Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00341/13.7BEAVR |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 10/25/2024 |
Tribunal: | TAF de Aveiro |
Relator: | LUÍS MIGUEIS GARCIA |
Descritores: | RESPONSABILIDADE; DANO BIOLÓGICO; |
Sumário: | I) – A indemnização por dano biológico comporta tanto o ressarcimento de dano patrimonial como do dano não patrimonial.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Conceder parcial provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: Centro Hospitalar ..., EPE (que sucedeu ao Hospital ..., EPE, pessoa coletiva n.º ...10, com sede na Avª.... – ... ...) e [SCom01...] – Companhia de Seguros, SA (que sucedeu à [SCom02...], Companhia de Seguros, S.A), interveniente principal, interpõem recurso(s) jurisdicional de decisão do TAF de Aveiro, que julgou parcialmente procedente acção administrativa comum instaurada por «AA» (Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ...). O recorrente Centro Hospitalar conclui: 1 – Inconformado com o segmento da douta sentença que estabeleceu o quantum do valor indemnizatório e os critérios utilizados pelo Tribunal para calcular tal valor, o Recorrente Centro Hospitalar ..., EPE entende que a mesma padece de erro de apreciação factual e jurídica, pretendendo-se com o presente recurso a sua alteração, devendo o valor indemnizatório ser reduzido, em função de um valor mais aproximado ao rendimento que a Autora efetivamente tinha, o qual mais se aproximava do Salário Mínimo que do Salário Médio Nacional. 2 – Resulta da sentença a quo: “(…) estando em causa o dano patrimonial decorrente do impacto da lesão na atividade profissional da A., dever-se-ão observar critérios objetiváveis, que reduzam a contingência do momento, tendo-se de atentar, ao invés, à idade da sinistrada, e na esperança média de vida, à data do sinistro, bem como o rendimento médio mensal, e a perda de capacidade de ganho que a mesma teve, no caso, o défice de que ficou a padecer. Ora, a autora nasceu em 1/03/1973, tendo 37 anos de idade à data do acidente que o vitimou. À data do acidente, o salário médio nacional era de cerca de €899,00 (…) No que se refere à esperança média de vida de uma mulher em 2010, esta era de 79,6 anos pelo que aquando do acidente, era expectável que a A. vivesse por mais 42,6 anos” Concluindo que, “com recurso à equidade, fixa-se ao A., a título de dano patrimonial decorrente da parte de capacidade de ganho, o montante de €176.858,47 [(6x€12.586,00)+(460.647,6x22%)].” 3 - A utilização, como critério, do valor do Salário Médio Nacional à data de 2010 (€899,00) para proceder ao cálculo do valor indemnizatório resulta de erro na apreciação dos factos, devendo ter sido utilizado como critério o valor do Salário Mínimo Nacional à data de 2010 (€ 475,00), pois resulta evidente que os rendimentos da Autora eram próximos desse valor e não do Salário Médio Nacional. 4 – Porque relevantes e decorrentes de documentos juntos aos autos, devem ser acrescentados à matéria provada os seguintes factos: - A Autora celebrou com o Centro Social e Paroquial da ..., em 01.03.2010, um contrato de trabalho a termo resolutivo incerto, com um horário semanal de 40 horas, que cessou a 13.03.2010 - A Autora celebrou com o Centro Social e Paroquial da ..., em 22.03.2010, um contrato de trabalho a termo resolutivo incerto, com um horário semanal de 40 horas - A Autora, decorrente de tais contratos, auferiu o vencimento correspondente a 9 + 13 dias respeitantes a Março/2010 e 12 dias respeitantes a Abril/2010, e respetivos valores de subsídio de férias e subsídio de Natal. 5 - Deve ser retirado do facto provado SSSS) “dos quais retirava uma quantia mensal média de € 250,00”, dando-se tal valor como não provado. Só a Autora referiu tal valor; declarando o marido não se lembrar de quanto a esposa ganhava e a filha, que a mãe fazia alguns arranjos de costura, sem mencionar valores. De acordo com o conhecimento de vida do cidadão normal, tal valor não é credível: fazendo a Autora uns arranjos de costura, no seu domicilio, numa localidade de cariz essencialmente rural a 10 Kms de Aveiro, onde certamente o numero de clientes para tal não seria muito elevado, para auferir com tal atividade um rendimento médio mensal de € 250,00 significaria fazer MUITOS arranjos de costura – sendo certo que a Autora empolou os valores para o efeito pretendido com a presente ação. 6 - A Autora procurou fazer crer que o seu rendimento mensal antes da lesão ocorrida no dia 13.04.2010 se situava à volta dos € 1.000,00 líquidos mensais, fruto da retribuição mensal de € 475,00 paga pelo Centro Social e Paroquial da ..., decorrente do contrato de trabalho com aquela instituição, ao que acresceria o valor das atividades de limpeza e costura, não declaradas. 7 – Porém, o que resulta da factualidade provada é que, antes do seu contrato individual de trabalho com o Centro Social e Paroquial da ..., o seu rendimento de trabalho advinha exclusivamente das atividades não declaradas de limpeza e costura (para além da informação da Segurança Social, de acordo com o testemunho da filha, «BB», que se lembre, a sua mãe só trabalhou no infantário. Fora disso, só nas senhoras) – cujo valor não chegaria ao valor do Salário Mínimo Nacional, de acordo com os factos provados. 8 – Tendo celebrado contrato com o Centro Social e Paroquial da ..., o mesmo teve início a 01 de Março de 2010 e cessou a 13 de Março de 2010 – auferindo o correspondente a 9 dias de trabalho e não 1 mês completo de salário, naturalmente. 9 – Celebrou novo contrato com a mesma instituição, com inicio a 22 de Março de 2010 – recebendo o salário devido por 13 dias de trabalho. Ainda assim, o que recebeu na totalidade respeitante ao mês de Março não foi 1 salário completo. 10 – Em Abril de 2010 recebeu o salário correspondente a 12 dias de trabalho. A lesão ocorreu no dia 13.04.2010 e a Autora não voltou a trabalhar. 11 – Resulta evidente que a Autora nunca teve rendimentos de trabalho acumulados que ascendessem ao valor de € 1.000,00 mensais ou sequer ao Salário Médio Nacional. 12 – Errando, pois, a sentença ao tomar como critério aquele valor para o cálculo do valor indemnizatório. 13 – Face ao exposto, deverá ser dado provimento ao pretendido pelo ora Recorrente, alterando-se a sentença recorrida no sentido de ser utilizado como critério para contabilizar o valor indemnizatório o valor do Salário Mínimo Nacional à data de 2010 ( € 475,00). Contra-alegou a Autora, concluindo: 1. Veio o Recorrente Centro Hospitalar ... EPE interpor recurso da douta sentença recorrida, no que concerne ao quantum indemnizatório e aos critérios utilizados pelo Tribunal a quo para calcular tal valor. 2. Alegando em suma não poder concordar com a forma como foi efetuado o cálculo do valor indemnizatório, entendendo que a douta sentença padece de erro de apreciação factual e jurídica. 3. No que concerne à matéria de facto, vem o Recorrente alegar em suma que devem ser acrescentados pontos à matéria de facto, alegando ainda que deverá ser eliminado o facto provado SSSS) da matéria de facto dada como provada, sendo dado como não provado. 4. Sucede que, no que concerne aos pontos indicados pelo Recorrente como matéria a acrescentar à matéria de facto dada como provada, com o devido respeito, entende a Recorrida que o Recorrente não esclarece o efetivo alcance da sua pretensão. 5. Limitando-se a indicar que devem os mesmos ser acrescentados sem qualquer explicação do seu raciocínio e do motivo pelo qual a omissão de tais factos constituiria um erro na apreciação da matéria de facto por parte do tribunal a quo que impusesse a sua alteração. 6. Motivo pelo qual, se entende que deverá tal pretensão ser julgada improcedente. 7. Por outro lado, alega ainda o Recorrente que deverá ser eliminado o ponto SSSS) da matéria de facto dada como provada. 8. Alegando que as testemunhas indicadas pela Autora não terão mencionado quaisquer valores concretos, sem que, contudo, sejam indicadas as concretas passagens da prova produzida em que se baseia para o efeito. 9. Acresce que, para além disso, invoca o Recorrente que o valor dado como provado é inverosímil. 10.Limitando-se contudo a efetuar meras considerações subjetivas quanto à matéria constante de tal facto. 11.Não se baseando na prova concretamente produzida para fundamentar o invocado erro na apreciação da matéria de facto. 12.Ora, o tribunal a quo, em sede de motivação explicitou a prova produzida e a forma como formou a sua convicção quanto aos factos constantes das alíneas PPPP) a TTTT) e nomeadamente quanto aos factos da alínea SSSS). 13.Acresce que, nos termos do disposto no 607.º n.º 5 do Código de Processo Civil, vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da livre apreciação da prova, sendo que, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo o juiz segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. 14.Devendo o tribunal a quo explicitar na sentença as provas em que se baseou para alcançar a decisão proferida quanto à matéria de facto e o seu raciocínio lógico. 15.O que se entende ter sido realizado pelo tribunal a quo. 16.Por outro lado, resulta do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição designadamente os concretos meios probatórios que no seu entendimento impunham decisão diversa. 17.O que se entende que não ocorreu nos presentes autos, não se encontrando indicadas de forma discriminada os concretos meios de prova que entende o Recorrente imporem a alteração da matéria de facto, nomeadamente da alínea SSSS) da mesma. 18.Pelo que, salvo melhor opinião, entende a Recorrida, que deverá a requerida alteração da matéria de facto improceder. 19.Acresce ainda que, vem o Recorrente colocar em causa o valor considerado para efeitos de fixação do valor indemnizatório quanto aos danos patrimoniais decorrentes da perda da capacidade de ganho. 20.No que concerne em concreto aos montantes auferidos pela Recorrida à data do acidente, o resultante da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e por conseguinte da matéria de facto dada como provada é que a essa data auferia a Recorrida o valor mensal aproximado de € 925,00. 21.Contudo, salvo melhor entendimento, não foi com base nos rendimentos concretamente auferidos pela Recorrida à data do acidente que foi fixada a indemnização devida pelo dano biológico. 22.De facto, no que a este dano concerne resulta da douta sentença recorrida que devendo o valor pelos danos futuros na sua vertente patrimonial, jurisprudencialmente denominados de dano biológico, ser fixados de forma equitativa, considerou o indicado tribunal para efeitos de cálculo o salário médio a nível nacional em Portugal à data do acidente ocorrido no ano de 2010. 23.Resultando de facto do link constante da douta sentença para o website www.pordata.pt, ser o salário médio nacional em 2010 de € 899,00. 24.Ora, perante a impossibilidade de colocar o lesado na situação em que o mesmo se encontraria caso não se tivessem verificado os factos em causa nos presentes autos, mas impondo-se que seja o mesmo ressarcido pela situação em que ficou, o valor indemnizatório por tal dano patrimonial futuro, sendo indeterminado, deve ser fixado equitativamente, nos termos do disposto no art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil. 25.Ora, para efeitos desde dano, denominado pela jurisprudência dano biológico, na sua vertente patrimonial, vem entendendo a jurisprudência que deve ser o mesmo valorado como dano patrimonial futuro, considerando-se assim a situação do lesado que, por efeito das lesões decorrentes de acidente, fica portador de sequelas que, embora compatíveis com o eventual exercício de uma atividade profissional, implicam esforços suplementares. 26.Sendo que, no caso em apreço, conforme resulta da douta sentença recorrida que a Recorrida tinha apenas 37 anos de idade à data do acidente, tendo ficado com a mão direita, que era a sua mão dominante, sem qualquer força, ficando a padecer de um défice de 22 pontos. 27.Determinando tal situação a impossibilidade de a mesma desenvolver a atividade de costura a que se dedicava, bem como de forma adequada as tarefas domésticas e os outros trabalhos a que se dedicava. 28.Pelo que, as sequelas do acidente em causa afetaram de forma profunda e grave a sua capacidade futura não só de desempenhar adequadamente uma atividade profissional, mas também o desempenho das demais tarefas do dia-a-dia (higiene pessoal, cozinhar, vestir-se, efetuar limpezas, etc) e outras atividades por si realizadas. 29.Devendo para efeitos do cálculo de tal dano considerar-se nomeadamente: “a idade do lesado, o grau de incapacidade geral permanente, as potencialidades de aumento de ganho (quer na sua profissão quer numa outra), a conexão entre as lesões e as exigências da sua actividade profissional habitual e a esperança média de vida.” – vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07/02/2023, proc. n.º 193/21.3T8PVZA.P1. 30.O que foi cumprido pelo tribunal a quo, tendo tais elementos em consideração na fixação da indemnização fixada. 31.Entendendo assim a Recorrida que bem andou o tribunal a quo no valor fixado a título de indemnização do dano biológico na sua vertente patrimonial, revelando-se o valor fixado adequado e equitativo em face das circunstâncias do caso concreto. 32.Devendo por conseguinte improceder o recurso pela Recorrente interposto também neste ponto, mantendo-se na íntegra a douta sentença recorrida. 33.Nestes termos, entendem os Recorridos que bem andou o tribunal a quo na decisão proferida, pelo que, deve ser julgado totalmente improcedente o douto recurso interposto, mantendo-se na íntegra a douta sentença recorrida A recorrente [SCom01...] conclui: 1) Muito recentemente, foi proferido um brilhantíssimo acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a 25.02.2021, no âmbito do processo com o nº 852/17.5T8AGH.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, onde nos surge um novo conceito de dano biológico; 2) Para conceptualização desta figura não relevam as consequências de ordem patrimonial, sendo feito um enquadramento geral de todas as implicações que as lesões acarretam na execução de tarefas quotidianas, numa tentativa de abarcar todas as repercussões negativas, em qualquer domínio em que se desenvolva a personalidade humana; 3) Trata-se de enquadrar o dano biológico como um dano evento, ressarcivel, pela sua transversalidade, de forma igual a todos os indivíduos que o sofram, fazendo-se a sua adequação ao caso concreto através da gravidade do dano, a qual terá de ser apurada, obrigatoriamente, por meio de analise médico legal e da sua idade; 4) Para este efeito, para esta transversalidade, contribuem de sobre maneira as tabelas de avaliação do dano, designadamente aquelas que constam da portaria 377/2008. 5) A utilização de critérios, objetivos para o cálculo do valor a arbitrar a título de dano biológico permite que a equidade não se torne em arbitrariedade; 6) Compulsada a fundamentação da Sentença a quo, designadamente na parte em que o MMº Juiz do Tribunal “a quo” se debruça sobre o quantum indemnizatório a arbitrar - no âmbito do dano sobre o qual agora nos ocupamos - percebemos que, não sendo o mesmo ininteligível, carece de reparos quanto à fórmula de cálculo utilizada. 7) A Apelada sofreu um sinistro no dia 13 de abril de 2010, do qual resultaram lesões na sua mão direita. Tais lesões só viriam a consolidar-se no dia 16 de março de 2016, volvidos 2165 depois. 8) Durante este período, pelas perdas salariais associadas à incapacidade laboral que padeceu, o ponto de partida do cálculo, não poderá ser outro, se não o valor da remuneração líquida da lesada à data do sinistro, ao contrário do entendido pelo Tribunal a quo. 9) Olhando para os factos provados, vertidos em PPPP), QQQQ), RRRR), e SSSS), verificamos que a Apelada tinha um contrato de trabalho a termo resolutivo incerto no qual auferia o valor bruto de €475,00 correspondente a € 422,73 deduzido o valor da Segurança Social de 11%. 10)A Apelada auferia outras quantias não declaradas, a título de limpeza, serviços domésticos e trabalhos de costura, no valor total de € 450,00, correspondendo ao valor líquido de € 427,53 [subtraída a taxa contributiva de 21,4% sobre o rendimento relevante]. 11)A Apelada auferia, assim, o montante líquido de € 850,26, sendo certo que, para efeitos do valor anual a considerar, teremos de discriminar o montante de 422,73 x 14 = 5.918,22, acrescido do montante de 427,53 x 12 = 5.130,36. 12)Anualmente, a Apelada auferia a quantia total de € 11.048,58, [5.918,22 + 5.130,36], sendo-lhe devida a quantia de € 66.291,48 [€ 11.048,58 x 6], pelas perdas salariais durante o período de incapacidade laboral de seis anos. 13)Com base no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, com o n.º de processo 6705/14.1T8LRS.L1.S1, de 21-01-2021, disponível em www.dgsi.pt., releva para o cálculo de indemnizações por danos patrimoniais, passados ou futuros a remuneração líquida do lesado. 14)Para efeitos de cálculo do dano biológico na sua vertente patrimonial, deverá ser considerado o valor da remuneração líquida da Apelada, auferida à data do sinistro, no valor anual de € 11.048,58. 15)À data da consolidação das lesões (16.03.2016), a Apelada tinha 43 anos de idade, o que significa que teria pela frente, previsivelmente, 36,6 anos de vida biológica (estimando-se a esperança média de vida em 79,6 anos à data do sinistro) e 22 anos de vida ativa (idade de reforma de 65 anos à data do sinistro). 16)Pelo período de 22 anos de vida ativa, com um valor anual de retribuição de € 11.048,58 e, um défice funcional permanente da integridade física fixável em 22 pontos, corresponde o valor indemnizatório de € 53.475,13 [€ 11.048,58 x 22= 243.068,76 x 22% = 53.475,13], a título de dano biológico na vertente patrimonial. 17)Pelo período de 14,6 anos de vida biológica, em que receberia uma pensão de velhice, tomando por base os valores da pensão mínima no regime da Segurança Social à data do sinistro, no valor de € 246,36 mensais, teríamos para o referido período de 14,6 anos uma quantia de € 11.078,32 (€246,36x 14= 3.449,04 x 14,6 anos = 50.355,98 x 22% = € 11.078,32), que a somar à referida quantia de € 53.475,13 dará um total de €64.553,45, ao qual, aplicando uma depreciação de 1/3 pela disponibilização integral e antecipada da indemnização levaria ao valor de € 43.035,63. 18)Os valores utilizados foram obtidos por consulta no site da pordata, disponíveis para consulta em www.pordata.pt. 19)No caso dos presentes autos, não se pode aceitar como equitativa uma indemnização de €177.097,98 a título de dano biológico, sendo o valor desadequado e excessivo, não correspondendo aos valores arbitrados pelo Supremo Tribunal de Justiça em casos análogos. 20)Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, com o n.º de processo 175/05.2TBPSR.E2.S1, de 10-11-2016, disponível em www.dgis.pt, que atribuiu uma indemnização pelo dano biológico no valor de € 100.000,00, a uma jovem com 18 anos à data do sinistro, estudante, com uma Incapacidade Permanente Geral de 31,20 pontos, cujo futuro profissional passaria por trabalhar no campo ou, como empregada doméstica, sendo que ficou totalmente inviabilizado o exercício de qualquer trabalho braçal. 21)Com base nas fórmulas apresentadas, o valor que se entende equitativo ao caso concreto, relativamente, às perdas salariais decorrentes dos seis anos de período de incapacidade laboral é de € 66.291,48 e, no que respeita ao dano biológico balizado entre 40.000,00€ e 45.000,00€. 22)A Apelante não se conforma com o valor arbitrado a título de danos não patrimoniais uma vez que da prova produzida, não resultou qualquer factualidade que sustente uma condenação de valor tão elevado; 23)A Apelante entende que o montante de € 50.000,00 atribuído a título de danos não patrimoniais não é adequado aos princípios de equidade e razoabilidade que devem pautar a aplicação da justiça; 24)A Apelante não pode aceitar, face á prova produzida, designadamente, à forma como acidente ocorreu, às lesões dai resultantes e ao período de recuperação, seja arbitrado um montante que é manifestamente elevado, desproporcional e iniquo. 25)A Apelada sofreu um dano estético de 4/7 e um quantim doloris de 4/7, pelo que o valor indemnizatório não poderia ser superior a €40.000,00. 26)Veja-se o Acórdão de 04.06.2015 que atribuiu o valor de €40.000,00 a um lesado com 17 anos, vários tratamentos médicos, intervenções e internamentos, alta mais de 4 anos depois do acidente, repercussões estéticas, quantum doloris de grau 6 e grave culpa da condutora do veículo causador do acidente. 27)O Tribunal “ a quo” deveria ter enquadrado a sua decisão por recurso a decisões análogas e colocar os factos dos presentes autos em comparação a outras situações, sendo que dessa comparação resultaria que efetivamente não estamos perante uma situação tão gravosa a de um jovem de 17 anos que passa por um calvário de 4 anos de recuperação e ao qual foi atribuído um quantum doloris de 6/6. 28) Face aos factos julgados como assentes no presente processo, designadamente a existência de um quantum doloris de 4 graus em sete possíveis, um dano estético de 4/7, a idade da Apelada (37 anos) e os transtornos e sofrimento, que naturalmente não sendo de extrema gravidade, merecem a tutela do direito, colocando tais factos em contraponto, por exemplo, com os factos dos Acórdãos atrás mencionados e transcritos, chegamos à conclusão que no âmbito dos presentes autos, os danos não patrimoniais em causa justificam uma indemnização que para ser equitativa e como tal justa e adequada ao caso concreto terá de ser de 40.000,00€. 29)Com o que, concedendo provimento ao recurso, alterando os valores arbitrados para o Dano Biológico, e Danos não Patrimoniais, farão V. Exas. a costumada J U S T I Ç A!! Contra-alegou a Autora, concluindo: 1. Veio o Recorrente [SCom01...] – COMPANHIA DE SEGUROS S.A. interpor recurso da douta sentença recorrida, no que concerne ao quantum indemnizatório e aos critérios utilizados pelo Tribunal a quo para calcular tal valor. 2. Alegando em suma considerar que os valores fixados no que concerne ao valor indemnizatório fixado para o dano biológico e dano não patrimonial se afiguram como desajustados e fixados com pressupostos inadequados. 3. No que concerne ao dano biológico, invoca a Recorrente em suma, ser o valor fixado exagerado, violador do princípio da igualdade, entendendo que deveria ter sido considerado como critério para fixação do quantum indemnizatório, a remuneração líquida da lesada à data do sinistro. 4. Resulta da douta sentença recorrida que para efeitos da fixação da indemnização do dano biológico foi utilizado como critério o salário médio nacional referente ao ano de 2010. 5. Ora, conforme vem sendo fixado pela jurisprudência, a ressarcibilidade do dano biológico, visa compensar o lesado, para além da presumida perda de rendimentos associada ao grau de incapacidade de que o lesado é portador, também da inerente perda de capacidades e competências, mesmo que essa perda não esteja imediata e totalmente refletida ao nível do rendimento auferido. 6. Pretendendo-se ao fixar a compensação do dano biológico indemnizar o lesado pela eventual restrição ao exercício de uma profissão, mudança de profissão, progressão profissional, todas essas opções possivelmente afetadas pelo grau de incapacidade de que fique e padecer e ainda indemnizar o lesado pelo acrescido grau de penosidade e esforço experimentado pelo lesado, no seu quotidiano, decorrentes das lesões sofridas e da incapacidade das mesmas decorrentes. 7. Ora, perante a impossibilidade de colocar o lesado na situação em que o mesmo se encontraria caso não se tivessem verificado os factos em causa nos presentes autos, mas impondo-se que seja o mesmo ressarcido pela situação em que ficou, o valor indemnizatório por tal dano patrimonial futuro, sendo indeterminado, deve ser fixado equitativamente, nos termos do disposto no art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil. 8. Devendo de acordo com a jurisprudência, considerar-se para efeitos do cálculo: “a idade do lesado, o grau de incapacidade geral permanente, as potencialidades de aumento de ganho (quer na sua profissão quer numa outra), a conexão entre as lesões e as exigências da sua actividade profissional habitual e a esperança média de vida.” – vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07/02/2023, proc. n.º 193/21.3T8PVZA.P1. 9. Ora, para efeitos deste dano, denominado pela jurisprudência dano biológico, na sua vertente patrimonial, vem entendendo a jurisprudência que deve ser o mesmo valorado como dano patrimonial futuro, considerando-se assim a situação do lesado que, por efeito das lesões decorrentes de acidente, fica portador de sequelas que, embora compatíveis com o eventual exercício de uma atividade profissional, implicam esforços suplementares não só na sua atividade profissional mas também nas demais atividades do seu quotidiano. 10.Sendo que, no caso em apreço, conforme resulta da douta sentença recorrida, a Recorrida tinha apenas 37 anos de idade à data do acidente, tendo ficado com a mão direita, que era a sua mão dominante, sem qualquer força, ficando a padecer de um défice de 22 pontos. 11.Determinando tal situação a impossibilidade de a mesma desenvolver a atividade de costura a que se dedicava, bem como de forma adequada as tarefas domésticas e os outros trabalhos a que se dedicava. 12.Pelo que, as sequelas do acidente em causa afetaram de forma profunda e grave a sua capacidade futura não só de desempenhar adequadamente uma atividade profissional, mas também o desempenho das demais tarefas do dia-a-dia (higiene pessoal, cozinhar, vestir-se, efetuar limpezas, etc) e outras atividades por si realizadas. 13.Elementos que terão necessariamente e ser valorizados na indemnização a fixar, como o foram no caso concreto – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07/02/2023, proc. n.º 193/21.3T8PVZ-A.P1. 14.Ora, no caso em apreço, o tribunal a quo, tal, como em situações anteriores a nível jurisprudencial, para efeitos de fixação de indemnização pelo dano biológico recorreu ao salário médio nacional à data do acidente ocorrido, ou seja 2010 - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28 de Maio de 2013, no Proc. n.º 1394/08.5TBTNV.C1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28 de Maio de 2013, no Proc. n.º 1394/08.5TBTNV.C1 15.Tendo assim, o tribunal a quo, perante a dificuldade de obtenção de um valor exato de indemnização, mas perante a gravidade das sequelas de que a Recorrida ficou portadora – veja-se factos provados nas alíneas AAAA) a VVVV), que importam um défice funcional permanente fixável em 22 pontos, tendo de facto a mão direita da Recorrida, sua mão dominante, ficado sem força e praticamente inutilizada, procurado fixar indemnização justa, equitativa e adequada ao caso concreto, sem contudo deixar de socorrer-se de uma base objetiva de cálculo 16.À semelhança, como referido supra, do realizado em jurisprudência recente e supra citada. 17.Entendendo por conseguinte a Recorrida, com o devido respeito por entendimento diverso que se afigura a indemnização fixada pelo tribunal a quo como justa, equitativa e adequada ao caso concreto. 18.Não assistindo qualquer razão à Recorrente no por si invocado em sede de recurso, pelo que, deverá o mesmo improceder na sua totalidade, mantendo-se na íntegra a douta decisão recorrida. 19.Vem ainda a Recorrente impugnar a decisão proferida no que concerne ao valor fixado a título de danos não patrimoniais. 20.Ora, foi pelo tribunal a quo fixado o valor de € 50.000,00 a título de danos não patrimoniais, valor esse que, contrariamente ao alegado pela Recorrente se entende ser justo e adequado ao caso concreto. 21.Encontrando-se aliás a fixação de tal valor devidamente fundamentada na douta decisão recorrida – cfr. págs 73 e 74. 22.Ora, determina o n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil que: ”Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.” 23.Sendo que, no que concerne à determinação do valor de indemnização por danos não patrimoniais a lei determina que a mesma seja realização através de uma valoração casuística, orientada por critérios de equidade conforme disposto nos artigos 494.º e 493.º do Código Civil. 24.Devendo assim atender-se aos elementos do caso concreto e à gravidade dos danos sofridos pela parte, neste caso pela Recorrida. 25.Não devendo a indemnização a fixar a título de danos não patrimoniais ser miserabilista, mas constituir sim uma verdadeira compensação pelos danos sofridos – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.07.2002, in CJ, p. 134 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08-06-2022, proc. n.º 297/20.0T8MAI.P1 26.Sendo certo que, o tribunal a quo, como mencionado supra, ao fixar o valor da indemnização devida teve em consideração e fundamentou o valor em elementos concretos e designadamente no sofrimento que toda a situação causou à ora Recorrida. 27.Não só a nível físico, mas também a nível psicológico. 28.Tendo a Recorrida alegado factos concretos no que concerne aos danos não patrimoniais por si sofridos, os quais foram dados como provados – veja-se nomeadamente as alíneas AAAAA) a GGGGG) da matéria de facto dada como provada. 29.Sendo de notar que antes da lesão sofrida a Recorrida era uma pessoa ativa a nível laboral, desempenhando várias atividades (trabalhava numa escola, fazia limpezas e fazia trabalhos de costura), fazendo todas as tarefas domésticas. 30.Tendo apenas 37 anos de idade. 31.Em consequência do acidente a Recorrida sofreu um quantum doloris de 4/7 e um dano estético de 4/7. 32.Tendo-se a situação arrastado durante cerca de cinco anos, sendo a Recorrida submetida a duas cirurgias que em anda melhoraram a situação funcional da sua mão direita, vindo a consolidar-se as sequelas num dano de 22 pontos. 33.Vendo-se a Recorrida impedida de desenvolver as atividades que antes desenvolvia, como a costura, limpezas para terceiros e mesmo as tarefas domésticas que antes realizava. 34.Tendo durante muito tempo não conseguido sequer assegurar a sua própria higiene pessoal. 35.Com todas as implicações que tais factos causaram a nível psicológico. 36.Sendo que conjugando tais factos dados como provados, com os demais dados como provados quanto à situação ocorrida, sua evolução, lesões sofridas pela Recorrida, dano permanente, cirurgias e tratamentos a que foi submetida, tempos de espera referentes aos mesmos e todas as implicações que tais factos tiveram necessariamente na sua vida pessoal e em si a nível físico e psíquico, necessariamente se terá de concluir assumirem no caso em apreço os danos não patrimoniais pela Recorrida sofridos uma gravidade tal que não só têm necessariamente que ser indemnizados, como que, a indemnização fixada em nada se afigura como excessiva, mas sim adequada e justa. 37.Não assistindo qualquer razão à Recorrente no por si invocado em sede de recurso, pelo que, deverá o mesmo improceder na sua totalidade, mantendo-se na íntegra a douta decisão recorrida. 38.Nestes termos, entendem os Recorridos que bem andou o tribunal a quo na decisão proferida, pelo que, deve ser julgado totalmente improcedente o douto recurso interposto, mantendo-se na íntegra a douta sentença recorrida. A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta foi notificada nos termos do art.º 146º, nº 1, do CPTA, não emitindo parecer. * Dispensando vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir. * Os factos, fixados como provados pelo tribunal “a quo”: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] * A apelação: Após desenvolta apreciação dos pressupostos de responsabilidade civil extracontratual, que deu como verificados relativamente a dois dos réus, e perante as circunstâncias apuradas (justificadas com desafogada motivação), o Mmº juiz do tribunal “a quo” julgou parcialmente procedente a acção, estatuindo: 1) Condeno o Centro Hospitalar ..., E.P.E. a pagar à autora «AA» a quantia de 68.129,40, acrescida de juros de mora calculados nos termos supra fixados; 2) Condeno o Centro Hospitalar ..., E.P.E, bem como o réu «CC» e a interveniente [SCom01...], solidariamente, e em relação aos últimos dois, nos termos decorrentes do contrato de seguro, a pagar à A. quantia de 158.968,58, acrescida de juros de mora, nos termos fixados supra, absolvendo-se do demais peticionados; 3) Absolvo dos pedidos os réus «DD», «EE» e «FF», bem como as intervenientes principais [SCom03...], S.A. e [SCom01...], enquanto seguradoras dos anteditos réus. Na presente instância não é questionada a verificação dos pressupostos de que brota a obrigação indemnizatória, nem o garante da Seguradora interveniente, estando apenas em causa a fixação do seu montante, nos termos suscitados nas conclusões do recurso. A obrigação de indemnizar deve reconstituir a situação que existiria “se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (art.º 562º do CC); não sendo isso possível ou quando a reconstituição natural não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro (art.º 566º do CC); e se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará segundo a equidade (art.º 566º, n.º 3, do CC). Estes os princípios básicos. Vejamos o caso presente. Os recorrentes discutem agora o acerto do “quantum” indemnizatório. No ponto, depois de contextualizar, e também depois de observar que “provou-se que a A. suportou a quantia de €29.35 com as consultas preparatórias da cirurgia realizada ao túnel cárpico, que conforme se deixou referido supra não se mostrava adequada à lesão sofrida pela mesma, tendo ainda custeado a consulta de ortopedia com o Dr. «GG», no montante de €95,00, cuja razão de ser se prende com uma tentativa de buscar um diagnóstico, e um tratamento, atenta a atuação omissiva dos três primeiros réus. Provou-se ainda que a A. suportou, a final, o valor de €115,16 com as consultas e fisioterapia realizadas na Santa Casa da Misericórdia ...”, verteu primeiro na decisão recorrida: «Para cálculo da indemnização a atribuir à A. nesta sede, pela diminuição de rendimentos advenientes da limitação que a mesma passou a sofrer pela perda da sua capacidade de ganho, ou dano biológico, seguindo-se a jurisprudência que se deixou elencada, contrariamente ao reclamado pela A. não será de atender aos rendimentos que a mesma reclama ter perdido, os quais sempre serão contingenciais, sob pena de a perda da capacidade de ganho, ou dano biológico, enquanto dano patrimonial, poder ser valorada assim de forma distinta consoante, por exemplo, um contrato a termo incerto tivesse já cessado ou não, ou de uma pessoa estar transitoriamente desempregada. A ser como defende a A., cessando o contrato a termo incerto em maio de 2010, como cessou, o dano patrimonial desapareceria, pelo que, entende o Tribunal que a diminuição do rendimento por perda da capacidade produtiva peticionada, terá de seguir o modelo de cálculo constante da jurisprudência invocada quanto ao dano biológico. Assim, atenta a jurisprudência que se elencou supra, e estando em causa o dano patrimonial decorrente do impacto da lesão na atividade profissional da A., dever-se-ão observar critérios objetiváveis, que reduzam a contingência do momento, tendo-se de atentar, ao invés, à idade da sinistrada, e na esperança média de vida, à data do sinistro, bem como o rendimento médio mensal, e a perda de capacidade de ganho que a mesma teve, no caso, o défice de que ficou a padecer. Ora, a autora nasceu em 1/03/1973, tendo 37 anos de idade à data do acidente que o vitimou. À data do acidente, o salário médio nacional era de cerca de €899,00, segundo os dados disponível em https://www.pordata.pt/portugal/salario+medio+mensal+dos+trabalhadores+por+conta+de+outrem+remuner acao+base+e+ganho+por+sexo-894, pelo que a respetiva remuneração anual pelo trabalho produzido no ano em causa ascenderia a €12.586,00 (€910,00 x 14). No que se refere à esperança média de vida de uma mulher em 2010, esta era de 79,6 anos pelo que aquando do acidente, era expectável que a A. vivesse por mais 42,6 anos (vide https://www.pordata.pt/Portugal/Esperan%C3%A7a+de+vida+%C3%A0+nascen%C3%A7a+total+e+por+sex o+(base+tri%C3%A9nio+a+partir+de+2001)-418). Em face de tal, era expetável que no período que resta à A., contado desde a produção do evento, este viesse a auferir a quantia de €536.163,60 (€12.586,00x 42,6 anos). Como resulta do probatório, as lesões sofridas pela A. são compatíveis com o exercício de uma atividade profissional, ainda que não algumas daquelas que desempenhava, não obstante implicarem um esforço maior, o que advém do facto de a mesma padecer de um défice de 22 pontos. Assim, tal défice terá de ser considerado como a limitação da mesma para obter o rendimento esperado de €536.163,60, e, nesse sentido, o valor da indemnização a atribuir nesta parte. Porém, tal apenas será de considerar após16/03/2016, porquanto, conforme resulta da al. IIII) do probatório, até então verificava-se a incapacidade profissional total da A. Assim, no que concerne aos primeiros 6 anos, na indemnização a atribuir à A. ter-se-á de considerar uma indemnização anual de €12.586,00, sendo que, nos restantes 36,6 anos, considerar-se-á um défice de 22 pontos. Deste modo, com recurso à equidade, fixa-se ao A., a título de dano patrimonial decorrente da parte de capacidade de ganho, o montante de €176.858,47 [(6x€12.586,00)+(460.647,6x22%)]. Considerando o que se deixou exposto, a título de danos patrimoniais, reconhece o Tribunal o direito à A. a ser indemnizada no montante de €177.097,98 (€176.858,47+€29,35+€95,00+€115,16). No que se refere aos danos morais, apurou-se que a A. sofreu dores quantificadas no grau 4, numa escala de sete pontos, dores que ainda hoje sente, mesmo que, atualmente, contribua para as mesmas uma radiculopatia de que padece [cfr. al. JJJJ) do probatório]. Provou-se igualmente que a A. sofreu um dano estético de 4 graus, numa escala de 7 [cfr. al. KKKK) do probatório]. Todavia, o mais significativo, é o facto de, atualmente, a A. ter uma mão direita sem qualquer força, mão essa que era a mão dominante, impedindo-a de executar as atividades que importem a mobilização da mesma mão. E tal surgiu na vida da A. numa altura em que a mesma tinha 37 anos, um marido com incapacidade impossibilitado de trabalhar a auferir uma pensão de €303,00, e quatro filhos em idade escolar. A A. era responsável por cerca de três quartos do rendimento familiar, pelo que, com a perda de função da sua mão direita, que como se disse era mão dominante, e até ter aprendido a executar todas as funções possíveis com a sua mão esquerda, aquela deixou de poder trabalhar, situação que, de acordo com o exame pericial, se manteve até 16/03/2016. Tal facto, para além de fazer a A. passar dificuldades, fez com que os seus filhos, menores, passassem dificuldades, o que causou na mesma uma situação de tristeza, e ansiedade profunda, conducente a um quadro depressivo, conforme explicado pela sua médica de família. Para além da A. ter perdido a sua fonte de rendimento, não teve igualmente direito a subsídio de desemprego, pelo que enfrentou uma situação de grande debilidade financeira. Valeu à sinistrada, e ao seu agregado familiar, o apoio da sua família, que contribuía para as despesas básicas, como água, luz e gás, ou alimentação. Concomitantemente, a A. viu o tempo passar sem o tratamento indicado, assistindo a um degradar da condição física da sua mão direita, causando-lhe preocupação, e acentuando a tristeza que sentia. A evidência de tal é o episódio de um AIT vertido na al. UUU) do probatório, como resultando do estado nervoso que a A. vivenciava. Como se mostrou provado, a A. passou a ter dificuldade em dormir, chorando frequentemente. Note-se que a não reparação das lesões, com a progressiva perda de faculdades da mão, não teve apenas consequências relevantes ao nível laboral para a A., mas igualmente ao nível pessoal. Efetivamente, esta deixou de ser capaz de fazer as atividades próprias do dia a dia, como cozinhar, lavar a roupa ou limpar a casa, o que, numa casa com quatro crianças menores, e sem capacidade financeira para ter uma ajuda profissional neste campo, será obviamente uma situação difícil. Porém, mais relevante que isso, é que a A. perdeu, ainda que temporariamente, a capacidade para desempenhar tarefas essenciais que dizem respeito à própria, como são o assegurar de forma autónoma os cuidados básicos de higiene, ou vestir-se, passando a depender de terceiros para tal, o que, só por si, e conforme foi visível em audiência de julgamento, foi particularmente doloroso para a A.. Acresce que, a situação em causa protelou-se no tempo, padecendo a A. com o arrastar da mesma, sendo submetida a sessões de fisioterapia, mantida na expectativa quanto à realização de cirurgia, e aguardando por quase um ano e meio a realização da mesma. Que nunca viria a ter lugar. Apenas cerca de dois anos após o sinistro é que viria a A. a ser intervencionada, e logo para realizar uma cirurgia que não seria aquela que a mesma necessitava, e que não estava de acordo com a lesão de base que a mesma havia sofrido, no que resultou para aquela apenas numa cicatriz. Assim, por todo o sofrimento, dores, e privações que a A. experienciou, e ainda experiencia, bem como a idade da mesma à data, tem-se por adequada a indemnização a título de danos morais de €50.000,00. As indemnizações atribuídas a título de dano biológico e dano não patrimonial estão igualmente de acordo com a mais recente jurisprudência, veja nomeadamente o ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 8/11/2022, Processo 2133/16.2T8CTB.S1, no qual, perante um défice funcional permanente de 15 pontos, mas com idade superior à da autora, foi confirmada uma indemnização de €70.000,00 a título de danos morais, ou do mesmo Tribunal, no processo 1364/06.8TBBCL.G1.S2 em que, para uma sinistrada com 40 anos, e com 6% de afetação e uma indemnização por dano biológico de 25 mil, se considerou em matéria de danos não patrimoniais “a natureza das lesões sofridas, os períodos de internamento e de convalescença, os tratamentos a que teve, sucessivamente, de se submeter, as sequelas com que ficou e a repercussão na sua vida quotidiana, o grau de quantum doloris fixado em 4 pontos numa escala crescente de 1 a 7, o sofrimento que, segundo as regras da experiência”, e se fixaram 20 mil euros. Também o STJ, em acórdão proferido em 7/1/2010 onde para um menor se fixou uma indemnização por danos não patrimoniais de 45 mil euros, considerando-se que “sofreu lesões várias (fratura exposta da perna esquerda e equimoses no braço esquerdo) que o sujeitaram a tratamentos médicos diversos (tratamento com tração e gesso, imobilização da perna) e determinaram uma IPP de 5% compatível com o exercício das atividades escolares. Veja-se ainda o ac. do T.R. de Guimarães, de 27/02/2020, Processo n.º 4000/16.0T8BRG.G1 , onde se atribuiu uma indemnização de €40.000,00 a título de danos não patrimoniais, a uma sinistrada com défice funcional permanente de 22,4 pontos, com cerca de 55 anos à data do sinistro. Considerando tudo quanto de deixou exposto, mostra-se assim devida à autora a indemnização a título de danos patrimoniais de €177.097,98, e a título de danos não patrimoniais, num total de €50.000,00, no montante global de €227.097,98.». Vendo então dos recursos, e em conjunta análise. O tribunal “a quo” orientou-se na solução alcançada pelo reconhecimento de um dano biológico, vendo da sua repercussão. Convocando no ponto a censura dos recursos. É hoje consensual na jurisprudência que ao arbitrar-se indemnização pelo dano patrimonial futuro deve ter-se em consideração não apenas a parcela dos rendimentos salariais directa e imediatamente perdidos em função do nível de incapacidade laboral do lesado, mas também o dano biológico sofrido pelo lesado, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre; como referido no Ac. do STJ, de 09.05.2023, proc. n.º 7509/19.0T8PRT.P1.S17509/19, “o dano biológico que emerge da incapacidade geral permanente, de natureza patrimonial, reclama a indemnização por danos patrimoniais futuros, independentemente de o mesmo se repercutir no respectivo rendimento salarial, consubstancia um “dano de esforço”, na medida em que o lesado para desempenhar as mesmas tarefas e obter o mesmo rendimento, necessitará de uma maior actividade e esforço suplementar”; a determinação do quantum indemnizatório surge como uma tarefa particularmente difícil em relação aos danos futuros porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que implica uma previsão sobre dados só verificáveis no futuro; e por isso é que tais danos se devem calcular segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, no caso concreto, poderá vir a acontecer, seguindo as coisas o seu curso normal e, se, mesmo assim, não puder apurar-se o seu valor exato, deverá o tribunal julgar segundo a equidade; como no caso, desde logo pela evidência de ser impossível determinar por quantos anos ainda viverá a Autora; como assim há que julgar equitativamente, “dentro dos limites que tiver por provados” (art.º 566, nº 3, do CC). Uma primeira atenção à matéria de facto. O recorrente Centro Hospitalar aponta que “Deve ser retirado do facto provado SSSS) “dos quais retirava uma quantia mensal média de € 250,00”, dando-se tal valor como não provado.”. Em motivação, o Mmº juiz exarou: «No que se refere à factualidade provada nas als. PPPP) a TTTT), em causa estão factos próprios da A., provados pelas declarações da mesma, mas também pelos depoimentos do seu marido, «HH», filha, «BB», e mãe, «II». Conforme explicou a A., e resulta demonstrado pelos docs. n.º 11 juntos com a petição inicial, à data do sinistro, esta encontrava-se a trabalhar, segundo um contrato a termo, no Jardim de Infância, onde desempenhava as funções de auxiliar, onde para além da supervisão das crianças, da limpeza do espaço, fazia ainda pequenos trabalhos de costura, como arranjos em bibes, ou lençóis. As demais testemunhas supra referidas confirmaram igualmente o exercício desta função. Para além deste trabalho, provou-se que a A. prestava trabalho na área de limpeza em dois locais, cobrando, num dos casos, €5,00 e no outro €6,00. Os valores em causa mostram-se normais em relação à data em causa, pelo que, tendo tal atividade sido igualmente confirmada pelas referidas testemunhas, mostraram-se críveis as declarações da A.. O mesmo se diga em relação à realização de trabalhos de costura, o que resulta das declarações da A., era uma atividade muito apreciada pela mesma, que referiu fazer pequenos trabalhos em casa, como igualmente o confirmaram o seu marido e a sua filha, situando a A. os seus ganhos entre €250,00 e €280,00 mensais. Relativamente ao marido da A., ficou igualmente provado que, à época, o mesmo já se encontrava incapacitado, na sequência de um acidente de trabalho que sofreu, recebendo então uma pensão mensal de €303,00, como confirmado pelos depoentes [cfr. al. TTTT) do probatório].». O recorrente evidencia que o dito mensal por trabalhos de costura só encontrou apoio nas declarações de parte, reputando-o, na envolvência que indica e pelo senso de experiência, de não credível. Mas impera a liberdade de julgamento, não se mostrando que se “imponha” - como seria mister a uma modificação - diverso julgamento; o recorrente circunscreve os clientes à localidade de residência; mas, a poucos Km de uma cidade média, e com labor apreciado, não é desajustado pensar que o seu universo pudesse ser maior, e o desempenho valorizado; bem que sem facilidade, não se mostra de todo inviável que mesmo que fossem “MUITOS” os trabalhos que tivesse que fazer estes não estivessem ao seu alcance; sobretudo por quem daí tem sentida necessidade de tirar provento, mais que mero conforto de ajuda. O recorrente aponta também que: – Porque relevantes e decorrentes de documentos juntos aos autos, devem ser acrescentados à matéria provada os seguintes factos: - A Autora celebrou com o Centro Social e Paroquial da ..., em 01.03.2010, um contrato de trabalho a termo resolutivo incerto, com um horário semanal de 40 horas, que cessou a 13.03.2010 - A Autora celebrou com o Centro Social e Paroquial da ..., em 22.03.2010, um contrato de trabalho a termo resolutivo incerto, com um horário semanal de 40 horas - A Autora, decorrente de tais contratos, auferiu o vencimento correspondente a 9 + 13 dias respeitantes a Março/2010 e 12 dias respeitantes a Abril/2010, e respetivos valores de subsídio de férias e subsídio de Natal. Mas não há que acrescentar. Se bem alcançamos, o recorrente Centro Hospitalar assim entende em prol de, ao invés do que foi referência tida pelo tribunal “a quo” - salário médio nacional - antes ser considerado o salário mínimo nacional. Já a recorrente seguradora aponta que seja o rendimento líquido (então) auferido a servir de base. De resto, não colocam em causa - como a recorrida também não o faz - que a equidade possa ser alcançada com ajuda indicativa de lógica e fórmula matemática usada na decisão recorrida, ainda que no diferente preenchimento das variáveis e resultado final; e não está o julgador inibido de recorrer ao auxílio de tabelas financeiras ou de fórmulas matemáticas, sem prejuízo do critério legal de equidade; sendo certo que também nenhum contributo vem oferecido para que nos afastemos do resultado final, que assim alcançado lhes apraz, ainda que pelo que entendem que deve ser melhor cálculo. Ora, assim sendo, vejamos. Primeiro, sobre o dano patrimonial. «Cabe ao Tribunal projectar no futuro a produção de consequências negativas no património do lesado, com base nos elementos mais ou menos seguros que possua no processo, de acordo com padrões médios e considerando o decurso “normal” dos acontecimentos.» (Ac. RL, de 23-01-2024, proc. n.º 11741/19.9T8LRS.L1-7). «O artigo 564º do Código Civil reconhece e assegura que na fixação da indemnização devida possam ser atendidos os danos futuros desde que sejam previsíveis; aos danos futuros exige-se, assim, previsibilidade, não a sua verificação certa e necessária, já que a certeza do futuro não se pode prever, o que se pode é fazer aproximações à realidade, fazendo-se a transposição a partir de elementos conhecidos e da normalidade do seu desenrolar.» (Ac. deste TCAN, de 03-02-2020, proc n.º 3063/06.1BEPRT). O cálculo de uma indemnização ressarcitória deste tipo de danos implica um juízo de difícil prognose da vida futura do lesado no futuro, de mera probabilidade. O tribunal viu do dano biológico no reflexo directo de perda de capacidade de trabalho; justificará atender aos rendimentos quando se projecte que estes venham a sofrer uma diminuição efectiva por causa da incapacidade. Encontra-se adquirido: PPPP) À data em que sofreu a lesão, a A. trabalhava como auxiliar dos serviços gerais de lavandaria e limpeza no Centro Paroquial ..., após celebração de contrato de trabalho a termo resolutivo incerto, mediante a retribuição mensal de €475,00, estando incluídas nas suas funções a realização de trabalhos de costura; QQQQ) A A. fazia aos fins de semana limpezas numa pizzaria, num total de 4 horas semanais, pelas quais cobrava €5,00 por hora; RRRR) A A. prestava serviços domésticos a uma cliente em ..., fazendo 5 horas semanais ao preço de €6,00 por hora; SSSS) A A. fazia trabalhos domésticos de costura em casa, desde arranjos à confeção de peças de vestuário, dos quais retirava uma quantia mensal média de €250,00; WWWW) No período de janeiro de 2009 a maio de 2010, a A. tem apenas registadas contribuições nos meses de março a maio deste último ano. Relativamente ao que devemos ter como referência quanto ao nível de rendimentos, desde logo rejeitamos que, no caso, o salário mínimo nacional seja melhor escolha. Oferece sustento pensar que, certamente perante as dificuldades de vida enfrentadas, e não lhe bastando “rendimentos não declarados”, a Autora se aprestou a elevar o nível de rendimento percebido; bem que a Autora viesse ainda (só) recentemente a auferir o rendimento tributariamente declarado que se encontra apurado como trabalhadora por conta de outrem, nada contraria expectativa de que por aí seguisse o seu trem de vida, perante as gritantes necessidades familiares a que tinha de prover; alcançando soma de rendimento total que diverge significativamente ao salário mínimo então praticado, não sendo crível que para futuro houvesse de conformar-se com um valor correspondente ao salário que qualquer empresa é obrigada a pagar independentemente das habilitações ou da profissão exercida pelo trabalhador; não seria representativo quanto à perda, ao dano. O tribunal “a quo” serviu-se do salário médio nacional (notar-se-á que: anunciando que “o salário médio nacional era de cerca de €899,00”; servindo-se do valor de “€910,00”). Todavia, perfilhamos que “o critério do salário médio mensal destina-se às situações em que o lesado, devido ao facto de ainda não ter ingressado no mercado de trabalho (seja devido à sua idade, seja devido à circunstância de ainda não ter atingido a completude da sua formação profissional) não tem qualquer referência de réditos próprios, assim se evitando a adopção, por defeito, de um critério mínimo de rendimento (salário mínimo nacional), mas antes se logrando ponderação com base num rendimento médio, susceptível de introduzir melhores garantias de justiça equitativa” (Ac. RL, de 18-04-2024, proc. n.º 1559/20.1T8TVD.L1-2). Vemos - uma vez mais repetimos, no caso -, de melhor opção ir de encontro à posição da recorrente Seguradora, tomando por referência o rendimento líquido. Mas divergimos da base que propõe, de “montante líquido de € 850,26”, na consideração que faz: «9) Olhando para os factos provados, vertidos em PPPP), QQQQ), RRRR), e SSSS), verificamos que a Apelada tinha um contrato de trabalho a termo resolutivo incerto no qual auferia o valor bruto de €475,00 correspondente a € 422,73 deduzido o valor da Segurança Social de 11%. 10)A Apelada auferia outras quantias não declaradas, a título de limpeza, serviços domésticos e trabalhos de costura, no valor total de € 450,00, correspondendo ao valor líquido de € 427,53 [subtraída a taxa contributiva de 21,4% sobre o rendimento relevante].». Entende-se que não se deve baixar o valor do segundo item. As “outras quantias não declaradas”, já de si são “líquidas”, representam essa expressão de poder aquisitivo, mesmo que com a eventual inobservância de obrigações contributivas (quota e contribuição). Ainda quanto a estas (trabalhos de limpeza, serviços domésticos e trabalhos de costura), será prudente não considerar mais que 12 meses/ano (os trabalhos de costura pela natureza das coisas, os restantes porque é o que resulta de experiência, sendo residuais os casos divergentes). Assim, obtemos, assim decomposto: (i) € 422,73 x 14 = € 5.918,22 (ii) € 450,00 x 12 = € 5.400,00 Anualmente (arredondando): € 11.318. Será de tomar em consideração a esperança média de vida, não diferenciando como a recorrente Seguradora o faz, distinguindo entre “22 anos de vida ativa” e o período de “14,6 anos de vida biológica, em que receberia uma pensão de velhice” (mais a mais tomando por base os valores da pensão mínima no regime da Segurança Social à data do sinistro”…). Veja-se, por exemplo o Ac. do STJ, de 04-07-2024, proc. n.º 234/21.4T8STR.E1.S1: “Na avaliação dos danos não patrimoniais posta em crise incluiu-se o correspondente monetário à indemnização fundada na incapacidade funcional permanente -défice funcional permanente advinda para os AA, em consequência do acidente. Na impossibilidade de se quantificarem os danos não patrimoniais por natureza indetermináveis, há que recorrer à equidade, enquanto solução de harmonia com o caso concreto - cfr. artºs. 562º, 564º, 4º/566º nº 3, todos do Código Civil, sendo certo que a jurisprudência acompanha a evolução da sociedade. O cálculo de uma indemnização ressarcitória deste tipo de danos implica, pois, um juízo de difícil prognose da vida futura do lesado no futuro, de mera probabilidade, devendo orientar o julgador os padrões de indemnização prosseguidos em casos análogos pelo Supremo Tribunal, na procura de uma justiça relativa nos termos do artigo. 8.º, n.º 3, do Código Civil. Neste enquadramento, o julgador recorre ao critério da perda da capacidade aquisitiva de rendimentos que a incapacidade funcional acarreta ao longo da vida do lesado, os esforços acrescidos que empreenderá para exercer a sua atividade profissional e as limitações e restrições inerentes à sua realização pessoal e que digam respeito ao comprometimento da prática de actividade físicas, desportivas e lúdicas que até à ocorrência do sinistro aquele levava a cabo.”. Ou os Acs. do mesmo alto tribunal, de 19-09-2024, 971/18.0T8PVZ.P1.S1, e de 17-09-2024, 3765/16.4T8VFR.P1.S1: “Na verdade, finda a vida activa do lesado por incapacidade permanente não é razoável ficcionar que a vida física desaparece nesse momento ou com elas todas as necessidades, é que atingida a idade da reforma, isso não significa que a pessoa não continue a trabalhar ou simplesmente a viver ainda por muitos anos, como, aliás, é das regras da experiência comum. Por conseguinte, mantendo-se este dano na saúde para além da vida activa, é razoável que, no juízo de equidade sobre o dano patrimonial futuro, se apele à esperança média de vida.”. O que significa, seguindo mesmo percurso da sentença recorrida: - para os primeiros seis anos: € 67.909 (arredondando); - para os restantes 36,6 anos, aplicando o factor de déficit: € 91.133 (arredondado) [414.238,8 (407. 448+6790.8) x 0,22] No total de: € 159.042. A antecipação da disponibilidade imediata do capital referente à indemnização por este dano futuro, que não o seu pagamento faseado ao longo do tempo previsto ou previsível, justifica uma dedução sob pena de haver um enriquecimento sem causa, face à possibilidade do Autor rentabilizar o valor recebido (cf. os acórdãos do STJ de 30.03.2017, proc. nº. 2233/10, de 12.11.2019, proc. n.º 468/15, e de 06.02.2024, proc. n.º 21224/17). Mas deverá ter contenção. Os últimos tempos têm mostrado que o fenómeno de inflação/juros não tem a mesma projecção e estabilidade doutros tempos; a mais recente jurisprudência, em especial a do STJ, tem temperado essa redução a 10%. Parece-nos correcto; e ainda mais equilibra equidade ao caso concreto; perante o claro condicionamento da Autora, no espectro em que se poderá mover de expectativas para um exercício profissional, e que faz supor que a possibilidade de rentabilizar o valor recebido se confronta com a necessidade de disponibilidade desse capital no mais imediato. Obtemos, pois, depois da redução: € 143 137,8. Acrescem as já antes referidas quantias de € 29,35 + € 95,00 + € 115,16. Assim, ao invés do que o tribunal “a quo” reconheceu, “a título de danos patrimoniais” do “direito à A. a ser indemnizada no montante de €177.097,98”, antes encontramos um montante de € 143.377 (arredondado). Com dados que são os do caso concreto. E «Nem sempre os montantes indemnizatórios indicados e comparados na jurisprudência reportam a situações realmente análogas, outras, traduzem avaliações de quadro factual ocorrido no passado e, portanto, suscitam a devida conta com os padrões evolutivos de rendimentos e da inflação.» (Ac. do STJ, de 19-09-2024, proc. n.º 971/18.0T8PVZ.P1.S1). Posto isto. Sobre o dano não patrimonial. Na decisão recorrida, num segundo momento, ponderou-se: «No que se refere aos danos morais, apurou-se que a A. sofreu dores quantificadas no grau 4, numa escala de sete pontos, dores que ainda hoje sente, mesmo que, atualmente, contribua para as mesmas uma radiculopatia de que padece [cfr. al. JJJJ) do probatório]. Provou-se igualmente que a A. sofreu um dano estético de 4 graus, numa escala de 7 [cfr. al. KKKK) do probatório]. Todavia, o mais significativo, é o facto de, atualmente, a A. ter uma mão direita sem qualquer força, mão essa que era a mão dominante, impedindo-a de executar as atividades que importem a mobilização da mesma mão. E tal surgiu na vida da A. numa altura em que a mesma tinha 37 anos, um marido com incapacidade impossibilitado de trabalhar a auferir uma pensão de €303,00, e quatro filhos em idade escolar. A A. era responsável por cerca de três quartos do rendimento familiar, pelo que, com a perda de função da sua mão direita, que como se disse era mão dominante, e até ter aprendido a executar todas as funções possíveis com a sua mão esquerda, aquela deixou de poder trabalhar, situação que, de acordo com o exame pericial, se manteve até 16/03/2016. Tal facto, para além de fazer a A. passar dificuldades, fez com que os seus filhos, menores, passassem dificuldades, o que causou na mesma uma situação de tristeza, e ansiedade profunda, conducente a um quadro depressivo, conforme explicado pela sua médica de família. Para além da A. ter perdido a sua fonte de rendimento, não teve igualmente direito a subsídio de desemprego, pelo que enfrentou uma situação de grande debilidade financeira. Valeu à sinistrada, e ao seu agregado familiar, o apoio da sua família, que contribuía para as despesas básicas, como água, luz e gás, ou alimentação. Concomitantemente, a A. viu o tempo passar sem o tratamento indicado, assistindo a um degradar da condição física da sua mão direita, causando-lhe preocupação, e acentuando a tristeza que sentia. A evidência de tal é o episódio de um AIT vertido na al. UUU) do probatório, como resultando do estado nervoso que a A. vivenciava. Como se mostrou provado, a A. passou a ter dificuldade em dormir, chorando frequentemente. Note-se que a não reparação das lesões, com a progressiva perda de faculdades da mão, não teve apenas consequências relevantes ao nível laboral para a A., mas igualmente ao nível pessoal. Efetivamente, esta deixou de ser capaz de fazer as atividades próprias do dia a dia, como cozinhar, lavar a roupa ou limpar a casa, o que, numa casa com quatro crianças menores, e sem capacidade financeira para ter uma ajuda profissional neste campo, será obviamente uma situação difícil. Porém, mais relevante que isso, é que a A. perdeu, ainda que temporariamente, a capacidade para desempenhar tarefas essenciais que dizem respeito à própria, como são o assegurar de forma autónoma os cuidados básicos de higiene, ou vestir-se, passando a depender de terceiros para tal, o que, só por si, e conforme foi visível em audiência de julgamento, foi particularmente doloroso para a A.. Acresce que, a situação em causa protelou-se no tempo, padecendo a A. com o arrastar da mesma, sendo submetida a sessões de fisioterapia, mantida na expectativa quanto à realização de cirurgia, e aguardando por quase um ano e meio a realização da mesma. Que nunca viria a ter lugar. Apenas cerca de dois anos após o sinistro é que viria a A. a ser intervencionada, e logo para realizar uma cirurgia que não seria aquela que a mesma necessitava, e que não estava de acordo com a lesão de base que a mesma havia sofrido, no que resultou para aquela apenas numa cicatriz. Assim, por todo o sofrimento, dores, e privações que a A. experienciou, e ainda experiencia, bem como a idade da mesma à data, tem-se por adequada a indemnização a título de danos morais de €50.000,00.». Um juízo sólido que não merece censura. Pouco mais se apresta dizer. Regem os artigos 496º e 494º, do CC. A compensação dos danos não patrimoniais, que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (art. 496º, nº 1, do CC), é decidida segundo um juízo de equidade (art. 496º, nº 4, primeira parte, do CC), tendo em conta as circunstâncias previstas na parte final do art. 494º, do CC. Assinala a jurisprudência que «dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação”» (Ac. do STJ, de 05.06. 1997, in CJ, Ano IV, tomo III, pág. 892). O montante indemnizatório é fixado equitativamente pelo tribunal tendo em conta as circunstâncias referidas no art. 494º do CC, ou seja, o grau de culpa do agente, a situação económica deste e as demais circunstâncias do caso. Nas normais expressões do dano patrimonial encontra-se o chamado “quantum doloris”, o “dano estético”, “o prejuízo de afirmação social”, o “prejuízo da saúde geral e da longevidade”. Como escreve «JJ» (Reparação dos danos não patrimoniais: inconstitucionalidade da relevância da situação económica do lesado, artigos 496, n.º 3, e 494º, do Código Civil, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 142, n.º 3984, pág. 217), os valores fixados por decisões judiciais anteriores têm natureza meramente indicativa, e o que é decisivo é “o poder equitativo concedido ao juiz no artigo 496º, n.º 4, bem como os critérios ou circunstâncias atendíveis para o exercício do mesmo, mencionados no artigo 494.º”. Mas/e não deixando de ver: - no Ac. do STJ, de 19-09-2019, Processo n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1, foi considerada equitativa uma indemnização de €50.000,00 destinada a compensar danos não patrimoniais num caso em que o lesado contava com 45 anos à data do acidente, foi sujeito a exames médicos e vários ciclos de fisioterapia, bem como a uma intervenção cirúrgica; ficou afetado com um défice funcional permanente de 32 pontos; sofreu dores quantificáveis em 5 numa escala de 7 pontos; sofreu um dano estético quantificado em 3 numa escala de 7 pontos; a repercussão das sequelas sofridas nas atividades desportivas e de lazer foi quantificada em 3 numa escala de 7 pontos; sofreu um rebate em termos psicológicos, em virtude das lesões e sequelas permanentes, designadamente por não poder voltar a exercer a sua profissão habitual e/ou outra no âmbito da sua formação profissional; - no Ac. do STJ, de 11/01/2024, proc. n.º 76/130TBTVD.L2.S1, considerou-se proporcional aos danos não patrimoniais sofridos pela Autora/sinistrada, com 37 anos de idade à data do acidente, com défice funcional de integridade psíquico-físico de 9 pontos; consolidação das lesões cerca de 3 anos após o acidente, “quantum doloris” avaliado em 4 numa escala de 7; submetida a terapêuticas medicamentosas agressivas durante cerca de um ano, apresenta um quadro de humor depressivo, com episódios de ansiedade, necessitando de apoio psicológico, e deixado a prática desportiva (caminhadas e bicicleta), a indemnização de € 45.000,00. - no Ac. do STJ, de 07/05/2024, proc. n.º 807/18.2T8VFR.P1.S1, considerou-se equitativa a quantia de €55.000,00 a título de danos não patrimoniais, no quadro factual em que o sinistrado tinha 37 anos à data do acidente e 40 anos à data da consolidação das lesões; com défice funcional de integridade psíquico-físico de 17 pontos; “quantum doloris” de grau 6/7; dano estético de grau 3/7; repercussão na actividade sexual de grau 3/7; repercussão na actividade desportiva e de lazer de grau 3/7; irritabilidade constante, desconforto e ansiedade. Cfr. Ac. do STJ, d e 23-11-2023, proc. n.º 487/19.8PALSB.L2.S1: «I- A indemnização por danos não patrimoniais tem natureza acentuadamente mista: “ … por um lado visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.” II- Embora consideremos que os valores da indemnização por danos não patrimoniais determinados noutras decisões judiciais - máxime em via de recurso – podem relevar no montante da indemnização a fixar equitativamente pelo tribunal no caso concreto, tais valores constituem meras referências na ponderação dos critérios legais antes referidos, a que se reporta o art. 494º, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do agente e do lesado, bem como de outras circunstâncias do caso que se justifiquem, tais como o lapso de tempo durante o qual os danos se verificam, a repetição das mesmas e a gravidade das consequências concretamente sofridas pelos lesados.». O montante pecuniário fixado pelo tribunal “a quo” como adequada compensação ao “calvário” da Autora, nas várias expressões que podemos ter em conta, não desperta qualquer desassossego de exagero. Assim. No total dos danos, ao invés do que o tribunal “a quo” entendeu como “devida à autora a indemnização a título de danos patrimoniais de €177.097,98, e a título de danos não patrimoniais, num total de €50.000,00, no montante global de €227.097,98”, temos que esse montante global antes ascende a € 193.377,00. Concluindo, e repartidas culpas segundo o guião que orientou na decisão recorrida – “o 1.º réu responderá exclusivamente por 30% da indemnização atribuída à A., respondendo na parte restante de forma solidária com o 3.º réu.” -, a que não há que objectar, temos que resulta (arredondando): a condenação exclusiva do Centro Hospitalar é diminuída para um montante de capital de € 58.013,00; a condenação solidária do Centro Hospitalar e sua Seguradora é diminuída para um montante de capital de € 135.364,00. * Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento aos recursos, modificando a decisão recorrida do seguinte modo, mantendo-se no mais: - a condenação exclusiva do Centro Hospitalar é diminuída para um montante de capital de € 58.013,00 (cinquenta e oito mil e treze euros); - a condenação solidária do Centro Hospitalar e sua Seguradora é diminuída para um montante de capital de € 135.364,00 (cento e trinta e cinco mil e trezentos e sessenta e quatro euros). Custas, em ambas instâncias: por Autora e réu e interveniente ora recorrentes, na proporção do vencimento/decaimento. Porto, 25 de Outubro de 2024. Luís Migueis Garcia Ana Paula Martins Catarina Vasconcelos |