Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00404/22.8BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/02/2023
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR; DESPEDIMENTO;
DEVERES DE ASSIDUIDADE, ZELO, LEALDADE E PROSSECUÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO;
PROPORCIONALIDADE E ADEQUAÇÃO DA MEDIDA;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA», residente na Rua ..., ... Coimbra, instaurou processo cautelar contra o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, com sede na Av. ..., ..., ... ..., pedindo que seja declarada a suspensão da eficácia do ato que determinou a aplicação da sanção disciplinar de despedimento, por se encontrarem verificados os requisitos do art.º 120.º do CPTA.
Por sentença proferida pelo TAF de Coimbra, em antecipação do juízo sobre a causa principal, foi julgada improcedente a acção.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Requerente formulou as seguintes conclusões:
A) De acordo com o n.° 2 do artigo 178.° da LTFP, prescreve o direito de instaurar o procedimento disciplinar no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico;

B) Deste modo, em 29 de dezembro de 2020, facto dado como provado em 16) quando foi proferido o despacho a determinar a instauração do processo disciplinar, o exercício do direito já tinha caducado;
C) Dado o recorrente estar a faltar Desde o dia .../.../2020, facto dado como provado em 13).
D) Em 24 de setembro de 2020, a Superior Hierárquica imediata oficializou comunicação ao recorrente, facto provado em 16) com decisão de existência de faltas injustificadas;
E) Como também há havia oficializado em agosto de 2020, facto provado em 14).
F) Ou seja, a Diretora do Agrupamento deixou terminar o ano letivo de 2019/2020, permitiu-se iniciar o ano letivo de 2020/2021, e só no final do primeiro trimestre e já em período de férias de Natal é que deliberou instaurar processo disciplinar.
G) É consabido que a invocada prescrição do procedimento disciplinar assume a natureza de prazo de caducidade do exercício do direito dos órgãos com poderes disciplinares na tomada de decisão do procedimento que lhes compete instaurar.
H) Assim, sendo a caducidade do exercício deste direito de conhecimento oficioso, deverá ser objeto de pronúncia e ser positivamente decretada, conduzindo ao arquivamento do processo disciplinar em apreço.
I) Acresce que a passividade e a inércia do R. em agirem quanto à abertura de processo disciplinar é sinal de que a ausência do recorrente não foi vista como um comportamento de tal forma grave que pudesse sustentar a mais tarde propalada inviabilidade da manutenção da relação laboral.
J) Ainda que o Tribunal não possa em princípio, sobrepor o seu poder de apreciação ao da autoridade investida de poder disciplinar, apenas, podendo reservar a sua intervenção aos casos em que a sanção aplicada, revele erro grosseiro, por manifesta desproporção entre a sanção decidida e a falta cometida, neste caso as faltas injustificadas;

K) Pode, contudo, no âmbito do erro grosseiro, o tribunal apreciar se houve violação do princípio de proporcionalidade (art. 266, n.° 2 da CRP), na medida em que este princípio necessariamente preside ao exercício de poderes discricionários da Administração, funcionando como seu limite interno (cfr. Ac. do STA de 20-10-1994, no Proc. n.° 032172).
L) Não se verificou um comportamento que atinja um grau de desvalor que quebre definitivamente a confiança que deve ligar o Trabalhador e o Serviço, neste caso uma qualquer escola, onde por força da movimentação dos professores fosse colocado.
M) O recorrente solicitou deferimento para a sua ausência, constando no seu primeiro pedido, conforme provado em 9):
Assim sendo, certo que se encontra substituído na respetiva escola, de onde resulta que não ocorrerá qualquer perturbação de natureza científico-pedagógica e de continuidade de docência quanto aos alunos de educação especial que acompanharia,
8.º - Assim, ao abrigo do disposto no artigo 107.º do estatuto da carreira docente e tendo em conta o disposto na portaria n.º 281/2012 de 14 de setembro, requer a Vossa Excelência a título vincadamente excecional que seja deferido o seu pedido de licença de longa duração por 3 anos com início no dia 1 de janeiro de 2020 e termo em 31 de agosto de 2022” (cfr. doc. de fls. 93 do processo administrativo).
N) Pelo que ficou provado que anteriormente à ausência, o recorrente comunicou, tomou diligencias e partiu convicto de que a sua licença sem vencimento seria deferida.
O) Assim, atento o contexto em que o docente se ausentou, a sua própria circunstância de vida e a sua inserção numa Ordem religiosa à qual também deve obediência, os sucessivos pedidos que efetuou para a sua ausência, o facto de ausentado para uma missão que foi considerada naquele momento como necessária;

P) O facto de o ano letivo ter decorrido sem perturbação, a ausência do professor não ter motivado a contratação de outro professor, deveriam ter sido fatores a ponderar quer pelo Ministério da Educação, quer pelo próprio Tribunal, como indícios de que não se preencheu o conceito de inviabilização da relação laboral, ao que acresce não ter ficada provada a inidoneidade do recorrente para o exercício de funções docentes.
Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso proceder e ser declarada a caducidade do direito de exercer o processo disciplinar, por violação do n.º 2 do artigo 178.º da LTFP com a consequência de arquivamento;
Caso assim não se entenda, ser declarada ilegal a sanção disciplinar de despedimento por violação do princípio da proporcionalidade.

O Requerido juntou contra-alegações e concluiu:
A. O recurso interposto tem efeito meramente devolutivo, e não suspensivo, nos termos do art.° 121.° n.° 2 do CPTA, uma vez que a sentença em apreço se trata da antecipação do juízo da causa principal, de acordo com o art.° 121.° n.° 1 do CPTA.
B. Em sede de procedimento disciplinar, foram dados como provados 640 dias de faltas injustificadas, de 08.01.2020 até 08.10.2021, dos quais 359 dias no ano civil de 2020, e 281 dias no ano civil de 2021, violando os deveres gerais de assiduidade, de prossecução do interesse público, zelo e lealdade.
C. O recorrente encontrava-se mesmo ainda nessa situação de faltas injustificadas quando o despacho de instauração do procedimento disciplinar foi exarado, e mesmo para além dessa data, nada se tendo alterado desde que deixou de justificar as faltas.
D. Encontrava-se, assim, a incorrer em infração continuada, uma vez que estamos perante a verificação da pluralidade de atos singulares unificados pela mesma disposição exterior das circunstâncias, considerando a aplicação do disposto no art.° 30.° n.° 2 do Código Penal.
E. O que implica que que só com a cessação da infração continuada, neste caso a ausência injustificada ao serviço, tem lugar o início do cômputo do prazo de prescrição do procedimento disciplinar.
F. Pelo que carece de fundamento qualquer alegação de prescrição da instauração de procedimento disciplinar, uma vez que o recorrente pretende agora ignorar que se encontrava em situação de faltas injustificadas por mais de dois anos, em infração continuada, factos que confirmou ao logo de todo o procedimento.
G. O recorrente pretende fazer-se valer apenas da data de início das suas faltas injustificadas para contar os prazos de instauração do procedimento disciplinar, o que é manifestamente improcedente, uma vez que permanecia em infração continuada.
H. Mesmo que assim não se entenda, o que desde já se contesta, o regime da nulidade do art.° 203.° n.° 2 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas atesta as nulidades supridas quando não sejam objeto de reclamação pelo trabalhador até à decisão final, no caso em concreto, até ao despacho do Sr. Ministro com o despedimento disciplinar.
I. Até essa data, e de resto, até este presente recurso, nada foi invocado nesse sentido, pelo mesmo que se considerasse qualquer nulidade, ela considerar-se-ia suprida nos termos da lei.
J. Considerando que este regime especial de nulidade suplanta o regime geral do CPA, não estamos perante qualquer nulidade de conhecimento oficioso, em virtude do seu suprimento.
K. Pelo que o recorrente vem agora apresentar, apenas em sede de recurso, um pedido que não tinha feito na Petição Inicial e por isso não apreciado pela sentença do tribunal a quo, nomeadamente um pedido de arquivamento do procedimento disciplinar pela sua caducidade.
L. Vem agora fazer esse novo pedido em violação do princípio do pedido e princípio dispositivo, pelo que também por esses motivos o Réu entende que não deve ser procedente.
M. Não houve qualquer erro de julgamento na sentença recorrida, uma vez que resulta dos factos apreciados em sede de procedimento disciplinar que estes consubstanciam circunstâncias impeditivas de manutenção do vínculo de trabalho público e um desrespeito profundo pelo serviço onde o ora recorrente se inseria, o que deve impedir o desempenho destas mesmas funções, nos termos da lei, salvo respetiva reabilitação.
N. A atividade missionária que foi desempenhar, em abandono total e injustificado das suas funções docentes, nunca obteve qualquer deferimento por parte da entidade competente (Direção-Geral da Administração Escolar) para atribuir licença sem vencimento.
O. Não sendo de qualquer forma relevante o carácter optativo da disciplina que lecionava para qualificação da infração nem tal poderá servir de atenuante à medida disciplinar aplicada.
P. O docente recorrente lesou a comunidade educativa, prejudicando os alunos e restantes docentes que tiveram sobrecarga de trabalho, efeitos que poderia ter previsto muito tempo antes de ter começado a dar faltas injustificadas.
Q. Que a sua conduta se demonstrou objetivamente incompatível com a manutenção do seu exercício de funções, conduzindo a uma evidente insegurança no ambiente escolar e académico, já que se permitiria que se mantivesse em funções alguém que demonstrou um elevado e sério grau de indiferença e de desinteresse pelas funções que estava incumbido de desempenhar.
R. Pelo que existem condições objetivas que inviabilizam a relação funcional, pela ausência injustificada e prolongada que o ora recorrente teve relativamente ao serviço, a falta de preocupação em justificar as faltas, o facto de ter dado primazia a uma outra atividade que não estava autorizado a desempenhar, em incompatibilidade evidente com as funções para as quais tinha sido contratado em vínculo de trabalho em funções públicas, e que levam a uma quebra definitiva de confiança com as suas atitudes, valorando o critério da prognose.
S. A proporcionalidade da medida disciplinar é bem atestada pela sentença com base nos factos provados, e que nem foram negados pelo recorrente.
T. Sendo essa proporcionalidade aferida pelos subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
U. Encontra-se patente a gravidade da infração e as suas circunstâncias, bem como a regularidade em que este procedimento foi decidido, sem preterição de quaisquer direitos do trabalhador, nomeadamente o seu direito de defesa.
V. Estando em causa a dosimetria concreta da sanção disciplinar, acordo com a jurisprudência, ao Tribunal é possível analisar da existência material dos factos e averiguar se eles constituem infrações disciplinares, mas não lhe compete apreciar a concreta medida da pena, salvo em caso de erro notório ou manifesto.
W. Pelo que, na ausência deste erro, não existem condições para colocar em causa a sanção efetivamente aplicada.
Termos em que, com o suprimento, não deve ser concedido provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
1) O Requerente obteve, em 2001, a licenciatura em Teologia na Faculdade de Teologia do Instituto Universitário de Ciências Religiosas da Universidade ... (cfr. doc. n.º ... junto com o requerimento inicial).
2) O Requerente concluiu, em 2010, o Curso de Profissionalização em Serviço – Educação Moral e Religiosa Católica, tendo lecionado, até ao ano letivo de ...11­, a disciplina de Religião e Moral (acordo e cfr. doc. n.º ... junto com o requerimento inicial).
3) A partir de 2011, e já na posse do Curso de Formação Especializada em Educação Especial – Domínio Cognitivo e Motor, o Requerente passou a lecionar na área de Educação Especial (acordo e cfr. doc. n.º ... junto com o requerimento inicial).
4) O Requerente exerce a profissão de docente desde o ano letivo de 1996/1997 (cfr. doc. n.º ... junto com o requerimento inicial).
5) O Requerente pertence à Ordem dos Capuchinhos (acordo).
6) No ano letivo de 2019-2020, o Requerente encontrava-se colocado a lecionar no Agrupamento de Escolas ..., em ..., no grupo de recrutamento 910 – Educação Especial (cfr. doc. n.º ... junto com o requerimento inicial).
7) Através de requerimento de 29/08/2019, dirigido ao Requerido, mas sem qualquer carimbo de entrada ou comprovativo de envio e receção nos seus serviços, o Requerente expôs o seguinte:
(...) foi convidado pela ordem dos Frades Menores Capuchinhos, entidade com presença Missionária em Timor Leste a desempenhar a atividade missionária e social desenvolvida por esta ordem religiosa em Timor Leste.
Paralelamente a esta atividade, como sou profissionalizado e Professor de «BB» e motor irei, também, desempenhar funções docentes a nível deste grupo disciplinar, em escolas abrangidas por esta Ordem dos Frades Menores capuchinhos. Assim sendo, gostaria de saber da possibilidade de ver tal tempo contabilizado para todos os efeitos legais como tempo de serviço docente, uma vez que prestarei serviço como professor de Educação Especial. Gostaria ainda que me fosse referido qual o procedimento burocrático a realizar caso seja autorizada a referida contagem de serviço
(cfr. doc. de fls. 92 do processo administrativo).
8) Em anexo à exposição que antecede seguiu uma “Declaração”, de 26/08/2019, emitida pelo Frei «CC», Superior Provincial da Província Portuguesa da Ordem dos Padres Missionários Capuchinhos, da qual consta, além do mais, o seguinte:
(...) declara, para os devidos efeitos, que «AA», professor de Educação Especial e membro da Ordem Religiosa dos referidos Missionários Capuchinhos, está destinado a prestar colaboração, por um tempo indeterminado, na atividade missionária e social realizada por esta Ordem em Timor Leste.
A razão da sua ida para Timor Leste é motivada pela resposta preciosa que pode dar às muitas carências do povo timorense, a partir da sua condição de religioso consagrado na Ordem missionária referida e, particularmente, no campo da sua especialização profissional como professor de Educação Especial. (...)
(cfr. doc. de fls. 91 do processo administrativo).
9) Através de requerimento de 18/12/2019, dirigido à DGAE, mas sem qualquer carimbo de entrada ou comprovativo de envio e receção nos seus serviços, o Requerente expôs e requereu o seguinte:
3.º - Pretende o requerente dedicar-se à sua integração na atividade missionária e social que é realizada em Timor Leste pela Ordem dos Padres Missionários Capuchinhos (Franciscanos Capuchinhos). (...)
- A sua missão a desenvolver ali visando suprir carências do povo timorense, enquanto na condição de religioso consagrado na ordem missionária tem como enfoque principal o ensino de português no estrangeiro e a sua especialização profissional como professor de Educação Especial (...).
- Assim sendo, certo que se encontra substituído na respetiva escola, de onde resulta que não ocorrerá qualquer perturbação de natureza científico-pedagógica e de continuidade de docência quanto aos alunos de educação especial que acompanharia, fica assim arredada a razão normalmente impeditiva para a formulação de um requerimento visando uma licença sem vencimento de longa duração para além da data de início do ano escolar. (...)
8.º - Assim, ao abrigo do disposto no artigo 107.º do estatuto da carreira docente e tendo em conta o disposto na portaria n.º 281/2012 de 14 de setembro, requer a Vossa Excelência a título vincadamente excecional que seja deferido o seu pedido de licença de longa duração por 3 anos com início no dia 1 de janeiro de 2020 e termo em 31 de agosto de 2022
(cfr. doc. de fls. 93 do processo administrativo).
10) Em 05/02/2020 o Requerente apresentou, através de formulário próprio da DGAE, um pedido de licença sem vencimento para o ensino de português no estrangeiro, ao abrigo da Portaria n.º 281/2012, de 14/09, com a seguinte fundamentação: “Foi convidado a prestar colaboração na atividade missionária e social na Ordem dos Padres Missionários Capuchinhos enquanto professor para prestar apoio pedagógico a alunos do ensino secundário em Timor Leste que pretendem ingressar no Ensino Superior em Portugal. Este pedido é feito apenas nesta data em virtude de ter estado a aguardar resposta da parte da DGAE quanto ao tipo de licença que poderia solicitar. Foi hoje que recebeu tal resposta e daí este pedido ser feito com caráter excecional” (cfr. doc. de fls. 55 e 56 do processo administrativo).
11) Por despacho de 17/02/2020 da Diretora-Geral da Administração Escolar, foi indeferido o pedido de licença sem vencimento, por um ano, referido no ponto que antecede, nos termos do art.º 106.º do ECD, com fundamento em que tal pedido não tinha enquadramento na Portaria n.º 281/2012, de 14/09, que se referia ao ensino de Português no estrangeiro, quando aquilo que o Requerente pretendia era desenvolver atividade missionária no âmbito da Ordem dos Missionários Capuchinhos (cfr. doc. de fls. 52 do processo administrativo).
12) O despacho que antecede foi notificado ao Requerente através do ofício n.º ...99, de 26/02/2020, recebido em 28/02/2020 (cfr. docs. de fls. 1 a 3 do processo administrativo).
13) Em 08/01/2020 o Requerente iniciou um processo de faltas injustificadas ao serviço, tendo-se deslocado, em data não concretamente apurada, para Timor Leste (acordo e cfr. doc. de fls. 132 a 141 do processo administrativo).
14) Através do ofício n.º ...83, de 04/08/2020, foi o Requerente notificado pela Diretora do Agrupamento de Escolas ... (AELC) para “se fazer presente na Escola Sede do Agrupamento de Escolas ... (AELC) (...) até ao próximo dia 11 de agosto de 2020 (3.ª feira), durante o horário de expediente dos serviços administrativos, para tratar de assuntos do seu interesse e relacionados com a ausência de apresentação de comprovativo de justificação de faltas, até à data. No caso de não comparecer, restará subentendida a ausência do desejo de resolver a situação, passando a serem tomadas as medidas judiciais cabíveis” (cfr. doc. de fls. 6 do processo administrativo).
15) Não tendo o Requerente comparecido no AELC nem prestado qualquer outra informação a respeito da sua ausência, foi o mesmo notificado, através de ofício do AELC de 24/09/2020, de que, “de acordo com o quadro legal em vigor, as faltas dadas (de 8 de janeiro de 2020 até à data) estão injustificadas, por não ter sido apresentada a prova prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 71.º do DL n.º 100/99, de 31 de março” (cfr. doc. de fls. 8 do processo administrativo).
16) Em 25/09/2020 a Diretora do AELC emitiu a seguinte “Declaração”:
(...) declara que o docente do GR 910, «AA», se encontra em situação de ausência e paradeiro incerto/desconhecido, desde 8 de janeiro de 2020, até à presente data, pelo que solicito a validação do pedido de horário, para o grupo de recrutamento 910, pela manifesta necessidade de apoio especializado aos alunos deste Agrupamento de Escolas e com base nos seguintes fundamentos:
· N/ Ofício n.º ...00, de 24/09/2020 – comunicação de faltas injustificadas por não ter sido apresentada a prova prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 71.º do DL n.º 100/99, de 31 de março. Resta subentendida a ausência do desejo de resolver a situação, passando a serem tomadas as medidas judiciais cabíveis; (..)
· Docente notificado por mim, na qualidade de diretora desta Unidade Orgânica, para se apresentar em dia e hora marcada, nos serviços administrativos, a fim de pretsar informações e regularizar a sua situação (..);
· Tentativa de contactos telefónicos e e-mail institucional, sem qualquer sucesso;
· Pedido de LSV – recusada pela DGAE em 20 de fevereiro de 2020 (..)
(cfr. doc. de fls. 10 do processo administrativo).
17) Em 29/12/2020 a Diretora do AELC proferiu despacho a determinar a instauração de processo disciplinar contra o Requerente, ao qual foi atribuído o n.º ...20 (cfr. doc. de fls. 35 do processo administrativo).
18) No âmbito do referido processo disciplinar, prestaram declarações, na qualidade de testemunhas, «DD», diretora do AELC, «EE», professora do ensino especial no AELC, e «FF», aluno do AELC (cfr. autos de inquirição de fls. 59, 60 e 61 do processo administrativo).
19) Em 08/10/2021 a instrutora do processo disciplinar deduziu acusação/nota de culpa contra o Requerente, da qual consta o seguinte:
Artigo único
Desde o dia .../.../2020, até à presente data, 8 de outubro de 2021, o arguido não compareceu a serviço, nem apresentou qualquer tipo de justificação para essa ausência, perfazendo assim um total de 640 dias de faltas injustificadas. Desses dias de faltas injustificadas, 359 foram dados no ano civil de 2020 e 281 dias no ano civil em curso, de 2021.
Com este procedimento violou o arguido de modo grosseiro, voluntário e intencional, o dever geral de assiduidade, previsto na alínea i) do n.º 2 e no n.º 11 do artigo 73.º da LTFP e bem assim os deveres gerais de prossecução do interesse público, zelo e lealdade, previstos, respetivamente, nas alíneas a), e) e g) do n.º 2 e nos n.os 3, 7 e 9 do referido artigo 73.º da LTFP.
Com a descrita conduta o trabalhador arguido demonstrou um profundo e completo desprezo pelo serviço, revelou ter uma personalidade imprópria e inadequada para o exercício de funções. E quebrou, em definitivo, a relação de confiança que deve existir entre o empregador e o trabalhador.
Com a referida conduta o trabalhador «AA» cometeu de forma livre, consciente, voluntária, reiterada e continuada, uma infração que inviabiliza a manutenção do seu vínculo laboral, nos termos do disposto nos artigos 187.º e 297.º, mormente
no seu n.º 3, alínea g), ambos da LTFP, punida pelas disposições conjugadas dos referidos artigos (187.º e 297.º da LTFP), com a sanção de despedimento disciplinar ou de demissão, que consiste, nos termos dos n.os 5 e 6 do artigo 181.º, conjugado com o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 297.º, ambos da LTFP, no afastamento definitivo do trabalhador do serviço, cessando a sua relação jurídica com o órgão ou serviço.
Nos termos do n.º 4 do artigo 182.º da LTFP, a referida sanção disciplinar acarreta a perda de todos os direitos do trabalhador, salvo quanto à reforma por velhice ou à aposentação, nos termos e condições previstos na lei, mas não o impossibilitam de voltar a exercer funções em órgão ou serviço que não exijam as particulares condições de dignidade e confiança que aquelas de que foi despedido ou demitido exigiam.
Não são conhecidas circunstâncias dirimentes e atenuantes da responsabilidade disciplinar que militem a favor do trabalhador arguido e contra ele milita a circunstância agravante especial, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 191.º da LTFP, da produção efetiva de resultados prejudiciais para a Escola e para os alunos, que o trabalhador podia ter previsto como necessários da sua conduta, já que tais faltas implicaram uma sobrecarga para os outros docentes
(cfr. doc. de fls. 62 e 63 do processo administrativo).
20) O Requerente apresentou defesa escrita quanto ao teor da acusação/nota de culpa que antecede, formulando, a final, o seguinte pedido: “(...) deve o presente processo conduzir à aplicação da punição conducente à desobrigação da Administração Pública em manter o atual vínculo jurídico existente, mas não sendo atribuído o efeito da medida disciplinar aplicável, isto é, ficando reconhecido ao trabalhador arguido a sua capacidade e idoneidade profissionais para o exercício futuro de funções docentes em qualquer escola da rede pública ou privada, assim se fazendo justiça e realizando o direito” (cfr. doc. de fls. 82 a 90 do processo administrativo).
21) Foram ouvidas as testemunhas arroladas pelo Requerente na sua defesa escrita, tendo prestado declarações «GG», tradutor ao serviço do Vaticano e membro da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos, «HH» e «II» (cfr. autos de inquirição de fls. 114 e 122 a 131 do processo administrativo).
22) Em 09/05/2022 foi elaborado, pela instrutora do processo disciplinar, o respetivo relatório final, no qual foi analisada a defesa apresentada pelo Requerente, foram indicados os factos dados como provados e foi proposta a aplicação da pena de despedimento, nos seguintes termos:
39.° O argumentário apresentado pelo arguido, é manifesto que o mesmo não colhe, porque ainda que tivesse sido o Frei, «JJ», a mandar o arguido para Timor Leste e tivesse sido enviado para o Ministério da Educação a declaração com tal conteúdo, tal declaração só seria apta para justificar a ausência do trabalhador arguido na Escola Básica ... caso tivesse havido, por parte da DGAE, um despacho de deferimento, o que nunca aconteceu. O que sucedeu foi justamente o contrário, o indeferimento do pedido para obter licença sem vencimento, em 20 de fevereiro de 2020, pelo que não poderia ausentar-se das suas obrigações profissionais de docente na Escola Básica ..., como o fez desde o dia .../.../2020 até 08 de outubro de 2021.
40.° Em relação aos pontos 16.°, 17.° e 18.° da defesa, onde se refere a declaração emitida pelo Sr. Frei «JJ», que foi remetida ao Ministério da Educação, a mesma não foi deferida, assim como também não foram deferidos os vários requerimentos enviados e a concessão de licença sem vencimento de longa duração, que foi indeferida pela DGAE, pelo que o conteúdo do argumentado é improcedente.
(...)
55.° Com a descrita conduta dada por procedente o professor arguido violou o dever geral de assiduidade, previsto na alínea i) do n.° 2 e no n.° 11 do artigo 73.° da LTFP e bem assim os deveres gerais de prossecução do interesse público, zelo e lealdade, previstos, respetivamente, nas alíneas a), e) e g) do n.° 2 e nos n.os 3, 7 e 9 do referido artigo 73.° da LTFP.
56.º O professor arguido atuou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais, atentou gravemente contra a dignidade e prestígio da função pública, sobrevalorizando a sua função de membro da Ordem dos Capuchinhos em detrimento da sua função de funcionário público.
(...)
59.º Atendendo aos critérios gerais enunciados nos artigos 184.º a 188.º da LTFP, a sanção disciplinar aplicável ao caso aqui em apreço é a de despedimento disciplinar ou demissão, prevista nos artigos 187.º e 297.º, sobretudo no seu n.º 3, alínea g), ambos da LTFP.
60.º No que concerne à natureza, à missão e às atribuições do órgão ou serviço, as mesmas inserem-se no domínio da prestação de serviços de educação e de ensino.
61.º O cargo e categoria do trabalhador arguido é a de docente, para cujo desempenho se espera e se exige particulares responsabilidades.
62.º A modalidade de emprego público é com vínculo, em regime de contrato de trabalho em funções públicas.
63.º O grau de culpa do arguido é grave.
64.º As circunstâncias em que as infrações foram cometidas foram as supra descritas.
65.º O trabalhador arguido quebrou definitivamente a relação de confiança que o empregador nele depositou e inviabilizou a manutenção da sua relação laboral.
66.º As circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar que militam a favor do arguido não são de modo a alterar a sanção aplicável. Contra ele milita a circunstância agravante especial, da produção efetiva de resultados prejudiciais ao serviço e ao interesse geral, que o trabalhador podia ter previsto como necessários da sua conduta, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 191.º da LTFP.
67.º Em face do supra exposto e depois de tudo visto e ponderado, nos termos do mencionado nos n.os 5 e 6 do artigo 181.º e do artigo 297.º, ambos da LTFP, proponho que ao arguido seja aplicada a sanção disciplinar de despedimento/demissão, cessando o seu vínculo de emprego público
(cfr. doc. de fls. 132 a 141 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
23) Remetido o processo disciplinar ao Ministro da Educação, a Inspeção-Geral de Educação e Ciência elaborou a informação n.º I/01732/DSJ/22, de 21/06/2022, na qual, analisado o processo, se propôs a aplicação ao Requerente da sanção de despedimento disciplinar, por verificação da infração prevista na alínea g) do n.º 3 do art.º 297.º da LGTFP (cfr. doc. de fls. 147 a 149 do processo administrativo).
24) Em 21/06/2022 o Ministro da Educação proferiu o seguinte despacho, exarado sob a informação que antecede: “Nos termos e fundamentos de facto e de direito constantes do relatório final do presente processo disciplinar e da presente informação, determino a aplicação ao docente «AA», do quadro do AE ..., em ..., da sanção disciplinar de despedimento disciplinar” (cfr. doc. de fls. 147 do processo administrativo).
25) O Requerente foi notificado do despacho que antecede através do ofício n.º ...34, de 28/06/2022 (cfr. docs. de fls. 156 e 157 do processo administrativo).
26) A partir do dia 01/01/2020, o Requerente não apresentou qualquer justificação de baixa médica para as suas ausências ao serviço, pelo que não foi substituído por outro docente no AELC (cfr. doc. de fls. 29 do processo administrativo).
27) O requerimento inicial do presente processo cautelar deu entrada em juízo no dia 26/09/2022 (cfr. doc. de fls. 1 do suporte eletrónico do processo).
DE DIREITO
É objecto de recurso a sentença que, entendendo antecipar o juízo de mérito sobre a causa principal, decidiu que:
“o ato impugnado (o despacho do Ministro da Educação, datado de 21/06/2022, que aplicou ao Requerente, no âmbito do processo disciplinar contra si instaurado, a sanção de despedimento, por violação do dever de assiduidade, bem como dos deveres gerais de prossecução do interesse público, zelo e lealdade) não padece de nenhum dos vícios e ilegalidades que lhe são imputados, não incorrendo, em particular, no vício de violação do princípio da proporcionalidade, uma vez que, na verdade, estão reunidos os pressupostos legais de que depende a aplicação da sanção disciplinar extintiva do vínculo laboral (inviabilização da manutenção da relação laboral), fundamentada em factos que revelam o cometimento de uma infração que atenta contra a dignidade e o prestígio da função pública (in casu, contra a dignidade e o prestígio do exercício da função docente). Deve, portanto, tal ato manter-se na ordem jurídica.”
Nas alegações de recurso, vem o Autor peticionar:
“Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso proceder e ser declarada a caducidade do direito de exercer o processo disciplinar, por violação do n.° 2 do artigo 178.° da LTFP com a consequência de arquivamento; Caso assim não se entenda, ser declarada ilegal a sanção disciplinar de despedimento por violação do princípio da proporcionalidade.”.
Contudo, sem razão.
O alegado pelo Recorrente nos artigos 4.° a 16.° da sua peça processual não pode ter procedência pelos seguintes motivos:
Desde logo porque a infração de faltas injustificadas foi dada como provada, em sede de procedimento disciplinar, como sendo de 640 dias, de 08.01.2020 até 08.10.2021, dos quais 359 dias no ano civil de 2020, e 281 dias no ano civil de 2021, violando o dever geral de assiduidade, art.° 73.° n.° 2 al. i), e n.° 11 da LTFP, e deveres gerais de prossecução do interesse público, zelo e lealdade, alíneas a), e) e g) do n.° 2, e n.os 3, 7 e 9 do art.° 73.° da LTFP (cf. pontos 13 a 19 dos factos provados).
Assim, a sentença disserta nesse sentido:
“Não é controvertido que o Requerente, à data dos factos colocado no Agrupamento de Escolas ..., em ..., no grupo de recrutamento 910 – Educação Especial, iniciou, em 08/01/2020, um processo de faltas injustificadas ao serviço, tendo-se deslocado, em data não concretamente apurada, para Timor Leste, com o objetivo de desempenhar, neste país, a atividade missionária e social desenvolvida pela Ordem dos Frades Menores Capuchinhos, à qual pertence (cfr. pontos 5, 6 e 13 dos factos provados).
Na sequência da instauração de processo disciplinar, foi apurado que, desde o dia .../.../2020 até 08/10/2021, o Requerente não compareceu ao serviço, nem apresentou qualquer tipo de justificação para essa ausência, perfazendo, assim, um total de 640 dias de faltas injustificadas: 359 dadas no ano civil de 2020 e 281 dadas no ano civil de 2021 – factualidade que o Requerente não põe em causa na presente ação.”
Assim, o ora recorrente encontrava-se mesmo ainda nessa situação de faltas injustificadas quando o despacho de instauração do procedimento disciplinar foi exarado, e mesmo para além dessa data, nada se tendo alterado desde que deixou de justificar as faltas.
Trata-se, portanto, de uma infração continuada, sendo que os prazos para instauração do procedimento disciplinar devem refletir essa realidade.
Tal decorre da aplicação supletiva do disposto no art.° 30° /2 do Código Penal no contexto da infração disciplinar, uma vez que estamos perante a verificação de uma pluralidade de atos singulares unificados pela mesma disposição exterior das circunstâncias. O que implica que que só com a cessação da infração continuada, neste caso a ausência injustificada ao serviço, tem lugar o início do cômputo do prazo de prescrição do procedimento disciplinar.
Provou-se a sua falta de resposta e justificação a qualquer tipo de tentativa de justificação de faltas, apesar das diligências desenvolvidas para que o fizesse (pontos 13 a 20 dos factos provados).
Aliás, mesmo em sede de defesa do procedimento disciplinar, o ora Recorrente assume que é “pacífico que o arguido esteve ausente do serviço, tendo na verdade incumprido o respetivo horário atribuído desde 08 de Janeiro de 2020, razão pela qual tem perfeita noção da consequência daí derivada no que concerne à cessação da relação jus-laboral, considerando o vínculo contratual existente...” (fls. 82 do PA, e também no probatório, no seu ponto 20).
No âmbito do procedimento disciplinar, o ora Recorrente teve amplas possibilidades de vir aos autos para proceder à sua defesa e justificação, sendo que o Relatório Final da instrutora (fls. 132-141 do PA) e o parecer da Inspeção-Geral da Educação e Ciência (fls. 147-151 do PA) dão como provadas as faltas injustificadas em datas que em muito vão para além da data de instauração do procedimento disciplinar (factos provados, pontos 22 e 23).
Carece, assim, de fundamento qualquer alegação de prescrição da instauração de procedimento disciplinar, uma vez que o Recorrente pretende agora ignorar que se encontrava em situação de falta injustificada por mais de dois anos, em infração continuada, factos que confirmou ao longo de todo o procedimento.
O Recorrente pretende agora fazer-se valer apenas da data de início das suas faltas injustificadas para contar os prazos de instauração do procedimento disciplinar, o que é manifestamente improcedente, uma vez que permanecia em infração continuada.
Mesmo que assim não fosse entendido, sempre teríamos de ter em conta o regime da nulidade do art.° 203.° n.° 1 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.° 35/2014, de 20 de junho, que dispõe que apenas são insupríveis “a nulidade resultante da falta de audiência do trabalhador em artigos de acusação, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade”, considerando, no seu n.º 2, que “As restantes nulidades consideram-se supridas quando não sejam objeto de reclamação pelo trabalhador até à decisão final.”
Decisão final essa que se consubstanciou no despacho do Senhor Ministro com o despedimento disciplinar (ponto 24 dos factos provados).
Até essa data, e de resto, até este recurso, nada foi invocado nesse sentido, conforme patente na prova produzida, nomeadamente no processo administrativo instrutor. Pelo que, mesmo que se considerasse a existência de qualquer nulidade, ela considerar-se-ia suprida nos termos da lei.
Tendo em conta o específico regime de nulidade dos procedimentos disciplinares, não se aplica o regime geral da nulidade do Código do Procedimento Administrativo, não sendo assim de conhecimento oficioso, em virtude do seu suprimento, ao contrário do alegado no artigo 16.° das alegações de recurso.
Desta forma, o Recorrente vem formular, em sede de recurso, um pedido que não tinha sido feito na Petição Inicial e por isso não apreciado pela sentença do tribunal a quo, nomeadamente um pedido de arquivamento do procedimento disciplinar pela sua caducidade (artigos 4.° a 16.° das alegações de recurso).
Vem agora fazer esse novo pedido em violação do princípio do pedido e do princípio dispositivo, pelo que não pode ser atendido.

Ademais, é sabido que os recursos jurisdicionais visam a reapreciação de decisões de tribunais de grau hierárquico inferior, tendo em vista a sua alteração ou anulação por erro de facto ou de direito das mesmas, não sendo admissível no recurso o conhecimento de questões que não foram colocadas nem apreciadas na decisão recorrida e que não são de conhecimento oficioso - Acórdão do STA, de 26/09/2012, proc. 0708/12.

Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova. Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado - Acórdão do STA, de 13/11/2013, proc. 01460/13.

Em sede de recurso jurisdicional não pode ser conhecida questão nova, que o recorrente não tenha oportunamente alegado nos seus articulados, designadamente a invocação de um novo vício do ato impugnado, por essa matéria integrar matéria extemporaneamente invocada sobre a qual a sentença impugnada não se pronunciou, nem podia pronunciar-se.

O objectivo do recurso jurisdicional é a modificação da decisão impugnada, pelo que, não tendo esta conhecido de determinada questão por não ter sido oportunamente suscitada, não pode o Recorrente vir agora invocá-la perante este tribunal ad quem, porque o objecto do recurso são os vícios da decisão recorrida.

A função do recurso, repete-se, é a reapreciação da decisão recorrida e não proceder a um novo julgamento da causa pelo que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que a ela não foram submetidos.
Como é jurisprudência uniforme, os recursos, nos termos do artigo 627º do CPC (ex vi artº 140º/3 do CPTA), são meios de impugnações judiciais e não meios de julgamento de questões novas. Ou seja, é função do recurso no nosso sistema jurídico, a reapreciação da decisão recorrida e não proceder a um novo julgamento da causa pelo que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.
Como decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/03/2009, proferido no âmbito do processo nº 09P0308:
“I-É regra geral do regime dos recursos que estes não podem ter como objecto a decisão de questões novas, que não tenham sido especificamente tratadas na decisão de que se recorre, mas apenas a reapreciação, em outro grau, de questões decididas pela instância inferior. A reapreciação constitui um julgamento parcelar sobre a validade dos fundamentos da decisão recorrida, como remédio contra erros de julgamento, e não um julgamento sobre matéria nova que não tenha sido objecto da decisão de que se recorre.
II-O objecto e o conteúdo material da decisão recorrida constituem, por isso, o círculo que define também, como limite maior, o objecto de recurso e, consequentemente, os limites e o âmbito da intervenção e do julgamento (os poderes de cognição) do tribunal de recurso.
III-No recurso não podem, pois, ser suscitadas questões novas que não tenham sido submetidas e constituído objecto específico da decisão do tribunal a quo; pela mesma razão, também o tribunal ad quem não pode assumir competência para se pronunciar ex novo sobre matéria que não tenha sido objecto da decisão recorrida.”
Dito de outro modo, os recursos são instrumentais ao reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não servem para proferir decisões sobre matéria nova, isto é, que não tenha sido submetida à apreciação do tribunal de que se recorre.
E o que dizer dos argumentos do artigo 17° e seguintes das alegações de recurso, relativos a um “erro de julgamento” da sentença?
De realçar que o probatório não vem posto em causa.
Depois, resulta dos factos apreciados em sede de procedimento disciplinar que estes consubstanciam circunstâncias impeditivas de manutenção do vínculo de trabalho público e um desrespeito profundo pelo serviço onde o ora recorrente se inseria, o que impede o desempenho destas mesmas funções, nos termos da lei, salvo respetiva reabilitação.
A atividade missionária que foi desempenhar, em abandono total e injustificado das suas funções docentes, nunca obteve qualquer deferimento por parte da entidade competente (Direção-Geral da Administração Escolar) para atribuir licença sem vencimento (pontos 9 a 12 dos factos provados).
O conteúdo da sua missão de missionação em Timor-Leste em nada desmerece a consideração, feita no Relatório Final e na decisão final, de que o serviço foi desprezado e relegado, como também se reforça pelo indeferimento do pedido pela DGAE.
Este indeferimento da DGAE foi fundamentado no facto de que o docente fazia o requerimento ao abrigo da Portaria n.° 281/2012, de 14 de setembro, e art.° 106.° do Estatuto da Carreira Docente (aprovado pelo Decreto-Lei n.° 139-A/90, de 28 de abril), mas pretendia desenvolver atividade missionária, não cumprindo assim os seus requisitos (ponto 11 do probatório).
Nesse sentido, esteve bem a sentença recorrida quando considerou:
“Sucede que a circunstância de o Requerente ter apresentado estes três requerimentos (pese embora, quanto aos dois primeiros, nem sequer se saiba se os mesmos foram realmente rececionados nos serviços do Requerido, pois que o trabalhador nenhuma prova fez a tal respeito) em nada altera a conclusão de que a infração cometida, pela sua gravidade, veio a comprometer, de forma irremediável, a manutenção da sua relação laboral, porquanto tais requerimentos nunca poderiam “justificar” o cometimento da infração em escrutínio.”.
Em relação ao alegado no artigo 20° das alegações de recurso, o Recorrente deixou de apresentar justificação de baixa a partir de 1 de janeiro de 2020, pelo que não ocorreu substituição, e assim a baixa médica em nada prejudica o período no qual decorreram as faltas injustificadas (ponto 26 dos factos provados).
Acresce que não é de qualquer forma relevante o carácter facultativo da disciplina que lecionava, como alegado no artigo 23° das alegações de recurso, que em nada releva para qualificação da infração nem tal poderá servir de atenuante à medida disciplinar aplicada.
Os prejuízos para os serviços do Agrupamento de Escolas foram devidamente provados e enquadrados na sentença recorrida, ao contrário do alegado nos artigos 24°, 27° a 29° das alegações de recurso, na medida em que em nada releva sequer a quantidade de alunos que ficaram sem aulas devido ao comportamento do Recorrente, que abandonou funções.
A suposta “poupança de custos correspondentes a um vencimento de um professor”, alegada no artigo 28° das alegações de recurso em nada releva neste domínio, uma vez que o docente tinha contrato para prestar um serviço que não prestou, lesando a comunidade educativa, e prejudicando os restantes docentes que tiveram sobrecarga de trabalho.
Como sentenciado: “…, o que se extrai dos factos provados é que, a partir do dia 01/01/2020, o Requerente não apresentou qualquer justificação de baixa médica para as suas ausências ao serviço (pois que, caso contrário, as suas faltas estariam forçosamente justificadas), pelo que não foi o mesmo substituído por outro docente na lecionação da disciplina que tinha a seu cargo no AELC (cfr. ponto 26 dos factos provados). Por conseguinte, é manifesto que a ausência do Requerente por 640 dias seguidos, sem justificação, nos anos de 2020 e 2021, ocasionou “a produção efetiva de resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse geral”, sendo igualmente inequívoco que o Requerente não podia deixar de ter previsto essa consequência como efeito necessário da sua conduta [cfr. art.° 191.°, n.° 1, alínea b), da LGTFP].”
E sobre os efeitos dessa mesma conduta consignou:
“Tal conduta revela-se, na verdade, e de um ponto de vista objetivo, séria e grave, incompatível, a nosso ver, com a manutenção do Requerente em exercício de funções (docentes), conduzindo a uma evidente insegurança no ambiente escolar e académico, já que se permitiria que se mantivesse em funções alguém que demonstrou um elevado e sério grau de indiferença e de desinteresse pelas funções que estava incumbido de desempenhar por força do seu vínculo laboral com o Requerido.”
Da proporcionalidade -
O princípio da proporcionalidade tem assento constitucional no artigo 18º da CRP e no artigo 7º do CPA, sendo um princípio basilar da atuação da Administração Pública, impondo-lhe, nomeadamente, que com a prossecução do interesse público provoque a menor lesão possível aos interesses privados.
Segundo Luís Moncada (Código do Procedimento Administrativo anotado, 2ª edição, Quid Juris, pág. 95), “a proporcionalidade é utilizada como critério jurídico defensivo das limitações aos direitos fundamentais pelo legislador e pela Administração, de acordo com o regime do artº 18º da CRP. Mas pode e deve ser utilizada fora daí como critério geral de toda a atividade administrativa”.
Este princípio assume também grande importância em sede de poder disciplinar, uma vez que “as penas disciplinares são um mal infligido a um agente, devem, em tudo quanto não esteja expressamente regulado, aplicar-se os princípios que garantem e defendem o indivíduo contra todo o poder punitivo” e portanto “o princípio da proporcionalidade impõe que, tendo em consideração os fins a atingir, a sanção disciplinar aplicada ao arguido deva ser, simultaneamente, a menos gravosa e a mais adequada à gravidade dos factos” (vide, acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 20.11.2014, proferido no proc. nº 00312/11.8BEVIS).
Nas palavras de Mário Aroso de Almeida, in Teoria Geral do Direito Administrativo, 3ª edição, Coimbra, 2016, Almedina, pág. 312 “a atribuição de poderes discricionários visa permitir à Administração Pública a descoberta da melhor solução para a satisfação do interesse público em cada caso concreto. O Tribunal não pode repetir a apreciação feita pelo agente administrativo, a justificação para o facto assenta em razões de natureza substantiva, que decorrem do princípio da separação de poderes. Trata-se, na verdade, de incumbir à Administração da formulação de juízos que, embora regidos por princípios jurídicos sindicáveis pelos tribunais, são, no seu cerne, juízos de mérito, próprios do exercício da função administrativa. O controlo jurisdicional do exercício de poderes discricionários por parte da Administração deve, no entanto, estender-se à cabal fiscalização do respeito pelas regras e princípios jurídicos (cfr. art. 3º do CPTA)”.
Princípios como os princípios da proporcionalidade e da justiça -
Veja-se a este respeito o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 285/92, “(…) quando estão em causa atos administrativos praticados ao abrigo de poderes discricionários, lesivos de direitos, liberdades e garantias, o âmbito do juízo dos tribunais não exclui a ponderação da proporcionalidade inerente às próprias decisões administrativas, assente na apreciação da adequação entre o meio adotado e o fim prosseguido, ou seja, do «equilíbrio» do meio em relação ao fim, por forma a que «não agrave excessivamente o seu destinatário» (nicht ubermassig belasten) e «não lhe exija demais» (nicht unzumutbar sein)” e também o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 03.11.2004, proferido no processo 0329/04.
Diz-nos Eduardo Correia: “(...) na medida em que as penas disciplinares são um mal infligido a um agente, devem (...) em tudo quanto não esteja expressamente regulado, … aplicar-se-ão os princípios que garantem e defendem o indivíduo contra todo o poder punitivo (...)” (Eduardo Correia, Direito Criminal, I, Almedina, 1971, pág. 37.).
Por seu turno, José Beleza dos Santos sustenta: “(…) As sanções disciplinares têm fins idênticos aos das penas crimes; são, por isso, verdadeiras penas: como elas reprovam e procuram prevenir faltas idênticas por parte de quem quer que seja obrigado a deveres disciplinares e essencialmente daquele que os violou. (...) aquelas sanções têm essencialmente em vista o interesse da função que defendem, e a sua atuação repressiva e preventiva é condicionada pelo interesse dessa função, por aquilo que mais convenha ao seu desempenho atual ou futuro (...). No que não seja essencialmente previsto na legislação disciplinar ou desviado pela estrutura específica do respetivo ilícito, há que aplicar a este e seus efeitos as normas do direito criminal comum. (...)” ( José Beleza dos Santos, Ensaio sobre a introdução ao direito criminal, Atlântida Editora SARL/1968, págs.113 e 116.).
Tal não significa que o princípio da legalidade e consequente função garantística de direitos subjetivos públicos esteja arredada do direito sancionatório disciplinar, nomeadamente ao amparo da conceção da relação jurídica de emprego público como relação especial de poder (Luís Vasconcelos Abreu, Para o estudo do procedimento disciplinar no direito administrativo português vigente: as relações com o processo penal, Almedina, Coimbra/1993, pág. 30. Francisco Liberal Fernandes, Autonomia coletiva dos trabalhadores da administração. Crise do modelo clássico de emprego público, Boletim da Faculdade de Direito, Studia Iuridica, 9, Universidade de Coimbra, Coimbra /1995, págs.146/147.).
Todo este labor legislativo traduz-se na adoção de conceitos gerais e indeterminados, juridicamente expressivos do conteúdo da relação laboral (vinculativos) o que outorga à autoridade administrativa no exercício da competência disciplinar, uma vez definidos quais os factos provados, uma margem de livre apreciação, subsunção e decisão, operações todas elas jurisdicionalmente sindicáveis no que concerne à definição do efeito jurídico no caso concreto (validade do ato), v.g. quanto à existência material dos pressupostos de facto (Mário Esteves de Oliveira, Lições de Direito Administrativo - FDL/1980, págs.621 e 787. Bernardo Diniz de Ayala, O défice de controlo judicial da margem de livre decisão administrativa, Lex, 1995, pág. 91.
A operação de subsunção da factualidade provada ao conceito identificado pelos substantivos abstratos que qualificam os deveres gerais, em ordem a aplicar ao caso concreto a consequência jurídica definida pela norma, passa, assim, por dois planos:
primeiro: pela interpretação e definição de conteúdo dos conceitos indeterminados que consubstanciam os deveres gerais;
segundo: pelo juízo de integração ou inclusão dos factos apurados na previsão do normativo aplicável e consequente concretização dos referidos conceitos normativos.
O direito sancionatório disciplinar pune os comportamentos que, consubstanciados no caso concreto pela factualidade apurada e definida no procedimento disciplinar, em juízo subsuntivo não integrem as qualidades abstratamente elencadas.

Esta posição foi acolhida por este TCAN em 20/11/2014, no Acórdão
00312/11.8BEVIS, onde se sumariou:

1-Na medida em que as penas disciplinares são um mal infligido a um agente, devem, em tudo quanto não esteja expressamente regulado, aplicar-se os princípios que garantem e defendem o indivíduo contra todo o poder punitivo
(…)
4- O princípio da proporcionalidade impõe que, tendo em consideração os fins a atingir, a sanção disciplinar aplicada ao arguido deva ser, simultaneamente, a menos gravosa e a mais adequada à gravidade dos factos.
Todavia, o chamado controlo jurisdicional da adequação da decisão aos factos, determina que o Tribunal se não pode substituir à Administração na concretização da medida da sanção disciplinar, o que não impede que lhe seja possível sindicar a legalidade da decisão punitiva, na medida em que esta ofenda critérios gerais de individualização e graduação estabelecidos na lei ou que saia dos limites normativos correspondentes (Acórdão do STA, de 09/3/83, in Ac. Dout. Ano XXIX, nº 338, pág. 191 e segs.).
No caso dos presentes autos a proporcionalidade da medida disciplinar é bem atestada pela sentença com base no elenco dos factos provados.
A medida disciplinar aplicada, de despedimento disciplinar, foi corretamente aferida tendo em conta os critérios dos artigos 184.° a 188.° da LTFP, tendo em conta a natureza, missão e atribuições do órgão ou serviço, cargo e categoria do trabalhador, e às suas particulares responsabilidades inerentes à modalidade do seu vínculo de emprego público, grau de culpa e todas as circunstâncias da infração, que militem contra ou a favor do trabalhador.
Em sede de procedimento disciplinar, foram consideradas as circunstâncias de “boa conduta, profissionalismo do professor arguido no desempenho das suas funções” (fls. 137-139 do PA), e falta de registo disciplinar, ou o trabalho de missionação, mas isso não pode servir para escusar o ora Recorrente de abandonar o serviço ao qual se encontrava vinculado, até porque poderia ter previsto os resultados prejudiciais ao serviço e ao interesse geral como necessários decorrentes da sua conduta, que resultaram numa sobrecarga para os outros docentes (fls. 62-63 do PA) (ponto 22 dos factos provados).
Existe uma circunstância agravante de especial produção efetiva de resultados prejudiciais, uma vez que os outros docentes colegas ficaram sobrecarregados com o trabalho que ficou por fazer devido ao abandono do serviço pelo ora recorrente, efeitos que poderia ter previsto muito tempo antes de ter começado a dar faltas injustificadas (fls. 63 e 141 do PA).
Patente está um grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais, e contra a dignidade e prestígio da função pública, nesse aspeto dando primazia à sua função de membro da Ordem dos Capuchinhos, privilegiando as instruções da referida ordem religiosa ao cumprimento das suas funções de trabalho em funções públicas.
Assim, o Réu considerou, e bem, a sanção aplicada devidamente adequada, necessária e estritamente proporcional, subprincípios do princípio da proporcionalidade.
Como é sabido, este princípio da proporcionalidade ou da “proibição do excesso”, desdobra-se em três subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
Assim, a lesão do direito deve revelar-se adequada e apta à prossecução do interesse público visado; exigibilidade ou necessidade (inexistência de outros meios que permitam satisfazer de forma idêntica o interesse público visado); e proporcionalidade
stricto sensu (a lesão não deve exceder, numa lógica custo/benefício, o benefício alcançado pelo interesse público).
Por isso, a Administração está vinculada à observância do princípio da proporcionalidade; daí que na sua actuação tenha de existir uma proporção adequada entre os meios empregues e o fim que se pretende atingir. A proporcionalidade terá de se verificar: a) entre o fim da lei e o fim do acto; b) entre o fim da lei e os meios escolhidos para atingir tal fim; c) entre as circunstâncias de facto que dão causa ao acto e as medidas tomadas.
Como julgado a aplicação da sanção de despedimento, em face da gravidade dos factos praticados pelo Requerente mostrou-se adequada e justificada, pelo que a decisão punitiva não violou o princípio da proporcionalidade.
De facto, repete-se, existem condições objetivas que inviabilizam a relação funcional, pela ausência injustificada e prolongada que o ora recorrente teve relativamente ao serviço, a falta de preocupação em justificar as faltas, o facto de ter dado primazia a uma outra atividade que não estava autorizado a desempenhar, em incompatibilidade evidente com as funções para as quais tinha sido contratado em vínculo de trabalho em funções públicas, e que levam a uma quebra definitiva de confiança laboral.
Sobre a adequação, a sanção disciplinar de despedimento é apropriada para alcançar o fim de afastamento do docente da prática profissional cujo vínculo ele próprio interrompeu por longa duração, e este fim coincide com o fim legal estatuído pela previsão do citado art.° 297/3, al. g) da LTFP.
O Acórdão do STJ de 23-09-2020, relativo ao processo 44/19.9YFLSB, considera que o princípio da adequação “... impõe que as medidas adoptadas sejam aptas a realizar o fim ou fins que têm em vista alcançar. A actuação administrativa deve ser, assim, congruente com as circunstâncias do caso e os fins que a justificam, impondo-se uma avaliação causa-efeito entre, por um lado, o meio ou solução propostos, e, por outro lado, o objectivo a atingir. Os critérios da Administração Pública têm de ser possíveis de conduzir ao fim do ato, que, por seu turno, deve coincidir com o fim legal.”
Desta forma, é notória e inequívoca a adequação da sanção aplicada, uma vez que o afastamento do docente do serviço é congruente com as circunstâncias do caso (a infração cometida pelo docente da forma como foi verificada), e coincide com o fim legal estatuído pela LTFP (a sanção aplicável tendo em conta o comportamento a sancionar).
Em relação ao princípio da necessidade, este exige “que se escolha, de entre todos os meios idóneos e de igual modo aptos a prosseguir o fim visado, aquele que produza um efeito menos restritivo. A medida administrativa deve ser necessária para o cumprimento dos fins que determinam a actuação pública, de tal sorte que a Administração só deve sacrificar o direito do particular quando tal se revele indispensável para a prossecução do interesse público.”
A sanção disciplinar de despedimento, para além de decorrer de expressa previsão legal do art.° 297.° e art.° 187.° da LTFP, é equacionada face ao art.° 189.° da LTFP, tendo em conta a gravidade da infração, de desprezo profundo mostrado pelo serviço em detrimento de outros compromissos, às suas responsabilidades de docente, que foram totalmente ignoradas, e à missão e atribuições do órgão onde pertencia.
Para prosseguir o fim visado, o afastamento do docente do serviço de forma tanto a punir o seu comportamento que causou dano aos serviços, como a prevenir que volte a suceder, para salvaguarda do próprio serviço, está respeitado o princípio da necessidade, uma vez que outras sanções disciplinares não permitiriam atingir o mesmo fim, mesmo se fossem possíveis de considerar face ao legalmente estatuído, o que no caso em apreço não são.
De facto, como é referido no parecer da IGEC (fls. 147-150 do PA, ponto 23 dos factos provados), é valorado um juízo de prognose, de acordo com os acórdãos devidamente citados: “Note-se que o conceito de inviabilização da manutenção da relação funcional concretiza-se através de juízos de prognose. Contudo, esse juízo de prognose exigido tem de assentar na gravidade objetiva do facto cometido pelo arguido disciplinar, no reflexo dos seus efeitos no desenvolvimento da função exercida e no reconhecimento, através da natureza do facto e das circunstâncias em que foi cometido, de que o seu autor revela uma personalidade inadequada ao serviço de funções públicas”.
E que “Assim sendo, os factos cometidos pelo arguido devem ser tão graves que, avaliados e considerados no seu contexto, impliquem para o desempenho da função prejuízo de tal monta que irremediavelmente comprometa o interesse público que aquele deve prosseguir e, bem assim, a finalidade concretamente visada pela função e a eficiência, a confiança, o prestígio e a idoneidade que deve merecer a atividade da Administração, de tal modo que o único meio de acudir ao mal seja a ablação do elemento que lhe deu causa” (fls. 149 do PA).
Face ao princípio da proporcionalidade em sentido estrito, este “proíbe a adopção de medidas excessivas ou desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos.” (Acórdão do STJ, de 23-09-2020), que se encontra respeitado na medida em que apenas a sanção de despedimento disciplinar poderia permitir alcançar o fim de salvaguarda da integridade dos serviços afetada pela gravidade do comportamento do docente ora recorrente, que deu primazia total à sua condição de membro da Ordem dos Capuchinhos, menosprezando deveres gerais e especiais da sua função de docente.
O mesmo Acórdão refere que as “... medidas expulsivas sejam aplicadas em caso de infracção que inviabilize a manutenção da relação laboral e, portanto, naquelas situações em que o agente, pela sua conduta, mostrou não dar garantias de poder continuar a contribuir para assegurar a capacidade funcional da Administração.” A gravidade da infração quebrou definitivamente a relação de confiança que o empregador depositou nele, inviabilizando assim a manutenção da relação laboral, ao contrário do alegado nos artigos 37° e 38° das alegações.
Pelos autos do procedimento disciplinar, compreende-se a gravidade da infração e as suas circunstâncias, bem como a regularidade em que este procedimento foi decidido, sem preterição de quaisquer direitos do trabalhador, nomeadamente o seu direito de defesa.
Estando em causa a dosimetria concreta da sanção disciplinar, vimos que o respeito pelo princípio da proporcionalidade e da legalidade vinculou qualquer forma de discricionariedade. O Acórdão citado
esclarece que “Se ao Tribunal é possível analisar da existência material dos factos e averiguar se eles constituem infracções disciplinares, já não lhe compete apreciar a concreta medida da pena, salvo em caso de erro notório ou manifesto”, pelo que, na ausência deste erro, não existem condições para colocar em causa a sanção efetivamente aplicada.
Em suma,
-O princípio da proporcionalidade, convocado aquando da selecção da sanção disciplinar tida por adequada, orienta e informa o empregador, enquanto decisor, da necessidade de observar, no momento próprio, a regra segundo a qual a sanção por que se opte deve corresponder, em termos de proporcional severidade, à gravidade da conduta infraccional, avaliada em si e nas suas consequências, e ao grau de culpa do infractor, ambas aferíveis pelo padrão convencional do homem médio/“bonus paterfamilias” e reportadas ao quadro atendível na apreciação da justa causa prefigurado no n.º 3 do art. 351.º do CT/2009 - Acórdão do STJ de 08/01/2013, no proc.
447/10.4TTVNF.P1.S1;
-Do acima exposto, não subsiste qualquer argumento de violação do princípio da proporcionalidade, nem se verifica qualquer arbitrariedade ou falta de fundamentação fáctica ou legal;
-Encontra-se inviabilizada a manutenção da relação laboral, nos termos do art.° 187.° da LTFP, ao contrário do alegado nos artigos 37° a 40° das alegações de recurso, pois, como referido na sentença:
“…, temos para nós como certo que os factos praticados pelo Requerente, cuja materialidade o mesmo nem sequer põe em causa na presente ação – a ausência ao serviço, num total de 640 dias, sem qualquer justificação, ou seja, a verificação de 640 dias de faltas injustificadas –, assumem enorme gravidade, comprometendo de forma irreversível a confiança que sempre tem de existir na relação laboral, gravidade essa que se revela ainda mais premente no contexto das funções docentes exercidas pelo trabalhador. Afigura-se-nos, por isso, que a infração cometida pelo Requerente (violação dos deveres de assiduidade, de prossecução do interesse público, de zelo e de lealdade) compromete, de forma irremediável, a confiança que tem de existir na relação laboral e, dessa forma, inviabiliza a manutenção do vínculo, conforme decorre expressamente do art.° 297.°, n.ºs 1 e 3, alínea g), da LGTFP.”
E continua:
“No caso vertente, resulta com toda a clareza do relatório final do procedimento disciplinar a realização de um juízo de prognose acerca da inviabilidade da manutenção da relação jurídico-funcional com o Requerente, perante a materialidade dos factos apurados e o enquadramento jurídico efetuado, tendo o Requerido cumprido o ónus de alegar e provar os factos nos quais baseou a conclusão da impossibilidade de subsistência da relação laboral.”;
-Ora, não só não subsistem quaisquer argumentos para colocar em causa o procedimento disciplinar, como a sanção disciplinar de despedimento foi a decorrência do seu total abandono de funções em profundo desprezo pelo serviço e pelas funções que desenvolvia, junto a alunos de necessidades especiais, que implicou uma total quebra de confiança perante atitudes que, se não punidas, se poderiam repetir e continuar a causar danos aos serviços e aos seus utentes - lê-se nas contra-alegações e aqui corrobora-se.
Improcedem, pois, as conclusões das alegações.

DECISÃO

Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Notifique e DN.

Porto, 02/6/2023

Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Isabel Jovita (em substituição)