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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00102/24.8BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/23/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:ANA PATROCÍNIO
Descritores:DÉFICE INSTRUTÓRIO; ACTO RECLAMADO;
PLANO PRESTACIONAL;
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO;
Sumário:
Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 06/03/2024, que julgou procedente a reclamação deduzida por [SCom01...] LDA., com sede na Rua ..., ..., ..., ..., formulada contra o acto proferido, em 14/12/2023, pela Secção de Processo Executivo de ... do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., de deferimento do pedido de pagamento em 71 prestações, da dívida de contribuições e cotizações, em cobrança nos processos executivos n.º ...80 e apensos, n.º ...21 e apensos, n.º ...00 e apensos, n.º ...27 e apensos, n.º ...46 e apensos e n.º ...60 e apensos, condicionado ao pagamento de 1/3 das cotizações dos processos sem acordo de pagamento diferido e à apresentação de vários documentos para completar o processo de plano prestacional.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“a. A Recorrente não se conforma com a sentença do Meritíssimo Tribunal a quo, que decidiu pela procedência da reclamação judicial e, em consequência, determinou a anulação do acto impugnado - indeferimento de plano prestacional requerido pela sociedade [SCom01...], UNIPESSOAL LDA NIPC: ...50.
b. Entende a Recorrente que a sentença sub judice procedeu a uma incorreta valoração da prova e a uma errada subsunção dos factos ao direito aplicável, razão pela qual apresenta o presente recurso.
c. É convicção da Recorrente que a sentença do Meritíssimo Tribunal a quo desconsiderou erroneamente a prova documental junta de onde decorreu a demonstração da fundamentação da notificação de aperfeiçoamento do pedido de plano prestacional.
d. A Reclamante arguiu em síntese que requereu um plano prestacional no dia 5 de dezembro de 2023 da quantia que estava a ser executada nos diversos processos num único plano de pagamento prestacional em 150 prestações ou, caso assim se no entenda, em 120 prestações.
e. A Reclamada pronunciou-se sobre o requerimento apresentado tendo convidado o reclamante ao aperfeiçoamento do pedido apresentado, requerendo o pagamento de 1/3 do valor das cotizações bem como a envio de elementos contabilísticos e comprovativos da gerência de facto.
f. A Reclamada indeferiu do referido pedido de plano prestacional, tendo notificado por despacho em 21/12/2023.
g. A sentença proferida entendeu que a notificação do Recorrente estava indevidamente fundamentada.
h. No entanto, no entender da Recorrente, tal raciocínio está errado porquanto da referida notificação depreende-se a fundamentação e quais os normativos a serem aplicados.
i. A exigência de 1/3 do valor das cotizações previamente ao deferimento de um plano prestacional encontra cobertura legal, mormente no artigo 196º nº 2 e 3 do CPPT.
j. Do mesmo modo a redução do pedido de prestações de 120/150 para 72 prestações foi efetuada com base na interpretação do Despacho n.º 7881/2019, de 09 de agosto e no artigo 38º Decreto-Lei n.º 84/2019, de 28 de junho.
k. Face aos factos dados como provados, entende-se que a notificação de aperfeiçoamento bem como o despacho de indeferimento se encontram devidamente fundamentados,
l. Em face do exposto, impõe-se a revogação da sentença recorrida, por erro de julgamento e violação de Lei, concluindo-se pela improcedência integral da presente reclamação.
TERMOS QUE deve o presente recurso ser jugado totalmente procedente e, em consequência ser revogada a sentença recorrida, julgando-se a reclamação sub judice improcedente, com as demais consequências legais,
Assim se fazendo o que é de Lei e de Justiça!”
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A Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao eliminar da ordem jurídica o acto reclamado, por enfermar, além do mais, de vício de falta de fundamentação.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos:
1) Em 05-12-2023 a reclamante apresentou um requerimento pelo qual solicitou o pagamento, em 150 prestações ou, caso assim se não entendesse, em 120 prestações, da dívida no valor de € 49.623,75 (contribuições e cotizações dos períodos 2018/06 a 2022/10), sob cobrança nos processos executivos n.° ...80 e apensos, n.° ...21 e apensos, n.° ...00 e apensos, n.° ...27 e apensos, n.° ...46 e apensos e n.° ...60 e apensos (cfr. 526086 Processo Administrativo "Instrutor" 006988197 Petição Inicial (526086) 16.01.2024 09:57:50, pág. 11 a 18).
2) Em 14-12-2023 a Secção de Processo Executivo enviou uma mensagem de correio eletrónico, à reclamante, com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. 526086 Processo Administrativo "Instrutor" 006988197 Petição Inicial (526086) 16.01.2024 09:57:50, pág. 19 e 20).
3) Em 27-12-2023 foi enviada a petição inicial que iniciou a presente reclamação (cfr. 526086 Processo Administrativo "Instrutor" 006988197 Petição Inicial (526086) 16.01.2024 09:57:50, pág. 27).
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Inexistem factos não provados da instrução da causa.
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A convicção do tribunal fundou-se na análise dos elementos documentais digitalizados e incorporados na plataforma informática de apoio “SITAF”, nos termos especificados.”
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2. O Direito

O Recorrente começa por impugnar a decisão da matéria de facto, pugnando por que seja aditado à mesma, na factualidade considerada provada, a menção à notificação de aperfeiçoamento e ao facto de a reclamante, aqui Recorrida, ter silenciado na remessa de elementos contabilísticos solicitados e na junção de elementos de prova quanto à gerência de facto, bem como a inclusão da referência à notificação do acto de indeferimento do plano prestacional e da respectiva fundamentação, cuja motivação será concernente à falta de junção de documentos solicitados para instrução do processo e ao facto de não ter procedido ao pagamento do DUC remetido.
Para melhor compreensão, salientamos que a reclamante identificou o acto reclamado como sendo a decisão proferida em 14/12/2023, a que se refere o probatório no seu ponto 2, portanto, uma mensagem de correio electrónico produzida e enviada por uma técnica superior («AA») do Departamento de Gestão de Dívida da Secção de Processo Executivo de .... Este acto foi anulado pelo tribunal recorrido, além do mais, por enfermar do vício de falta de fundamentação (decisão recorrida).
O Recorrente identifica a decisão reclamada como sendo um acto de indeferimento de plano prestacional, que surge na sequência do requerimento apresentado em 05/12/2023 pela Recorrida, vertido no ponto 1 do probatório, bem como da pronúncia da Secção de Processo Executivo de ..., que convidou a reclamante ao aperfeiçoamento do pedido, ao pagamento do DUC correspondente a 1/3 das cotizações não abrangidas pelo acordo e para juntar documentos destinados a instruir o pedido. Na óptica do Recorrente, o acto reclamado emerge do não acolhimento do pedido de instrução, tendo o órgão de execução fiscal proferido despacho de indeferimento em 19/12/2023 e notificado a Recorrida em 21/12/2023.
Ora, não vislumbramos que tal despacho tenha sido enviado com a reclamação de acto do órgão de execução fiscal, existindo apenas a sua menção em ofício-notificação, dirigido à reclamante, ínsito nos autos, que não se mostra assinado pela Senhora Coordenadora da Secção de Processo Executivo de ... – cfr. fls. 251 do PEF, correspondente a fls. 56/59 da página 212 no SITAF.
Através deste ofício, datado de 19/12/2023, não assinado, resulta que a fundamentação desse acto de indeferimento residirá na falta de envio dos elementos solicitados anteriormente (em 14/12/2023). A falta de fundamentação detectada pelo tribunal recorrido é reportada ao acto praticado em 14/12/2023.
Neste contexto, tudo aponta para eventual incompletude do processo de execução fiscal ínsito nos autos, dado que, devidamente analisado, apenas consta o teor do acto proferido em 14/12/2023 (cfr. ponto 2 do probatório), desconhecendo-se se terá sido sancionado pela Senhora Coordenadora da Secção de Processo Executivo de ...; não se vislumbrando nos processos de execução fiscal remetidos o acto mencionado pelo Recorrente que terá sido prolatado em 19/12/2023.
Não podemos olvidar que, em caso de subida imediata da reclamação, a Autoridade Tributária remete, por via electrónica, a reclamação e o processo executivo que a acompanha – cfr. artigo 278.º, n.º 5 do CPPT.
Em face da decisão da matéria de facto, e agora impugnada, este tribunal encontra dificuldade séria em sindicar tal decisão, pois tudo indica não ter sido o processo executivo remetido completo por via electrónica ao tribunal.
O objecto do recurso assenta na insuficiência da decisão da matéria de facto, mas os elementos enviados não permitem averiguar se, de facto, existe um acto praticado pelo órgão de execução fiscal e se foi devidamente notificado à reclamante, aqui Recorrida.
A sentença recorrida fixou factualidade consentânea com o acto reclamado, datado de 14/12/2023, sem cuidar que não terá sido o órgão de execução fiscal a praticar tal acto.
Lembramos que o presente meio processual se destina a “reclamar” de actos praticados pelo órgão de execução fiscal, ao abrigo do disposto no artigo 276.º e seguintes do CPPT.
Admitimos que a reclamante possa ter sido induzida em erro, atento o teor da mensagem de correio electrónico que recebeu em 14/12/2023. Contudo, não vislumbramos que esse acto, potencialmente lesivo, porque condiciona o plano prestacional ao pagamento, em três dias, de 1/3 das cotizações e o reduz a 71 prestações (foram peticionadas 150 ou 120 prestações), tenha sido proferido pelo órgão de execução fiscal, e seja, por si só, susceptível de impugnação nos termos do artigo 276.º e seguintes do CPPT.
Os Estatutos do IGFSS, I.P. concretizam as competências das Secções de Processo na execução das dívidas à Segurança Social (cfr. artigo 9.º), elencando no Anexo I as Secções existentes, ficando, ainda, claro que as Secções de Processo são dirigidas por coordenadores de Secção de Processo, cargos de direcção intermédia de 2.º grau (cfr. artigo 2.º e Anexo II).
Tendo por base o contencioso de legalidade subjacente ao meio processual utilizado, afigura-se que o identificado acto emitido em 14/12/2023 não terá sido praticado pela Coordenadora da Secção de Processo Executivo de ..., que assumiria, no caso concreto, a veste de órgão da execução fiscal no seio do IGFSS, I.P. e que vincularia este instituto público.
Por outro lado, o referido contencioso de legalidade pressupõe a delimitação clara do acto impugnado, na medida em que a respectiva fundamentação será sindicada pelo tribunal, importando, por isso, conhecer o acto tal qual foi praticado.
Neste circunstancialismo, este tribunal mostra-se impossibilitado de sindicar o erro de julgamento apontado pelo Recorrente à decisão da matéria de facto recorrida, pois os autos não fornecem elementos para a fixar, com a segurança e certeza exigíveis; o que impede qualquer juízo sobre a suficiência dos factos provados e, consequentemente, sobre o acto reclamado.
Não podemos esquecer a importância da remessa integral do PEF, dado que os factos que do mesmo emergem são de conhecimento oficioso – cfr. artigo 412.º do CPC.
Verificando-se défice instrutório, impõe-se a remessa ao Tribunal Administrativo e Fiscal de ... para promover diligências instrutórias e, após ampliação do probatório fixado nos termos supra referidos, proferir nova decisão final.
Deste modo, não podendo sufragar-se, sem mais, o julgamento produzido em 1.ª instância, impõe-se anular, segundo o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, a sentença, de molde a permitir que, no tribunal recorrido, sejam efectivadas as diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, dos aspectos apontados como deficitariamente instruídos, no sentido de averiguar esses factos, levando os mesmos ao probatório.
O exposto é suficiente para conceder provimento ao recurso, ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas.

Conclusão/Sumário

Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo à 1ª instância para nova decisão, com preliminar ampliação da matéria de facto, após a aquisição de prova conforme acima se indica.

Custas a cargo da Recorrida, que não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 23 de Maio de 2024

Ana Patrocínio
Maria do Rosário Pais
Ana Paula Santos