmara ..., mas não possuo qualquer tipo de documento comprovativo das mesmas pesagens. Sobre as restantes mercadorias carregadas directamente nas instalações dos seus fornecedores, as pesagens eram feitas no local do carregamento e/ou noutros locais perto das mesmas. Desses lembro-me de ser dito, que as mercadorias eram carregadas num tal «CCC» em ..., em ... num sítio que não sei o nome, num irmão dele que ele tem em ... (este irmão é deficiente – anda de cadeira de rodas – mas tem um estaleiro de sucata), em ... também num sítio que não sei o nome, e em outros locais dos quais não me recordo.
Nestas operações eu raramente estava presente e era o meu empregado que me trazia o ticket das pesagens, que eu depois deitava fora.
Nunca foram emitidas guias de transporte para estas aquisições.
As mercadorias eram entregues pelo «BBB» ou pelo seu irmão.
Os pagamentos foram sempre efectuados em dinheiro, ao «BBB», no acto da entrega, ou até ao fim de
semana seguinte, por mim ou pelos meus empregados.
– [SCom15...], Lda. – NIPC: ...99
– No que diz respeito a este fornecedor tenho a declarar o seguinte:
O dono desta firma eu conheço pelo nome de “...” (a quem dão o apelido de “... Maluco”). Conheci-o em Setembro de 2004, no «WW», pois ele também vende para lá. Dei-lhe o meu cartão e a partir daí começamos a negociar ocasionalmente.
Quando preciso, contacto-o por telemóvel. O número dele é ..........75. Normalmente é ele que me liga a dizer que tem material para vender.
As instalações são as que constam da morada da factura. Nessas instalações só estive uma vez. Ficam em ... e consistem num estaleiro grande, fechado, com as dimensões mais ou menos do tamanho das minhas de ... (Trav....). Que eu tenha reparado tem poucos funcionários.
A mercadoria é-me trazida por ele, nos seus camiões e é descarregada, umas vezes atrás do meu estaleiro (na Rua), fazendo-se aí a transfega da mercadoria para o meu camião através de uma Grua. A mercadoria já vinha pesada.
Ele trazia o ticket de pesagem e entregava-mo. Outras vezes descarregava no meu outro armazém em ...-....
A mercadoria ou era entregue pelo “...” ou pelos seus colaboradores.
O pagamento foi sempre feito em dinheiro, no acto de entrega ou até ao fim de semana seguinte.
[SCom16...], Lda. – NIPC: ...40
– No que diz respeito a este fornecedor tenho a declarar o seguinte:
O dono desta firma também é o “...” (a quem dão o apelido de “... Maluco”, sócio da “[SCom15...]”), juntamente com uma brasileira de nome “«FFF»”, com quem fui jantar uma vez junto com o ....
Quando preciso de contactar é com o ....
No que diz respeito a instalações, nunca conheci nenhuma.
No que diz respeito às outras questões tratava de igual forma como descrevi para a “[SCom15...]”. (...)”.
Ora, em procedimentos de inspecção de que foram alvos essas empresas/pessoas ([SCom15...], [SCom16...], [SCom17...] e «BBB») sempre a Administração Fiscal concluiu que as vendas tituladas por estas empresas não titulam qualquer transmissão efectiva de bens, porquanto:
– Não apresentam capacidade instalada para tal:
– São elas próprias utilizadoras de facturação falsa nos seus inputs;
– Algumas são não declarantes para efeitos de imposto sobre o rendimento e em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado;
– Outras são empresas criadas em nome de pessoas que nada têm a ver com o negócio e geridas de facto por indivíduos já indiciados pela prática do crime de emissão de facturas falsas, ou em nome próprio ou em nome de outras sociedades criadas única e simplesmente com o intuito de obter vantagens fiscais indevidas através da prática do crime já referido, utilizando indigentes para o efeito.
III.1.1.2.2.4. Vendas de mercadorias declaradas por «EE», anos de 2005 e 2006
Efectuada a recolha de todas as vendas a dinheiro e facturas registadas na sua contabilidade como “vendas de mercadorias” destacam-se as emitidas para as seguintes firmas:
Valores sem IVA
“VENDAS” DE MERCADORIASNIPC2005%2006%
Sigilo FiscalSigilo Fiscal17.446.791,49€71,90%21.154.468,33 €75,30%
Sigilo FiscalSigilo Fiscal3.838.643,89 €15,80%
Sigilo FiscalSigilo Fiscal2.885.407,80 €10,30%
Sigilo FiscalSigilo Fiscal1.779.700,90 €7,30%1.969.486,30 €7,00%
Sigilo FiscalSigilo Fiscal720.052,00 €2,60%
Sigilo FiscalSigilo Fiscal121.044,65 €0,50%574.036,90 €2,00%
Sigilo FiscalSigilo Fiscal228.417,10 €0,90%
Sigilo FiscalSigilo Fiscal21.695,20 €0,10%
Sigilo FiscalSigilo Fiscal371.388,88 €1,30%
Sigilo FiscalSigilo Fiscal19.532,00 €0,10%
Sigilo FiscalSigilo Fiscal16.456,50 €0,10%
Sigilo FiscalSigilo Fiscal12.709,30 €0,10%
Sigilo FiscalSigilo Fiscal20.193,00 €0,10%
Sigilo FiscalSigilo Fiscal427.053,50 €1,80%184.348,50 €0,70%
Sigilo FiscalSigilo Fiscal213.728,10 €0,90%121.729,76 €0,40%
[SCom01...] Lda....9889.921,00 €0,40%95.838,80 €0,30%
Outros21.777,23 €0,10%&862,00 €0,03%
Total.... .24.25.7.66.3,86 €100%28.085.619,27 €100%
Apesar de termos ocultado o nome dos principais contribuintes que surgem como “clientes” de «EE», por questões relacionadas com o sigilo fiscal, entendemos relevante apresentar o quadro acima, pois permite verificar que o SP concentra as suas alegadas vendas em poucos “clientes” e que esses clientes encontram-se indiciados na prática do crime de utilização de facturas falsas.
III.1.1.2.2.5. Modo de Recebimento e Pagamento – Contas Bancárias
Na contabilidade de «EE», entre 21/01/2005 e 30/09/2006, não constava qualquer recebimento por cheque, bem como também não constavam quaisquer movimentos através de contas bancárias. Os recebimentos eram todos contabilizados por caixa, como se tivessem sido recebidos em numerário.
Dada a inexistência junto da contabilidade, de qualquer elemento respeitante a contas bancárias, foi solicitado, a 01/02/2006, que as entidades bancárias em que o contribuinte teve contas de depósitos à ordem que remetessem extractos dos movimentos registados por essas contas, após autorização do SP.
Uma vez que o contribuinte apenas conseguiu identificar a conta no Banco 2..., S.A. (Banco 2...), a par da declaração/autorização concedida pelo próprio para a quebra de sigilo bancário desta conta bancária, o mesmo, concedeu-nos outra, autorizando todas as instituições bancárias e parabancárias, existentes em território nacional (português), a fornecer à Administração Fiscal – Direcção de Finanças do Porto, os extractos bancários de todas as contas existentes em seu nome, assim como fotocópias, de frente e verso, dos cheques emitidos por si, a partir de 01/01/2004.
Neste sentido foram enviados ofícios, para o Banco 3... e para a instituição bancária identificada, juntando em anexo as autorizações concedidas pelo sujeito passivo para quebra do siailo bancário, requisitando os extractos das contas que existissem em nome de «EE», desde 01/01/2004 até aquela data.
Conta nº........................01 – Banco Banco 2..., S.A. (Banco 2...)
Em resposta aos ofícios nº...34/0506 (enviado directamente) e ...47/0506 (enviado via Banco 3...), de 01/02/2006, este banco enviou cópias de todos os extractos de conta entre a sua data de abertura, a 01/02/2005, e 31/01/2005.
Conclusões:
– Apurou-se que até 01/02/2005 não detinha qualquer conta bancária;
– Após 01/02/2005 a conta bancária do Banco 2... titulada por «EE» não reflecte, em termos financeiros, a actividade declarada por este sujeito passivo;
– Não se conseguiu identificar um único pagamento aos alegados fornecedores;
– Observou-se que o saldo médio da conta existente em nome do sujeito passivo mostra-se muito baixo face aos volumes de negócios declarados;
Se compararmos o valor das facturas (conhecidos) emitidas em nome de «EE», em 2004 e 2005, face aos depósitos efectuados na conta bancária de depósitos à ordem conhecida, observa-se o seguinte:
ANOEMITIDAS
(I)
Banco 2...
(2)
(3) = (1) – (2)
2004765.258,59 €0,00 €765.258,59 €
200529.146,724,54 €54.384.81 €29.092.339,73 €
Totais..29.9 1 1.983,13 €54.384,81 €29.857.598,32 €
Da análise a este quadro é notório que, o valor dos depósitos efectuados nada tem a ver com os valores das facturas emitidas, o que por si só constitui um forte indício da falsidade das mesmas.
Acresça-se ainda que metade destes depósitos corresponde a um só movimento de depósito de um valor de 27.288,60 € a 09/09/2005, sendo que no mesmo dia efectuou um levantamento de 25.000,00 €.
O artigo 63º-C da Lei Geral tributária, aditado pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro – OE 2005 diz que:
“Artigo 63.º-C – Contas bancárias exclusivamente afectas à actividade empresarial
1 -Os sujeitos passivos de IRC, bem como os sujeitos passivos de IRS que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada, estão obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à actividade empresarial desenvolvida.
(...)
3 -Os pagamentos respeitantes a facturas ou documentos equivalentes de valor igual ou superior a 20 vezes a retribuição mensal mínima devem ser efectuados através de meio de pagamento que permita a identificação do respectivo destinatário, designadamente transferência bancária, cheque nominativo ou débito directo.”
Neste sentido observou-se que todos os movimentos financeiros respeitantes às compras e vendas declaradas contrariam este disposto legal.
Será então natural que se conclua que esta conta bancária e os seus movimentos ao longo do ano de 2005 em nada serviram o propósito da actividade declarada pelo sujeito passivo.
A propósito dos movimentos financeiros acrescente-se ainda que, aquando da elaboração do auto de declarações a 28/11/2005, face ao facto de que na contabilidade haviam sido registados documentos elaborados no sentido de tentar justificar avultadas entradas em dinheiro do sujeito passivo na sua actividade, foi efectuada a seguinte pergunta:
“(..) 3.7. – Face ao que observamos na sua contabilidade, devido ao facto de haver constantemente mais pagamentos do que recebimentos, houve a necessidade de efectuar diversos reforços de caixa para sanar saldos credores dessa mesma conta. Nesse se tido foram contabilizados 6 documentos, (...), nas seguintes datas e nos seguintes montantes:
Documento nºDataValorClassificação
DébitoCrédito
2431-01-20053.150,00€1115111
5628-02-200575.000,00€1115111
9331-03-200578.150,00€1115111
26031-07-2005112.010,00€1115111
26831-08-2005105.000,00€1115111
33430-09-2005237.000,00€1115111
Totais 610.310,00€
Face ao exposto, e tendo em conta os reduzidos rendimentos declarados em sede de IRS pelo sujeito passivo nos últimos anos, e tendo ainda em conta a ausência de qualquer tipo de património que pertença ou tivesse pertencido ao mesmo, importa saber como é que conseguiu financiar a sua actividade em 610.310,00 € apenas nos 9 primeiros meses da sua existência, sendo preponderante saber a proveniência desta quantia de dinheiro.(...)”
A qual foi dada a seguinte resposta:
“(...) Apesar de na contabilidade já estarem todos os recibos das compras efectuadas, parte desses pagamentos eu ainda os devo aos fornecedores, nomeadamente, ao “... Maluco” devo cerca de 50.000 €, ao «BBB» devo cerca de 40.000 €. Face ao restante não consigo encontrar justificação para a origem deste dinheiro. Só posso dizer que esse dinheiro é meu, não foi roubado, mas não posso dizer mais nada. (...)”.
III.1.1.2.2.6. Tipografias
Em auto de declarações com «EE», datado de 28/11/2005, este declarou o seguinte no que diz respeito a tipografias:
“(..) 2 – No que diz respeito às facturas conhecidas pela administração fiscal, (...), emitidas entre Outubro e Dezembro de 2004, antes de ter declarado o início do exercício da sua actividade (o que ocorreu a 21/01/2005), apenas para o senhor «FF», NIF ...65, no valor total de 765.258,58 E (Valor com IVA incluído à taxa de 19%), importa saber:
2.2. – Visto que as facturas acima referidas, em termos de numeração, estão compreendidas entre o número 160 e o 192 (num total de 23 facturas), emitidas entre 06/10/2004 e 22/12/2004, importa saber o que aconteceu às restantes facturas compreendidas entre o número 1 e o 500, visto que é do nosso conhecimento que foram requisitadas facturas junto da tipografia [SCom19...], de «GGG»”, NIF ...47, situada na Av. ..., em ..., no concelho ..., por duas vezes de 5 livros de 50x4 facturas.
Em resposta a esta questão, foram apresentados em branco os seguintes livros de documentos:
– 4 Livros de facturas (50x4) do nº201 ao 401;
– 5 Livros de Guias de Transporte (50x3) do nº251 ao 501.
2.3. – Importa ainda saber se para além destes 5 livros de facturas, requisitou nesta tipografia outros documentos, e
em que quantidade.
Não me lembro.
(...)
Não tinha, nem foram emitidas guias de remessa / transporte.
(...)
3– No que diz respeito aos documentos que foram retirados da sua contabilidade, e que dizem respeito ao período posterior à data de 21/01/2005, data em que se registou para o exercício do “Comércio por grosso de sucatas e de desperdícios metálicos”, importa saber o seguinte:
3.1. – Porque é que decidiu ir a outra tipografia, neste caso à “Tipografia ... – de [SCom20...], Lda., NIPC ...50, situada na Rua ..., na cidade ..., requisitando todos os documentos, nomeadamente as suas facturas, novamente desde o nº 1.
Mudei de tipografia pelo facto de estar mais perto de casa, sem saber que o facto de começar novamente a numeração a partir do nº1 me poderia causar problemas. (...)”
Tipografias – 2005 e 2006
Verificou-se que os seguintes documentos foram impressos pela “TIPOGRAFIA ... – DE [SCom20...], LDA. – NIPC ...50”:
(...)
Das diligências efectuadas junto da “TIPOGRAFIA ... – DE [SCom20...], LDA. – NIPC ...50”, em cumprimento do Despacho nº...24, e que se encontram descritas na informação elaborada para o efeito, apurou-se o seguinte:
=>«EE» é cliente desta tipografia desde Janeiro de 2005;
=> Para identificação do requisitante, foi-lhe solicitado o número de contribuinte fiscal. Não foi solicitado qualquer outro documento para identificação pessoal ou identificativo do domicílio ou sede da actividade. Todavia, é do conhecimento da generalidade dos funcionários da tipografia a identidade deste;
=> Os trabalhos executados foram levantados pelo próprio, com excepção do material constante da requisição nº 8198, levantado por um funcionário deste. Dado que as requisições são assinadas na data de entrega do material executado, foi este que a assinou (identificando-se como «HHH»), no entanto não foi solicitada qualquer identificação do mesmo;
=> Todos os pagamentos foram efectuados pelo Sr. «EE», em dinheiro;
=>Não existe relação deste cliente com outros clientes da tipografia.
III.1.1.2.2.7. Outros elementos verificados
– Foi efectuada análise às Guias de Transporte emitidas em nome de «EE» concluindo-se:
. Não foram emitidas guias de transporte para todas as facturas ou vendas a dinheiro;
. A primeira guia de transporte apresentada pelo sujeito passivo é a nº101 de 18/04/2005;
. A sequência da numeração não foi respeitada;
. A maioria das Guias de Transporte emitidas no ano de 2005 (que representam 71 % do total das guias emitidas), não possuem quantidades ou valores e uma minoria (3,7%) não foi possível relacionar com as facturas/vendas a dinheiro emitidas. No ano de 2006 as percentagens verificadas não diferem muito das apresentadas;
. As guias de transporte devidamente preenchidas, e que se conseguiram relacionar com as facturas e vendas a dinheiro emitidas em seu nome ao longo de 2005, contêm pesos ou quantidades exactamente iguais às pesagens indicadas nas Facturas ou Vendas a Dinheiro;
– Facturas relativas a transportes contratados registadas na contabilidade – após Setembro 2005
Apenas após 9 de Setembro de 2005, surgem as primeiras facturas de empresas transportadoras, no sentido de justificarem os transportes das mercadorias supostamente vendidas por «EE»., tendo sido detectadas diversas irregularidades na análise dos serviços de transporte supostamente efectuados.
As transportadoras, que declararam ter efectuado transportes para «EE», já se encontram referenciadas por documentarem serviços de transportes efectuados a operadores sem qualquer tipo de capacidade ou meios para desenvolver a actividade, pelo que se presume que possam existir transportes facturados sem que os mesmos se tenham processado.
Analisados todos os documentos de transportadoras detectados junto da contabilidade de «EE» e ainda outros, que apesar de não terem sido contabilizados, também foram disponibilizados apuraram-se incoerências ao nível dos expedidores, dos locais de descarga e de carga que correspondem a moradas onde «EE» não detêm instalações ou referência na sua contabilidade a aquisições de mercadorias nessas mesmas localidades. Algumas das vezes esses documentos de transporte identificam como expedidores e receptores dos transportes alegadamente efectuados a mesma pessoa/empresa que depois surge a utilizar facturas timbradas em nome de «EE».
A este propósito refere o inspector tributário que “Este facto, de estas guias, terem os mesmos destinatários, reflecte e indicia (...), que estes documentos são escriturados à medida da conveniência do seu utilizador”.
– Os documentos de transportes das mercadorias relativos a alegadas compras efectuadas ao fornecedor «BBB» – NIF ...47 inicialmente não referiam a forma como eram efectuados os transportes (sem datas, matrículas, etc). Após Novembro de 2005 passam a conter a designação “V/ carro”, apurando o inspector tributário a total incapacidade das viaturas registadas em nome de «EE» terem efectuado esses transportes.
III.1.1.2.2.8. Conclusões gerais obtidas no procedimento de inspecção: Ano de 2004
No que diz respeito ao exercício de 2004, e às facturas emitidas em favor de «GG», tudo indica que foi «EE» quem as emitiu, sem que estivesse registado para o exercício de qualquer actividade comercial ou industrial;
=> Como se verificou no ponto anterior, foi «FF» que requisitou e pagou as facturas emitidas por «EE» em 2004;
Não provou que possuía qualquer tipo de instalações que lhe permitissem desenvolver esta actividade. Declarou que a morada que está inscrita nas facturas – Rua ... em ..., corresponde a um terreno a céu aberto, cedido por um senhor de nome «VV».
Diga-se que um terreno a céu aberto não é de todo compatível com o exercício desta actividade uma vez que as mercadorias transaccionadas são de elevado valor, sendo frequentemente sujeitas a tentativas de furto;
=> Das diligências ao tempo efectuadas, e depois de percorrida toda a Rua ... em ..., não se verificou a existência de qualquer terreno a céu aberto que servisse ou pudesse ter servido o propósito de depósito de sucata, nem sequer se verificou a existência de um número ...;
=> Como não tinha, nem foram emitidas guias de remessa / transporte, não existia outro local a partir do qual fosse desenvolvida a actividade;
=> No que diz respeito aos números de telefone indicados nas facturas relacionadas, elementos imprescindíveis ao exercício de qualquer actividade comercial, verificou-se que o número da rede fixa ...72 não se encontra atribuído. De outra pesquisa efectuada ao serviço de informações da PT, foi-nos referido que para o nome de «EE» não existia qualquer número de telefone atribuído. Quanto ao número de telefone da rede móvel ...........76, verificou-se que apesar de diversas tentativas de contacto, este não foi possível dado que nunca ninguém atendeu as diversas tentativas de chamada.
=> Declarou que não tinha qualquer funcionário;
=> Confirmou que em 2004 não tinha qualquer tipo de meio de transporte de mercadorias próprio ou qualquer outro tipo de equipamento;
=> Ainda sobre os transportes de mercadorias, declarou que indicava sempre o local de carga com se fosse ..., quer fosse quer não fosse, e declarou que os transportes eram efectuados em meios de transporte que lhe emprestavam, e que eram conduzidos por uma pessoa que não conseguiu identificar adequadamente, por um cunhado seu e pelo tio do Sr. «FF»;
=> No que diz respeito às compras de mercadorias, declarou que estas foram todas efectuadas sem factura e sem IVA, e foram pagas todas em dinheiro, não tendo no entanto justificado como conseguiu juntar o dinheiro necessário para realizar compras de mercadorias no valor suficiente para vender mercadorias no valor de 643.074,44 € (ao qual se acresceu IVA à taxa de 19%);
=> Apenas conseguiu identificar seis sítios onde adquiriu esta sucata, dando descrições demasiado vagas;
=> Ao observar factura por factura de venda não conseguiu comprovar onde foram feitas as compras aí indicadas nem quais foram os seus fornecedores;
=> Declarou que os recebimentos foram sempre em dinheiro;
=> De acordo com o declarado pelo próprio, o valor inscrito nestas facturas foi recebido na sua totalidade;
4. Uma vez que não estava colectado, o IVA liquidado nessas facturas, no valor global de 122.184,14 €, que também foi recebido, deveria ter sido entregue, e não foi, junto do seu serviço de finanças, de acordo com o estipulado pelo nº2 do artigo 26º do Código do IVA;
=> Esta dívida foi reconhecida pelo próprio «EE»;
=> Declarou ainda que tinha 80.000 € em dinheiro na sua posse mas que precisava deles para outros objectivos;
Face a tudo que se expôs relacionado com o exercício de 2004, concluí o Inspector tributário que existem indícios seguros de que estamos na presença de facturas falsas, uma vez que «EE», em 2004, não possuía qualquer tipo de meios humanos, materiais ou financeiros que lhe permitissem desenvolver a actividade que as facturas encontradas na contabilidade de (...), pretendem credibilizar.
Anos de 2005 e 2006
No que diz respeito aos exercícios de 2005 e 2006, e às facturas emitidas em nome de «EE», tudo indica que foi este quem as emitiu;
No que diz respeito aos documentos emitidos em nome de «EE», verificou-se que apesar de este em 2004 ter:
o Adquirido facturas do nº 151 ao 400, e guias de transporte do nº 251 ao 500;
o Estes documentos foram requisitados e pagos por «FF»;
o Emitido facturas entre o nº 160 e 192 a favor de «FF»;
Existem fortes indícios de que a factura nº 150 e que a guia de transporte nº 250 foram forjadas de forma a aparentar que «EE» já trabalhava em sucatas antes de conhecer «GG», o que de facto não corresponde à realidade.
Em 2005, e junto da Tipografia ... de [SCom20...], Lda., apresentou-se depois de ter declarado o seu início de actividade, como se nunca tivesse emitido facturas em seu nome, requisitando facturas, recibos, guias de transporte e compras a particulares a partir do número 1.
No que diz respeito a 2005, verificou-se que até Maio não dispôs de qualquer tipo de instalações que lhe permitissem desenvolver o tipo de actividade declarada. Posteriormente a isso, e até 01/01/2006 também não conseguiu provar que possuísse tais instalações uma vez que não existem contratos de arrendamento nem recibos de renda referente a qualquer tipo de instalações.
Na contabilidade apenas se encontram os recibos de renda da sua casa de habitação (em ... – ...), que não serve, de certeza, o propósito da actividade declarada em 2005.
A partir de Janeiro 2006, apresentou recibos de renda referentes ao armazém da Trav.... em ..., ..., tal como atrás se descreveu.
Tal como se expôs no relatório de «EE», comprovou-se que estas instalações, sitas na Trav...., também não se mostram adequadas ao exercício da actividade do sujeito passivo, face aos valores e às quantidades declaradas.
verificou-se a inexistência de funcionários, pelo menos até Outubro de 2005, e entre Fevereiro e Abril de 2006.
Face:
o Às declarações incoerentes de «EE», que tão depressa declara que em 2004 não teve qualquer funcionário, como depois refere que teve;
o Aos dados insuficientes que apresentou para identificar os seus colaboradores;
o Ao total desconhecimento dos números que já dispôs para pagamentos de salários em 2005 (até 28/11/2005), face aos valores que alvitrou como sendo os vencimentos mensais reais dos seus “funcionários”;
o Ao total desfasamento entre estes valores e os apresentados na contabilidade;
o Ao facto de nenhum deles, incluindo «EE», possuir qualquer tipo de habilitação de condução de viaturas pesadas de transporte de mercadorias;
o Ao facto de entre Fevereiro e Abril de 2006 ter deixado de ter funcionários a descontar; Conclui-se que «EE», quer em 2004, quer em 2005, quer em 2006, nunca dispôs de funcionários que lhe permitissem desenvolver a actividade declarada, muito menos nos valores e nas quantidades que as facturas emitidas no seu nome querem fazer crer.
No que diz respeito ao que se encontra registado na contabilidade, verificou-se que de facto, até 30/09/2006, «EE» nunca dispôs de Equipamento (Imobilizado) que lhe permitisse desenvolver a actividade de “Comércio de Sucatas”, muito menos nos valores e nas quantidades declaradas.
No que diz respeito às “compras de mercadorias”, registadas na contabilidade, verificou-se que:
o Em 2005 – 99,90 % destas são justificadas com facturas falsas, uma vez que, e tal como se demonstrou os seus emitentes, neste exercício, não tinham qualquer tipo de meios para desenvolver uma actividade de “Comércio por grosso de sucatas”, muito menos nas quantidades e nos valores envolvidos.
o Em 2006 (Até 30/09/2006) – 99,97 % destas são justificadas com facturas falsas, uma vez que se demonstrou que os seus emitentes, neste exercício, não tinham qualquer tipo de meios para desenvolver uma actividade de “Comércio por grosso de sucatas”, muito menos nas quantidades e nos valores envolvidos.
A descrição de como efectua as compras das mercadorias e até dos seus próprios fornecedores principais foi sempre demasiado vaga;
Declarou que os pagamentos foram sempre em dinheiro;
No que diz respeito às “Vendas” declaradas verificou-se que:
. Elevada concentração das vendas em apenas 3 clientes, que representam cerca de 95% do total das vendas;
. Que todos esses alegados clientes se encontram indiciados no crime de utilização de facturação falsa, nomeadamente por utilização de facturas timbradas em nome de «EE»;
No que diz respeito ao modo de recebimento e pagamento – Contas Bancárias – verificou-se que na contabilidade de «EE», entre 21/01/2005 e 30/09/2006, não constava qualquer recebimento por cheque, bem como também não constavam quaisquer movimentos através de contas bancárias. Os recebimentos eram todos contabilizados por caixa, como se tivessem sido recebidos em numerário.
Depois de devidamente autorizada a quebra do sigilo bancário por parte do próprio sujeito passivo detectou-se apenas a titularidade por parte deste, de uma única conta de depósitos à ordem no Banco 2....
Até 01/02/2005 nem sequer tinha conta bancária.
Quando esta conta bancária foi aberta junto do Banco 2..., a 01/02/2005, já o Sr. «EE» tinha facturado 1.166.002,90 € (c/ IVA). Por outro lado, também se constatou que daí em diante esta conta também não reflecte, em termos financeiros, a actividade declarada por este sujeito passivo;
No que diz respeito às compras de mercadorias, e aos seus principais “fornecedores”, que atrás identificamos, não se conseguiu localizar um único pagamento que passasse através destas contas bancárias, apesar dos valores elevados envolvidos. Este facto descredibiliza ainda mais a veracidade destas operações;
No que diz respeito às vendas de mercadorias, apenas conseguimos encontrar um depósito a 29/12/2005 que coincide com o valor de uma factura (factura nº 410 de 30/11/2005). Para além disto, nada. Estranha-se assim, que, face aos valores elevados das facturas emitidas, estes recebimentos não tenham sido recebidos em cheques e que estes não tenham sido depositados na conta do sujeito passivo;
De uma maneira geral, observou-se que o saldo médio da conta existente em nome do sujeito passivo também se mostra muito baixo face aos volumes de negócios declarados;
Concluiu-se que esta conta bancária e os seus movimentos ao longo do ano de 2005 e 2006, em nada serviram o propósito da actividade declarada pelo sujeito passivo.
Indícios que levaram o Inspector tributário a concluir que, diz respeito aos exercícios de 2005 e 2006, apesar de todo o esforço em montar uma estrutura aparente por parte do SP, existem indícios seguros de que “(...) estamos na presença de facturas falsas, quer a montante quer a jusante, ou seja, são utilizadas e emitidas facturas no sentido de credibilizar transacções comerciais que nunca existiram, uma vez que «EE», neste período, não possuía os meios humanos materiais ou financeiros que lhe permitissem desenvolver a actividade de comércio por grosso de sucatas nos valores por si declarados.”
III.1.1.3. «FF»
III.1.1.3.1. Procedimento de Inspecção tributária de que foi alvo «FF»
«FF», NIF ...65, foi objecto de um procedimento externo de inspecção por parte dos Serviços de Inspecção da Direcção de Finanças ..., ao abrigo da ordem de serviço n.º ...67, de 2005-04-01, referente aos exercícios de 2001 a 2004, concluída em 2006-04-06 (relatório de inspecção elaborado pelo Inspector Tributário «III»).
No referido relatório refere-se o seguinte:
“(...)
“O sujeito passivo utilizou facturas relativas a compras de sucata que não têm subjacente qualquer relação comercial com os emitentes identificados nessas mesmas facturas, uma vez que, (...), esses “fornecedores” não tinham naquele período qualquer tipo de meios que lhes permitissem desenvolver a actividade que as facturas indiciam.”
(...)Quer das diligências realizadas por esta Direcção de Finanças quer das diligências efectuadas pela Direcção de Finanças ..., no decorrer da inspecção cruzada efectuada ao principal fornecedor de «FF», durante os exercícios de 2002 a 2004 – «TT» – NIF: ...63 – concluiu-se que esse “fornecedor” não tinha naquele período qualquer tipo de meios que lhe permitissem desenvolver a actividade que as facturas por si emitidas indiciam.
Entre Outubro e Dezembro de 2004, verificou-se o aparecimento de facturas de aquisição de mercadorias emitidas em nome de «EE», NIF ...06, no valor total de 765.258,58€ (com IVA incluído). Do que se apurou, através das diligências efectuadas por esta Direcção de Finanças, este contribuinte, neste período (entre Outubro e Dezembro de 2004) não estava registado para o exercício de qualquer actividade comercial / industrial, nem sequer tinha qualquer tipo de meios humanos ou materiais que lhe permitissem desenvolver o tipo de actividade comercial (Comércio de Sucatas) que as facturas emitidas em seu nome querem fazer crer.
(...)
Para o exercício da sua actividade, e nos exercícios analisados, o sujeito passivo dispôs de umas instalações, nas traseiras da sua casa de habitação, onde reside com os seus pais. Essas instalações consistem num pequeno armazém (com cerca de 200 m2) onde armazena pequenas quantidades de sucata e onde tem um forno para fundição de lingotes de latão.
Face ao nosso conhecimento global do sector de actividade, estas instalações não são compatíveis com o volume de negócios declarado em 2004.
(...)
Nos exercícios de 2001 a 2004, daquilo que observamos junto da sua contabilidade, e junto dos registos constantes da base de dados da Segurança Social e da Direcção Geral dos Impostos, apenas se encontra registado como funcionário afecto à actividade comercial desenvolvida por «FF», o próprio empresário, declarando como seu vencimento mensal um valor próximo do Salário Minímo Nacional.
(...)
O equipamento de transporte existente para os exercícios de 2001, 2002 e 2003, consistia numa Toyota Dyna com capacidade para cerca de 8,2 toneladas, (...).
(...)
Apesar de a sua capacidade máxima de carga ser de cerca de 8,2 toneladas (peso máximo que está autorizado a transportar), observamos que numa boa parte das cargas declaradas nas facturas do sujeito passivo, principalmente no exercício de 2004, esta viatura foi responsável, por inúmeras vezes, pelo transporte (de uma só vez) de cargas com pesos claramente acima da sua capacidade máxima (em alguns casos, de mais de 20 ou 30 toneladas).
(...)
A 20/05/2004, o contribuinte adquiriu uma nova viatura pesada para o transporte de mercadorias. (...)
Esta viatura tem como capacidade máxima autorizada a transportar 17.000 Kgs. No entanto (...) foi inscrita nas facturas como tendo sido responsável pelo transporte, por diversas vezes, de cargas claramente acima da sua capacidade máxima. (...)
(...) «TT» (...) declarou não ter efectuado qualquer tipo de transacção comercial com o sujeito passivo analisado, pelo que se conclui que estas facturas não tiveram subjacente qualquer operação comercial
(...) «EE» (...) nem sequer estava registado para o exercício de qualquer actividade
(...) não possuía qualquer tipo de capacidade nem meios humanos, materiais ou financeiros que lhe permitissem desenvolver a actividade que as suas facturas pretendem demonstrar, pelo que se conclui que estas facturas também não tiveram subjacente qualquer operação comercial.
Conclui-se também, que «FF» não possui, nem possuía à data, capacidade instalada para desenvolver a actividade nos valores e quantidades declaradas. (...)”
Considerando que «FF» declarou no anexo P relativo ao exercício de 2005, como seu maior fornecedor «EE», que representa 94,65% da totalidade das compras a fornecedores efectuadas nesse período, e que, como ficou atrás descrito, este não possuía os meios humanos, materiais ou financeiros que lhe permitissem desenvolver a actividade de comércio por grosso de sucatas nos valores declarados, pode-se concluir que «FF» no ano de 2005 continua a actuar como emitente e utilizador de facturação falsa, exercendo a sua actividade de forma aparente e fictícia.
III.1.1.3.2. «FF» alvo do processo de inquérito n.º ..7/06.9JAPRT
«FF», filho de [SCom21...] e de «JJJ», natural de ..., nascido ../../1973, casado, empresário, residente na Rua ..., ..., ... ..., titular do BI n.º ...20/9, é arguido no processo supra referido, encontrando-se, actualmente, detido, preventivamente, por força do mesmo, no E.P. ....
A folhas 14060 a 14066 da acusação é referido o seguinte em relação a este arguido (passamos a transcrever):
“O arguido «FF», com o NIF ...65, registou-se em 04-11-1997 para o exercício da actividade de “comércio por grosso de sucatas e desperdícios metálicos”, com o Código de Actividade Económica (CAE) 51571, a que corresponde actualmente o CAE 46771, tendo cessado a actividade em 2005-07-31, tendo como domicílio fiscal a Rua ..., ..., ... ....
Em 13-10-2004, o arguido «FF» constitui a arguida “[SCom02...] Unipessoal, Lda.,”, NIF ...05, de que é único sócio e gerente, registando-a, nessa mesma data, para o exercício da actividade de “comércio por grosso de sucatas e desperdícios metálicos”, com o Código de Actividade Económica (CAE) 51571, a que corresponde actualmente o CAE 46771, tendo cessado a actividade em 2005-07-31, tendo como domicílio fiscal a Rua ..., ..., ... ....
Esta sociedade surgiu na sequência de uma acção inspectiva efectuada pela Administração Fiscal ao arguido «FF» e foi constituída por este com o objectivo de iludir a administração fiscal e, gradualmente, transferir a actividade que exercia em nome individual para aquela empresa, o que ocorreu de forma definitiva com a cessão de actividade em nome individual pelo arguido «FF», em 31-07-2005.
Novamente, na sequência de acção inspectiva realizada pela Administração Tributária à arguida “[SCom02...] Unipessoal, Ld.a.,”, o arguido «FF» constitui a sociedade arguida “[SCom22...], S.A.”
A gestão da arguida “[SCom22...]” compete ao arguido «FF», administrador único eleito e assembleia-geral, designado no próprio contrato de sociedade.
A arguida “[SCom22...]” tem a sua sede na Estrada ..., ..., ..., ... (...), registou-se para o exercício da actividade de “comércio por grosso de sucatas e desperdícios metálicos” (...), tendo sido indicada a data de 10-01-2007 como a de início de actividade (...).
Sucede que quer o arguido «GG», quer as arguidas “[SCom02...]” e [SCom22...] não se dedicavam, de facto, à comercialização de sucata, mas sim à emissão de facturas que não tinham subjacente a transacção comercial que titulavam (4– O negrito é nosso).
Com efeito, a arguido «FF» e as referidas empresas, de que era representante, estão integrados num circuito documental de facturas que não titulam negócios reais, tendo, apenas, como objectivo, permitir aos operadores utilizadores das facturas obter o reembolso de IVA nelas liquidado, a sua inclusão nos custos de actividade e correspondente diminuição dos impostos a pagar ou obter um título para justificar a existência de mercadoria vendida sem factura.
Para dar suporte à sua actividade e às restantes operadores do circuito, criando a imagem de que todos procedem à realização de verdadeiras transacções comerciais, o arguido «FF» procedeu à angariação de emitentes das referidas facturas através, quer do recurso a outros operadores do circuito que se constituíam com o intuito de emitir as referidas facturas, quer através do aliciamento de toxicodependentes e pessoas que se encontravam em dificuldades económicas, a quem convencia, mediante o pagamento de uma contrapartida monetária, a colectar-se para o exercício da actividade de venda de sucata e/ou a emitir facturas timbradas em nome daqueles, cuja emissão o arguido «FF» controlava consoante as necessidades dos operadores do circuito, sendo ele quem geria e intermediava as relações entre operadores que emitiam facturas falsas e aqueles que as utilizavam.
(...)
As compras de mercadorias registadas na contabilidade deste no ano de 2005 foram as que se discriminam no uadro seguinte:
FornecedorCompras
Valor LíquidoValor C/ IVA%
«EE»3.837.121,394.566.174,4793,78%
[SCom02...] Unip. Lda111.796,50133.037,842,73%
Sigilo Fiscal96.257,05114.545,882,35%
Sigilo Fiscal17.379,0020.681,000,42%
Sigilo Fiscal11.938,6514.207,000,29%
Sigilo Fiscal6.293,927.489,760,15%
Sigilo Fiscal5.437,505.845,880,13%
Sigilo Fiscal3.155,003.754,460,08%
[SCom01...]1.185,001.410,150,03%
Sigilo Fiscal596,00709,240,01%
Sigilo Fiscal400,00476,000,01%
TOTAL 20054.091.560,014.868.331,68100,00%
Sucede que, não obstante o arguido «FF» ter declarado ter efectuado o volume de transacções comerciais acima indicados, tal facto não corresponde à realidade, sendo que os seus principais “fornecedores” não tinham naquele período qualquer tipo de meios que lhe permitisse desenvolver a actividade que as facturas indiciam.”
Como se percebe, mais de 95% das compras encontram-se suportadas por facturas timbradas em nome de «EE» [ver ponto III.1.1.2. do presente relatório] e [SCom02...] [ver ponto III.1.1.4. do presente relatório], também eles fornecedores da [SCom01...] e que como vimos em ponto próprio deste relatório, foram recolhidos fortes indícios de que tais facturas não correspondem a efectivas transacções.
A folhas 14071 a 14076 da acusação é demonstrado a incapacidade de «EE» de efectuar as vendas ao «FF», ao mesmo tempo que se demonstra o recurso deste a outros “emitentes de facturas falsas”.
A folhas 14117 da acusação é referido:
“Era o «FF» quem pagava os impostos referentes à actividade do arguido «EE» e este agia sempre sob as suas instruções.”
As vendas suportadas com facturas timbradas em nome de «FF» no ano de 2005 (até 31­07-2005) foram as que se indicam de seguida [apenas fazemos referência ao ano de 2005, dado que as facturas constantes da [SCom01...] dizem respeito a esse exercício]:
ClienteVendas
Valor LiquidoValor C/ IVA%
Sigilo Fiscal1.022.338,201.216.582,4624,70%
Sigilo Fiscal845.862,251.006.576,0820,44%
Sigilo Fiscal652.919,70776.974,4415,78%
Sigilo Fiscal402.007,51478.388,949,71%
Sigilo Fiscal406.328,25483.530,629,82%
Sigilo Fiscal387.058,90460.600,099,35%
Sigilo Fiscal178.350,00212.236,504,31%
Sigilo Fiscal120.304,60143.162,472,91%
Sigilo Fiscal57.857,3070.007,331,40%
[SCom01...]52.461,0062.428,591,27%
Sigilo Fiscal1.518,001.806,420,04%
Sigilo Fiscal9.566,4511.384,080,23%
Sigilo Fiscal1.664,101.980,280,04%
TOTAL 20054.138.236,264.925.658100,00%
A folhas 14142 a 14144, e sobre as vendas versus estrutura empresarial evidenciada é referido o seguinte:
“Sucede que o arguido «FF» não possuía condições para vender a quantidade de mercadoria acima referidas (...).
Com efeito, além de não possuir fornecedores que lhe vendessem as quantidades de material em questão (...), também não possuía meios e infra-estruturas adequados à comercialização desse volume de transacções.
Para o exercício da actividade, nos anos de 2002 a 2004, o arguido «FF» apenas possuía instalações nas traseiras da casa onde residia com os pais, que tinham cerca de 200m2, que permitiam armazenar, apenas, pequenas quantidades de sucata, bem como um forno para fundição de lingotes de latão.
O arguido «FF» não possui funcionários.
Nos anos de 2001, 2002 e 2003, apenas possuía para realizar o transporte de mercadoria um veículo de marca “Toyota”, modelo “Dyna”, com a matrícula SQ-..-.., tendo declarado ter realizado a maior parte dos transportes nos anos de 2001 a 2004 com este veículo.
A 20-05-2004 o arguido «FF» adquiriu uma viatura de marca “Scania”, do ano de 1989, com a matrícula ..-..-SQ, sendo que, apesar da data de aquisição da viatura, o arguido «FF» indicou tê-la utilizado desde 23-05-2004, não a tendo registado em seu nome, pelo que não a podia usar de forma legitima na realização de transportes.
Acresce que o veículo de matrícula SQ-..-.. apenas possuía capacidade para transportar 8,2 toneladas e o veículo de matrícula ..-..-QI possuía capacidade para transportar 17 toneladas e foi declarado pelo arguido o transporte com os mesmos de muitas cargas superiores a 20 e 30 toneladas.
(...)
– O imobilizado constante da contabilidade de «FF» é o que se apresenta no quadro seguinte:
Conta POCDescriçãoValor
42911Outros materiais de oficina7.353,44
42911Telemóvel Nokia256,12
429Equipamento básico7.609,66
42411Toyota SQ-..-..7.481,97
42413Opel Combo ..-..-UG6.500,00
42411Scania 35-69-0112.900,00
424Equipamento de transporte26.881,97
Total34.491,53
Trata-se claramente de uma estrutura muito incipiente para o volume de facturação declarado.
As contas bancárias de que «FF» é titular não reflectem, em termos financeiros, a actividade que declarou pois, apesar dos valores elevados envolvidos, não se identifica um único pagamento a fornecedores que passasse através dessas contas e apenas uma pequena quantidade dos recebimentos passaram por estas contas, nunca tendo ocorrido recebimentos em cheques.
Com efeito, os pagamentos de mercadoria ao arguido eram simulados, sendo que, quando contabilizados como tendo ocorrido em numerário, a entrega em numerário não havia ocorrido e, quando contabilizados como tendo sido efectuados através de cheque bancário, os cheques ou eram levantados na caixa, ou eram depositados e, de seguida, era levantado o montante depositado, sendo que estes movimentos eram, normalmente, realizados pelo arguido «FF» que, depois, devolvia a quantia em causa ao emitente do cheque que via reentrar no seu património esse dinheiro.
Ao arguido «FF» apenas era paga pelo utilizador da factura uma percentagem do valor titulado por cada factura, a título de pagamento pela emissão das próprias facturas, que não tinham subjacente a transacção comercial que titulavam.
Do exposto, resulta que as facturas emitidas por «FF» relativa as vendas não consubstanciam transacções reais, quer por não terem subjacente qualquer relação comercial, quer porque as transacções foram efectuadas com valores e/ou intervenientes diferentes dos constantes das facturas” (5 – O negrito é nosso).
III.1.1.4. [SCom02...], Lda.”, NIF ...05
III.1.1.4.1. Procedimento de Inspecção tributária de que foi alvo a [SCom02...]
A sociedade unipessoal por quotas [SCom02...] Unipessoal, Lda., tem sede na Rua ... – ... – ... e o seu objecto é a reciclagem de metais, comércio de metais ferrosos e não ferrosos, matriculada sob o n. ...05 na Conservatória do Registo Comercial ....
O capital social, no valor de € 5.000,00, é representado por uma quota de igual valor nominal, pertencente ao sócio-único e gerente «FF», titular do NIF ...65.
A sociedade [SCom02...] foi objecto de uma acção inspectiva, levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ..., ao abrigo da ordem de serviço n.º ...57, referente aos exercícios de 2005 e 2006, concluída em 19 de Novembro de 2007, de que resultou relatório final elaborado pelos Inspectores Tributários «KKK» e «LLL»
No relatório referente à inspecção efectuada, foi demonstrado que:
“(...) A estrutura empresarial da [SCom02...] evidencia uma notória desproporcionalidade face à magnitude do volume de negócios declarado, para além de que o procedimento interno adoptado é inexistente, senão atente-se no seguinte:
– Os negócios de compra e venda de sucata nunca deram lugar a notas de encomenda, nem sequer a realização por parte dos agentes de qualquer controlo de qualidade dos resíduos a comercializar, sendo este um princípio básico neste sector de actividade, tanto mais que se tratam de aquisições de sucata de metais já separada por referência, não havendo nunca compra de sucata diversa cuja operação posterior motivasse a sua separação em lotes e por espécie;
– A facilidade com que também seriam concretizados os avultados negócios de compra e venda de sucata, associados a uma exigência sucessiva de transportes, mostra-se também irrepreensível por alcançar uma performance invejável para qualquer sector de actividade face também aos meios disponíveis, uma vez que, como se deixou já expresso, a [SCom02...] não dispunha de estrutura empresarial compatível com tal dimensão ou mesmo revelasse de alguma forma uma coordenação eficaz dos recursos que permitisse obter tal desiderato;
– De resto, a emissão de facturas de compras e vendas sem que tenha subjacente quaisquer transmissão de bens, ou seja, a denominada facturação falsa, bem como a manipulação de documentos de transporte, encerram numa estratégia adoptado no sector do comércio de sucatas para encobrir os verdadeiros produtores ou fornecedores comerciais.
Neste contexto, conhecendo-se através das facturas emitidas pelos seus principais “fornecedores” (nomeadamente, “«EE»” e “[SCom23..., Lda], que as mercadorias supostamente transaccionadas eram: cobre, alumínio, inox e latão, em quantidades e valores elevadíssimos, será de se questionar desde logo a origem das mesmas, onde e a quem, pois só poderiam advir de empresas produtoras desses resíduos ou de empresas comerciais com dimensão e potencial capaz de gerir um negócio de sucatas com a diversidade e a tonelagem evidenciada.
Ora, o que é certo é que no circuito documental analisado não existe uma única empresa com capacidade para satisfazer tais fornecimentos de “sucata” nas quantidades e peso, na diversidade e sobretudo num curto espaço de tempo.
Com efeito, segundo o sócio gerente e de acordo com o observado, ele próprio acarretaria o ónus de toda a actividade, seja no aspecto administrativo, seja no aspecto da dinâmica comercial, quer isto dizer que seria ele o responsável pelas encomendas relativas às compras de sucata, controlava todas as cargas entradas em armazém e da mesma forma em relação às saídas, fazia os pagamentos a fornecedores e não só, recebia também dos clientes, para além de que disponibilizava ainda sempre uma parte de cada dia na deslocação às entidades bancárias para levantar ao balcão o dinheiro sacado dos cheques entregues pelos clientes. Em imaginação ou encenação tudo é possível, mas quando se cai na realidade constata-se que todas essas tarefas, face às inúmeras solicitações e dimensão, afiguram-se impossíveis de serem exequíveis por um humano por mais elástico que seja.
. Nem tão pouco pode ser argumentado o facto da empresa possuir dois empregados no seu quadro de pessoal no ano de 2005 e de três em 2006. De resto, as categorias profissionais desses funcionários, conforme discriminação no quadro abaixo, mostram precisamente a existência de um deficit em termos de recursos humanos face à dimensão do negócio e às solicitações dele decorrentes, uma vez que também se verificou que a [SCom02...] não recorreu a qualquer tipo de subcontratação. (...)
. No que respeita a instalações manteve, em 2005 e durante quase todo o ano de 2006, o pequeno armazém (com cerca de 200 m2) sito em ..., nas traseiras da casa de habitação do sócio gerente «FF», e que vinha utilizando na actividade em nome individual. Só em 1/11/2006, de acordo com o contrato de arrendamento, celebrado 25/10/2006, com «MMM», nif: ...45, adquire o direito à utilização do armazém sito no Lugar ..., freguesia ..., em ....
Ora, as instalações de ... não dispõe das condições necessárias para o volume de cargas e descargas que os documentos, quer na óptica da compra, quer na óptica da venda, pretendem justificar relativamente aos anos inspeccionados (2005 e 2006). (...)
Em relação às cargas mencionadas como tendo local de carga em ..., segundo informação prestada pelo sócio «FF», trata-se de um “entreposto” que funcionava no parque pertencente às instalações da empresa de transportes “[SCom24...], Lda.”.
Face aos contornos que envolve o comércio de sucatas, o facto desta firma não cobrar qualquer serviço de manuseamento, de transbordo ou de qualquer outro, bem como de ocupação do espaço, e a [SCom02...] não dispor lá de qualquer funcionário, nem que fosse para controlo de qualidade, concluiu-se que esse local de carga não passa de virtual, cingindo-se apenas a necessidades documentais e de alargamento do campo de acção de forma a esbater o excessivo volume de cargas a partir do armazém de ..., uma vez que, como já se referiu, o procedimento de inspecção anterior e dirigido à actividade do sócio «FF» desacreditou, pela sua magnitude, a movimentação de sucata atribuída àquelas instalações.
Por seu lado, a contabilidade reflecte isso mesmo, ou seja, apenas surge escriturado o valor das rendas pagas que resulta do citado contrato de arrendamento, celebrado 25/10/2006, com «MMM», através do qual adquire o direito à utilização do armazém sito no Lugar ..., freguesia ..., em ....
. No que concerne a viaturas, mesmo com o argumento de que a [SCom02...] é proprietária ou de que pode dispor no seu parque automóvel de várias unidades, verifica-se, contudo, que tal número é desproporcional face ao único motorista que consta do quadro de pessoal. Por outro lado, também não se verificou que a empresa tenha recorrido a serviços de terceiros, nomeadamente suportado qualquer custo com outros profissionais desse ofício.
. Na rubrica de comunicação (telefone, telemóveis, telepac), os valores escriturados também não demonstram terem proporcionalidade e até aderência com as operações que a documentação indicia, uma vez que a quantidade de negócios de compra e venda, de transportes, etc. implicaria obviamente que tais despesas apresentassem um montante significativamente superior.
Síntese conclusiva sobre a estrutura empresarial:
A estrutura empresarial evidenciada pela [SCom02...], nomeadamente no que respeita a instalações, funcionários e aos outros factores observados, não é compatível com a magnitude dos negócios declarados, possibilitando todavia o exercício da actividade em causa mas de forma residual. (...)
As vicissitudes documentais observadas revelam as inverosimilhanças dos negócios declarados pelo sujeito passivo, quer na óptica da compra quer na óptica da venda.
VENDE E RECEBE PRIMEIRO DO “CLIENTE” NA EXACTA MEDIDA DO QUE AINDA VAI COMPRAR AO “FORNECEDOR”
Face à documentação emitida, quer pelos pretensos fornecedores para a [SCom02...], quer pela [SCom02...] para os pretensos clientes, verifica-se que as quantidades e espécies supostamente transaccionadas são exactamente as mesmas.
Esta situação permite na óptica da [SCom02...]:
-controlar mais eficientemente os documentos no efeito compra/venda; -simplificação no cálculo dos preços para obtenção de margem de lucro cirúrgica.
E procura evitar justificação para:
– A falta de condições para acumular sucata a título de stocks nas instalações ou o argumento de que a carga de sucata, sendo precisamente a mesma remetida pelo fornecedor, dispensa pesagens adicionais e mão-de-obra de manuseamento ou alteração da sua composição;
– e a razão por que nunca existe qualquer operação posterior que motivasse a separação da sucata em lotes e por espécie;
Neste contexto, a título de exemplo, apontam-se uma situação em que tal se verifica com a sociedade [SCom01...]
> A [SCom02...] emite a guia de transporte nº 806, com data de 19-Janeiro-2006, no intuito de justificar o transporte e a venda de 16.560 Kg de limalha, ao preço de 2,20 €/Kg, para [SCom01...], LDA, NIF: ...98, identificando o local de carga em ... e de descarga ..., e veículo transportador com a matrícula ..-..-XS. Essa guia é mencionada na venda a dinheiro emitida pela [SCom02...] com o nº 144:
> Em 27-Janeiro-2006, ou seja, oito dias depois de ter efectuado o transporte da mercadoria para efeitos da venda declarada através da venda a dinheiro nº 189, a qual tem ainda associada a si a função de servir como documento de transporte, é que surge a compra de 16.560 Kg de limalha, ao preço de 2,18 €/Kg, emitida pelo suposto fornecedor «EE», NIF: ...06.
O circuito financeiro
O circuito financeiro evidenciado pela documentação e respectivos registos contabilísticos, quer na óptica dos recebimentos quer em relação aos pagamentos, demonstram uma linha imaculada em tudo idêntica ao verificado para o pretenso circuito físico das mercadorias, senão veja-se que:
O gigantesco volume de compras, ao que acresce uma assinalável variedade de tipos de “sucata”, teria sempre assegurado o seu escoamento em data aproximada, conforme se deduz da globalidade da documentação inerente às pretensas compras e consequentes vendas, seja no que respeita a pesos, quantidades, e espécies, etc., sem quaisquer abatimentos, devoluções, descontos ou eventuais reclamações, para além de se observar, face ao circuito documental daí resultante, que esses “negócios” teriam também de imediato as respectivas compensações financeiras a montante e a jusante sem qualquer tipo de entraves.
. Os cheques circulam e o dinheiro entra e sai das contas bancárias com uma fluidez notável, ou seja, paga-se (a fornecedores) e recebe-se (de clientes) na exacta medida e sem qualquer tipo de problemas, verificando-se ainda, a existência de inúmeras situações, como mais à frente se dará conta, em que primeiro a [SCom02...] documenta a saída da sucata para o cliente e recebe o valor correspondente e só depois é que a vai comprar ao fornecedor. Ora, documentar a saída física da sucata pela venda e depois, como por arte mágica, é que a vai adquirir, vem reforçar a irrealidade das operações e comprovar a falsidade dos documentos que lhe estão subjacentes.
. Neste contexto, verificou-se que relativamente aos cheques recebidos, estes são na sua maioria apresentados ao balcão da entidade financeira para levantamento imediato, o que pressupõe haver uma inversão do seu destinatário.
SINTESE CONCLUSIVA SOBRE A ACTIVIDADE DA “[SCom02...]” EM 2005 E 2006 Considerando o anteriormente exposto relativamente aos fornecedores da [SCom02...], os quais representaram nos anos de 2005 e 2006, respectivamente 96% e 99% das compras declaradas e escrituradas na contabilidade da empresa, concluiu-se, face aos procedimentos inspectivos dirigidos a tais agentes e que deram origem aos respectivos relatórios de inspecção, da existência de indícios seguros de que as facturas por eles emitidas não corresponderam a efectivas transmissões de bens, ou seja, trataram-se de operações simuladas.
No que concerne às facturas de vendas emitidas pela [SCom02...] nesses anos, versus documentos de transporte, concluiu-se de igual forma pela existência de indícios seguros de que as mesmas não corresponderam a efectivas transmissões de bens ou serviços de transporte, situação ou estratégica utilizada no intuito de credibilizar económica e fiscalmente a actividade em si mesma e, servir unicamente o objectivo, com intuitos fraudulentos, titular, por substituição, transacções para as quais não foi emitido o respectivo documento, ou transacções inexistentes, conferindo sempre, em qualquer dos casos, o direito à dedução a jusante do IVA indicado como liquidado em documentos de vendas falsas, emitidos em seu nome.
III.1.1.4.2. [SCom02...] alvo do processo de inquérito n.º ..7/06.9JAPRT
Consultado o relatório intercalar elaborado pelos inspectores tributários «KKK» e «NNN», datado de 2 de Outubro de 2008, que se encontra apenso ao mencionado processo de inquérito não identificámos nada de relevante direccionado directamente com a [SCom01...]. No entanto retiramos as seguintes informações que indirectamente estão relacionados com aquela:
– De acordo com a documentação bancária recebida a “[SCom02...]” possui, entre outras, as seguintes contas bancárias:
. A “[SCom02...]” detém a conta n.º ...35, aberta na sucursal do ... – ... do Banco 1..., e que apenas pode ser movimentada pelo representante legal da sociedade “«FF»”;
. A “[SCom02...]” detém a conta n.º ...89, aberta no balcão de ... (Banco 2...), e que apenas pode ser movimentada pelo representante legal da sociedade “«FF»”
A [SCom02...] Unipessoal, Lda., é arguida no processo de inquérito supra referido. Na acusação do processo e relativamente à arguida [SCom02...] é referido o seguinte:
Em relação às compras:
Quadro 1 – Valores de ‘compras’ da “[SCom02...]” que originaram correcções em sede de IVA em 2005 e 2006
AlvoFornecedorValor liquidoIVAValor c/ IVA
B«EE»17.390.918,723.519.918,6020.910.837,32
TOTAL 200517.390.918,723.519.918,6020.910.837,32
B«EE»21.154.518,334.442.448,2825.596.966,61
S[SCom25...] Lda16.451.360,813.454.785,7219.906.146,53
T«OOO»524.000,00110.040,00634.040,00
TOTAL 200638.129.879,148.007.274,0046.137.153,14
A folhas 14161 da acusação e, em relação ás compras da [SCom02...] [efectuadas a pseudo fornecedores também eles arguidos no referido inquérito] é referido (passamos a transcrever):
“Sucede que, não obstante o arguido «FF» ter declarado, na qualidade de gerente da “[SCom02...]”, ter efectuado as compras em causa, tal facto não corresponde à realidade, sendo que os seus principais “fornecedores” não tinham naquele período qualquer tipo de meios que lhe permitissem desenvolver a actividade que as facturas indiciam.”
A folhas 14161 a 14172 é descrita a prova do concluído no parágrafo anterior, para concluírem a folhas 114172, que (passamos a transcrever):
“Assim, os fornecedores da [SCom02...] nos anos de 2005 e 2006 não desenvolvem a actividade de comércio de sucata que as facturas de venda a dinheiro por eles emitidas pretende fazer acreditar, para além de não disporem de estrutura empresarial minimamente compatível para o exercício da mesma e na dimensão detectada.
Do acima exposto, resulta que a totalidade das compras declaradas pela [SCom02...] aos fornecedores acima indicados nos anos de 2005 e 2006, que representam cerca de 96% e 99% das compras declaradas não correspondem a transacções reais, quer porque não ocorreu qualquer transacção comercial, quer porque a transacção que ocorreu não correspondia à titulada na factura.
Em relacão às vendas:
A folhas 14174 a 14194 são apresentados os quadros das facturas recolhidas emitidas pela [SCom02...],
para concluírem a folhas 14195, o seguinte relativo às vendas (passamos a transcrever):
“Sucede que a [SCom02...] não possuía condições para vender a quantidade de mercadoria acima referida.
Com efeito, além de não possuir fornecedores que lhe vendessem as quantidades de material em questão (...), também não possuía meios e infra-estruturas adequadas à comercialização desses volumes de transacções.
A folhas 14197, concluem, após análise dos meios e infra-estruturas que a [SCom02...] dispunha (abaixo descrito) que “as facturas emitidas pela [SCom02...] relativas às vendas não consubstanciam transacções reais, quer por não terem subjacente qualquer relação comercial, quer porque as transacções foram efectuadas com valores e/ou intervenientes diferentes dos constantes das facturas.”.
Em relação à estrutura empresarial evidenciada folhas 14195 a 141961:
Até 25-11-2006 a [SCom02...] possuía instalações num armazém sito em ..., nas traseiras da casa do arguido «FF» e que era utilizado por esse quando exerceu a actividade em nome individual, que, (...) não possuía condições para o volume de cargas e descargas facturados.
Em relação às cargas que mencionam ter como local de carga “...”, esse local corresponde a um parque pertencente às instalações da empresa “[SCom24...]. a”, sendo que esta não cobrava qualquer serviço de manuseamento, transbordo ou pela ocupação do espaço, nem a [SCom02...] possui funcionários nesse local, tratando-se de um local de carga virtual que surgiu devido à necessidades documentais de descentralizar estas actividades de ... e alargar o campo de acção inspectiva de que «FF» havia sido alvo.
Apenas com este intuito, a partir de 25-10-2006, a [SCom02...] arrendou um armazém sito no Lugar ..., ..., ....
Para o exercício da actividade para além do sócio-gerente, o arguido «FF», a “[SCom02...]”, apenas possuía, no ano de 2005, um motorista, «PPP», e um empregado de armazém, «QQQ» a que se juntou, no ano de 2006, com as funções de encarregado de armazém, o arguido «RRR».
Os veículos pertencentes à [SCom02...] são em numero desproporcionado pois aquela possui apenas um motorista, não tendo a arguida recorrido ao serviço de outros motoristas.”
As Incoerências e vicissitudes documentais [folhas 14196 da acusação]:
“As guias de transporte emitidas aos vários destinatários não o foram de forma sequencial (.)
Nas guias de transporte emitidas pela [SCom02...] verifica-se, ainda, a existência de contradição das horas face à sequência numérica das guias de transporte, bem como a existência de guias de transporte com indicação contraditória do local de carga; existência de guias que não identificam o veículo transportador; indicação nas guias de transporte da utilização do mesmo veículo para efectuar carregamentos há mesma hora mas em locais diferentes.
O gigantesco volume de compras assinalável variedade de tipos de sucata tinha sempre um escoamento em data aproximada, sem quaisquer abatimentos, devoluções, descontos ou reclamações, tendo, também, de imediato, as respectivas compensações financeiras a montante e a jusante, sem qualquer tipo de entraves, o que contraria a normalidade.
Verificam-se situações em que a [SCom02...] vende mercadoria e recebe o pagamento do comprador e só depois vai comprá-la e pagá-la ao seu fornecedor.”
Meios de pagamento e recebimento [folhas 14196 e 14197 da acusação]
“Os cheques recebidos dos fornecedores são, na sua maioria, apresentados ao balcão da entidade financeira para levantamento imediato, sendo que, de seguida p valor é devolvido ao emitente do cheque.
O pagamento das facturas emitidas pela “[SCom02...]” era declarado como tendo sido efectuado em numerário ou através de cheque bancário.
Sucede que tal não corresponde à verdade.
Com efeito, os pagamentos de mercadoria ao arguido eram simulados, sendo que, quando contabilizados como tendo ocorrido em numerário, a entrega em numerário não havia ocorrido e, quando contabilizados como tendo sido efectuados através de cheque bancário, os cheques ou eram levantados na caixa, ou eram depositados e, de seguida, era levantado o montante depositado, sendo que estes movimentos eram, normalmente, realizados pelo arguido «FF» que, depois, devolvia a quantia em causa ao emitente do cheque que via reentrar no seu património esse dinheiro.”
III.1.2. Indícios recolhidos no utilizador “[SCom01...]”
III.1.2.1. – Na sequência da análise dos meios de pagamento das facturas em investigação
No decurso do procedimento de inspecção foi solicitado à sociedade [SCom01...], fotocópias frente e verso, dos cheques [artigo 63.º – C da LGT], sacados sobre a conta que a sociedade possui no Banco 1..., conta n.º ...12, utilizados para pagamento das facturas em investigação. A [SCom01...], pese não nos ter facultado os extractos bancários da conta em apreço, mesmo depois de notificada para o efeito [n/notificação – Anexo 5; resposta à n/notificação – Auto de Ocorrência – Anexo 6], acedeu ao pedido dos cheques frente e verso, tendo facultado fotocópias dos mesmos. Da sua análise constatámos o seguinte [por emitente]:
1) Cheques cujo “beneficiário” era «EE»
As facturas emitidas pelo pseudo fornecedor “«EE»” foram, conforme se pode verificar, pelo quadro abaixo, pagas, na sua quase totalidade, por cheque.
EmitenteFactura n.ºDataAnoValor TotalCheque n.”ValorVerso
«EE»722-02-20052005841,33 €a dinheiro
«EE»14620-05-2005200599.163,00 €...1316.626,68€Levantado ao Balcão
«EE»15425-05-200520057.460,68 €...13
«EE»15527-05-2005200510.195,92 €...0410.195,82€Levantado ao Balcão
«EE»16006-06-2005200516.293,48 €...0716.293,48€Levantado ao Balcão
«EE»16407-06-200520059.029,72 €...929.030,00€Levantado ao Balcão
«EE»18020-06-2005200512.061,84 €...8312.062,85€Levantado ao Balcão
«EE»18424-06-2005200510.545,78 €...8010.545,78€Levantado ao Balcão
«EE»25301-09-20052005783,43 €...508.036,59€ao Balcão
«EE»25609-09-200520051 251,87 €...50
«EE»26014-09-200520051 596,60 €...50
«EE»27120-09-20052005523,45 €...50
«EE»27624-09-200520051.836,05 €...50
«EE»29230-09-200520052 045,14 €...50
«EE»41805-12-2005200510 527,00 €...5610.527,00€Levantado ao Balcão
«EE»42107-12-200520059..317,00 €...5311.063.03€Levantado ao Balcão
«EE»44722-12-200520051.746,03 €
«EE»45527-12-200520051.452,00 €...437.042,20€Levantado ao Balcão
Total -2005106.673,36 €
«EE»50427-01-200620065.590,20 €...33
«EE»53308-02-2006200618.237,73€...658.237,73€Levantado ao Balc:ão
...8510.000,00€Levantado ao Balc:ão
«EE»64306-04-200620061.936 00€...1733.863;08€33.863,06€Levantado ao Balcão
«EE»68909-05-2006200631.927,06 €...17
«EE»70419-05-2006200631.401,32 €...937.000,0027.000,00€ELevantado ao Balcão
«EE»75126-06-2006200626.872,65€...871.273,9731.273,97€ELevantado ao Balcão
Total – 2006115.964,96€
...222.638,32€221.798,19 €
Fonte: anexo 7
Da análise dos cheque (frente e verso) identificados no quadro anterior, constatámos que, todos eles, tem no verso a assinatura do “«EE»” e a indicação do número do Bilhete de Identidade, com a indicação de “Valor Dep/Pag ao Benef. no Banco 1...”, ou seja, foram cheques pagos ao balcão, conforme confirma o carimbo aposto no rosto “Pago”, não tendo por conseguinte sido depositados em contas do “«EE»”.
Tal vem ao encontro das conclusões da inspecção tributária levada a efeito ao “«EE»” [v. ponto III.1.1 .2], em matéria de movimentos registados nas suas contas bancárias versus movimentos de vendas [v. ponto III.1.1 .2.2.5.], onde se constatou o seguinte:
“Se compararmos o valor das facturas (conhecidos) emitidas em nome de «EE», m 2004 e 2005, face aos depósitos efectuados na conta bancária de depósitos à ordem conhecida, observa-se o seguinte:
ANOEMITIDAS
(1)
Banco 2...
(2)
(3) = (1) – (2)
2004765.258,59€0,00€765.258,59€
200529.146.724,54€54.384,81€29.092.339,73€
Totais29.911.983,13€54.384,81€29.857.598,32€
Da análise a este quadro é notório que, o valor dos depósitos efectuados nada tem a ver com os valores das facturas emitidas, o que por si só constitui um forte indício da falsidade das mesmas.”
Por outro lado, a sociedade [SCom01...], ao não nos facultar o acesso aos extractos bancários da conta que possui no Banco 1..., conta n.º ...12, onde foram movimentados os cheques em apreço, não nos permite verificar se os valores dos cheques retornaram para o seu património.
2) Cheques cujo “beneficiário” era «FF»
As duas facturas emitidas pelo pseudo fornecedor “«FF»” foram, conforme se pode verificar, pelo quadro abaixo, pagas, por cheque.
EmitenteF. n.ºDataAnoValor TotalCheque n.ºValorVerso Cheque
«FF»1031
1092
16-02-2005
06-04-2005
2005
2005
49.480,20€
12.948,39€
...8049.480,20€DP conta ... Banco 2...
...1712.948,39€DP conta ... Banco 2...
Total62.428,59€
Fonte: Anexo 7
Da análise dos cheques (frente e verso) identificados no quadro anterior, constatámos que ambos foram depositados na conta que “«FF»” detém no Banco 2... (Banco 2...), conta n.º ...01 que apenas pode ser movimentada pelo próprio “«FF»”.
No entanto, como é referido no ponto III.1.1.3.2. deste relatório que transcreve a acusação do processo de inquérito ..7/06.9JAPRT – “os pagamentos de mercadoria ao arguido eram simulados, sendo que, quando contabilizados como tendo ocorrido em numerário, a entrega em numerário não havia ocorrido e, quando contabilizados como tendo sido efectuados através de cheque bancário, os cheques ou eram levantados na caixa, ou eram depositados e, de seguida, era levantado o montante depositado, sendo que estes movimentos eram, normalmente, realizados pelo arguido «FF» que, depois, devolvia a quantia em causa ao emitente do cheque que via reentrar no seu património esse dinheiro.” Por outro lado, a sociedade [SCom01...], ao não nos facultar o acesso aos extractos bancários da conta que possui no Banco 1..., conta n.º ...12, onde foram movimentados os cheques em apreço, não nos permite verificar se os valores dos cheques retornaram para o seu património [como era normal, quando estavam em causa “facturas falsas” deste emitente].
3) Cheques cujo “beneficiário” era «GG»
Em relação aos meios de pagamento utilizados para pagamento das facturas do pseudo fornecedor “«GG»”, apenas foram solicitados os meios de pagamento das facturas com valor superiores a 5.000,00€. Assim, foram-nos facultado cheques frente e verso do pagamento das seguintes facturas:
EmitenteFactura n.ºDataAnoValor BaseValor IVAValor Total
«GG»51626-06-200620068.528,20€1.790,92 €10.319,12€
«GG»52429-06-200620061.384,20€290,68 €1.674,88€
«GG»71523-11-2006200612.014,35€12.014,35€
«GG»17718-04-2007200746.851,00€46.851,00€
Fonte: Anexo 7
Nota: As facturas ...16 e ...24 foram, ambas, pagas pelo mesmo cheque. Da análise dos cheques (frente e verso) associados ao pagamento das facturas acima identificadas (Anexo 7) constatámos que foram, todos, levantados ao balcão pelo beneficiário.
Acresce, ainda, que a sociedade [SCom01...], ao não nos facultar o acesso aos extractos bancários da conta que possui no Banco 1..., conta n.º ...12, onde foram movimentados os cheques em apreço, não nos permite verificar se os valores dos cheques retornaram para o seu património.
4) Cheques cujo “beneficiário” era [SCom02...] Unipessoal, Lda.
As facturas emitidas pelo pseudo fornecedor “[SCom02...]” foram, conforme se pode verificar, pelo quadro abaixo, pagas, por cheque.
EmitenteFND n.ºDataAnoValorCheque n.ºValorVersoBanco
[SCom02...]3909-03-2005200517.599,21 €...3217.599,21 EDP 1.3449389.000.001BPI
[SCom02...]5412-04-2005200516.787,93€...7816.783,93€DP 1.3449389.000.001BPI
[SCom02...]2901-06-2005200528.306,53€...13 10.000,00€ Levantado ao balcão Banco 1...
...07 10.000,00€ Levantado ao balcão Banco 1...
...10 8.306,53€ Levantado ao balcão Banco 1...
[SCom02...]12808-06-2005200530.321,20€...7330.321,20€DP 1.3449389.000.001BPI
[SCom02...]13615-06-2005200510.661,21 €...3110.661,21 EDP 1.3449389.000.001BPI
[SCom02...]16914-07-2005200523.571,41 €...72 40.940,96€ Levantado ao balcão Banco 1...
[SCom02...]6117-09-2005200517.369,55€...72 Banco 1...
[SCom02...]21629-09-2005200537.715,70€...4237.715,70€Levantado ao balcãoBCP
[SCom02...]7729-09-2005200524.397,23€...6324.397,23€Levantado ao balcãoBCP
[SCom02...]23007-10-2005200524.175,80€...6924.175,80€Levantado ao balcãoBCP
[SCom02...]24418-10-2005200569.518,13€...21 34.759,06€ Levantado ao balcão Banco 1...
...18 34.759,07€ Levantado ao balcão Banco 1... '
[SCom02...]25124-10-2005200527.990,93€...08 14.990,93€ Levantado ao balcão Banco 1...
...05 13.000,00€ Levantado ao balcão Banco 1...
[SCom02...]25224-10-2005200514.744,15 €...3614.744,15€Levantado ao balcãoBCP
[SCom02...]26908-11-2005200530.067,29€...68 15.033,64€ Levantado ao balcão Banco 1...
...16 15.033,65€ Levantado ao balcão Banco 1...
[SCom02...]28014-11-2005200534.539,45€...22 17.269,73€ Levantado ao balcão Banco 1...
...19 17.269,72€ Levantado ao balcão Banco 1...
Total – 2005407.765,71
[SCom02...]14430-01-2006200644.082,72 €...24 22.041,36 € Levantado ao balcão Banco 1...
...66 11.020,68€ Levantado ao balcão Banco 1...
...26 11.020,68€ Levantado ao balcão Banco 1...
[SCom02...]36704-02-2006200615.918,76 €...6315.918,76€ , Levantado ao balcãoBCP
[SCom02...]41008-03-2006200656.329,74€...79 14.000,00€ Levantado ao balcão Banco 1...
...73 14.000,00€ Levantado ao balcão Banco 1...
...70 14.329,74€ Levantado ao balcão Banco 1...
...76 14.000,00€ Levantado ao balcão Banco 1...
[SCom02...]18229-03-2006200652.181,25€...7752.181,25€Levantado ao balcãoBCP
[SCom02...]45917-04-2006200618.334,53€...7418.334,53€Levantado ao balcãoBCP
[SCom02...]51519-05-2006200648.215,48 €...4748.215,48€Levantado ao balcãoBCP
[SCom02...]52831-05-20062006155.498,31 €...59 38.000,00€ Levantado ao balcão Banco 1...
...56 40.000,00€ Levantado ao balcão Banco 1...
...41 10.000,00€ Levantado ao balcão Banco 1...
...48 10.000,00€ Levantado ao balcão Banco 1...
...88 7.000,00€ Pago «SSS» Banco 1...-...83
...73 8.200,00€ Pago «SSS» Banco 1...-...83
...98 5.000,00€ Pago [SCom01...] Banco 1... -...87
...62 5.000,00€ Pago [SCom01...] Banco 1... -...87
...04 10.000,00€ Pago «SSS» Banco 1...-...83
Total - 2006390.560,78€
Fonte: Anexo 7
Da análise dos cheque (frente e verso) identificados no quadro anterior, constatámos que, a maioria deles, tem no verso, aposto o carimbo da “[SCom02...]” e a assinatura do “«FF» “, com a indicação de “Valor Dep/Pag ao Benef. no Banco 1...”, ou seja, foram cheques pagos ao balcão, conforme confirma o carimbo aposto no rosto “Pago”, não tendo por conseguinte sido depositados em contas da [SCom02...], pese no verso constar a conta ...35, aberta na sucursal do ... – ... do Banco 1..., que apenas pode ser movimentada pelo representante legal da sociedade “«FF»”.
Existem também cheques que foram depositados na conta que a “[SCom02...]” detém – conta n.º ...89, aberta no balcão de ... (Banco 2...), e que apenas pode ser movimentada pelo representante legal da sociedade “«FF»”
No entanto, como é referido no ponto III.1.1.4.2. deste relatório que transcreve a acusação do processo de inquérito ..7/06.9JAPRT – “os pagamentos de mercadoria ao arguido eram simulados, sendo que, quando contabilizados como tendo ocorrido em numerário, a entrega em numerário não havia ocorrido e, quando contabilizados como tendo sido efectuados através de cheque bancário, os cheques ou eram levantados na caixa, ou eram depositados e, de seguida, era levantado o montante depositado, sendo que estes movimentos eram, normalmente, realizados pelo arguido «FF» que, depois, devolvia a quantia em causa ao emitente do cheque que via reentrar no seu património esse dinheiro.”
Importa ainda salientar que no caso em apreço e relativamente aos meios de pagamento associados à factura n.º 528, conforme quadro abaixo, parte deles o retorno para o património da [SCom01...], ocorreu através do depósito em conta da filha dos gerentes e funcionária da empresa, D. «SSS» e do próprio gerente Sr. «TTT».
[SCom02...]155.498,31 €...5938.000,00 €Levantado ao balcãoBanco 1...
...5640.000,00€Levantado ao balcãoBanco 1...
...4110.000,00€Levantado ao balcãoBanco 1...
...4810.000,00€Levantado ao balcãoBanco 1...
...887.000,00€Pago «SSS»DP Banco 1...-...83
...738.200,00€Pago «SSS»DP Banco 1...-...83
...985.000,00€Pago «TTT»DP Banco 1... -...87
...625.000,00€Pago «TTT»DP Banco 1... -...87
...0410.000,00€Pago «SSS»DP Banco 1...-...83
Fonte: Anexo 7
A sociedade [SCom01...], ao não nos facultar o acesso aos extractos bancários da conta que possui no Banco 1..., conta n.º ...12, onde foram movimentados os cheques em apreço, não nos permite verificar se os valores dos cheques retornaram para o seu património.
III.2. Situação de direito
III.2.1. Em sede de IVA
Dá-se assim por verificado que a [SCom01...] contabilizou e declarou valores de compras de sucata, nos anos de 2005, 2006 e 2007 [conforme extractos de compras, conta “316111”, dos anos de 2005, 2006 e 2007 – Anexo 8], com base em documentos de compras falsos, isto é, documentos que não correspondem a efectivas transmissões entre as partes mencionadas nesses documentos, nomeadamente no que diz respeito à entidade que surge como vendedora ou pela inexistência das operações.
Com tal procedimento, a [SCom01...], deduziu a seu favor [conforme extractos contas de IVA “...12” doa anos de 2005, 2006 e 2007 – Anexo 9] , ao abrigo do artigo 19.º do Código do IVA, valores de imposto que influenciaram, nos respectivos períodos, o montante total do IVA que, de acordo com o artigo 26.º do mesmo Código, apurou, declarou e entregou, simultaneamente com as declarações a que se referem os seus artigos 28.º e 40.º, nos prazos aí previstos [Anexo 13 – Print’s Declarações de IVA remetidas ao SIVA, anos 2005 e 2006]. Porque se consideram que as compras contabilizadas e declaradas em relação aos “fornecedores” descritos anteriormente são operações simuladas, o imposto dedutível relativo a existências contabilizado e deduzido nas declarações de IVA, entregues nos anos de 2005 e 2006, com base nos respectivos documentos não é dedutível, conforme prevê o n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA, devendo por isso ser objecto de liquidação adicional.
Assim, a partir dos quadros referentes a cada um dos “fornecedores” em causa, foram elaborados os quadros abaixo, para os anos de 2005 e 2006 [nas declarações entregues em 2007 não foram efectuadas correcções dado que a partir de 01-10-2006, data em que entrou em vigor a Lei n.º 33/2006, de 28 de Julho, passaram a existir regras especiais de tributação em matéria de transmissão de bens qualificados como desperdícios, resíduos e sucatas recicláveis e certas prestações de serviços com estes relacionadas, designadamente a inversão do sujeito passivo de imposto desde que os respectivos transmitentes ou prestadores sejam sujeitos passivos do imposto, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea i), do Código do IVA], onde se apresentam os montantes de IVA indevidamente deduzidos, por períodos de imposto (mês), que serão objecto de liquidação:
Exercício de 2005
EmitenteFactura n.ºDataValor BaseValor IVAValor Total
«FF»103116-02-200541.580,00€7.900,20 €49.480,20 €
«EE»722-02-2005707,00€134,33 €841,33 €
Mês de Fevereiro de 200542.287,00€8.034,53€50.321,53 €
[SCom02...]., Lda.3909-03-200514.789,25€2.809,96€17.599,21 €
Mês de Março de 200514.789,25€2.809,96€17.599,21 €
«FF»109206-04-200510.881,00€2.067,39 €12.948,39 €
[SCom02...]., Lda.5412-04-200514.107,50€2.680,43€16.787,93€
Mês de Abril de 200524.988,50€4.747,82 €29.736,32 €
«EE»14620-05-20057.700,00€1.463,00 €9.163,00 €
«EE»15425-05-20056.272,00€1.191,68€7.463,68€
«EE»15527-05-20058.568,00€1.627,92€10.195,92€
Mês de Maio de 200522.540,00€4.282,60€26.822,60 €
[SCom02...]., Lda.2901-06-200523.787,00€4.519,53 €28.306,53 €
«EE»16006-06-200513.692,00€2.601,48€16.293,48€
«EE»16407-06-20057.588,00€1.441,72€9.029,72 €
[SCom02...]., Lda.12808-06-200525.480,00€4.841,20€30.321,20€
[SCom02...]., Lda.13615-06-20058.959,00€1.702,21 €10.661,21 €
«EE»18020-06-200510.136,00€1.925,84 €12.061,84 €
«EE»18424-06-20058.862,00€1.683,78 €10.545,78 €
Mês de Junho de 200598.504,00€18.715,76€117.219,76€
[SCom02...]., Lda.16914-07-200519.480,50€4.090,91 €23.571,41 €
Mês de Julho de 200519.480,50€4.090,91 €23.571,41 €
«EE»25301-09-2005647,50€135,98€783,48€
«EE»25609-09-20051.034,60€217,27 €1.251,87 €
«EE»26014-09-20051.319,50€277,10€1.596,60 €
[SCom02...]., Lda.61 17-09-200514.355,00€3.014,65€17.369,55€
«EE»271 20-09-2005432,60€90,85 €523,45 €
«EE»276 24-09-20051.517,40€318,65 €1.836,05 €
[SCom02...]., Lda.216 29-09-200531.170,00€6.545,70 €37.715,70 €
[SCom02...]., Lda.77 29-09-200520.163,00€4.234,23€24.397,23€
«EE»29230-09-20051.690,20€354,94€2.045,14€
Mês de Setembro de 200572.329,80€15.189,36€87.519,06€
[SCom02...]., Lda.23007-10-200519.980,00€4.195,80€24.175,80€
[SCom02...]., Lda.24418-10-200557.453,00€12.065,13€69.518,13€
[SCom02...]., Lda.25124-10-200523.133,00€4.857,93€27.990,93€
[SCom02...]., Lda.25224-10-200512.185,25€2.558,90€14.744,15€
Mês de Outubro de 2005112.751,25€23.677,76€136.429,01 €
[SCom02...]., Lda.26908-11-200524.849,00€5.218,29 €30.067,29 €
[SCom02...]., Lda.28014-11-200528.545,00€5.994,45 €34.539,45 €
Mês de Novembro de 200553.394,00€11.212,74€64.606,74€
«EE»41805-12-20058.700,00€1.827,00€10.527,00€
«EE»42107-12-20057.700,00€1.617,00€9.317,00€
«EE»44722-12-20051.443,00€303,03 €1.746,03€
«EE»45527-12-20051.200,00€252,00€1.452,00€
Mês de Dezembro de 200519.043,00€3.999,03€23.042,03€
Totais – 2005480.107,30€96.760,46 €576.867,66€
Fonte: [Anexos 1 a 4 —fotocópias das facturas]; Anexo 9 [extractos IVA dedutível]; Anexo 10 [extractos de fornecedores]
. Exercício de 2006
EmitenteFactura n.ºDataValor BaseValor IVAValor Total
«EE»50427-01-20064.620,00€970,20€5.590,20€
[SCom02...]., Lda.14430-01-200636.432,00€7.650,72€44.082,72€
41.052,00€8.620,92€49.672,92€
[SCom02...]., Lda.36704-02-200613.156,00€2.762,76€15.918,76€
«EE»53308-02-200615.072,50€3.165,23€18.237,73€
28.228,50€5.927,99€34.156,49€
[SCom02...]., Lda.41008-03-200646.553,50€9.776,24€56.329,74€
[SCom02...]., Lda.18229-03-200643.125,00 E9.056,25€52.181,25
89.678,50€18.832,49€108.510,99€
«EE»64306-04-20061.600,00€336,00€1.936,00€
[SCom02...]., Lda.45917-04-200615.152,50€3.182,03€18.334,53€
16.752,50€3.518,03€20.270,53€
«EE»68909-05-200626.386,00 €5.541,0631.927,06€
«EE»70419-05-200625.951,50€5.449,82€31.401,32€
[SCom02...]., Lda.51519-05-200639.847,50€8.367,98€48.215,48€
[SCom02...]., Lda.52831-05-2006128.511,00€26.987,31 €155.498,31 €
220.696,00 €46.346,17 €267.042,17€
«EE»75126-06-200622.208,80 €4.663,85 €26.872,65€
«GG»51626-06-20068.528,20 €1.790,92 €10.319,12 €
«GG»52429-06-20061.384,20 €290,68 €1.674,88€
32.121,20€6.745,45€38.866,65€
«GG»65212-10-20061.474,50€1.474,50€
«GG»66720-10-20061.248,00€1.248,00€
«GG»67826-10-20062.931,00€2.931,00€
«GG»68027-10-20062.266,50€2.266,50€
7.920,00 €0,00€7.920,00€
«GG»70615-11-20061.498,50 € 1.498,50€
«GG»71523-11-200612.014,35€ 12.014,35€
13.512,85€0,00€13.512,85€
«GG»72602-12-2006975,75€ 975,75€
«GG»75929-12-2006918,00€ 918,00€
1.893,75€0,00€1.893,75€
Totais451.855,30€89.991,04€541.846,34€
Fonte: [Anexos 1 a 4 —fotocópias das facturas]; Anexo 9 [extractos IVA dedutível]; Anexo 10 [extractos de fornecedores] »pág. 11 a 78 do Relatório, de fls. 10 a 43 do PA;
10. A sociedade impugnante não possuía balança própria para pesagem de veículos de mercadorias, mas recorria a empresas próximas e que lhe prestavam esse serviço – depoimento da primeira testemunha, «UUU», e talões de pesagem de fls. 115 a 124 do processo físico;
11. Em 5/5/2009 a AT notificou pessoalmente a sociedade agora impugnante para identificar os reais fornecedores dos bem que são referidos nas faturas reputadas como falsas (quanto ao sujeito fornecedor) – anexo 11 do Relatório, de fls. 364 a 367 do PA;
12. Na sequência da notificação à impugnante do teor do relatório final, em 5/9/2009 a AT efetuou as seguintes liquidações que notificou validamente à agora impugnante para pagamento voluntário até 30/11/2009:
Nº LiquidaçãoPeríodoIVAJuros Comp.
...822005.028.034,53
...832005.02
...842005.032.809,96
...852005.03
...862005.044.747,81
...872005.04
...882005.054.282,60
...892005.05
...902005.0618.715,76
...912005.06
...922005.074.090,90
...932005.07
...942005.0915.189,36
...952005.09
...962005.1023.677,76
...972005.10
...982005.1111.212,74
...992005.11
...002005.123.999,03
...012005.12
...022006.018.620,92
...032006.01
...042006.025.927,99
...052006.02
...062006.0318.832,48
...072006.03
...082006.043.518,02
...092006.04
...102006.0546.346,17
...112006.05
...122006.066.745,45
...132006.06
– parte introdutória da pá. e fls. 414 e 415 do PA;
13. Sob registo postal de 1/3/2010 foi remetida para este Tribunal Administrativo e Fiscal de ... a petição inicial da presente impugnação judicial etiqueta postal colada no canto superior esquerdo de fls. 2, e seguintes do processo físico.
3.2 Matéria de facto dada como não provada:
Não há factos a considerar como não provados e com relevância para a boa decisão da questão.
*
4 – Motivação de facto
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao PA, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados artigo 74º da LGT – também são corroborados pelos documentos juntos aos autos artigos 76º, nº 1, da LGT e 362º e seguintes do Código Civil (CC) identificados em cada um dos factos descritos no probatório.
Foram inquiridas as testemunhas:
1ª – «UUU», neta dos gerentes e TOC da sociedade impugnante e interlocutora da empresa inspecionada com os inspetores tributários, declarou que fazia parte da estrutura decisória da impugnante, que participava nas decisões sobre os negócios de compra e de venda;
2ª – «VVV», Inspetor Tributário e autor do Relatório de inspeção.
O depoimento da primeira testemunha mostrou-se parcial, obstinado em reproduzir a tese da impugnante e defender os interesses da sociedade e dos sócios-gerentes, seus avós. Essa convicção formou-se com base na atitude defensiva e tom agressivo usados aquando da inquirição pela Fazenda Pública, sempre mais preocupada em contrapor argumentos do que em responder às perguntas diretas.
Do seu depoimento retirou-se a convicção de que a testemunha também participava nas decisões empresariais (tendo reconhecido ter sido ela a decidir, além do mais, a recusa de apresentação dos extratos bancários da sociedade solicitados pelo inspetor tributário), sendo, por isso, parte interessada e motivada em defender os interesses da sociedade e dos sócios-gerentes, seus avós, e que embora as suas funções fossem sobretudo administrativas e localizadas na área do imóvel especificamente afeta a tais funções, de onde não era possível visualizar o que se passava no espaço destinado a estaleiro da sucata, localizado nas traseiras, provavelmente ela iria fisicamente com relativa frequência àquela área, tendo a mesm[a] reconhecido que não visitou e não conhecia pessoalmente as instalações do[s] quatro emitentes das faturas reputadas falsas, embora conhecesse os respetivos sujeitos.
Apesar de os factos descritos pela AT tornar[e]m altamente improvável que as faturas em causa correspondam a operações reais ocorridas nos termos descritos nesses documentos, a primeira testemunha afirmou que viu esses sujeitos ou os seus colaboradores, por várias vezes, nas instalações da impugnante “a descarregar”, sem concretizar temporalmente e especificar, designadamente, a condição em que ali se encontrariam, se era como empregados ou ajudantes de alguém ou como fornecedores em nome próprio, ou seja, se estavam a descarregar materiais descritos nas faturas em causa ou quaisquer outros que não estejam em causa nos autos e adquiridos a outros sujeitos. Aliás, nem sequer especificou o tipo de materiais terá visto esses sujeitos a descarregar, tendo todo o seu depoimento, nessa parte, sido extremamente vago, genérico e até, contraditório, como, por exemplo, na parte que que confrontada pela Fazenda Pública com o facto de nem os emitentes das faturas em causa nem a sua própria empresa possuírem balança e vir alegado que muitas vezes os materiais vão muitas vezes diretamente do fornecedor para o cliente final, afirmou que os avós, sócios-gerentes são pessoas muito experientes e só com “golpe de vista” conseguem avaliar o peso da carga e, ao mesmo tempo, reconheceu que os clientes da sua empresa nunca recebem qualquer carga que não seja imediatamente pesada, indicando claramente que a “experiência” não substitui balanças. A segunda testemunha inquirida, inspetor tributário, confirmando o senso comum, afirmou que nesta atividade, em que ocorrem transações de metais muito valiosos, como o cobre, todas as transações são muito controladas, no sentido que o adquirente pesa sempre os materiais e que os gerentes chegam a acompanhar pessoalmente os transportes porque não confiam nos transportadores, mesmo que as viaturas sejam conduzidas pelos seus empregados. Os talões de pesagem vão sempre para a contabilidade e servem de base à faturação (pelo vendedor) e ao pagamento (pelo adquirente).
Por tudo o descrito, o Tribunal não considera idóneo o depoimento da primeira testemunha na parte em que afirma genericamente, sem qualquer contextualização temporal e espacial, subjetiva e material, quer quantitativa quer qualitativa, que todos os negócios descritos nas faturas reputadas como falsas correspondem às operações reais ocorridas entre os respetivos sujeitos e com os respetivos objetos qualitativos e quantitativos.
O depoimento prestado pela segunda testemunha foi-o de forma que se afigurou ser séria, imparcial, consistente e convincente, merecedor de plena credibilidade, tendo as suas explicações, conjugadas com as demais provas documentais carreadas para os autos, contribuído fortemente para a formação da convicção acerca dos factos acima descritos, tal como se indica em cada um desses pontos.
Os factos não provados foram assim julgados por não ter sido feita qualquer prova quanto aos mesmos, sendo contrários à convicção acerca da prova produzida e incompatíveis com os factos dados como provados.
Do conjunto da materialidade apurada resultou a convicção de que a sociedade impugnante compra e vende sucata metálica, incluindo limalhas, designadamente de latão, e, no exercício dessa atividade contabilizou faturas emitidas por «GG», «EE» e «FF», este como empresário em nome individual e em nom[e] da sua sociedade [SCom02...], Unipessoal, Lda., tendo deduzido o respetivo IVA.
Porém, em ações inspetivas efetuadas às empresas dos sujeitos emitentes das faturas acima referidas a AT verificou indícios de que essas empresas não fizeram as compras correspondentes às vendas faturadas e que as mesmas não possuem estrutura empresarial adequada à atividade na escala correspondente à faturação que emitiram, e reportaram a existência de suspeitas de fraude fiscal no setor da sucata, o que originou a instauração processo de averiguações nº ...3/06.6JAPRT (quanto ao arguido «GG») e ..7/06.9JAPRT (quanto aos arguidos «EE», «FF» e a sociedade deste, [SCom02...].), no âmbito dos quais foram recolhidas outras provas, incluindo escutas, que levaram à acusação e condenação por faturação falsa (tendo o «FF», em seu nome e como sócio-gerente da [SCom02...]., sido condenado a 8 anos de prisão, e «EE» condenado a 4 anos de prisão, aguardando o «GG» o julgamento pelos referidos factos e por ... factos idênticos apurados mais tarde). Nessas circunstâncias a AT formou a convicção de que, em geral, as faturas emitidas por aqueles arguidos não correspondem a operações comerciais reais.
Da ação inspetiva levada a cabo à sociedade agora impugnante, após análise dos respetivos meios financeiros usados para cumprimento das inerentes obrigações, a AT concluiu que eram sempre usados cheques (exceto num caso excecional, em que alegadamente terá sido usado numerário) e que os mesmos eram sistematicamente levantados ao balcão e o seu valor transformado de imediato em numerário, impossibilitando o rastreamento do destino dado a tais pagamentos, situação que a AT considerou ser absolutamente compatível com o costume conhecido nos esquemas de faturação falsa e que visa permitir o “retorno” do dinheiro para o património do utilizador da fatura falsa ou para o património dos representantes da sociedade utilizadora, conforme os casos, ou para os familiares próximos (cônjuge, filhos), daqueles beneficiários.
A sociedade impugnante, representada nesse ato pela respetiva TOC, que é neta dos sócios-gerentes e participante da estrutura decisória dessa empresa, conforme depoimento da própria tomado na qualidade de “testemunha”, recusou exibir os extratos bancários da conta titulada por si (pela sociedade impugnante), considerando a AT que isso impossibilitou o confronto dos movimentos a crédito e a débito com os meios de pagamento emitidos dessa conta e com os depósitos em numerário e transferências bancárias efetuados para essa conta, aferindo se os mesmos correspondem ou não a eventuais “retornos” de pagamentos de faturas falsas. Resulta do depoimento da segunda testemunha, inspetor tributário e autor do relatório de inspeção, que é habitual, em casos de faturação falsa, o “retorno” não ser feito para a conta bancária da própria sociedade emissora dos cheques simulatórios do pagamento, mas para o património dos sócios, gerentes ou seus familiares próximos, facto que também é do conhecimento e senso comum.
No caso, com a petição inicial (p.i.) da presente impugnação foram juntas as cópias de extratos bancários de conta titulada pela sociedade impugnante (doc. 1 a 17, de fls. 28 a 60 do processo físico) e neles constam inúmeros movimentos a crédito (entradas de dinheiro) e a débito (saídas de dinheiro). Muitos dos débitos referem-se a cheques emitidos pela impugnante e muitos dos créditos referem-se a “depósito normal”, verificando-se que muitas vezes tais depósitos ocorrem pouco tempo (poucos dias) depois da emissão dos cheques. A segunda testemunha inquirida, inspetor tributário, tendo sido confrontado com os extratos bancários juntos em fase de impugnação judicial, afirmou que se tais documentos lhe tivessem sido exibidos durante a ação inspetiva teria de pedir a exibição dos talões correspondentes aos depósitos das quantias creditadas e a justificação dos mesmos, a fim de aferir se essas entradas de dinheiro têm ou não alguma relação com o “retorno” do valor dos cheques emitidos aos sujeitos sob suspeita, concluindo que os elementos contidos nos referidos extratos, não só não permitem concluir pela inexistência de “retorno” como suscitam novas diligências de prova a efetuar. A mesma testemunha afirmou que ficou provado nos referidos processos criminais que ocorreu retorno de pagamento de faturas falsas emitidas pelos arguidos, embora não se recorde concretamente se essa prova também inclui casos de faturas emitidas à agora impugnante. Nos presentes autos também se verificou que, pelo menos nos casos dos meios de pagamento associados à fatura nº 528, de 31/5/2006, emitida pela [SCom02...]., ocorreu o depósito em conta da filha dos gerentes e trabalhadora da sociedade impugnante, «SSS», e do próprio sócio-Gerente, «TTT», conforme pág. 75 do Relatório e respetivo anexo 7, de fls. 42 e 315 a 323 do PA.
Além disso, a impugnante não possui comprovativos das pesagens das aquisições descritas nas faturas reputadas como falsas, facto que a AT valoriza no sentido de se harmonizar com as práticas fraudulentas, designadamente em casos de faturação falsa, em que não existe fluxo de mercadoria, os emitentes não têm compras reais e não possuem estrutura empresarial material nem adequada estrutura financeira para suportar os inerentes custos, incluindo dispendiosas balanças para viaturas carregadas de metais.
A impugnante também não possui mails ou notas de encomenda, contratos, guias de transporte, registos de entrada e de saída em armazém (onde necessariamente haveria separação, limpeza e seleção dos vários tipos de metais) nem possui quaisquer outros documentos comprovativos dos fluxos físico das mercadorias em causa (para além das faturas e cheques).
Do conjunto da materialidade apurada resulta a convicção de existem fundadas suspeitas de que os identificados emitentes das faturas reputadas como falsas, já indiciados e condenados pelo crime de faturação falsas, não possuem estrutura empresarial, incluindo nos aspetos humano, material e financeiro, adequada ao volume de faturação emitida nos anos 2005, 2006 e 2007 e que não ficou provada a existência de fluxos físicos de mercadoria correspondentes às operações comerciais descritas na faturação agora sob análise nos presentes autos (no sentido dos emitentes das faturas para a sociedade utilizadora e agora impugnante), tal como não ficou provada a existência real dos correspondentes fluxos financeiros em sentido contrário (do utilizador das faturas para os seus emitentes).
Notificada para identificar os verdadeiros fornecedores das mercadorias adquiridas para venda, a agora impugnante não reconheceu a falsificação das faturas e não forneceu a informação solicitada pela AT.».

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Das nulidades da sentença
3.2.1.1. Por falta de fundamentação
Sustenta a Recorrente que a sentença não se encontra devida e corretamente fundamentada, incorrendo em nulidade, nos termos dos artigos 125, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 607º, nº 4, do Código de Processo Civil. A seu ver, a sentença revela-se deficiente, ambígua e obscura, inviabilizando qualquer juízo inteligível sobre o seu conteúdo, por a Recorrente não conseguir descortinar que matéria de facto foi dada como provada, bem como o seu cabal exame crítico, adequado a fundamentar a improcedência da impugnação. Cita jurisprudência que afirma a necessidade de o juiz declarar quais os factos que julga provados e não provados, relevantes para a decisão, analisando criticamente as provas.
Mas, no fundo, a sua crítica cinge-se à transcrição do Relatório da Inspeção Tributária, que consta do ponto 9 dos factos provados, o que reputa de prática censurável.
Sucede que, contrariamente à Recorrente e à jurisprudência que cita, entendemos ser pertinente a transcrição do Relatório da Inspeção Tributária de molde a permitir conhecer motivação da AT, bem como a apreender o seu iter congnoscitivo, percebendo quais os factos que apurou, como a eles chegou e quais as conclusões que deles extraiu.
Saber se os factos foram legalmente apurados, isto é, se a prova foi legalmente obtida, se correspondem à realidade ontológica, se são relevantes para as conclusões a extrair e, bem assim, se permitem as conclusões extraídas, são já operações a realizar em sede de apreciação crítica da prova e de subsunção dos factos ao direito aplicável.
Bem andou, pois, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo ao verter para o probatório o teor dos excertos do Relatório da Inspeção Tributária que reputou relevantes, não enfermando, pois, a sentença de qualquer nulidade, ou erro, nesta parte.
Sem embargo, sempre diremos que a falta de motivação ou fundamentação da decisão judicial se verifica quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão.
A nulidade decorre, portanto, da violação do dever de motivação ou fundamentação de decisões judiciais (artigo 208º, nº 1 da CRP e 154º, nº 1 do CPC).
A exigência de motivação da decisão destina-se a permitir que o juiz convença terceiros da correção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz deve passar de convencido a convincente.
Compreende-se facilmente este dever de fundamentação, pois que os fundamentos da decisão constituem um momento essencial não só para a sua interpretação – mas também para o seu controlo pelas partes da ação e pelos tribunais de recurso. Numa palavra: a exigência de fundamentação decorre da necessidade de controlar a coerência interna e a correção externa da decisão.
No entanto, quanto a este ponto, há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação – da motivação deficiente, medíocre ou errada.
O dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (154 nº 1 do CPC).
Tem-se, porém, entendido que o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente: afeta o valor doutrinal e persuasivo da decisão – mas não produz nulidade. Portanto, só a ausência total de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão: se a decisão invocar algum fundamento de facto ou de direito – ainda que exasperadamente errado - está afastada a nulidade, no tocante à justificação fáctica e jurídica da decisão. Assim, pelo que respeita aos fundamentos de direito, não é forçoso que o juiz cite os textos da lei que abonam o seu julgado: basta que aponte a doutrina legal ou os princípios jurídicos em que se baseou.
Com efeito o tribunal não está vinculado a analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as considerações, todas as razões jurídicas produzidas pelas partes, desde que não deixe de apreciar e resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas, claro, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Por isso, é nula a decisão que deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ou seja, quando se verifique uma omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1 d), 1ª parte, do CPC) (v. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra, 1984, pág. 140, Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra, 2001, pág. 703, e Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, ..., Lex, 1997, págs. 221 e 222).
Como refere Lebre de Freitas, “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação” (In CPC, Anotado, pg. 297).
No mesmo sentido, diz o Conselheiro Rodrigues Bastos, que “a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afecta o valor legal da sentença” (in "Notas ao Código de Processo Civil", III, 194).
Deste modo, face à doutrina exposta, se conclui que a nulidade da sentença não se verifica quando tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final – cfr. neste preciso sentido, o acórdão do STA de 28-10-2020, proferido no processo nº 0365/18.8BEVIS, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/07a22bd1e23a655f802586150056c2f0?OpenDocument&ExpandSection=1 que, com a devida vénia, aqui seguimos de perto, por inteiramente concordarmos com a jurisprudência que dele dimana.
Verificando-se que, na situação sub judice, a sentença recorrida não enferma de total ausência de fundamentação fáctica ou jurídica, inexoravelmente, temos de concluir que não enferma de nulidade por falta de fundamentação.
Improcedem, pois, as conclusões b) a k) das alegações de recurso.
3.2.1.2. Por falta de apreciação crítica da prova
O artigo 123º, nº 2, do CPPT estabelece que «o juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões».
A fundamentação da sentença visa primacialmente impor ao juiz reflexão e apreciação crítica da coerência da decisão, permitir às partes impugnar a decisão com cabal conhecimento das razões que a motivaram e permitir ao tribunal de recurso apreciar a sua correção ou incorreção.
Mas, à semelhança do que sucede com a fundamentação dos atos administrativos, a fundamentação da sentença tem também efeitos exteriores ao processo, assegurando a transparência da atividade jurisdicional.
Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto. Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objetivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental), a finalidade de revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respetivos meios de prova, mas, quando se tratar de meios de prova suscetíveis de avaliação subjetiva (como sucede com a prova testemunhal), será indispensável, para atingir tal objetivo, que seja efetuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros.
No caso que nos ocupa, a motivação da matéria de facto ocupa 5 (cinco) páginas da sentença; ali se analisaram, como é possível perceber pela transcrição supra realizada, os depoimentos prestados, discriminando o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo as concretas razões que o determinaram a desvalorizá-los, no todo ou em parte; indicando de seguida, circunstanciadamente, a convicção que formou, em face da prova carreada para os autos, quanto à materialidade das operações comerciais que a AT reputou de falsas.
Assim sendo, mostra-se realizada a análise crítica da prova, não merecendo a sentença censura nesta parte, improcedendo as conclusões l) e o) das alegações de recurso.
3.2.1.3. Por défice instrutório
Na conclusão d) das suas alegações de recurso, a Recorrente refere que «A sentença em crise viola igualmente o preceituado nos art.s 125º, 1 CPPT e 662º, 1 do CPC pois padece de déficit instrutório».
Ora, o défice instrutório ocorre quando sejam omitidas diligências de prova relevantes para o apuramento da verdade material. Contudo, a Recorrente não concretiza, nem nós conseguimos descortinar, quais as diligências de prova que, sendo relevantes, foram omitidas.
Assim, e sem necessidade de outros considerandos, improcedente também este fundamento do recurso.

3.2.2. Erro de julgamento de facto
3.2.2.1. Por errada valoração da prova testemunhal produzida
Sustenta a Recorrente, na conclusão n) das suas alegações de recurso, que foi «deficientemente valorado o depoimento da testemunha destituídos da sua efectiva razão de ciência, sendo omitidos factos essenciais ao julgamento—o que conduziu a uma análise, manifestamente, precária, parcial e facciosa da prova testemunhal dos autos».
Contudo, esta questão não está suficientemente concretizada, por um lado, porque não especifica os factos essenciais que, a seu ver, foram omitidos e, por outro lado, também não identifica os factos que foram erradamente julgados como provados ou não provados.
No que respeita à credibilidade creditada à testemunha pelo Tribunal, também não é identificada qualquer passagem do seu depoimento que nos permita extrair conclusão diferente da alcançada em 1ª instância e valorá-lo nos termos pretendidos pelo Recorrente.
Sem embargo, acompanhamos aqui o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14.03.2023, proferido no processo 593/21.9 PCSTB.E1, disponível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/b0b4571de6eb403b8025897c0054ece4?OpenDocument, em cuja sumário se pode ler:
«O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode subverter ou aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade. A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não pode servir para subverter o princípio da livre apreciação da prova que está deferido ao tribunal da primeira instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.
Daí que o recurso da decisão da primeira instância em matéria de facto não sirva para suprir ou substituir o juízo que aquele tribunal formulou, apoiado na imediação, sobre a maior ou menor credibilidade ou fiabilidade de declarantes e testemunhas. O que a imediação dá, nunca poderá ser suprimido pelo tribunal da segunda instância. Este não é chamado a fazer um novo julgamento - como parece entender o recorrente - mas a remediar erros que não têm a ver com o juízo de maior ou menor credibilidade ou fiabilidade dos intervenientes no julgamento. Esses erros ocorrerão quando, por exemplo, o tribunal pura e simplesmente ignora determinado meio de prova (não apenas quando não o valoriza por falta de credibilidade), ou considera provados factos com base em depoimentos de testemunhas que nem sequer aludem aos mesmos, ou afirmam o contrário.
(…)».
Improcede, portanto, o recurso também nesta parte.

3.2.2.2. Por errada valoração da prova produzida pela AT
Nas conclusões u) e v), sustenta a Recorrente que a AT que nunca pôs em causa as suas vendas, nem conseguiu reunir os requisitos de prova indiciária necessários à afirmação do carácter fictício das operações declaradas nas faturas.
O Tribunal a quo entendeu diferentemente, assente no seguinte discurso fundamentador:
«Resulta dos factos provados que, nos exercícios de 2005 e 2006, a impugnante deduziu IVA com base em faturas, que contabilizou, emitidas por «EE», «GG», [SCom02...] Unipessoal, Lda. e «FF», sujeitos que se encontram indiciados como emitentes de faturação falsa, designadamente no âmbito dos processos de inquérito nº ...3/06.6JAPRT e ..7/06.9JAPRT, abertos no âmbito do combate à fraude fiscal no setor das sucatas.
(…).
Note-se, desde já, que a AT não põe em causa que a impugnante exerceu efetivamente a atividade de compra e venda de sucata metálica composta por bidons, nem discute se a mesma tem ou não capacidade empresarial para tal atividade. A AT apenas discute a aderência da realidade da vida à faturação emitida pelos ditos sujeitos e, em concreto, às faturas agora sob análise.
A AT analisou os equipamentos disponíveis para concluir fundadamente que a impugnante não presta serviços nem transforma a sucata que adquire, dado que apenas possui 3 viaturas para transporte e 6 (em 2005) ou 5 (em 2006) trabalhadores ao serviço da sua produção; e analisou as instalações, concluindo que não possui espaço adequado e devidamente licenciado para o exercício para a atividade de armazenagem e tratamento de sucatas metálicas, apenas para demonstrar que, apesar da referência à “transformação” que consta do objeto social, a atividade efetivamente exercida é a de comércio de sucata, sem transformação. Todavia, tudo esse esforço se mostra irrelevante porque a própria impugnante confirma, no artigo 42º, al. a), parte final, da p.i., que «a [SCom01...]” tem como actividade a compra e venda de sucata, não a sua transformação».
Em suma, a questão da falta de estrutura empresarial adequada à faturação coloca-se apenas quanto aos emitentes das faturas reputadas como falsas.
A AT considerou que as faturas em causa são falsas porque os respetivos emitentes não possuem estrutura empresarial adequada à atividade correspondente aos valores faturados nos anos 2005, 2006 e 2007. Ao contrário, a impugnante afirma que, sem querer defender os sujeitos em causa e admitindo que eventualmente poderão ter emitido faturas falsas, tais sujeitos tinham, à data das faturas em causa nos presentes autos, estruturas empresariais capazes de fornecer à impugnante os bens descritos nas faturas agora reputadas como falsas (artigo 48º da p.i.).
A) Quanto a «GG» (artigo 49º da p.i.):
A impugnante alega que na parte final da pág. 12 do Relatório de inspeção a AT afirma que aquele sujeito procedeu à entrega das declarações periódicas de IVA, mas não diz se foi cumprida ou não a obrigação de pagamento. Pelo que afirma que se fica sem saber se há algum prejuízo para o Estado [ponto A) do artigo 49º da p.i.].
Essa frase surge no contexto da “identificação, enquadramento fiscal e comportamento declarativo” daquele emitente. Com tal informação a AT pretende apenas dizer que não se trata de um contribuinte absolutamente “não declarante”, e que, portanto, diverge neste aspeto do comportamento mais típico dos emitentes de faturação falsa.
De qualquer maneira, o prejuízo para o Estado resultante da eventual faturação falsa que está sob análise nos presentes autos não é aquele que adviria da eventual falta de pagamento do IVA devido pelo emitente, mas apenas o prejuízo resultante da utilização das faturas falsas pela agora impugnante.
Pelo que a questão se mostra totalmente irrelevante para a boa decisão da questão a decidir.
Em seguida, a Impugnante alega que na parte final de fls. 13 do relatório de inspeção a AT afirma que “a estrutura de custos não tem qualquer compatibilidade com o volume de vendas por falta de registo de determinados custos”, mas que esse facto não significa que não tenham estrutura, dado que há muitos empresários que omitem a contabilização de certos custos para poderem omitir a contabilização de proveitos ou porque recorrem a mão-de-obra clandestina (que também não registam) [ponto B) do artigo 49º da p.i.].
A afirmação a que alude o argumento sob análise encontra no 6º parágrafo de pág. 13 do relatório é a seguinte “Apesar do volume de negócios subjacente à faturação emitida, da análise da estrutura de custos verifica-se não terem qualquer compatibilidade com tal volume de vendas, na medida em que não se encontram registos de quaisquer custos relativos a pessoal, financeiro, amortizações ou rendas; Relativamente a esta incongruência, referem os IT´s: (…)Se a actividade tivesse sido efectivamente exercida, os custos de estrutura inerentes seriam muito superiores aos evidenciados na contabilidade”. Em seguida, a AT continua a explicar as diligências efetuadas com vista a confirmar a estrutura empresarial daquele emitente.
Ou seja, a AT não fundou a sua convicção de que o referido «GG» não possui estrutura empresarial exclusivamente no facto de não ter contabilizado custos que geralmente indiciam existência dessa estrutura, e cuja falta indicia a falta de atividade efetiva, como é caso dos custos com pessoal, rendas de instalações, seguros de riscos inerentes à atividade, etc.
De qualquer modo, a Impugnante nem sequer esboça a tentativa de demonstrar que, no caso concreto, o emitente tinha uma estrutura empresarial que gerou esses custos e que ele optou por omitir o respetivo registo para evitar fazer o registo de proveitos. Limita-se a avançar hipóteses abstratas e não demostradas, sendo certo que a AT fez outras averiguações que vieram a fundar a sua convicção de que não existia a dita estrutura.
Se, como refere a impugnante, a falta de contabilização dos custos da estrutura empresarial não significa que tal estrutura não existe, teremos de concluir, por maioria de razão, que a falta dessa contabilização não demonstra que existe alguma estrutura empresarial.
Na verdade, a contabilidade das empresas é o meio de prova, por excelência, das operações comerciais, ativas e passivas, realizadas pelos comerciantes (cfr. artigos 44º do Código Comercial e 75º, nº 1, da LGT). Por isso, as leis comerciais e fiscais impõem a obrigação de os comerciantes organizarem e manterem em arquivo uma contabilidade fiável, que registe “todas” as operações ativas e passivas, de forma que permita que as autoridades competentes façam, em qualquer altura, o controlo e fiscalização dos factos registados (POC ou SNC e artigos 18º, nº 2º, 34º e 62º e ss. do C. Comercial, 242º a 249º da Diretiva 2006/112/CE, de 28/11/2006, 17º, nº 3, e (115º) 123º do CIRC, 29º, nº 1, al. g) e 44º, nº 1 do CIVA, etc.).
Se a contabilidade não estiver organizada nos termos da lei, a mesma perde o seu valor probatório e passa a competir aos comerciantes fazer a prova dos factos que invocar (artigos 75º, nº 2, e 74º, nº 1, da LGT).
O que significa que, se a contabilidade não regista custos, todos devemos começar por acreditar que é verdade que tais custos não existem. Se a agora impugnante quer fazer valer a alegação acerca da existência da estrutura empresarial do emitente e dos inerentes custos, deve começar por alegar e provar os factos que fundam essa pretensão (artigo 74º, nº 1, da LGT).
A impugnante prossegue alegando que a conclusão de pág. 21 do Relatório “não é inteiramente verdadeira” na parte em que afirma que os “factos e averiguações escritas neste ponto comprovam, não só a completa inexistência de qualquer estrutura empresarial, como também a clara intenção de a dissimular”, sendo negrito da autoria da impugnante [ponto C) do artigo 49º da p.i.].
De facto, a afirmação em causa parece algo incoerente: se está provada a completa inexistência de qualquer estrutura empresarial não se vê necessidade de uma clara intenção de dissimular uma estrutura inexistente. Portanto, parece óbvio que não era bem isso que se pretendia dizer. Pelo que, para se perceber, impõe-se a leitura contextualizada da afirmação.
A AT descreve, de pág. 14 a 21 do Relatório as diligências efetuadas para apuramento da estrutura empresarial. O referido emitente começou por informar a AT que possuiu estaleiro em ..., ..., junto à EN nº ..., e que a partir de 2007 também passou a utilizar um armazém arrendado e situado na Zona Industrial ..., .... A AT visitou os locais e verificou que o referido “estaleiro” é, na realidade, um terreno vedado com simples rede, que apresenta aspeto de abandono e sem condições para armazenais de sucata de metal, alguma com valor muito elevado como é o caso do cobre, latão (liga metálica que inclui cobre), alumínio ou inox, que esse emitente dizia transacionar, sendo certo que, além disso, apenas 25% desse terreno estaria disponível para aquela atividade na medida em que a parte restante estava a ser usada por um stand de automóveis ([SCom03...]) que aparentemente também se encontrava inativo. Além disso, a TA verificou que se trata de uma parcela de terreno com entrada difícil para as viaturas de transporte de sucata e que nele apenas havia algum equipamento (um contentor enferrujado, uma roulotte, uma balança e um empilhador) com aspeto abandonado e obsoleto. Ali não havia sucata do tipo mencionado nas faturas agora sob análise (embora a AT reconheça que o terreno poderia servir de “depósito de alguma sucata ferrosa de pequeno valor”) e não havia qualquer armazém ou espaço coberto. A responsável pelo café vizinho informou a AT que já não via qualquer movimento naquele terreno havia já alguns meses e que nunca viu qualquer movimentação de cargas de sucata.
Contactando pessoas relacionadas com o proprietário do imóvel a AT apurou que o titular contrato de arrendamento, como inquilino, é «MM», desde 1/3/2005, pai do referido «GG», sendo este o proprietário do [SCom03...], e que a parte restante do terreno nunca teve utilização para qualquer fim e que nunca ali viu qualquer movimento relacionado com sucata.
A AT apurou que o referido «MM» também é empresário, do ramo das sucatas.
A AT também verificou o armazém da Zona Industrial ..., no lugar de ..., com área coberta de 741 m2 e descoberta de 764 m2 , arrendado desde 1/1/2007 e confirmou, junto do proprietário, que o referido «GG» tem pagado as rendas e, apesar de poucas vezes ter visitado o local após o arrendamento, apenas lá viu um pequeno contentor com sucata. Nos armazéns mais próximos a AT obteve a informação de que raramente se via ali alguma movimentação, geralmente fora do horário normal de trabalho.
Quanto aos trabalhadores, a AT apurou que na contabilidade não estão registados quaisquer ordenados, apesar do sujeito em causa ter declarado que trabalha com o seu irmão e que recorre a outras pessoas para trabalhos excecionais, sendo certo que o irmão do «GG» também não declarou rendimentos desse trabalho em 2005 e 2006 e que na Segurança Social foi confirmado que não existe registo de trabalhadores aos serviço da empresa de «GG», estando este qualificado como “trabalhador independente” desde 15/3/2005, com isenção até 1/3/2006.
Quanto aos equipamentos e viaturas, a AT verificou que em 2005 o sujeito possuía uma viatura ligeira de mercadorias (matrícula ..-..-CJ) e que em 2006 adquiriu duas viaturas pesadas de mercadorias (matrículas SA-..-.. e ..-DA-..), mas não contabilizou quaisquer amortizações. Na compra da última das viaturas acima referidas vinha incluído um sistema de GPS, tendo o preço total sido registado na contabilidade em 2006, não havendo contabilização das duas primeiras. A AT verificou ainda a contabilização de um empilhador, de marca Toyota Sduni, adquirido em 2006, que certamente é o que se encontra com ar de abandono no terreno de ....
A AT verificou que a empresa não usa qualquer conta bancária, tendo o sujeito confirmado que não usa nenhuma conta bancária na sua atividade, tendo o mesmo declarado que por vezes usa contas pessoais para pagamentos de despesas profissionais.
Para além de reduzidíssimos custos com material de escritório, comunicações, reparação e manutenção de viaturas, ferramentas e utensílios, a AT também verificou a existência de pagamentos de custos com transporte, bem como, principalmente, despesas com combustíveis, sendo certo que os custos de transporte foram postos em causa por os supostos prestadores de serviços serem conhecidos por darem suporte documental falso a emitentes de faturas falsas.
Porém, contraditoriamente, a AT constatou que não estão contabilizados custos com seguros, portagens, eletricidade, mudanças de óleo das viaturas.
A AT também verificou incongruência entre a suposta utilização das viaturas aquando das vendas efetuadas e os custos com combustível contabilizados.
É nesse contexto que a AT afirma que “Conclui-se que o nível e a repartição dos custos relativos a Fornecimentos e Serviços Externos (FSE´s) evidencia uma estrutura e uma organização rudimentar e de dimensão completamente desajustada dos valores das compras e das vendas declaradas” e, de imediato, apresenta as “Conclusões sobre a estritura empresarial: Os factos e averiguações descritas neste ponto comprovam, não só a completa inexistência de qualquer estrutura empresarial, como também a clara intenção de a dissimular” (sublinhado nosso).
É manifesto que a AT admite que existe alguma estrutura e organização, embora de dimensão completamente desajustada dos valores declarados e que o sujeito se esforça por dissimular.
Na verdade, continuando a sua exposição, a AT declara que verificou no cadastro dos respetivos contribuintes que dos 77 sujeitos que aparecem como “fornecedores”, 11 se encontravam cessados, à data em que as suas faturas foram emitidas para «GG» e 3 nem sequer estão registados fiscalmente para o exercício de qualquer atividade e apenas 2 declararam no anexo O (recapitulativo dos clientes) da Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal que efetuaram transações comerciais para o «GG», e dessas apenas uma ([SCom08...], Lda.) terá vendido sucata metálica porque a outra ([SCom09...], Lda.) apenas terá prestado (supostamente) serviços de transportes.
Em contradição com as declarações do próprio «GG», que disse não se recordar dos nomes do fornecedores nos anos 2005 a 2007, mas que os mesmo são sucateiros e empresas produtoras de resíduos (metálicos) que o contactavam e iam depositar a sucata nos seus estaleiros ou, em algumas vezes, transferiam a sucata na estrada das viaturas dos fornecedores para as viaturas do dito «GG», a AT verificou que a maioria dos supostos fornecedores que constam da contabilidade não têm atividades geradoras de sucatas que constituem o objeto da atividade do «GG», dado que são cabeleireiros, transportadores rodoviários, construção civil, trabalhos de carpintaria, revestimentos de pavimentos, fabricantes de passamanarias, comércio de automóveis, restaurantes, confeções de vestuários, comercio a retalho de carnes. O único sucateiro é a “[SCom08...], Lda.”, cujo volume representa 1% das compras totais.
Além disso, a AT notificou a quase totalidade desses 77 clientes e apurou que as faturas que utilizam são diferentes (têm “layout” diferente) daquelas que se encontram na contabilidade do «GG», não são da mesma série, que em alguns casos os elementos identificativos (moradas, nº de registo, número de telefone) não correspondem aos verdadeiros, tendo sido inventados (não existem na realidade) ou referem-se a outras empresas e mesmo a Câmaras Municipais e outras entidades públicas; que esses supostos fornecedores afirmaram não ter vendido nada ao dito «GG» e que nem o conheciam.
A AT não conseguiu ter acesso a qualquer documento comprovativo do pagamento das faturas que documentam essas supostas compras, havendo registo na conta Caixa, significando que terão sido efetuadas de imediato e em numerário, conforme declarado pelo próprio «GG».
A AT também verificou a suposta aquisição de serviços de transportes de mercadorias e concluiu que a generalidade das matrículas indicadas nos documentos é falsa, dado não estarem atribuídas essas matrículas ou pertencerem a sujeitos que não estiveram envolvidos de qualquer maneira nesses negócios, referindo-se algumas a veículos ligeiros de passageiros. Acresce que foram encontradas incoerências nas quantidades supostamente transacionadas e nos quilómetros percorridos pelos veículos do «GG» para fazer as entregas referidas nos documentos por comparação com os quilómetros registados nas inspeções periódicas (que indicam que os veículos não foram utilizados nos transportes referidos nos documentos comerciais e, portanto, que estes são falsos). Quanto aos transportes supostamente subcontratados (a [SCom09...], Lda. ou outros) a AT verificou a existência da utilização das mesmas viaturas em outros transportes no mesmo dia e na mesma hora para outros clientes (indicando que os documentos são falsos).
De tudo isso a AT concluiu que “o nível das compras reais é muito reduzido, representando apenas uma pequena parte dos valores declarados”, sendo “humanamente impossível o Sr. «GG» fazer sozinho todo o trabalho de expediente administrativo e financeiro que envolveria a atividade que foi contabilizada e declarada” e que “num universo de compras declaradas no valor de mais de 15 milhões de euros em 2 anos (mais de 13 milhões só num ano), todos os fornecedores contactados refiram que não conhecem o Sr. «GG», nem tiveram quaisquer relações comerciais com ele” (pág. 24 do Relatório) e, uma vez que a parte principal das compras é falsa, “também as vendas terão de ser falsas, exatamente na mesma proporção” (pág. 25 do Relatório).
Ou seja: o que a AT pretendeu dizer é que a estrutura empresarial e a atividade real da empresa de «GG», são residuais (cerca de 1%) e manifestamente incompatível com o nível de atividade contabilizado e declarado, estando comprovado que a maioria dos custos com compras (e não só) são fictícios; pelo que, na mesma proporção, a vendas faturadas também serão fictícias (em cerca de 99%).
A Impugnante alega que na pág. 22 do Relatório consta a afirmação de que a AT notificou a quase totalidade dos clientes e apurou que as faturas que utilizam são diferentes (têm “layout” diferente) daquelas que se encontram na contabilidade do «GG», concluindo que, portanto, não são da mesma série, mas a AT não junta prova disso, não identifica esses fornecedores, nem as faturas, não junta os depoimentos assinados por esses sujeitos afirmando que não o conhecem [ponto D do artigo 49º da p.i.].
Essa afirmação já constava do projeto de Relatório e não consta dos autos que a Impugnante tivesse solicitado nessa altura ou aquando da notificação do Relatório final a emissão de certidão contendo cópia dos elementos considerados em falta, nos termos do artigo 37º do CPPT, pelo que se deve considerar que a impugnante se conformou com a notificação prestada nas respetivas notificações.
Além disso, as informações oficiais prestadas pela AT, incluindo as que constam do Relatório de inspeção gozam de fé-pública que lhes atribui valor probatório suficiente, de acordo com o disposto nos artigos 59º, nº 2, e 76º, nº 1, da LGT, sem prejuízo da possibilidade de ilisão a cargo da parte interessada (artigos 74º, nº 1, da LGT e 346º do CC), ficando a valoração das provas a cargo do prudente juízo do juiz.
Para a valoração dos factos essenciais para a decisão importa particularmente atentar no facto de o dito emitente, «GG», praticamente não ter estrutura empresarial, dado que as suas instalações e equipamentos não têm qualquer uso percetível, praticamente não dispor de meios humanos e não ser credível que os sujeitos que constam na sua contabilidade como sendo seus fornecedores de sucata lhe tenham vendido realmente sucata no valor de 15 milhões de euros em apenas 2 anos (ou 13 milhões num só ano), até porque esse emitente reconhecidamente nem sequer usa meios bancários para as suas transações (e não se crê, porque isso seria absolutamente extraordinário, que tivesse capacidade financeira real para movimentar tal soma em numerário). Além disso, todos os factos relatados pela AT apontam no mesmo sentido, reforçando a ideia de que a tese dessa entidade pública é aquela que se mostra mais coerente com a realidade da vida.
A Impugnante alega que os pagamentos em dinheiro neste tipo de atividade são perfeitamente normais, e muitas vezes são efetuados sem qualquer documento de venda, dado que se trata de recolha de sucata em diversos lugares e a pessoas ou empresas que vão acumulando resíduos, para entrega a um pequeno comerciante de sucata, que por sua vez vende já em maior escala a outro comerciante de maior dimensão [ponto E) do artigo 49º da p.i.].
De facto, sabe-se que neste setor de atividade é comum a existência de pequenos operadores, alguns não legalizados para o exercício dessa atividade, que será de mera sobrevivência, que se dedicam a procurar (“catar”) pequeníssimas quantidades de metais (são designados “catadores”) que vendem a comerciantes de sucata, geralmente sem documentos de venda. Também se compreende que os pagamentos a esses catadores sejam feitos, geralmente, em numerário (dado que esses sujeitos são quase sempre pessoas sem grandes recursos).
Porém, esse segmento da atividade, parcial ou totalmente “informal”, terá necessariamente um impacto residual no total no volume de negócios do setor (em abstrato), sendo a esmagadora maioria dos negócios resultante dos resíduos industriais, especialmente de média e grande dimensão.
No caso concreto, não é credível que a relevância dos catadores pudesse ser muito grande num volume de compras de 13 milhões de euros num só ano.
Acresce que o facto, dado como assente, por ser publico e notório, não carecido de prova, que no setor da sucata existe uma faixa de trabalhadores informais que se dedicam a “catar” pequenas quantidades de resíduos, cuja aquisição pelos comerciantes é paga geralmente em numerário, não implica que se aceite a afirmação de que tais compras são feitas necessariamente sem qualquer documento de suporte.
Na verdade, perante tal situação, é obrigação do comerciante solicitar ou elaborar um documento, preferencialmente subscrito pelo “catador”, onde conste a identificação desse vendedor, a data da operação, a descrição dos materiais transacionados, quantidades e preços unitários (discriminando os tipos de metais, conforme os casos) e total e fazendo todas as outras indicações considerados necessários à completa identificação dessa operação, incluído, a indicação do meio de pagamento, se possível (cfr. artigos 19º, nº 5, e 35º, nº 11, do CIVA).
Isso serve para dar cumprimento, na medida do possível, ao disposto nos artigos 32º do CIRS, 17º, nº 3, e 115º, nº 1 e 3, do CIRC e 28º, nº 1, al. g), e 44º do CIVA.
A falta dessa providência é manifestamente violadora da lei, pelo que não pode ser qualificada como “normal”, mas, antes, como “inaceitável”. Por isso, as consequências adversas eventualmente resultantes dessa infração devem repercutir-se na esfera jurídica dos infratores ("sibi imputat"), e não na esfera jurídica do Estado. Acresce que, só por si, o facto de existirem “catadores”, pagos em numerário, não prova nada no caso concreto. Até por nada vem alegado em concreto quanto a “catadores”.
A Impugnante alega que ainda na pág. 23 do relatório são feitas outras afirmações sem qualquer espécie de prova, relativas às viaturas automóveis e suas matrículas [ponto F) do artigo 49º da p.i.].
Vale nesta parte tudo o que acima se disse quanto à notificação insuficiente (artigo 37º do CPPT) e ao valor probatório das informações oficiais, designadamente as constantes no Relatório de inspeção, bem como à possibilidade de ilisão. Se a impugnante não solicitou esses documentos e se conformou com as notificações, “sibi imputat”.
Além disso, se fosse verdadeira a existência real de relações comerciais entre a impugnante e o emitente das faturas em causa, «GG», seria muito fácil para a impugnante obter informações acerca dos factos relatados pela AT e obter comprovativos de factos que contradissessem ou suscitassem dúvida fundada sobre o rigor das afirmações que constam na informação oficial. Até porque moram relativamente próximos e pertencem ao mesmo setor de atividade, no qual, segundo a primeira testemunha, são todos amigos (embora sempre com desconfianças mútuas).
Para a valoração dos factos essenciais para a decisão importa particularmente atentar no facto de o dito emitente, «GG», praticamente não ter qualquer atividade comprovada (que será apenas de cerca de 1% do valor contabilizado e faturado). Os factos relativos às viaturas servem apenas para reforçar a convicção acerca da inexistência dos fluxos de mercadorias que se encontra descritos nas faturas emitidas pelos supostos fornecedores desse suposto fornecedor da impugnante, sendo certo que tal convicção assenta em muitos outros elementos, como sejam a inexistência de sinais de atividade efetiva no estaleiro e no armazém, no estado de abandono do escasso equipamento, escasso quadro de pessoal (apenas o próprio emitente das faturas) e quase inexistente estrutura financeira (com inexistência de conta bancária, de contas de Bancos, impossibilidade prática de efetuar grandes pagamentos), tudo em gritante contradição com volumes desproporcionados de compras e vendas contabilizadas e declaradas, sem que existam sinais claros dos correspondentes fluxos físico de mercadorias e de meios financeiros, em sentidos contrários.
A impugnante alega que, uma vez que se admite que «GG» fez compras reais, então tem de se admitir que também fez vendas reais. E pergunta: por que razão não poderão ter sido feitas à agora impugnante? [ponto G) do artigo 49º da p.i.].
De acordo com a tese da AT, apenas se poderia admitir como reais as compras efetuadas a [SCom08...], Lda., que correspondem a cerca de 1% do total, pelo que apenas se poderiam admitir vendas reais de cerca de 1% do total (pág. 22 do Relatório, a fls. 15vº do PA).
Devolvendo a pergunta da impugnante, se apenas 1% das vendas faturadas por aquele sujeito poderão ser consideradas reais por que razão seria de admitir que todas as faturas emitidas à agora impugnante correspondem a operações comerciais reais? A suspeita de falsidade abrange todas as faturas desse emitente, cabendo aos interessados o ónus de demonstrar quais são as concretas vendas que correspondem às mercadorias efetivamente compradas. Numa situação como a dos autos, compete ao utilizador das faturas fundadamente reputadas como falsas o ónus de provar o direito à dedução dos correspondentes custos fiscais e do IVA mencionado nesses documentos. Não cumprindo esse ónus, a situação resolve-se contra a parte onerada.
Nesse caso, o valor exato das faturas reputadas falsas, apurado diretamente com base nos registos da contabilidade do sujeito passivo utilizador, deverá ser corrigido por métodos diretos de avaliação (artigos 81, 83º, 85º e 87º da LGT). E foi exatamente isso que a AT fez.
Por outro lado, a impugnante defende que ficou demonstrado que esse emitente dispunha de uma boa área de armazenamento, que lhe permitia exercer a atividade, sendo certo que são muitos os casos em que os bens não chegam a ser armazenados e são descarregados diretamente nos clientes do adquirente.
No entanto, a AT também demonstrou, e a impugnante não refutou adequadamente, que essa área não era praticamente utilizada, encontrando-se ao abandono e sem quaisquer sinais de uso, designadamente não havendo movimento visível de pessoas e mercadorias, tendo a AT obtido informações de diversas pessoas, incluindo dos senhorios e vizinhos, que disseram saber que não existe movimentação de sucatas nesses locais; realidade que também é confirmada pelo facto de praticamente inexistir equipamento de carga e descarga e meios humanos e financeiros. Perante isso, cabe aos interessados a alegação e comprovação de factos que demonstrem a existência de efetivos fluxos físicos de mercadorias, que as mesmas iam diretamente daquele emitente para o cliente final sem passar, ou passando sem ser descarregado, nas instalações de «GG» e que existiram efetivos fluxos financeiros em sentido contrário, do comprador para o vendedor.
A Impugnante considera irrelevante o facto de não existirem, na contabilidade de «GG», quaisquer devoluções de compras ou de vendas, descontos de perdas, correções de preços por falta de qualidade ou quaisquer reclamações, normais em qualquer atividade, porque o comércio não é uma atividade como as outras, não se equipara ao comércio de calçado ou vestuário, automóveis ou outros bens de uso direto, dado que na sucata o que é adquirido não é devolvido, não existem defeitos nem existem saldos.
Ora, é comumente sabido que isso não é inteiramente verdade. É manifesto que a sucata não é uma realidade homogénea e os comerciantes não são todos completamente honestos (como sucede, aliás, em todos os campos da atividade humana).
Neste caso estamos a tratar apenas de sucata “metálica”, deixando de lado outros tipos de sucata.
No conceito de sucata metálica incluem-se resíduos de diversos metais e diversas ligas, que se apresentam sob formas diversas, designadamente em limalhas ou em peças grandes, incluídas num complexo relativamente amplo, como um motor de automóvel, uma viatura completa ou mesmo um navio. Também se sabe que o cobre e o latão, por exemplo têm grande valor e muita procura (havendo volume preocupante de notícias referentes a crimes de furtos desses metais).
Essas acentuadas diferenças de valor implicam, em regra, a existência de um trabalho de seleção dos diversos tipos de metais, sua limpeza e separação em lotes de bens com qualidade e valor homogéneo, cujo controlo é relativamente apertado desde o armazenamento, carregamento, pesagem, transporte e entrega ao cliente, conforme confirmado pelo depoimento da segunda testemunha.
Porém, sucede com relativa frequência que esse trabalho de seleção não é corretamente efetuado, alguma vezes com intenção fraudulenta, e os fornecedores tentam vender “gato por lebre”, misturando intencionalmente ou por negligência elementos metálicos de menor valor ou elementos não metálicos sem valor algum, como relatado pela primeira testemunha, que contou o caso de um fornecedor que lhe terá vendido limalha fortemente contaminada com terra. Nessas situações, em que ocorre uma evidente “falta de qualidade” do material, em qualquer setor de atividade é normal e espera-se que o cliente recuse pagar o preço da mercadoria boa pela compra de mercadoria defeituosa e reclame, exija redução do preço ou devolva a mercadoria por quebra do contrato imputável ao fornecedor. A sucata não é exceção, como aliás confirmou a primeira testemunha, que disse que o seu cliente recusou a mercadoria adulterada, e devolveu-lha, e ela, por sua vez, devolveu-a ao seu fornecedor.
Nesse sentido, aceita-se a observação da AT agora sob crítica da impugnante, embora apenas com o significado de pretender reforçar a ideia de que a contabilidade do dito «GG» se mostra, mesmo do ponto de vista formal, algo “anómala” (reconhecendo-se, ainda assim, que a possibilidade de tais ocorrências não determina necessariamente a sua ocorrência efetiva).
A Impugnante alega que a AT não indica a percentagem das compras que considera serem reais e que, por isso, não é lógico o raciocínio segundo o qual, sendo falsas as compras também serão falsas as vendas “na mesma proporção”.
Ora, como já se disse, essa indicação consta na pág. 22 do relatório, onde se refere: “Adquire a sucateiros? Sim, apenas a um, a empresa ¯[SCom08...], Lda.” que representa, em 2006, apenas 1% do valor das suas compras. Adquire a industrias? Quantas? Não se encontrou”.
A impugnante critica o facto de a AT afirmar que estão pendentes processos de inquérito por indícios de crime de emissão e utilização de faturas falsas, sem que exista trânsito em julgado de decisão de condenação. Como resulta do texto citado, de pág. 25 do relatório de inspeção, a AT limita-se a fazer uma mera referência (“Refira-se que”), com intenção informativa. Essa informação só mercearia critica se o seu conteúdo não fosse verdadeiro. O que não é o caso.
Além disso, confirmou-se em inquirição da segunda testemunha que, de acordo com esse depoimento, já transitaram em julgado as condenações dos outros suspeitos de emissão de faturação falsa em causa nos autos. Situação que tende a mostrar-se muito relevante quanto à demonstração da realidade da vida agora também em apreciação nos presentes autos.
B) Quanto a «EE» (artigo 50º da p.i.):
A impugnante alega que os factos de, em 2004, «EE» não ter viaturas próprias de transporte de mercadorias, não ter trabalhadores, não ter carta de condução, recorrera a familiares para o transporte, adquirir a sucata em diversos locais de ..., os recebimentos serem em dinheiro, não serem emitidos documentos de transporte, não permitem afirmar que as vendas que fez à agora impugnante não correspondem à verdade, ou seja, que são falsas [ponto A) do artigo 51º da p.i.].
Como resulta do Relatório de inspeção (pág. 25 a 53 do Relatório, de fls. 17 a 31 do PA) não foi apenas nem essencialmente por isso que a AT qualificou as faturas desse emitente como sendo falsas.
A AT começou por verificar que é um sujeito passivo que altera frequentemente o domicílio fiscal, o que, sendo anormal, não pode ter relevância, só por si, para a qualificação sob análise. Além disso, a AT verificou que, sem que tivesse qualquer experiência no setor da sucata (fora empregado de mesa e empregado fabril), em 21/1/2005 registou-se fiscalmente para o exercício da atividade de comércio por grosso de sucatas metálicas, mas existem faturas emitidas em seu nome desde outubro de 2004, situação que já indicia fortemente uma atuação ilegal, que poderá traduzir a existência de uma atividade à margem da legalidade e/ou, mesmo, a existência de faturação falsa.
Os factos, concatenados, de ter declarado o inicio da atividade em janeiro de 2005 e ter previsto que o seu volume de negócios estimado seria de € 48.870,00 e que as compras estimadas seriam de € 38.990,00, nesses 12 meses, e de a faturação emitida apenas nos três últimos meses de 2004 ter somado € 643.074,00, sem IVA, parecem evidenciar que o sujeito desconhecia esse valor da faturação em seu nome e, portanto, que em 2004 circulavam faturas falsas em nome de «EE».
Essa conclusão é reforçada pelo facto de em 2005 virem a ser emitidas faturas em seu nome no valor de, pelo menos, € 24.257.663,86, sem IVA. É ainda reforçada pelo facto de não haver contabilização de qualquer operação referente a 2004 (a contabilidade estava efetuada por referência ao início fiscal da atividade, isto é, janeiro de 2005). Essa suspeita parece confirmar-se através das declarações prestada em 19/1/2005 por «TT», emitente confesso de faturas falsas, segundo as quais ele mesmo apresentou o seu amigo «EE», que padecia de “carências familiares”, ao «GG» (refere-se a «FF», conforme nota 2 de pág. 30 do Relatório) e que pensa que aquele está a “ser utilizado” por este (pág. 27 do Relatório de inspeção), no sentido de que as faturas em causa estarão a ser emitidas pelo «FF» em nome de «EE», que se terá coletado fiscalmente em 21/1/2005 com o propósito de, em conluio, viabilizar essa operação ilícita.
A AT verificou que a morada indicada nas faturas de 2004, situada em ..., não existe e que na morada indicada nas faturas de 2005 não mora o referido «EE» nem ali foi alguma vez exercida a atividade de sucata. Além disso, a AT visitou o local das instalações identificadas pelo sujeito e verificou que ali não terá sido exercida a atividade indicada e que o mesmo não dispôs de pessoal que permitisse o desenvolvimento da atividade declarada, muito menos nos valores e nas quantidades que a faturação emitida em seu nome quer fazer crer, até porque ele próprio declarou que em 2004 “não tinha qualquer meio de transporte de mercadorias próprio ou qualquer outro tipo de equipamento”, não tem carta de condução de veículos pesados (nem de ligeiros, conforme pág. 33 do Relatório), as suas compras foram efetuadas a um Sr. «TT», que não soube ou não quis identificar melhor (mas que é, certamente, «TT», seu amigo acima referido), que os transportes eram efetuadas pelo seu cunhado em camião sempre emprestado (não indicando quem lhe emprestaria sempre camiões) ou por «CC», que é serralheiro e tio do Sr. «GG» (certamente refere-se a um tio de «FF»), que o amigo «TT» terá feito um transporte, o seu cunhado terá feito uns quinze transportes e que o tio do «GG» («FF») terá feito os restantes, pagando normalmente cerca de € 50,00 mais almoço por cada um desse serviços (pág. 28 do Relatório). Além disso, «EE» declarou que as faturas de venda indicam sempre que o local de carga era sempre em ..., mas que isso pode não corresponder à verdade porque, que fosse assim quer não fosse, indicava sempre que a carga era em ..., não sabendo quais estão certas e quais estão erradas nem sabe quem foram os fornecedores das mercadorias descritas nas faturas de venda, mas que os pagamentos terão sido sempre efetuados em numerário e que não foram emitidas guias de remessa ou de transporte (pág. 29 do Relatório). Mas a AT não se fica por aqui e continua a aprofundar as motivações da sua convicção.
Portanto, o Relatório mostra-se proficiente na indicação das circunstâncias que justificam a qualificação das faturas em causa como sendo falsas, e as mesmas não podem ser reduzidas aos aspetos invocados pela impugnante e agora sob análise. A impugnante acrescenta que as faturas em causa nos autos respeitam a período em que o emitente tinha diversas viaturas pesadas de transporte de mercadorias, máquina de descascar cabo, empilhador, rebarbadora, máquina de lavar, balanças e outros equipamentos, como consta de pág. 29 a 32 do Relatório; pelo que não pode afirmar-se que ele não tinha estrutura empresarial [ponto B) do artigo 50º da p.i.].
De facto, a AT reconhece que na contabilidade o emitente em causa consta o registo de duas viaturas de transporte de mercadorias (JM-..-.. e ..-..-ZB) e que o próprio declarou ser proprietário de uma máquina de descascar cabo, um empilhador, uma rebarbadora, uma máquina de lavar à pressão e um compressor de ar, uma balança até 1.000 kg e outra até 500 kg.
No entanto, a AT verificou que até à compra da segunda viatura (em 27/5/2005) o emitente em causa apenas usou a de marca Bedford e matrícula JM-..-.., com capacidade para transportar 3,5 toneladas, e que todas as cargas desse período excediam o peso de 3,5 toneladas, somando cerca de 6.100,5 toneladas, no valor global de € 9.789.678,55 (com IVA).
As faturas desse emitente constam no anexo 2 do Relatório, de fls. 118 a 191 do PA, sendo visível que os pesos de cada carga variam entre 2,1 toneladas e 18,18 toneladas, na esmagadora maioria dos casos acima das referidas 3,5 toneladas, e chegam a incluir 300 bidons (de 200 litros), o que se afigura ser impossível, tanto em capacidade de transporte de tamanho peso como de tal volume. Ou seja: essas indicações constituem forte indicio de falsidade.
A AT também verificou que a outra viatura, de marca Steyr, de matrícula ..-..-ZB, foi comprada a [SCom02...]. de «FF», suposto “utilizador” do nome de «EE», e que entre 10/3/2005 e 23/11/2005, datas das inspeções automóveis a que foi submetida, a viatura percorreu 2.046 km e no mesmo período foram emitidas faturas em nome de «EE» referentes a mercadoria com peso total de € 8.659,3 toneladas, no valor global de € 15.925.559,92. Além disso, a maior parte das despesas contabilizadas referentes a viaturas automóveis referem-se a veículos ligeiros (Opel, Audi e Honda), apesar de o titular nem sequer possuir licença de condução.
A AT também considerou que outro equipamento registado como imobilizações corpóreas, como sejam berbequim+alicate, rebarbadora, máquina de calcular, esquentador, Cad. Auto, telemóvel, “dificilmente se relacionam com a natureza do exercício de qualquer actividade económica com as características que resulta, do valor e volume resultante dos documentos de venda emitidos”, concluindo que “Tal como já acontecia em 2005, para além da compra de uma viatura quase em estado de "sucata", por 1.000,00 €, apenas se adquiriu bens de uso pessoal, ou que «EE» pôs ao serviço de interesses de outros, já que este não necessitaria de diversos telemóveis, de dois computadores, de um fotocopiador nem sequer do mobiliário de escritório” (pág. 33 do Relatório).
Depois de analisar exaustivamente todos os aspetos da atividade do sujeito em causa, a AT concluiu ter reunido “Indícios que levaram o Inspector tributário a concluir que, no diz respeito aos exercícios de 2005 e 2006, apesar de todo o esforço em montar uma estrutura aparente por parte do SP, existem indícios seguros de que "(...) estamos na presença de facturas falsas, quer a montante quer a jusante, ou seja, são utilizadas e emitidas facturas no sentido de credibilizar transacções comerciais que nunca existiram, uma vez que «EE», neste período, não possuía os meios humanos materiais ou financeiros que lhe permitissem desenvolver a actividade de comércio por grosso de sucatas nos valores por si declarados”.
Relativamente a 2005 e 2006 o referido «EE» declarou ter efetuado compras, nos montantes anuais de cerca de 24 e 27 milhões de euros, respetivamente, sempre sem fatura e a pessoas que não consegue identificar e que possivelmente também estão indiciados de serem emitentes de faturas falsas, tendo a AT verificado, através de inspeções tributárias a alguns dos sujeitos identificados na contabilidade como sendo fornecedores, que em todos os casos as operações descritas nas faturas eram fictícias, porquanto esses sujeitos não possuem capacidade instalada para tal, são elas próprias utilizadoras de faturação falsa e algumas são empresas “não declarantes” (situação típica nos esquemas de faturação falsa) e outras foram constituídas utilizando o nome de sujeitos indigentes com o propósito único de obter vantagens fiscais indevidas resultantes da emissão de faturação falsa (pág. 39 do Relatório). Ou seja, a AT verificou factos que indiciam, com alta probabilidade, que foi o referido «FF» quem forjou a aparência de uma estrutura empresarial material, mas que na verdade essa estrutura nunca funcionou efetivamente ao serviço de «EE», o qual reconheceu que em 2004 não possuía qualquer meio material ou humano para o exercício da atividade, apesar de nesse período terem sido emitidas faturas de valor muitíssimo elevado em seu nome, acabando por reconhecer não saber nada acerca das operações descritas nas faturas desse período.
Portanto, a AT não nega a existência de uma estrutura empresarial aparente, mas afirma que nada mais existe para além dessa aparência. Designadamente, o terreno a céu aberto não tinha condições para o exercício efetivo da atividade e não terá sido efetivamente utilizado.
Assim, dado que é a aparência que está sob crítica, ela nada pode provar sobre si mesma.
Por isso, a prova a ser produzida deveria referir-se à efetiva utilização da estrutura empresarial, que a AT alega fundamentadamente ser meramente aparente por não ter estado ao serviço efetivo de «EE».
A impugnante interroga por que motivo se diz que todas as compras efetuadas por si ao referido emitente em 2005 e 2006 não correspondem a verdadeiras operações económicas, e por que não 75%, 50% ou 25%? [ponto C) do artigo 50º da p.i.].
A AT verificou que o sujeito iniciou fiscalmente a sua atividade em 21/1/2005, sem qualquer experiência da atividade, sem contactos e sem quaisquer meios financeiros conhecidos e sem que ao menos possuísse conta bancária (pág. 52 do relatório) e, apesar disso, em 1/2/2005 já tinha faturado vendas no montante de € 1.166.002,90 (com IVA, que outros poderão deduzir) e antes do início formal da atividade, desde outubro a dezembro de 2004, já emitira faturas no montante global de € 643.074,44, situação que é absolutamente incompatível com a estrutura material conhecida, sendo certo que esta era “de facto” inexistente.
Ou seja: é praticamente impossível que as vendas faturadas desde outubro de 2004 até 1/2/2005 correspondam às operações comerciais descritas nesses documentos. Portanto, existe uma probabilidade altíssima (próxima de 100%) de o referido emitente ser apenas vendedor de papel falso (faturas), e não das mercadorias que estão descritas nesses documentos.
Numa situação dessas compete aos utilizadores das faturas provenientes daquele emitente o ónus de alegar e provar factos concretos que permitam, pelo menos, duvidar da coerência ou acerto da decisão de qualificar essas faturas como falsas. Ou seja, compete aos interessados o ónus de provar que houve fluxo real de mercadorias desse emitente para a sua empresa e que houve efetivo fluxo financeiro em sentido contrário. Não fazendo isso, os interessados poderão, em alternativa, alegar e demonstrar factos concretos que coloquem em dúvida outros pressupostos dessa qualificação, designadamente, que o emitente sob suspeita adquiriu efetivamente as mercadorias que descreve na faturação reputada como falsa, identificando o respetivo fornecedor e as circunstâncias que demonstram materialmente essa operação.
A Impugnante alega que o dito «EE» tem falta de compras em 2004 e 2005, o que considera normal neste tipo de atividade, como já foi referido a propósito do emitente «GG» [ponto D) do artigo 50º da p.i.].
O Tribunal dá por reproduzido, adaptando o que há a adaptar, tudo o que ficou dito, quanto a questão idêntica e relativa ao emitente «GG», a pág. 63 e 64 da presente sentença. Continua a Impugnante, alegando que há constantes contradições no Relatório que podem revelar uma forte tendência para o exagero, principalmente na parte que considera que todas as faturas emitidas são falsas [ponto E) do artigo 50º da p.i.].
Poderia argumentar-se que é forte exagero pretender exercer o direito à dedução do IVA mencionado em todas as faturas emitidas nas condições descritas nos autos, provenientes de um sujeito que emitiu, quase com certeza, faturas falsas desde data anterior ao momento do seu registo fiscal para esse efeito, cujas compras estão assentes em documentos emitidos por outros emitentes de faturas falsas ou que simplesmente o próprio utilizador não consegue identificar e sabendo-se que na génese de tudo isso parece estar o conluio entre «EE», que “dá” o nome, e «FF», que o explora para fins fraudulentos.
Nem se vê de que modo poderia a AT obter a prova de que alguma fatura, certa e determinada, desse emitente possa corresponder a operações comerciais e efetivas, sendo certo que todas ou quase todas serão falsas, incluindo as faturas utilizadas pela agora impugnante.
Assim, estando as faturas desse emitente sobre fundada suspeita de falsidade deixa de ser a AT a ter o ónus da prova, passando a caber o emitente ou ao utilizador o ónus de provar que tais faturas, todas ou pelo menos algumas, correspondem a operações reais alegando e demonstram os factos que evidenciem os fluxos físicos de mercadorias e os fluxos financeiros em sentido contrário.
No caso de incumprimento de tal ónus, a questão resolve-se contra a parte onerada.
A Impugnante alega que «EE» autorizou a quebra de sigilo bancário e permitiu o acesso a todas as contas bancárias e o acesso a extratos das contas existentes em seu nome e forneceu cópias da frente e verso dos cheques de pagamento das faturas, conforme pág. 40/41 do Relatório e que nada foi demonstrado relativamente ao 1º semestre de 2006, sendo de estranhar que esse emitente tenha continuado a emitir faturas falsas, mesmo depois de estar a ser averiguado pela AT, pois toda a faturação em causa é posterior [ponto F) do artigo 50º da p.i.].
Na verdade, a AT verificou que em 2004 e 2005 o referido sujeito emitiu faturas no valor total de € 29.911.983,13 e que apenas foi depositado nas contas bancárias o total de € 54.384,81, notando-se a falta de € 29.857.598,32 (pág. 41 do relatório).
A Impugnante considera que isso não significa (só por si) que as vendas em causa sejam falsas, mas a AT também não alega nesse sentido.
A AT considera que as faturas são falsas porque não houve fluxo físico real de mercadorias, e que isso se confirma por não existir fluxo real de meios financeiros em sentido contrário. Ora, o segmento do Relatório sob análise comprova que não houve fluxo financeiro correspondente à faturação reputada falsa, pelo menos que tivesse sido depositado naquela conta bancária.
A Impugnante sugere que podem haver fluxos financeiro que não tivessem passado nas contas bancárias. Pode afirmar-se que isso é possível, mas tem de se reconhecer que não está provado que assim fosse e que, em face dos restantes elementos alegados pela AT se afigura ser altamente improvável que a houvessem fluxos financeiros, na medida em que é altamente improvável que tivessem havido fluxos físicos de mercadorias que justificassem quaisquer pagamentos ao emitente (salvo eventualmente a “comissão” ou “preço do papel falso” habitualmente devido em casos de faturação falsa, que não costuma corresponder a mais de 5% ou 10% da faturação, embora em alguns casos raros corresponda aproximadamente ao valor do IVA mencionado nessas faturas. Note-se, contudo, que o pagamento dessa “comissão” não se confunde com o “pagamento da mercadoria” descrita na fatura, antes corresponde ao “preço” do serviço de falsificação).
Acresce que, diferentemente do alegado pela Impugnante, a obrigação de manter a conta bancária exclusivamente afeta à atividade empresarial existe desde 1/1/2005, conforme aditamento do artigo 63º-C da LGT, resultante da Lei nº 55-B/2004, de 30 de dezembro; e toda a faturação em causa nos presentes autos é do período de 22/2/2005 a 26/6/2006.
A impugnante alega que não compreende a razão pela qual foi acusado de utilização de faturas falsas se, na análise à atividade desde emitente efetuada ao longo de 28 páginas do Relatório, nunca aparece o nome da impugnante [ponto G) do artigo 50º da p.i.].
A resposta é simples: porque nessa análise apenas se referem as diligências efetuadas junto do emitente com vista a verificar a materialidade das respetivas aquisições, e que permitiram concluir que não teve atividade real a montante (não comprou) e, portanto, não são reais as operações a jusante (não poderia vender algo que não comprou), situação que também se confirmou por análise às suas contas bancárias. Ainda assim, a agora impugnante é referida a pág. 40 do Relatório, como sendo um dos beneficiários das faturas daquele emitente. Para além dessas diligências, a AT verificou junto dos utilizadores, incluindo a agora impugnante, que não existem evidências de fluxo físico das mercadorias no sentido daquele emitente para os utilizadores das suas faturas nem de fluxos financeiros em sentido contrário.
Note-se, por fim, que este sujeito emitente também é emitente de faturas para a sociedade [SCom02...]., e em tal magnitude que se constitui como o principal “fornecedor” dessa sociedade, detida por «FF», os quais, sociedade e sócio gerente em nome individual, também são, por sua vez, emitentes das faturas utilizadas pela agora impugnante e reputadas como falsas.
Como resulta do depoimento da primeira testemunha, nos casos em que as operações são verdadeiras os sucateiros não compram aos clientes dos seus próprios fornecedores, dado que é muito mais vantajoso comprar diretamente a estes. Resultou do depoimento da segunda testemunha que os referidos emitentes já foram todos acusados e condenados pelo crime de emissão (e utilização) de faturas falsas, com penas de prisão de 4 anos para «EE» e de 8 anos para «FF», em nome individual e na qualidade de gerente da [SCom02...].
C) Quanto a “[SCom02...], Unipessoal, Lda.” (artigo 51º da p.i.):
A impugnante alega que o Relatório reconhece que a sociedade [SCom02...] tinha 2 ou 3 empregados (em 2005 ou 2006, respetivamente), um armazém em ... e, a partir de novembro, outro em ... e utiliza um entreposto no parque da empresa de transportes “[SCom24...]”, em ..., dispõe de várias viaturas e contabiliza despesas de comunicações, mas conclui que a estrutura empresarial evidenciada pela [SCom02...] não é compatível com a magnitude dos negócios faturados e que, embora possibilite o exercício da atividade em causa, apenas a permite de forma residual, pelo que se pergunta como pode, com tudo isso, pôr-se em causa todas as vendas efetuadas por esse emitente ? [pontos A) a F) do artigo 51º da p.i.].
A AT verificou que “no circuito documental analisado não existe uma única empresa com capacidade para satisfazer tais fornecimentos de “sucata” (à [SCom02...]) nas quantidades e peso, na diversidade e sobretudo num curto espaço de tempo” e que era materialmente impossível que apenas os trabalhadores disponíveis pudessem providenciar a logística inerente à movimentação de tal quantidade de mercadorias, dado que não consta que tivesse havido qualquer tipo de subcontratação.
Da análise dos fornecedores desse emitente, a AT verificou que apenas 4%, em 2005, e 1% em 2006, no máximo, poderiam corresponder a compras efetivas de mercadorias, por não se ter comprovado serem falsas (pág. 66 do Relatório). E da análise às faturas de venda, a AT concluiu que as mesmas não correspondem a operações reais e que foram emitidas com único o fim fraudulento de titular o exercício da dedução de IVA.
A AT também verificou junto da agora impugnante que os cheques de pagamento eram sistematicamente levantados ao balcão e convertidos em numerário e que, pelo menos em alguns casos, houve “retorno” para a esfera patrimonial do sócio-gerente da impugnante ou de familiares («SSS»).
No processo criminal nº ..7/06.9JAPRT também se verificou que as compras e as vendas desta sociedade, incluindo as compras feitas ao emitente anteriormente referido, «EE», são fictícias, o que levou à condenação judicial do sócio-gerente, «FF», pelo crime fraude fiscal por emissão e utilização de faturas falsas, a uma pena de prisão de 8 anos, conforme depoimento da segunda testemunha.
A Impugnante alega que a afirmação que consta no final de pág. 64 do Relatório, segundo a qual resulta da documentação emitida que o [SCom02...] vende e recebe primeiro do “cliente” na exata medida do que ainda vai comprar ao fornecedor e “verifica-se que as quantidades e espécies supostamente transacionadas são exatamente as mesmas”, parece irreal, mas é verdade, pois nesta e noutras atividade carrega-se mercadoria no fornecedor e descarrega-se no cliente, evitando-se custos e perdas de tempo; e a AT refere o exemplo, a fls. 65 do Relatório, da guia de transporte com data de 19/1/2006, relativa à entrega de 16.560kg de limalha para a agora impugnante (a que corresponde a venda a dinheiro nº 144 da [SCom02...]) e da venda a dinheiro emitida em 27/1/2006 por «EE», referido no ponto anterior, referente à mesma quantidade e tipo de mercadoria. A Impugnante considera que é um procedimento normal, totalmente correto e legal, pelo que não pode ser usado para pôr em causa a faturação [pontos G) e H) do artigo 51º da p.i.].
Na realidade, afigura-se ser muito anómalo e bizarro que ocorram frequentemente situações como a descrita, em que o comerciante vende a dinheiro mercadorias que ainda não comprou, e só comprará 8 dias depois. Se tal situação tivesse ocorrido isoladamente, poderia considerar-se uma singularidade, um evento quase irrepetível.
No entanto, o Tribunal acompanha a AT na parte em que considera que a ocorrência frequente e “normal” (como diz a impugnante) de vendas antes das respetivas compras é totalmente inverosímil (pág. 64 do relatório).
Na realidade, a venda através de “venda a dinheiro” significa que o vendedor recebeu imediatamente o respetivo valor (se tivesse emitido fatura quereria dizer que a venda foi feita “a crédito” e que o pagamento deve ser realizado até à data do respetivo vencimento, sendo titulado pelo “recibo” de quitação). Ora, a venda de produtos e seu recebimento antes de o vendedor adquirir os bens que irão ser objeto desse “adiantamento do pagamento” são situações relativamente raras em qualquer setor de atividade.
Mesmo o maior empresário da China (que se supõe ser Jack Ma, proprietário da empresa Alibaba, idêntica à Amazon americana), que recebe quase sempre em simultâneo a encomenda e o respetivo pagamento, nem sempre vai, só depois, fazer a compra, possuindo muitas vezes em armazém todos ou alguns dos artigos encomendados. Além disso, nem mesmo esse específico tipo de empresas (de “compras à distância”) dispensa, antes exige, uma estrutura empresarial ampla e bem definida, sobretudo na secção de tratamento de encomendas recebidas de clientes e a efetuar a fornecedores, e no redireccionamento dos bens em armazém para as empresas de transporte e entrega aos clientes, cuja logística implica a existência de pessoal dedicado especificamente a tais funções.
Ora a compra, em tais condicionantes, de mercadorias que nos anos 2005 e 2006 somaram € 46.137.153,14 (com IVA) implicaria, necessariamente, um acentuado esforço logístico para coordenar as compras para dar satisfação às vendas já efetuadas antecipadamente, para além dos meios materiais e humanas que teriam de estar implicados na movimentação físicas dos volumes e pesos das sucatas metálicas envolvidas nesses negócios.
De qualquer modo, a questão essencial, também neste caso, centra-se na falta de credibilidade das operações referentes às compras pela [SCom02...] aos seus supostos fornecedores, aos quais também não foi encontrada qualquer estrutura empresarial adequada à magnitude dos negócios faturados, designadamente o emitente «EE», acima aludido, que faturou, só à [SCom02...], € 17.390.918,72 em 2005 e € 21.154.518,33 em 2006. No fundo, o que a AT pretende dizer é que a [SCom02...] emitia faturas falsas para outras empresas utilizadoras, entre as quais a agora impugnante, e que, para “anular” proveito fiscal, adquiria faturas falsas que titulavam “compras” fictícias e eram emitidas por outros emitentes, entre os quais o «EE», que estava conluiado com «FF», único sócio e gerente da [SCom02...].
A Impugnante prossegue alegando que na pág. 56 (lapso de escrita: quer dizer pág. 66) do Relatório a AT refere que os cheques recebidos pela [SCom02...] são, na sua maioria, apresentados ao balcão para levantamento imediato, para sua transformação em numerário, o que pressupõe uma modificação/inversão do seu destinatário, mas tal procedimento passa-se com a [SCom02...], pelo que não se percebe por que razão isso põe em caus também os movimentos financeiros da impugnante, até porque a impugnante forneceu cópia da frente e verso dos cheques, sem que tivesse sido detetada qualquer anomalia [ponto I) do artigo 51º da p.i.].
Essa afirmação foi feita pela AT no contexto da análise ao “Circuito financeiro”, que a AT considera ter sido elaborado de maneira que se apresentasse formalmente coincidente com as faturas com a única intenção de dar a estas o necessário enquadramento financeiro, mas que na prática se mostra inverosímil e também fraudulento (tal como as faturas).
Se, como parece, a agora impugnante era utilizadora de faturas falsas e emitia cheques que se destinavam a simular o pagamento formal das mercadorias faturadas falsamente e estes eram de imediato apresentados ao balcão do banco, com endosso ao sócio gerente da impugnante e de familiares seus, ou eram levantados e o seu valor transformado em numerário, num comportamento típico dos esquemas de faturação falsas, não se pode afirmar seriamente que a impugnante é estranha a tais levantamentos e endossos.
Na verdade, a ser assim, como se crê que é, a impugnante, na pessoa do seu sócio-gerente, é participante ativa no referido esquema fraudulento e o (ou um dos) beneficiário principal.
Também não é rigorosa a afirmação de que os cheques exibidos não evidenciaram qualquer anomalia no circuito financeiro.
Na realidade, foi com base nas informações contidas no verso que a AT verificou que os cheques eram endossados ao gerente da impugnante ou seus familiares ou eram sistematicamente levantados ao balcão para serem transformados em numerário e, assim, possibilitar o pretendido “retorno” do dinheiro correspondente ao pagamento simulado.
Note-se que, de acordo com o depoimento da segunda testemunha, o gerente da [SCom02...] foi condenado, pela sua atuação nessa empresa, a uma pena de prisão de 8 anos por emissão e utilização de faturação falsa.
D) Quanto a «FF» (artigo 52º da p.i.):
A impugnante alega que se repetem quanto a este emitente as mesmas conjeturas já referidas quanto aos outros. Insiste que os emitentes têm estrutura empresarial adequada ao nível de faturação que emitiram e pergunta que tem a impugnante a ver com tudo isso? Quais os factos relativos a alguma eventual ilegalidade que lhe seja imputável?
Mudando apenas o que há que mudar, o Tribunal dá por reproduzido o que já se disse quanto aos outros emitentes. Além disso, reitera-se que se «EE» não comprou efetivamente mercadorias, não exerceu efetivamente a atividade, se indubitavelmente emitiu faturas falsas em conluio com «FF» e este, em nome individual e na qualidade de sócio-gerente da sociedade unipessoal [SCom02...]. ([SCom02...] corresponde à inversão das letras ..., que são as iniciais do nome de «FF») emitiu faturas à sociedade agora impugnante, sem que existam compras conhecidas de mercadorias a fornecedores idóneos, tem de se concluir necessariamente que a sucessão de compras fictícias implica a correspondente sucessão de vendas fictícias, pois se sabe que é impossível vender algo que não se adquiriu nem produziu.
Ou seja, se a impugnante “utilizou” (contabilizou) faturas falsas e deduziu o IVA mencionado nelas, bem sabendo que isso é ilegal, não pode alegar que é estranho aos factos imputados aos emitentes dessas faturas.
Por isso, cabia à impugnante alegar e demonstrar os factos que indiciassem que as faturas que utilizou não são falsas, designadamente demonstrando os correspondestes fluxos de mercadorias de «FF» para si e de meios de pagamento em inverso, ou demonstrando que as faturas que foram emitidas pelos fornecedores de «FF», em particular as emitidas por «EE», não são falsas, designadamente porque ele tinha estrutura empresarial, que a usou efetivamente em seu proveito e que ocorreram efetivos fluxos de mercadorias e de meios financeiros e que, portanto, não existe conluio entre «EE» e «FF».
O incumprimento desse ónus resolve-se contra a parte onerada.
Acresce que, conforme já se disse, de acordo com o depoimento da segunda testemunha, o referido «FF», gerente da [SCom02...], foi condenado, pela sua atuação nessa empresa e como empresário individual, a uma pena de prisão de 8 anos por emissão e utilização de faturação falsa.
O facto de as compras da impugnante ao «FF» representarem apenas 1,27% da sua faturação não altera absolutamente nada, pois 1,27% de zero (compras reais) é igual a zero. E compras reais nulas equivale a vendas reais nulas.
Portanto, não é legitima a atribuição à AT o raciocínio segundo o qual a suspeita de A implica a cumplicidade de B. Na realidade, o que a AT disse é que a fundada suspeita de A implica que o B, diretamente relacionado com A e que pretende beneficiar dessa relação, tem o ónus de provar que tal relação é legitima porque, não cumprindo esse ónus não poderá exercer o direito (dedução do IVA) que invoca em consequência daquela relação com A (assumindo-se como culpado da utilização das faturas falsas e não como cúmplice do crime de emissão dessas faturas).
Em suma, também não se pode dizer que para estes autos importam os factos referentes à impugnante e apenas se referem os terceiros porque eles vêm referidos no Relatório. Em rigor, pode dizer apropriadamente que só existem os presentes autos, e as referências à impugnante, porque esta se relacionou com aqueles terceiros e que se os factos relevantes demonstrassem que estes eram comerciantes idóneos nem sequer haveria litígio. Isto para dizer que a relação entre a impugnante e esses terceiros é a questão fulcral dos presentes autos, sendo a correção que nega o direito à dedução uma mera consequência lógica e legal da ilegalidade dos factos subjacentes àquela relação. Daí que, verificada a ilegalidade da atuação desses terceiros e consequente ilegalidade das faturas emitidas à impugnante, a AT apenas poderia efetuar correções na esfera jurídica desta por “avaliação direta”, através de correções técnicas ou meramente aritméticas, recusando o direito à dedução do IVA mencionado nas faturas falsas, cuja quantificação é direta e exata, como fez.» - fim de transcrição.
Sem embargo da detalhada análise levada a cabo pelo Meritíssimo Juiz a quo, cabe-nos fazer duas precisões: em primeiro lugar, a realidade factual é que, em sede inspetiva, foram solicitados à Recorrente os extratos bancários da conta sobre a qual foram sacados os cheques emitidos para o alegado pagamento das faturas em crise, os quais não foram facultados, limitando-se a AT a referir que, assim, não pode «verificar se os valores dos cheques retornaram para o seu património», não tendo encetado qualquer outra diligência no sentido de obter tais extratos bancários; em segundo lugar, os valores que terão “retornado” à propriedade da Recorrente, relacionam-se apenas com a fatura nº 528 emitida pela [SCom02...] e correspondem a cinco dos nove cheques, de valores compreendidos entre 5.000€ e 10.000€, emitidos ao portador. A conclusão extraída pela AT de que tais valores “retornaram” ao património da Recorrente deve-se ao facto de terem sido levantados ao balcão por «SSS» e por «TTT» (este, sócio gerente da Recorrente e, aquela, sua filha).
Feito este esclarecimento, cumpre dizer que se a AT recusar a dedução do IVA com fundamento na “falsidade” das faturas, não precisa de demonstrar esta falsidade, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo, ou seja, invocar factos que traduzam uma probabilidade elevada de as operações referidas nas faturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade (artigo 75º da LGT) – cfr. Acórdão do STA de 27/10/2004, proferido no recurso 810/04 e o Acórdão do Pleno de 7/5/2003 no processo 01026/02, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Basta, pois, que a AT demonstre factos indiciários de tal falsidade, considerando-se indícios os factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - A Quantificação da Obrigação Tributária, de Saldanha Sanches, 2ª edição, pág. 311, citando o Professor Castro Mendes.
Acresce que, de conformidade com a jurisprudência do TJUE, firmada, entre muitos outros, no acórdão C-439/04, de 6 de Julho de 2006, disponível em https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=56299&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=1536958, «incumbe ao órgão jurisdicional nacional recusar o benefício do direito à dedução se se demonstrar, perante elementos objectivos, que o sujeito passivo sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA, ainda que a operação em causa preencha os critérios objectivos em que se baseiam os conceitos de entregas de bens efectuadas por um sujeito passivo agindo enquanto tal e de actividade económica.». Assim, a prova de que o sujeito passivo “sabia ou devia saber” que participava numa fraude ao IVA também constitui requisito para a recusa do direito à dedução, cabendo à AT a respetiva demonstração, podendo aquele comprovar a sua boa fé, por desconhecimento dessa fraude.
Importa, porém, ter presente que, por força do disposto no artigo 346º do Código Civil, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório, pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos e, se o conseguir, a questão é decidida contra a parte onerada com a prova.
Assim, apenas pode vingar a tese da AT (de que, nas declarações de IVA apresentadas pela Impugnante figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, por “falsidade” das faturas) quando (i) faça prova dos factos-índice por si alinhados, (ii) estes sejam reveladores de uma elevada probabilidade de as operações comerciais questionadas não terem ocorrido e de que (iii) o contribuinte beneficiário das faturas sabia ou devia saber que participava numa fraude ao IVA, conquanto este não produza contraprova relativamente aos mesmos factos, tornando-os duvidosos. Só vencida esta fase, isto é, comprovado que esteja, sem margem para dúvidas, que os factos-índice apontados pela AT têm aderência à realidade, sobre eles seja possível formar aquele juízo de “elevada probabilidade” e estes, objetivamente, permitam inferir que o contribuinte sabia ou devia saber da situação de fraude, é que passa a caber ao contribuinte a prova de que as operações económicas subjacentes às faturas ocorreram nos exatos termos nelas descritos.
No caso vertente, como ressalta, quer do Relatório da Inspeção Tributária quer da sentença recorrida (que procederam a uma detalhada e exaustiva descrição e análise dos factos apurados relativamente a cada dos emitentes das faturas e nos escusamos agora de, uma vez mais, repetir), a AT elencou indícios sérios e seguros de que os emitentes das faturas não tinham capacidade / estrutura empresarial para as operações em causa, nem um leque de fornecedores conhecidos que lhes permitissem realizar as compras necessárias às vendas tituladas pelas faturas ora em crise.
A par disto, não foram julgados provados factos aptos a suscitar a dúvida sobre a factualidade vertida no relatório da inspeção tributária, sendo certo que a Recorrente também não faz um ataque eficaz ao julgamento em matétia de facto, sabido que, para tanto, está obrigada a observar os formalismos elencados no artigo 640º do Código de Processo Civil, a saber: identificar os concretos pontos de facto erradamente julgados, bem como os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diversa sobre a matéria de facto impugnada (sendo que, tratando-se de prova testemunhal, deve indicar as passagens do depoimento relevantes) e, ainda, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Acresce que, como refere Abrantes Geraldes a propósito desta norma (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2018, 5ª edição, a págs. 168 e 169), a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações: «a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4, e 641º nº 2, a. b); b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a)); (…)». Em suma, a Recorrente não observou, quer na motivação do seu recurso (por omitir a decisão que, em seu entender devia ser proferida sobre a factualidade impugnada), quer nas respetivas conclusões (por omitir a menção à impugnação da matéria de facto e não identificar os concretos pontos de facto impugnados), os formalismos legalmente exigíveis para a reapreciação da matéria de facto.
Sucede, porém, que a AT focou a sua atenção nos emitentes das faturas, pouco tendo apurado na esfera da Recorrente, mormente quanto ao circuito financeiro correspondente a essas operações pois, pese embora tenha solicitado a apresentação dos extratos bancários, perante a inércia daquela, nenhuma outra diligência levou a cabo para obter tais elementos. Por outro lado, nenhuma análise foi realizada aos inventários da Recorrente, às suas vendas, contas de clientes e fornecedores, etc…
Do pouco apurado pela AT na esfera da Recorrente, decorre que cinco dos nove cheques emitidos ao portador, para pagamento da fatura nº 528 emitida pela “[SCom02...]”, foram levantados ao balção do banco sacado, pelo sócio gerente da Recorrente e pela sua filha. É certo que este procedimento não se verifica relativamente a qualquer outro dos diversos cheques que constam dos autos, mas, precisamente por esta diferença e por ser um procedimento comum em caso de simulação de operações, impunha-se à Recorrente uma explicação credível sobre a razão de ser do levantamento destes cinco cheques. Tanto mais que os valores dos cheques variam entre €5.000 e €10.000, perfazendo a quantia global de €35.200, não estando, por isso, em causa uma quantia sem expressão.
Sucede que, perscrutada a p.i., nada ali se refere que, mesmo incipientemente, explique o apontado facto.
Ora, os fortes indícios apurados na esfera da emitente “[SCom02...]”, cujos factos sustentadores não foram objeto de contraprova pela Recorrente, aliados à mencionada circunstância de haver levantamento de cheques ao balção por pessoas relacionadas com a sociedade que os emitiu, sem qualquer justificação válida, a nosso ver, permitem concluir ser altamente provável que as faturas emitidas por esta sociedade não correspondem a efetivas operações económicas. Para além disto, a factualidade apurada pela AT evidencia que, com elevada probabilidade, nas operações com a “[SCom02...]”, a Recorrente participou na fraude e, assim, que, objetivamente, sabia ou devia saber da sua existência.
Já quanto aos demais fornecedores, estamos perante uma daquelas situações que este TCAN vem qualificando como de “pesca de arrasto” em que a AT, escudando-se em indícios apurados na esfera dos emitentes e sem nada de relevante apurar relativamente ao comprador da mercadoria, conclui estar perante operações fictícias. Ademais, objetivamente, nenhum facto consta do Relatório da Inspeção Tributária ou foi apurado pelo Tribunal a quo que permita inferir que a Recorrente “sabia ou devia saber” da fraude existente a montante das operações tituladas pelas faturas agora em questão.
Nesta conformidade, impera concluir que, com exceção das operações entre a Recorrente e a “[SCom02...]”, a AT não cumpriu o ónus probatório a seu cargo.
Por consequência, deve o presente recurso ser julgado parcialmente procedente, a par da impugnação judicial, devendo ser revogada a sentença recorrida na mesma proporção, concedendo-se parcial provimento ao presente recurso e, bem assim, à impugnação judicial.
*
Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - É pertinente a transcrição do Relatório da Inspeção Tributária de molde a permitir conhecer motivação da AT, bem como a apreender o seu iter congnoscitivo, percebendo quais os factos que apurou, como a eles chegou e quais as conclusões que deles extraiu. Saber se os factos foram legalmente apurados, isto é, se a prova foi legalmente obtida, se correspondem à realidade ontológica, se são relevantes para as conclusões a extrair e, bem assim, se permitem as conclusões extraídas, são já operações a realizar em sede de apreciação crítica da prova e de subsunção dos factos ao direito aplicável.
II – Há, manifestamente, apreciação crítica da prova se, na motivação da matéria de facto (que ocupa 5 (cinco) páginas da sentença), se analisaram, os depoimentos prestados, discriminando o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo as concretas razões que o determinaram a desvalorizá-los, no todo ou em parte; indicando de seguida, circunstanciadamente, a convicção que formou, em face da prova carreada para os autos, quanto à materialidade das operações comerciais que a AT reputou de falsas.
III - O défice instrutório ocorre quando sejam omitidas diligências de prova relevantes para o apuramento da verdade material, não podendo, por isso, julgar-se verificado se a Recorrente não concretiza, nem nós conseguimos descortinar, quais as diligências de prova que, sendo relevantes, foram omitidas.
IV - O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode subverter ou aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
V - Apenas pode vingar a tese da AT (de que, nas declarações de IVA apresentadas pela Impugnante figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, por “falsidade” das faturas) quando (i) faça prova dos factos-índice por si alinhados, (ii) estes sejam reveladores de uma elevada probabilidade de as operações comerciais questionadas não terem ocorrido e de que (iii) o contribuinte beneficiário das faturas sabia ou devia saber que participava numa fraude ao IVA, conquanto este não produza contraprova relativamente aos mesmos factos, tornando-os duvidosos. Só vencida esta fase, isto é, comprovado que esteja, sem margem para dúvidas, que os factos-índice apontados pela AT têm aderência à realidade, sobre eles seja possível formar aquele juízo de “elevada probabilidade” e estes, objetivamente, permitam inferir que o contribuinte sabia ou devia saber da situação de fraude, é que passa a caber ao contribuinte a prova de que as operações económicas subjacentes às faturas ocorreram nos exatos termos nelas descritos.
V – Não podem considerar-se observados os formalismos legalmente exigíveis para a reapreciação da matéria de facto se a Recorrente, na motivação do seu recurso, não indica a decisão que, em seu entender, devia ser proferida sobre a factualidade impugnada e, nas respetivas conclusões, não faz menção à impugnação da matéria de facto, nem identifica os concretos pontos de facto impugnados.
VI - Os fortes indícios apurados na esfera da emitente “[SCom02...]”, cujos factos sustentadores não foram objeto de contraprova pela Recorrente, aliados à circunstância de haver levantamento de cheques ao balção por pessoas relacionadas com a sociedade que os emitiu, sem qualquer justificação válida, permitem concluir ser altamente provável que as faturas emitidas por aquela sociedade não correspondem a efetivas operações económicas e que a Recorrente participou na fraude e, assim, que, objetivamente, sabia ou devia saber da sua existência.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença recorrida e julgar a impugnação procedente também em parte, anulando as liquidações impugnadas na correspondente proporção.

Custas por ambas as partes, em ambas as instâncias, por nelas saírem vencidas, na proporção de 25% para a Recorrente e 75% para a Recorrida, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil, que não incluem, para esta, a taxa de justiça devida nesta sede, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 11 de abril de 2024

Maria do Rosário Pais - Relatora
Graça Martins – 1ª Adjunta (em substituição)
Irene Isabel Gomes das Neves - 2ª Adjunta