Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00623/10.0BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/23/2024
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:CRISTINA DA NOVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE FACTO;
PROVA TESTEMUNHAL;
MÉTODOS INDIRETOS;
Sumário:
1-Para impugnar o julgamento tem de cumpriu o ónus da impugnação, especificando os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indicando os meios probatórios, constantes do processo, nomeadamente o registo áudio da inquirição das testemunhas, relativamente aos depoimentos, indicando com exatidão as passagens da gravação em que se funda a sua discordância face ao estabelecido pelo tribunal, ou seja, expressando o que no seu entender impunha decisão probatória diferente, simultaneamente, apresentando a formulação da decisão que deveria ser dada [art. 640.º do CPC], o que tem como implicação a rejeição imediata do recurso.

2-O art. 115.º do CPPT dispõe sobre os meios de prova no contencioso tributário, apelando no geral para o que vem determinado no CPC. Em face da regra da admissibilidade de todos os meios de prova, quando não existir lei especial exigindo determinado tipo de prova, os interessados poderão servir-se de qualquer meio legal de prova. Não valem no processo de impugnação judicial limitações de prova que não resultem de proibições gerais dos meios de prova, não podendo ser obstáculo à averiguação dos factos limitações probatórias, nomeadamente a testemunhal.

3- A fiscalização tem de versar sobre os elementos contabilísticos do contribuinte, e, daí que ele deva manter uma contabilidade organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controle, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração anual do imposto; o ato de aplicação de métodos indiciários deve ser fundamentado através da indicação (obviamente em concreto, através da demonstração e da subsunção de determinados dados de facto em qualquer das previsões.

4- É uma medida excecional, o que obriga que haja fundamentos objetivamente demonstrados para o efeito, sob pena de a aplicação de este método ser ilegal. Os métodos indiciários consistem na utilização de meios de prova indireta_ ou seja, meios que, não estabelecendo diretamente aqueles que se visa provar (no caso o imposto a pagar), estabelecem contudo a verificação de outros dos quais é possível inferir, com algum grau de certeza (através de «máximas de experiência»), os primeiros. Na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à administração fiscal o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação [art.74º, n. º3 da LGT].*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Subsecção Comum do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA, vem recorrer da sentença o TAF de Coimbra que julgou procedente a Impugnação judicial de liquidações adicionais de IVA do ano de 2009 e respetivos juros compensatórios
*
Formula a recorrente, Fazenda Pública, nas respetivas alegações as seguintes conclusões, que se reproduzem:
«a) A presente impugnação vem interposta contra a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios do exercício de 2009, no valor global de 110.374,48€, que teve por base correções feitas através do recurso a métodos indiretos, em sede de ação inspetiva.
b) Não pode a Fazenda Pública conformar-se com a procedência da impugnação por entender que a AT cumpriu com o seu ónus probatório, concretamente porque há um conjunto relevante de diligências realizadas pela inspeção tributária e que constam do capítulo IV do relatório de inspeção tributária (RIT) e fazem parte do ponto "E" do probatório e que deveriam ter constituído prova suficiente e ponderada para dar razão à Recorrente e cuja consideração redundaria em desfecho diferente da presente ação.
c) Na realidade, os factos dados como provados nos pontos N, O e P da douta sentença não têm a virtuosidade de contabilizar em concreto o valor dos prejuízos, conforme, aliás, é assumido pelo próprio Tribunal, na douta sentença em que está referido e assumido que: (...) nenhuma das testemunhas foi capaz de contabilizar o concreto valor dos prejuízos, pelo que o Tribunal sobre esta matéria nada pode apurar.
d) Por outro lado, em relação à alínea "O" do probatório da douta sentença em que está dado como provado que " Os armazéns referidos no relatório foram construídos depois da ocorrência referida na alínea anterior, sendo que estes se situavam em plano superior à estrada do lado esquerdo da mesma".
e) Discordamos totalmente deste facto dado como provado porquanto apenas está baseado em prova testemunhal, não tendo o Tribunal ordenado junção aos autos de certidão matricial ou licença de construção para aferir da data em que os mesmos armazéns foram construídos.
f) Ora, em regra, todas as pessoas têm capacidade para depor como testemunhas e são admitidas a depor sobre quaisquer factos da base instrutória ou, não havendo esta, sobre quaisquer factos controvertidos que interessam à decisão da causa.
g) Contudo, existem limites à admissibilidade de prova testemunhal, tais como os limites materiais, ser por lei ou vontade das partes, exigido documento para a validade ou prova do ato, ou este se achar já plenamente provado por documento ou por outra prova com força probatória legal, entre outro limites, que no caso em concreto estando em causa a existência de construção de armazéns no ano de 2001, a prova testemunhal não constitui prova fidedigna e com força probatória suficiente para dar como provado que tais armazéns somente foram construídos depois das cheias de 2001.
[Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]h) Pelo que se requer que tal facto seja dado como não provado: " Os armazéns referidos no relatório foram construídos depois da ocorrência referida na alínea anterior, sendo que estes se situavam em plano superior à estrada do lado esquerdo da mesma. "
i) Por outro lado, pese embora as testemunhas tenham afirmado que ocorreu uma cheia em 2000 e que houve estragos, o certo é que as afirmações das testemunhas foram sempre genéricas e vagas, não sabendo contabilizar o concreto valor dos prejuízos, conforme o Tribunal " a quo" admitiu na douta sentença.
j) Ora, o Tribunal "a quo" concluiu que o ato enferma de erro sobre os pressupostos de facto com a justificação de que “(…) apontada perda de mercadorias deveria ter sido objeto de ponderação, sendo que esta não seria inócua, antes podendo dar origem a resultado bem distinto do apurado, uma vez que foram considerados para apuramento de imposto existências referidas por reporte ao início do ano de 2001, ou seja, antes das referidas cheias).
k) Não podemos concordar com tal decisão, tendo em conta que manifestamente enferma de erro de julgamento quanto à matéria de facto, em primeiro lugar porque o Tribunal esqueceu-se, com o devido respeito, que os tais valores das existências de mercadorias (iniciais e finais), das vendas e das compras foram as declaradas pelo próprio contribuinte, ora Recorrido.
l) E foi com base nesses valores declarados pelo próprio contribuinte que a inspeção tributária concluiu que estávamos perante omissão de vendas.
m) Cabia, portanto, ao Recorrido fazer prova do destino dado aos bens, sua contabilização e identificação, nomeadamente que efetivamente aqueles bens não tinham sido vendidos, tinham tido outro destino, no caso, como argumenta tinham sido objeto de destruição, através de uma inundação do estabelecimento, e apresentando os respetivos autos de destruição ou inutilização dos bens e testemunhado por funcionários ou pessoas estranhas à empresa (nomeadamente a proteção civil e forças de segurança pública), e/ou relação de bens inutilizados ou destruídos por a tal inundação.
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]n) Ora, essa prova não foi apresentada pelo Recorrido, ou seja, não trouxe aos autos prova documental relevante, como por exemplo, os tais autos de destruição ou inutilização de bens ou relação de bens inutilizados ou destruídos, optou apenas pela prova testemunhal, sendo certo que as testemunhas nada disseram sobre a contabilização e identificação de qualquer bem, conforme o próprio Tribunal reconheceu na douta sentença.
o) E o ónus da prova incumbia ao Recorrido porquanto, ao contrário do que está dito na sentença, não estamos perante um erro sobre os pressupostos de facto mas sim perante uma questão de presunção de prejuízos, que o recorrido alegou e constitui assunto que se coloca no âmbito de um eventual excesso na quantificação, cabendo portanto ao contribuinte, ora recorrido, fazer a sua demonstração ( art.º 74.º. n.º3 da LGT) — o que não fez.
p) Ora, "o erro nos pressupostos de facto constitui uma das causas de invalidade do ato administrativo, consubstanciando um vício de violação de lei que configura uma ilegalidade de natureza material, pois é a própria substância do ato administrativo que contraria a lei. " - acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proc. 0545/08, de 12-03-2009.
q) "Tal vício consiste na divergência entre os pressupostos de que o autor do ato partiu para prolatar a decisão administrativa final e a sua efetiva verificação na situação em concreto, resultando do facto de se terem considerado na decisão administrativos factos não provados ou desconformes com a realidade".- acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proc. 0545/08, de 12-03-2009.
r) Se o pressuposto de que o ato recorrido partiu — as das existências declaradas e registadas na contabilidade do sujeito passivo, ora Recorrido — não tendo sequer as mesmas sido objeto de impugnação, mostrando-se verificado, o mesmo ato não se encontra inquinado do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto.
s) O que foi efetivamente posto em causa pelo Recorrido, foi o excesso de quantificação do ato, conforme se pode aferir pelo articulado 72º da petição inicial, onde está dito que "(...) mesmo aceitando-se como conecta a liquidação efectuada, por recurso a métodos indirectos, o que não se aceita, bastaria então fazer uma simples operação, ou seja, utilizando o valor das existências declaradas pelo sujeito passivo em 31/12/2000, de 324.955,676, a que teríamos que deduzir os bens então inutilizados no montante de 151.604,23€ (…)”.
t) Ou seja, no caso em concreto, até estamos perante uma dupla presunção, embora ilidível, mas desfavorável ao sujeito passivo, ora Recorrido, não só porque estamos no âmbito da quantificação do ato — previsão do seu art. 74.º n.º 3 da LGT, procedendo a clara distribuição do ónus da prova, entre os envolvidos e interessados nessas situações, no sentido de competir à administração tributária/ AT o da verificação dos pressupostos da aplicação desses métodos e de caber ao sujeito o encargo da prova do excesso da respetiva quantificação, bem como nos termos do art.º 86.º do CIVA — contém uma presunção legal iuris tantum, de que os bens cujos valores constem dos inventários da contribuinte e não sejam encontrados, se têm de presumir como transmitidos ou vendidos.
u) O ora Recorrido não logrou apresentar qualquer prova da destruição ou inutilização daquelas existências.
v) Sendo indispensável tal prova documental para afastar a tal presunção que incumbia ao ora Recorrido — neste sentido o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, proc. 07098/ 13, de 13-07-2016, que decidiu o seguinte, em caso similar: "A Recomente não trouxe aos autos prova documental relevante, como p. ex. autos de destruição ou inutilização dos bens objecto e testemunhado por funcionários ou pessoas estranhas à empresa, autos de prova ou roubo e devidas participações criminais, relação de bens inutilizados ou destruídos por defeitos de fabrico. Optou pela prova testemunhal. "
w) Conforme já foi dito nestas conclusões, do probatório não resulta prova da destruição, nem a quantificação dos bens que faziam parte do registo das existências e que alegadamente terão sido destruídos pelas cheias, presunção que incumbia ao Recorrido e que não foi ilidida, face à inexistência de qualquer prova documental a identificar e a contabilizar os bens que alegadamente terão sido destruídos e que poderiam constituir os tais prejuízos.
x) Ora, com todo o respeito pela douta decisão judicial e reconhecendo a análise efetuada pela Mma Juíza do Tribunal "a quo", entende a Recorrente que existiu erro de julgamento na apreciação da prova e de aplicação do direito e que conduziu à decisão por tal procedência total, o que conduzirá indubitavelmente à revogação da decisão.
y) Isto porque ao ter decidido pela procedência total da ação, invertendo, erradamente, o ónus da prova para a AT, e sem que tenha havido prova documental que identificasse e contabilizasse os bens que alegadamente terão sido objeto de destruição, dando força probatória a depoimentos de testemunhas que foram demasiados genéricos e vagos — porque em nenhum momento identificaram e contabilizar os bens - manifestamente que o tribunal incorreu em erro de julgamento na apreciação da prova e consequente aplicação do direito.
z) Sobre a prova a ser feita no caso de se constatar falta de mercadorias por estas se terem inutilizado ou terem sido furtadas ou destruídas por acidente (incêndio ou inundação, por exemplo) escreve J. A. Valente Torrão, in Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, Anotado e Comentado, 2005, Almeidina, pág. 269270: "Uma das situações em que este artigo pode ter aplicação é no caso de se constatar falta de mercadorias por estas se terem inutilizado ou terem sido fintadas ou destruídas por acidente (incêndio ou inundação, por exemplo).
Nestes casos é aconselhável que o contribuinte tome as suas precauções, nomeadamente participando a ocorrência às entidades policiais e tributárias de modo a que estas possam constatar o facto ou elaborando um auto de ocorrência testemunhado por pessoas que tenham assistido à destruição.
Se o não fizer e sendo certo que nada obriga a comunicar o facto à administração tributária, poderá depois efectuar a necessária prova para ilidir a presunção.
3 — Sobre a destruição ou inutilização de bens deteriorados ou obsoletos e prova relevante para efeitos deste artigo v. o Oficio-Circulado n.º 35.264, de 24.10.1986, da DSIVA.»
aa) Em recente Acórdão deste TCA Sul de 10/07/2015, no Processo no 07692/ 14 foi decidido que: "(...) para afastar eventuais contingências fiscais, é indispensável fazer a prova real e objectiva dos factos de modo a ilidir a presunção de aquisição ou de transmissão dos bens, conforme for o caso, ou outras ocorrências de que são exemplo o roubo de bens ou a destruição ou inutilização dos bens objecto de abate» - negrito nosso.
bb) Ora, no caso em apreço, as existências constavam da contabilidade, e portanto, cabia ao Recorrido fazer a prova real e objetiva da identificação e quantificação dos alegados bens que foram destruídos e manifestamente essa prova não foi feita nos presentes autos.
cc) Ora, não há qualquer prova quanto à identificação e quantificação dos alegados bens que foram destruídos e, portanto, há uma errada valoração da prova testemunhal.
dd) Ora, estabelece o disposto no art. 0 76.º, no 1, da LGT " As informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei".
ee) Na situação acima descrita, resulta que o Tribunal " a quo" inverteu erradamente o ónus da prova, sendo certo que ao abrigo da norma acima referida, a presunção de veracidade dos elementos que constam do relatório de inspeção, fazem fé, portanto, presumem-se verdadeiros.
ff) O que se conclui, quanto a esta parte, que ocorreu também aqui um erro de julgamento na apreciação da prova e consequente aplicação do direito.
gg) Entende, pois, a Fazenda Pública, com o devido respeito, que a douta sentença sob recurso enferma de erro de julgamento da matéria de facto e de direito, porquanto fazendo errónea apreciação da matéria de facto, do mesmo passo violou as normas legais aplicáveis - art. 74.º, n3, 76.º, n.º 1, ambos da LGT, 86.º do CIVA, 350.º do C. Civil, alínea a) do art.º 88.º e alínea b) do art.º 87.º, ambos da LGT, e alínea a) do no 1 do art.º 90.º da LGT.
Com todo o respeito, o Tribunal "a quo" incorreu, assim, em erro de julgamento, por ter desvalorizado (e ignorado até) prova apurada nos autos — como é o caso dos elementos invocados no relatório de inspeção para justificar o recurso através dos métodos indiretos e os respetivos critérios de quantificação que foram levados ao probatório da douta sentença, alínea "E" — fls. 5 a 12 - e que simplesmente foram ignorados pelo Tribunal " a quo".
ii) E o erro de julgamento, de facto ou de direito, somente pode ser banido pela via de recurso, conforme é mencionado no douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, no proc. 06235/12, de 15-01-2013.
jj) Face ao exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso devendo o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, deve a decisão recorrida ser revogada, com todas as consequências legais, só assim se fazendo JUSTIÇA.
Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença, como é de inteira
JUSTIÇA»
*
O Recorrido «AA», notificado do presente recurso, apresentou as seguintes contra-alegações - as quais integram, a título subsidiário, um pedido de ampliação do objecto do recurso – formulando as seguintes conclusões:
«1) No caso sub judice, apesar de ter ocorrido gravação dos depoimentos prestados em audiência, não é possível proceder à requerida reapreciação, uma vez que a recorrente, nas conclusões do recurso, não especificou quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação nele realizada, que foram mal interpretados e que, em sua opinião, impunham, em relação a esses pontos, uma decisão diferente da que foi tomada, nem indicou onde se localizam, nessa gravação o início e o termo de cada um dos depoimentos a reapreciar e que, em seu entender, impunham a alteração da referida decisão.
2) Tratando-se de gravação digital, a Recorrente não estava impossibilitada de fazer uma identificação precisa e separada dos depoimentos e de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, nos termos do nº 2 do art. 585º-B.
3) Não o tendo feito, nem procedido à respectiva transcrição, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com esse fundamento, deve ser rejeitada de imediato.
4) Acresce: contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo. O que se torna necessário é que no seu livre exercício da convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto como provado ou não provado, possibilitando, assim, um controle sobre a racionalidade da própria decisão. De resto, a lei determina a exigência de objectivação, através da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (cfr. artº 653, nº 2, do CPC).
5) Nessa perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
6) A decisão que dirimiu a matéria de facto controvertida deve, assim, manter-se inalterada, tal como foi decidida pela 1ª instância.
7) Como muito bem salienta a douta sentença recorrida, a comprovada perda de bens deveria ter sido objecto de ponderação, o que inevitavelmente levaria a resultados diversos.
8) No mínimo, as circunstâncias concretas desveladas pelo caso, é aplicável o disposto no n.º 1 do art.º 100.º do CPPT, ou seja, “sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado”.
9) Segundo o art.º 60º, n.º 7 da Lei Geral Tributária, os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.
10) Face ao direito de audição exercido pela impugnante, a Administração Fiscal pronunciou-se nos termos que melhor constam do relatório final, menosprezando a concreta actividade do impugnante e o concreto local onde a mesma se desenvolvia, sendo que o objectivo legal é evitar que a audição se transforme num momento procedimental que não tenha qualquer sentido racional na perspectiva da utilidade para a formação da decisão ou deliberação tributárias. Um momento de simples decoração do procedimento, que nenhum valor substancial justifica é arredado pelos princípios gerais da utilidade racional dos actos jurídicos, da celeridade, da simplicidade e da eficiência do procedimento.
11) Compete à Administração Fiscal o ónus da prova da verificação dos pressupostos da aplicação dos métodos indirectos (art.º 74º, n.º 3 da LGT e Vieira de Andrade, in Direito Administrativo e Fiscal, parte I, páginas 150-152: “ há-de caber à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua actuação, sobretudo se agressiva (positiva e desfavorável)... “), o que inequivocamente não conseguiu fazer, sendo ainda certo, que tal ónus da prova da existência dos pressupostos de facto e de direito do acto de liquidação que tem por base a aplicação dos métodos indiciários cabe à Fazenda Pública, no recurso administrativo... (Ac. do TCA, Secção de Contencioso Tributário, de 22.5.2001, Proc. 4623/00).
12) Analisando o relatório verifica-se que nenhuma referência é feita especificamente quanto ao normativo aplicável, ficando, pois, por saber-se qual ou quais em concreto são as imputadas práticas ilícitas do ora impugnante, que estão na base da tributação por métodos indirectos, e nessa medida, quais em concreto a ou as normas infringidas.
13) É que, não basta fazer um elenco de situações pretensamente anómalas (alíneas a) a f), como se diz no relatório a páginas 9, nos diversos parágrafos do ponto IV, para fundamentar o recurso a métodos de avaliação indirecta. E mais; concluir que: temos um desfalque de 459.931,33 €, é no mínimo abusivo.
14) Não está sequer concretizado um único fundamento material para o recurso aos métodos indirectos. E legalmente ainda menos, pois não basta uma referência genérica à lei, é preciso indicar em concreto qual ou quais os normativos aplicáveis e mais do que isso, é necessário fundamentar a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto.
15) Não bastam meras referências ou descrições genéricas quanto a omissão de proveitos. É necessário não só especificar em concreto tais omissões, e o porquê das mesmas, tal como resulta do elenco dos art.ºs 87.º e 88.º da LGT, como indicar os factos tributários efectivamente omitidos.
16) O que diga-se em abono da verdade, tal não ocorreu. Com efeito, o dito desfalque de 459.931.33€, traduziu-se numa modificação para mais e substancialmente do valor das existências finais.
17) Comprou-se mais do que se vendeu e com isso só podemos concordar, pois de tal situação, resultou como tinha que resultar o aumento das existências. É o resultado normal e natural da ciência matemática. Se assim não fosse é que seria de causar espanto. Mas este facto, é completamente omitido.
18) Falta saber, pois, a Administração não o diz, e devia dizer, onde e como “não é congruente que, no exercício da actividade deste comerciante, o IVA liquidado na venda de mercadorias seja inferior (em mais de 60.000,00 €) ao IVA deduzido nas compras de mercadorias adquiridas para posterior venda.” E, como o que fica dito se traduz “num comportamento omissivo”.
19) Assim, tal realidade, ou seja, um volume de vendas menor do que as compras, sem levar em conta o aumento das existências, é em si um não facto, pois fosse de outra forma então é que estaríamos numa situação inexplicável.
20) À falta de melhor a Administração Fiscal, justifica o recurso aos métodos indirectos apenas, porque daí resulta seguramente um maior apuramento de imposto a liquidar, quando tinha à sua mão a solução decorrente de correcções meramente aritméticas atrás referidas, essas sim, consubstanciadas em dados objectivos e concretos.
21) Não se verificam, pois, os pressupostos de facto correspondentes aos abstractamente exigíveis e enunciados nos preceitos legais para que se possa considerar exercido legalmente o poder tributário de fixação do imposto por métodos indirectos, sendo ainda certo que, também não se indicam pressupostos de facto que sejam suficientes para sustentar a legalidade do exercício de tal poder, porque, os tomados em consideração não têm susceptibilidade causal, aferida pelos parâmetros de um juízo de causalidade adequada segundo a experiência comum, a ciência económica e a ciência fiscal para justificarem e levarem à aceitação dos factos inferidos ou porque os considerados não existem.
22) A fiscalização errou profundamente quando, na sua investigação, deu como assentes determinados factos e daí se viu autorizada a usar o poder tributário dos métodos indirectos para apurar o lucro tributável, pelo que, é ilegal tal uso e a determinação a que chegou por erro nos pressupostos de direito (errada aplicação da lei) e bem assim por erro nos pressupostos de facto por erro de cognição e de valoração dos factos que fundaram o recurso aos métodos indirectos.
23) Por outro lado, a própria fundamentação empregue é insuficiente.
24) O discurso fundamentador tem de externar o momento cognitivo dos factos, o modo como estes foram conhecidos, o percurso endógeno da sua avaliação, segundo os mais variados critérios de validação racional (empíricos, técnicos, jurídicos ou outros), de cuja ponderação resulte como inteiramente justificada racionalmente a solução do apuramento do rendimento tributável e na expressão quântica fixada, o que in casu, não acontece.
25) É facilmente perceptível que a generalidade da população portuguesa não percebe minimamente que rácio é esse, de onde é que resultam as percentagens, como é que se faz o apuramento das mesmas, quem são os sujeitos passivos que declararam, quantos é que foram objecto de inspecção tributária, etc, etc…
26) Trata-se, pois, de uma fundamentação oca, insuficiente e imperceptível, que se situa nos antípodas das exigências legais.
27) Falta de fundamentação também constatável na alegação de que: “… foi-nos referido que os bens perdidos na inundação estavam num barracão abaixo do nível da estrada; ora, não se alcança como é que um valor tão elevado de existências (lembre-se móveis de utilização doméstica) estivessem naquele barracão abaixo do nível do solo, quando a exposição e armazenamento é feita em prédio com 4 pisos acima do solo”. Por quem? Onde? Quando?
28) Mais se acrescenta que a improcedência do alegado não deixará de acarretar, em consequência da injunção constitucional tipificada no artigo 268.º, n.º 3, a aplicação de norma eivada de inconstitucionalidade, qual seja a do artigo 77.º, n.º 1 e 4, da LGT, interpretada no sentido de que, no caso da avaliação indirecta do rendimento, a fundamentação pode consubstanciar-se num discurso de cariz técnico e inacessível (imperceptível) a um destinatário normal.
29) E, para além de não se encontrar qualquer justificação para a mobilização de tal critério na óptica da sua adequação, idoneidade, funcionalidade e, no plano da fundamentação de direito, habilitação legal, é incontornável, cremos, que o mesmo roça a total ininteligibilidade, seja quanto à sua origem, seja quanto aos valores tidos em conta.
30) Embora se não aceite, pelas razões já elencadas, mas ainda que tal pudesse ser aceite, pergunta-se: que racionalidade pode existir na “construção de um rácio cuja base de sustentação engloba TODOS os contribuintes sujeitos passivos de IRS duma mesma unidade orgânica (Distrito ...) independentemente da actividade exercida”?
31) Ainda que tal fosse admissível sob o ponto de vista técnico, o que não é o caso, pelas razões já anteriormente referidas, a racionalidade de tal operação, indica que para se chegar a um valor que seja racionalmente aceite, apenas deveriam ser englobados para tal finalidade, os sujeitos passivos do imposto que exercessem a mesma actividade, ou seja que estivessem enquadrados dentro do mesmo CAE e não a generalidade dos contribuintes, como se fez.
32) Acresce que tal rácio não se encontra previsto legalmente, pois nenhum normativo legal lhe faz referência, e aqueles (rácios) que a legislação se refere (v.g. alínea c) do artº. 87.º e nº. 1 e 2 do art.º 89.º da L.G.T.), não se encontram ainda concretizados, pelo que, em boa verdade inexistem, logo são inaplicáveis.
33) Por outro lado, mesmo que o tal “rácio” fosse aceite pelo impugnante, situação que se contesta e por isso obviamente não se aceita, teria sempre que ser fundamentado, ou seja a sua construção teria que ser demonstrada, para que qualquer contribuinte, e neste caso concreto o recorrido, ficasse colocado com a Administração Fiscal em posição de igualdade, o que diga-se em abono da verdade não aconteceu.
34) Pelo que, decorre do exposto, não existir base legal, para fundamentar as correcções operadas em sede de IVA, relativas ao ano de 2009.
35) Sem prescindir, teve a AT e com base no entendimento que defende relativamente a este caso (que todas as mercadorias não encontradas se presumem transmitidas), toda a possibilidade de proceder à liquidação do imposto em causa.
36) Na verdade possuindo no seu cadastro desde o ano de 1993 a 2003 todos os valores de vendas e existências, e tendo o sujeito passivo deixado de exercer a actividade, facto que também era e é do conhecimento da Administração Fiscal, tinha esta, toda a possibilidade ao abrigo da disposição contida no nº. 2, do artº. 33.º, do CIVA de declarar oficiosamente a cessação de actividade, o que não fez, e partindo daí iniciar o procedimento adequado à salvaguarda dos créditos tributários que entendesse serem-lhe devidos.
37) Ora o que, ocorreu é que por parte da Administração existiu uma completa omissão, quando vinculada a dever de agir. Assim, parece absolutamente excessivo que se venha agora arguir que não ocorreu a efectiva caducidade do direito à liquidação, quando existe uma nítida omissão de acção por parte da Administração.
38) Assim, a Administração Fiscal apenas poderia corrigir valores em sede do direito à dedução, situação que não se encontra relevada no relatório, pois nele se refere apenas liquidação de imposto com recurso a métodos de avaliação indirecta tendo como base a pretensa transmissão de mercadorias não encontradas.
39) Face a tudo o que fica dito, e tendo em conta as situações de facto e de direito aplicável, a fixação presumida é como se disse ilegal e como tal deve ser anulada e considerada sem qualquer efeito. Não obstante,
40) Mesmo num cenário de aplicação de rácios sem comprovação e fundamentação, o que foi utilizado é óbvio e manifestamente desajustado, e até poderemos dizer “completamente inapropriado”, por se afastar do tudo o que é razoável.
41) Não podemos nem devemos esquecer que o mesmo rácio está construído, - segundo se diz no relatório, e que se não pode comprovar -, com base numa margem bruta sobre as vendas. Ora, o que diz a lei, nomeadamente a alínea a) do nº. 1, do art.º 90.º, da L.G.T. é que a margem a utilizar é a “margem média do lucro líquido”. Logo aqui, temos a lei a dizer uma coisa e a Administração a fazer outra.
42) Acresce finalmente, facto aliás já verificado pela própria Administração Fiscal, quanto à localização do estabelecimento onde era realizado o exercício de actividade se trata de uma zona essencialmente rural, o que nos reconduz à questão relevante quanto às condições objectivas do exercício da actividade do impugnante (num concelho e localidade de pequena dimensão e o fraco poder aquisitivo dos clientes), não foram tidas em conta.
43) Por outro lado, sempre se dirá que face aos dados objectivos declarados pelo sujeito passivo, é absolutamente determinável o valor das existências, não carecendo de afectações ou desafectações de margens, sendo por demais evidente a descoordenação da “racionalidade” dos apuramentos efectuados.
44) Com efeito, utiliza-se um rácio “Média do ano de 2005”, para apurar por estimativa o valor das existências finais em 31-12-2001, ou seja, está-se a usar um rácio que ainda não existia à data do presumível facto tributário, para a final se apurar um imposto liquidado com referência a 31/12/2009.
45) E, nem se diga que o rácio aplicado é o que é mais favorável ao contribuinte. Tal conclusão só pode ser, um tanto ou quanto precipitada, porquanto se é entendimento que os rácios estão mal construídos como se pode concluir que um determinado rácio mesmo mal elaborado é melhor ou pior? Mesmo que tal rácio fosse o melhor (o que é duvidoso) estaríamos a fazer tributação real? Não nos parece.
46) Na verdade, de importância capital e também desprezada pela fiscalização é a questão que se coloca em relação aos métodos indirectos de determinação da matéria tributável indicados neste preceito e que é a da natureza dos concretos critérios que a administração adopte na investigação e determinação da expressão quântica dos factos tributários.
47) A validade técnica do critério exige que o universo dos factores-base de conformação do critério assumido pela administração seja idêntico ou próximo daquele a que a situação investigada se reporta, o que no caso não se verifica.
48) Aliás é curiosa a posição da Fazenda Pública no âmbito do Processo n.º 06854/13 do TCAS a propósito destes mesmos rácios: “Como está bem de ver, e como realça a Fazenda Pública na contestação apresentada, “as diferenças de margens, a existirem, praticadas por diferentes sujeitos passivos, no mesmo sector de actividade, obtidas a partir de valores reais, têm que ser analisadas em consonância com todos os factores que nelas influem. As empresas não são todas iguais, não se comportam todas da mesma maneira e, o contexto onde se inserem, não obedece a requisitos padrão que as coloca em iguais circunstâncias, pelo que as margens que praticam não têm necessariamente que ser iguais”.
49) Por outro lado ainda, existe um facto que deveria ter sido levado em conta, que se traduz numa redução efectiva do valor das existências, pois por força dos elementos da natureza no inverno do ano de 2001, ocorreu uma inundação do seu estabelecimento (armazém e exposição) por terem saído do leito do rio dos mouros as águas desta linha de água, tendo causado a completa inutilização de bens avaliados à época no valor de 151.604,23 €.
50) Pelo que, face a todo o exposto, só se pode concluir que os valores fixados, são MANIFESTAMENTE DESAJUSTADOS, sendo que, mesmo aceitando como correcta a liquidação efectuada, por recurso a métodos indirectos, o que não se aceita, bastaria então fazer uma simples operação, ou seja, utilizando o valor das existências declaradas pelo sujeito passivo em 31/12/2000, de 324.955.67 €, a que teríamos que deduzir os bens então inutilizados no montante de 151.604.23 €, o que perfaz 173.351,44 € * a taxa de IVA de 20% apuraríamos o montante de 34.670.29 € e necessária adição dos dados devidamente trabalhados dos anos de 2002 e 2003.
51) O critério utilizado não é um critério e afronta mesmo os princípios eleitos pelo legislador pela balizar os limites internos e externos de toda a actividade da AT.
52) Não é isso que o legislador quer nem tal critério se conforma ao princípio da igualdade, proporcionalidade e justiça, segundo os quais todos devem ser tratados de forma igual e segundo as suas condições concretas em determinado período espácio/temporal.
53) O benefício do sujeito passivo não pode jamais ser critério válido, de per si, em que possa assentar a quantificação das correcções, as quais quando favoráveis ao Fisco vêm sempre em desvantagem do sujeito passivo.
54) “O corpo do art.º 90º parece admitir a utilização indiscriminada de qualquer um dos vários elementos que permitem fixar a matéria colectável do sujeito passivo. A Administração Fiscal pode utilizar qualquer desses critérios (...) A liberdade concedida à administração para preencher os conceitos indeterminados é limitada pelos princípios da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade (...) “ – Cfr. Francisco de Sousa da Câmara, A Avaliação Indirecta da Matéria Colectável e os Preços de Transferência na LGT, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, pág. 352 -.
55) Mas, não obstante tal liberdade, “ a administração está obrigada a fundamentar a avaliação, evidenciando as razões porque optou por certo critério e explicitando o modo de ponderação dos factores que influenciaram a determinação do seu resultado – cfr. artigo 84º(3) da LGT. Se não se exige que essa fundamentação motive a razão pela qual não foram tomados em consideração outros critérios (salvo se expressamente invocados pelos contribuintes), pelo menos ter-se-ão as razões pelas quais se elegeu o critério adoptado – cfr. artigos 77º(4) e (5) da LGT “ - Cfr. Francisco de Sousa da Câmara, A Avaliação Indirecta da Matéria Colectável e os Preços de Transferência na LGT, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, pág. 352, nota 37 -.
56) Mas o certo é que a fiscalização fez tábua rasa do preceituado naqueles normativos legais, pois não explicou as razões porque optou pelo critério constante do relatório em detrimento de outros, nomeadamente os previstos no art.º 90º da LGT e bem assim não explicitou o modo de ponderação dos factores que influenciaram a determinação do seu resultado.
57) Mas mesmo a admitir-se academicamente que existe um caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, verifica-se que o critério seguido para o seu apuramento está insuficientemente fundamentado e bem assim é desfasado da realidade das coisas e das regras económicas de experiência comum, sendo certo que, o quantum fixado de rendimento colectável sofre de erro manifesto nos pressupostos de facto.
58) Por força do preceituado no art. 266º CRP, a actividade da administração tem de ser levada a cabo em subordinação à Constituição e à lei e deve respeitar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos e os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da boa fé.
59) No domínio do procedimento tributário, estes princípios reclamam que a administração tributária se norteie por critérios de isenção na averiguação das situações fácticas, realizando todas as diligências que se afigurem necessárias para averiguar a verdade material, independentemente de os factos a averiguar serem contrários aos interesses patrimoniais da administração tributária.
60) O princípio do inquisitório justifica-se pela obrigação de prossecução do interesse público imposta à actividade da administração tributária (arts. 266º n.º1 CRP e 55º LGT) e é corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actividade (arts. 266º n.º 2 CRP e 55º LGT), impondo esta obrigação que a administração tributária não aguarde a iniciativa do interessado que formulou o pedido que deu origem ao procedimento, devendo ela própria tomar a iniciativa de realizar as diligências que se afigurem como relevantes para correcta averiguação da realidade factual em que deve assentar a sua decisão.
61) Por outro lado, aquele dever de imparcialidade reclama que a administração tributária procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão.
62) A falta de realização pela administração tributária de diligências que lhe seja possível levar a cabo ou a falta de solicitação aos interessados de elementos probatórios necessários à instrução do procedimento constitui vício deste, susceptível de implicar a anulação da decisão nele tomada (“O principio do inquisitório tem a ver com os poderes (-deveres) de a Administração proceder às investigações necessárias ao conhecimento dos factos essenciais ou determinantes para a decisão, exigindo-se dela (ou imputando-se-lhe a responsabilidade correspondente) a descoberta e ponderação de todas as dimensões de interesses públicos e privados, que se liguem com a decisão a proferir (acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 17-2-98, proferido no recurso n.º 42585 “; “ É imposição decorrente da Constituição e do princípio da legalidade que a Administração tenha a possibilidade de iniciativa processual própria, que a instrução seja orientada segundo o princípio inquisitório de modo a alcançar-se a verdade material, mesmo que o procedimento seja de interesse particular (acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 15-12-94, proferido no recurso n.º 32949, publicado em Apêndice ao Diário da República de 18-4-97, página 9196 “).
63) No decurso do procedimento administrativo o impugnante requereu a realização de diligências probatórias, sendo que a AT nem sequer adiantou explicação para o facto de não as efectuar.
64) Incorrendo, desta forma, na prática de uma preterição de formalidade legal.
Termos em que se requer a V.ªs Ex.ªs:
1) Que se dignem negar provimento ao recurso da Fazenda Pública.
2) Subsidiariamente, que se dignem tomar conhecimento das questões suscitadas em ampliação do recurso e, consequentemente, julgarem procedente por provada a impugnação judicial, decretando-se a anulação do acto tributário.»
*
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer com o seguinte teor:
«A Fazenda Pública vem interpor recurso da sentença do Mm.º Juiz do TAF de Coimbra que, no âmbito de no âmbito de processo de impugnação judicial de liquidações adicionais de IVA do ano de 2009 e respectivos juros compensatórios, a julgou procedente.
A AT efectuou uma acção inspectiva externa a «AA», a fim de comprovar o pedido de reembolso de IVA, tendo efectuado correcções através do recurso a métodos indirectos.
«AA» veio impugnar a referida liquidação adicional invocando, entre outros fundamentos, o erro nos pressupostos para o recurso à determinação da matéria tributável por métodos indiciários, por não ter considerado os prejuízos que teve com uma inundação causa por cheia.
*
Alega a Fazenda Pública, em resumo, que a sentença enferma de erro de julgamento, ao considerar que se verificou um erro nos pressupostos de facto no recurso a métodos indiciários, por não ter tido em conta a perda de mercadoria que o recorrido teve com a ocorrência da inundação do estabelecimento comercial.
Cremos que lhe assiste razão.
O acto sindicado é o relatório da inspecção tributária.
Aquando da inspecção tributária — v. fls. 8 e segs.do PA apenso, a AT verificou que havia uma diferença entre a venda estimadas a preço de custo e as vendas declaradas a preço de venda, no montante de 459.931,33€, concluindo que haveria uma omissão de proveitos, demonstrativos de uma contabilidade que não se encontra devidamente organizada.
É relatada a visita efectuada ao gabinete de contabilidade, onde foi constatado o que consta do auto de exame a fls. 21.
Igualmente o mencionado na consulta de elementos de contabilidade a fls. 9v. do PA., onde se menciona, nomeadamente, a aquisição de serviços de construção civil - obras no salão para exposição de móveis e aquisição de elevadores.
Só em sede de direito de audição é que «AA» refere, no artigo 260, a existência de cheias no inverno de 2001, o que repete no pedido de revisão da matéria colectável — artigo 31 0, avançando que teve um prejuízo de 151.604,23€ e, juntou documentos relativos a um contrato de bonificação, que celebrou, decorrente das intempéries ocorridas em Fevereiro e Março de 2001.
Em nosso entender, o recorrido apenas demonstrou que lhe foi concedida uma linha de crédito bonificada, em face das cheias de 2001.
Algo diferente. face às anomalias detectadas pela AT na contabilidade, é ter demonstrado que as cheias lhe causaram prejuízos nos bens que comercializa e que esse prejuízo foi de 151.604,23€.
Sobre tal nada acrescenta, nem os identifica nem lhes atribui o respectivo valor, violando o princípio da cooperação, dado que, só o recorrido estava posse de elementos que possibilitassem a AT de poder comprovar tal e nenhum outro elemento contabilístico foi junto que leve a concluir por esse montante e, em consequência, não haver necessidade de aplicação de métodos indirectos na determinação da matéria tributável.
Ora, arrogando-se o direito a deduzir o IVA, cabia-lhe o ónus de provar que estavam verificados os requisitos legalmente exigidos para tanto (cfr. artigo 740 da LGT), o que, no caso, não logrou fazer.
Igualmente o não efectuou em sede de julgamento, dado que, as testemunhas apenas confirmam que o estabelecimento foi afectado por cheias mas não se quantificam os prejuízos nem os bens inutilizados, ignorando que tipo de bens ficaram inutilizados e qual o seu valor, bem como, o impugnante não foi efectuou prova documental nesse sentido, a fim de se poder sindicar de tal.
Aqui chegados, só podemos concluir que assiste razão à Fazenda Pública de que se verificaram, in casu, o recurso a métodos indirecto de avaliação.
O recurso merece provimento
*
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações:

[a]Se a sentença errou no julgamento de facto porque a prova testemunhal foi genérica e vaga, descordando por inteiro quanto ao facto “O” porque apenas está assente em prova testemunhal, devendo transitar para os factos não provados;
[b] Se há erro no enquadramento dos factos porquanto a questão coloca-se no âmbito do excesso de quantificação e não no erro nos pressupostos, cabendo ao contribuinte a prova do excesso de quantificação.

Em ampliação do objeto do recurso, a preterição de formalidade legal no direito de audição ao não ser atendido na fundamentação os factos novos invocados [art. 60.º, n. º7, da LGT] e falta de diligências que se afiguram necessárias para averiguação da realidade factual em que deve assentar a decisão, pois, que requereu que se solicitasse à Associação Comercial e Industrial de ... em face da tipicidade dos produtos vendidos pelo recorrido, nos anos e causa essencialmente no concelho ..., freguesia ..., para em indicar a margem média de lucro líquido sobre as vendas dos referidos bens e que a AT explique o rácio utilizado na fixação da matéria coletável, ou seja, o menor dos Rácios da Unidade Orgânica definidos para o setor. Por outro lado, invocou não estar fundamentada nos termos da al. a) do n. º1, do art. 90.º que indica as margens médias do lucro líquido sobre as vendas, diferente do que foi aplicado, porque estará construído sobre uma margem bruta sobre as vendas e, por outro lado, nos anos mais próximos e imediatamente anteriores a 2000/2001 a DGCI tinha rentabilidade fiscal do setor entre 1994 e 1996 de 0,36% [CAE 52440] para comércio de retalho de móveis e iluminação e outros artigos para o lar; para comércio a retalho de mobiliário e artigos de iluminação de 0,75% [CAE 52441], simultaneamente, não foi atendido a localização do estabelecimento, zona rural, ou seja, as condições objetivas do exercício da atividade e utiliza-se um rácio “Média do ano de 2005” para apurar por estimativa o valor das existências finais em 31-12-2001, ou seja, um rácio que ainda não existia à data do presumível facto tributário, para depois se apurar o imposto com referência ao ano de 2009 e não se atende a um facto de natureza climatérica no inverno de 2001, com inundações por saída do leito do rio dos mouros, provocando inundações no estabelecimento e inutilização de mercadorias.
*
3. FUNDAMENTOS DE FACTO
Em sede de probatório, a 1.ª Instância fixou os seguintes factos:
«A - Por determinação dos serviços da Impugnada, foi o Impugnante sujeito a inspeção externa (cf. docs. fls. 1 a 4 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
B - Em 15.02.2010 foi elaborado pelos serviços da Impugnada o «Projecto de Relatório de Inspecção Tributária» do qual se retira que:
“[…] I - 1 Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção
Da presente acção de inspecção, cujo objectivo consistiu na comprovação/verificação do reembolso de IVA para o período 0903T no valor de € 111.373,68, resultam actos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis ao sujeito passivo. Ao montante de reembolso pedido de € 111.373,68 há que subtrair o montante de € 106.895,26 resultando o direito a reembolso de € 4.478,42
Informa-se ainda que o reembolso já se encontra pago, mediante a prestação de garantia bancária por parte do contribuinte, pelo que existindo a matéria de facto atrás explanada, propomos o deferimento parcial
Em 2010-01-25, pela entrada n.º ...44, a Direcção de Serviços de Reembolsos do IVA informou esta Direcção de Finanças do cancelamento da garantia bancária prestada pelo sujeito passivo, no valor de € 111.373,68. Todavia, conforme consulta ao sistema informático, a garantia prestada encontrava-se válida até 2010-06-17 (Anexo V), não havendo qualquer motivo para que a mesma tivesse sido desbloqueada antes da sua data de caducidade. Assim, a garantia prestada não deveria ter sido libertada, uma vez que o quantitativo que a mesma garante, foi indevidamente reembolsado, sendo intenção destes Serviços de Inspecção propor o accionamento da garantia, situação que já não é viável face ao agora relatado.
Face ao exposto, o sujeito passivo já recebeu € 111.373,68 quando só deveria ter recebido € 4.478,42, pelo que terá que entregar ao Estado o IVA em falta, no total de € 106.895,26.
Destes factos deverá o sujeito passivo ter conhecimento para, querendo, exercer o direito de audição. Só após o decurso deste prazo, estaremos em condições de proceder à informação na aplicação dos Reembolsos do IVA e à recolha do DCU (Documento Unico de Correcção), para lançamento da liquidação adicional de IVA a emitir pelo total do IVA em falta.
[…]”
(cf. doc. fls. 8 a 26 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
C - Do relatório referido na alínea anteriores foi dado conhecimento ao Impugnante por ofício da Impugnada datado de 19.02.2010 e para aquela, querendo, «exercer o direito de audição» (cf. docs. fls. 27 e respetivo verso do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
D - Em 03.03.2010, o Impugnante apresentou uma exposição escrita na sequência da notificação referida na alínea anterior (cf. doc. fls. 28 a 31 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
E - Em documento intitulado «Relatório de Inspecção Tributária», datado de 08.03.2010, extrai-se que:
“[…]
I - 1. Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção
Da presente acção de inspecção, cujo objectivo consistiu na comprovação/verificação do reembolso de IVA para o período 0903 T no valor de € 111.373,68, resultam actos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis ao sujeito passivo. Ao montante de reembolso pedido de € 111.373,68 há que subtrair o montante de € 106.895,26 resultando o direito a reembolso de 4478,42.
Informa-se ainda que o reembolso já se encontra pago, mediante a prestação de garantia bancária por parte do contribuinte, pelo que existindo a matéria de facto atrás explanada, propomos o deferimento parcial.
Em 2010-01-25, pela entrada n.º ...44, a Direcção de Serviços de Reembolsos do IVA informou esta Direcção de Finanças do cancelamento da garantia bancária prestada pelo sujeito passivo, no valor de € 111.373,68. Todavia, conforme consulta ao sistema informático, a garantia prestada encontrava-se válida até 2010-06-17 (Anexo V), não havendo qualquer motivo para que a mesma tivesse sido desbloqueada antes da sua data de caducidade. Assim, a garantia prestada não deveria ter sido libertada, uma vez que o quantitativo que a mesma garante, foi indevidamente reembolsado, sendo intenção destes Serviços de Inspecção propor o accionamento da garantia, situação que já não é viável face ao agora relatado.
Face ao exposto, o sujeito passivo já recebeu € 111.373,68 quando só deveria ter recebido € 4.478,42, pelo que terá que entregar ao Estado o IVA em falta, no total de € 106.895,26.
Nesta data procedeu-se à recolha da informação na aplicação dos Reembolsos de IVA e à recolha do DCU (Documento Único de Correcção), para lançamento da liquidação adicional de IVA a emitir pelo total do IVA em falta.
[…]
11 - 3, OUTRAS SITUAÇÕES
O sujeito passivo «AA», NIF ...89, encontra-se colectado para o exercício da actividade de "COM.RET.ARTIGOS DESPORTO, CAMPISMO E LAZER, ESTAB. ES" - CAE 047640 desde 1992-08-19. Em 1992-10-22, passou ao regime normal de periodicidade trimestral em sede de IVA
Quanto ao enquadramento em IRS, começou por se tratar de um sujeito passivo de IRS sem contabilidade organizada (antiga Categoria C, actual Categoria B), passando ao regime simplificado da Categoria B nos anos de 2001 a 2003 e enquadrando-se, por opção, no regime da contabilidade organizada nos anos de 2004 a 2009.
O Técnico Oficial de Contas é, desde 2003, o Sr. «BB».
[…]
IV. Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos
Realçando os aspectos já indicados:
a) foi solicitado o reembolso de IVA na DP - Declaração Periódica de 0903T, entregue em 2009-05-15, no valor de € 111.373,68, todavia, não deve ser descurado que desde o início do ano de 2003 as declarações fiscais evidenciam a inexistência de operações tributáveis e que, ainda, não foi declarada a cessação de actividade para efeitos de IRS e IVA;
b) as vendas à taxa normal representam cerca de 95% do total das vendas deste empresário que se dedica ao comércio a retalho de mobiliário e de diversos artigos decorativos;
e) não é congruente que, no exercício efectivo da actividade deste comerciante, o valor do IVA a pagar ao Estado seja apenas de€ 385,00, perante um crédito de IVA a reembolsar de € 111.373,68;
d) não é, também, congruente que, no exercício efectivo da actividade deste comerciante, o IVA liquidado na venda de mercadorias seja inferior (em mais de € 60.000,00) ao IVA deduzido na compra das mercadorias adquiridas para posterior venda;
e) a "nota de débito", no valor de € 26.068,80, respeitante à transferência das existências para a sociedade não foi relevada contabilisticamente (quer no emitente, quer no receptor) e, muito menos, nas declarações fiscais respectivas e, tendo em conta as relações especiais entre ambos, não pode ser tida em conta na análise, até porque os bens não deram entrada na sociedade, na medida em que não saíram, uma vez que tal a acontecer revelaria nesta uma margem anormalmente elevada;
f) de 1995 a 2002, o valor das compras foi sempre superior ao valor das vendas, conforme quadro seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Fizemos a análise de valores agregados entrados (a preço de custo) e de valores saídos (que para esta análise primária vamos igualmente considerar a preço de custo) e comparámos estes com os valores contabilizados em Vendas (a preço de venda), donde se conclui que ainda temos um desfalque de € 459.931,33 (ver quadro seguinte).
Ora, tratando-se dos bens de que se trata (artigos de mobiliário) e não havendo notícia de quaisquer destruição, esta diferença não pode nunca ter qualquer justificação plausível que não seja omissões as vendas.
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Face ao exposto, nos produtos comercializados à taxa normal haverá omissões no registo das vendas, resultando na omissão de proveitos. Esta actuação configura uma infracção ao disposto nos artigos e 22.º do CIRS e artigo 20.º do CIRC, por remissão do artigo 32.º do CIRS.
Esta omissão de proveitos revela que a contabilidade não se encontra devidamente organizada, de acordo com a normalização contabilística, uma vez que não reflecte todas as operações realizadas pelo sujeito passivo, conforme dispõe o n.º 3 do artigo 17.º do CIRC e artigo 44.º do CIVA, o que aliás também ficou patente na não contabilização do documento de transferência de existências.
Consequentemente, com base nestas omissões, deparamo-nos com a "impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável", conforme o estipulado na alínea a) do art.º 88.º da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98 de 17 de Dezembro, pressuposto este previsto na alínea b) do artigo 87.º do mesmo diploma legal, para a realização de avaliação indirecta, prevista nos artigos 39.º do CIRs, 52.º do CIRC e 82.º do CIVA.
Pelo exposto, e atendendo à omissão de proveitos verificada, a base tributável para efeitos de IVA será apurada por recurso a métodos indirectos.
V. Critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
Para apuramento da base tributável por recurso à aplicação de métodos indirectos, iremos utilizar o menor dos rácios da Unidade Orgânica definidos para o sector, tendo sempre em vista chegar a uma situação tão próximo da real quanto possível. Consultamos no sistema informático da DGCI os rácios de IRS para o sujeito passivo, disponíveis nos últimos anos. Todavia, o último ano apresentado é o ano de 2000 (em 2001, em matéria fiscal as antigas categorias de IRS com as letras B, C e D foram unificadas e deram origem à Categoria B e passámos a ter dois regimes de tributação - o simplificado e a contabilidade organizada, não havendo possibilidade de comparação dos rácios de 2000 com os rácios de 2001 e 2002),
Assim, para o ano de 2000 obtemos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
O rácio apresentado resulta da seguinte fórmula:
Vendas de mercadorias e produtos - Custo das Existências Vendidas * 100
Vendas de mercadorias e produtos
Constata-se que a margem apresentada pelo sujeito passivo (2,78 % ) se encontra bastante inferior relativamente aos valores da unidade orgânica (...) e aos valores nacionais.
A título informativo, a mesma situação também se verifica no 1.º ano de actividade da sociedade constituída pelo sujeito passivo (ano de 2003), conforme dados seguintes:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Este rácio nos anos seguintes foi sempre bastante inferior aos valores da unidade orgânica e aos valores nacionais,
Apesar do CAE em que se encontra registado o sujeito passivo, não ser o correcto e, por esse motivo, devesse ser alterado no sentido de passar do CAE 52485 COM, RET.ARTIGOS DESPORTO, CAMPISMO E LAZER, ESTAS. ES (actual CAE 47640) para CAE 52441 - COM, RET, MOBILIÁRIO E ARTIGOS ILUMINAÇÃO, ESTAB. ESPEC. (actual CAE 47591), verificámos contudo que os rácios de margem de lucro bruto sobre as vendas
Vendas - Custo das Existências Vendidas * 100
Vendas
serem inferiores no CAE 52485 quando comparados com os do CAE 52441, pelo que numa perspectiva mais favorável ao obrigado tributário vamos propor para base de cálculo a menor de todas as percentagens encontradas, ou seja, 9,78%, com base no seguinte quadro, construído com base nos rácios definidos para Unidade Orgânica (...), dos sujeitos passivos de IRS com contabilidade organizada:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Assim, com o rácio de 9,78% vamos proceder ao cálculo por estimativa das existências finais em 31-12-2002, a partir da qual vamos estimar as vendas e encontrar o IVA em falta:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Notas:
a) as exist Iniciais de 2001 (€ 324.955,67) correspondem às exist. finais do ano 2000, declaradas no Anexo B1 desse ano , sendo esta a última referência às exist finais;
b) não existe o "livro de registo das mercadorias, matérias-primas e de consumo (…) e outras existências à data de 31 de Dezembro de cada ano", previsto na alínea e) do n.º 1 do art.º 50.º do CIVA;
c) as compras (€ 362.717,78) correspondem às compras efectuadas nos anos de 2001 e 2002, as quais foram apuradas pelo IVA deduzido de existências.
Reportando-se o pedido de reembolso à globalidade das relações tributárias relativas a um determinado período, não pode haver “(…) restrições ao apuramento e relevância dos factos que importam para as definir conforme se encontra explanado no Acórdão já citado no presente projecto de relatório e que aqui se transcreve o parágrafo inerente ao exposto:
“(…) O prazo de caducidade do direito liquidação, actualmente previsto no art 45.º da LGT, reporta-se a actos de liquidação de tributos, que são actos que declaram uma obrigação tributária (...) Como refere CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 2. a edição, página 312, em face do disposto no art. 36.º n.º 1, da LGT, em que se estabelece que <<a relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário», é de concluir que se atribui natureza declarativa ao acto administrativo de liquidação, E apenas em relação a estes actos de liquidação, em sentido estrito, que provocam uma modificação na situação tributária do contribuinte, definindo a existência de uma obrigação (que através desse acto se toma certa, líquida e exigível, inclusivamente por via coerciva no caso de não cumprimento voluntário), que se justifica, por evidentes razões de segurança jurídica, que se limite o período de tempo em que tais actos podem ser praticados,
Não é esse, porém, o caso dos actos que recusam o reembolso de IVA, pois deles não resulta para os contribuintes qualquer obrigação que não tivessem anteriormente,
Por outro lado, o facto de o n.º 8 do referido art. 22.º incluir a expressão reembolsos são efectuados «quando devidos», não tem o mero alcance de expressar que não devem ser efectuados reembolsos indevidos (o que seria absolutamente supérfluo, pois seria inimaginável interpretar o regime de reembolsos como permitindo o pagamento de reembolsos que não fossem devidos), mas sim o de acentuar que os reembolsos não devem ser efectuados sem uma comprovação, no momento do reembolso, da verificação dos seus pressupostos, o que é corroborado pelos n, os 10 e 11 do mesmo artigo, ao preverem que, para efeitos de reembolso, possam ser pedidos documentos e informações adicionais, sob pena de o reembolso se considerar indevido,
Aliás, nem seria compreensível outro regime, pois, reportando-se o pedido de reembolso à globalidade das relações tributárias relativas a um determinado período, o seu conteúdo definitivo está forçosamente por definir, pelo que não se pode justificar, pelas razões de segurança jurídica subjacentes ao regime da caducidade do direito de liquidação, que haja restrições ao apuramento e relevância dos factos que importam para as definir. Para além de não haver suporte legal para aplicar o prazo de caducidade do direito de liquidação aos actos que apreciam pedidos de reembolso de IVA, por não serem actos que declaram uma obrigação tributária do contribuinte em relação à Administração Tributária, não se trata de uma situação idêntica, que justifique a aplicação analógica do referido art. 45.º Na verdade, não valem em relação aos actos de recusa de reembolso as razões de segurança jurídica que justificam a limitação temporal da possibilidade de efectuar actos de liquidação, pois os actos de recusa, como actos negativos que são, não produzem nem declaram qualquer obrigação para o contribuinte.
Conclui-se, assim, que não há suporte jurídico para entender que a Administração Tributária estava limitada pelo prazo de caducidade do direito de liquidação, ao apreciar a existência dos pressupostos do reembolso de IVA (…)[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Em conclusão: ao montante de reembolso pedido de € 111.373,68 há que subtrair o montante de 106.895,26 resultando o direito a reembolso de € 4.478,42.
De referir que o crédito reportado entre 2002 e 2009 não sofreu qualquer redução abaixo de € 111.373,68.
Informa-se ainda que o reembolso já se encontra pago, mediante a prestação de garantia bancária por parte do contribuinte, pelo que existindo a matéria de facto atrás explanada, propomos o deferimento parcial.
Em 2010-01-25, pela entrada n.º ...44, a Direcção de Serviços de Reembolsos do IVA informou esta Direcção de Finanças do cancelamento da garantia bancária prestada pelo sujeito passivo, no valor de € 111,373,68. Todavia, conforme consulta ao sistema informático, a garantia prestada encontrava-se válida até 2010-06-17 (Anexo V), não havendo qualquer motivo para que a mesma tivesse sido desbloqueada antes da sua data de caducidade, Assim, a garantia prestada não deveria ter sido libertada, uma vez que o quantitativo que a mesma garante, foi indevidamente reembolsado, sendo intenção destes Serviços de Inspecção propor o accionamento da garantia, situação que já não é viável face ao agora relatado.
Face ao exposto, o sujeito passivo já recebeu € 111.373,68 quando só deveria ter recebido € 4.478,42, pelo que terá que entregar ao Estado o IVA em falta, no total de € 106.895,26.
Este valor será imputado ao período do pedido de reembolso - 0903T.
[…]
IX. Direito de Audição - Fundamentação
O sujeito passivo foi notificado, por carta registada para o domicilio fiscal constante do sistema informático, através do oficio n.º ...96 de 2010-02-19 para no prazo de 10 dias exercer o direito de audição previsto no art. 60.º da Lei Geral Tributária e art 60.º do Regime Complementar da Inspecção Tributária. Em 2010-03-03, deu entrada nesta Direcção de Finanças o requerimento referente ao exercício do direito de audição (entrada n o ...88 do requerimento apresentado no Serviço de Atendimento ao Contribuinte e entrada n.º ...90 relativa ao mesmo requerimento enviado por fax), com referência à correcção de IVA, no exercício de 2009, no valor de € 106.895,26, apurada com recurso a métodos indirectos.
Quanto à questão invocada no ponto 1.º(…) encontra-se notificada e consta do procedimento a esposa do ora respondente, que não sendo sujeito passivo do imposto (...) é parte ilegítima no procedimento (...) '[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Ora, refere o n.º 2 do art.º 13.º do CIRS que "Existindo agregado familiar, o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas singulares que o constituem (...)" e, a al. a) do n.º 3 do citado artigo esclarece que o agregado familiar é constituído por "os cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e os seus dependentes". Assim, a tributação em IRS das pessoas singulares incide sobre o total dos rendimentos obtidos pelo agregado familiar, daí a identificação de ambos os sujeitos passivos (que compõem o agregado familiar) no projecto de relatório e na notificação do mesmo. Todavia, tal não significa que estejamos a tributar os rendimentos da esposa do sujeito passivo, até porque o procedimento em questão encontra-se aberto, apenas, em sede de IVA e em nome do marido. Por outro lado, em sede de IRS, refira-se que para o ano da tributação (2009), ainda decorre o prazo legal para a sua entrega.
Nos pontos 2.º a 18.º encontram-se expostas as alegações do sujeito passivo acerca da “(…) Não Aceitação (…)” das correcções apuradas com recurso a avaliação indirecta.
No ponto 4.º o sujeito passivo alega que “(…) nenhuma referência é feita especificamente quanto ao normativo aplicável (...)", normativo esse referido no seu ponto 3.º como sendo os requisitos que estão elencados nos art. 87.º e 88.º da LGT.
Ora, no Capítulo IV do projecto de relatório (referência igual usada neste relatório final) encontra-se elencado no primeiro parágrafo, nas alíneas a) a f), os factos que conduziram à avaliação indicada, terminando-se esse capítulo com o seguinte: "(...) com base nestas omissões, deparamo-nos com a "impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável", conforme o estipulado na alínea a) do art o 88.º da Lei Geral Tributária (LG T), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398198 de 17 de Dezembro, pressuposto este previsto na alínea b) do artigo 87.º do mesmo diploma legal, para a realização de avaliação indirecta, prevista nos artigos 39.º do CIRS, 52.º do CIRC e 82.º do CIVA".
No ponto 5.º refere-se que "Ora, se analisarmos convenientemente o dito relatório, não vemos nem descortinamos nenhum facto: Vemos isso sim, meras referências a situações não objectivadas (não factos), e indícios nenhuns, pois de meras descrições se tratam, Relativamente aos "não factos", como se explana no relatório e confirma-se no direito de audição, há que referir que se verificou que o sujeito passivo foi, ao longo dos anos, comprando sem que tenha registado nas vendas. Ora, por imperativo legal do art o 86.º do CIVA (anterior art.º 80.º), os bens adquiridos e não encontrados em poder do sujeito passivo, presumem-se vendidos, E vendidos a preço normal de venda. Como tal, é um facto que até o alegante, no direito de audição, concorda:
a) no seu ponto 8.º, indica que comprou-se mais do que se vendeu (…) e,
b) no ponto 27.º, aceita omissões de IVA no valor de € 28.670,29,
embora a Administração Fiscal não concorde com esse valor e, é por isso mesmo que se indicia como vendidos em 2009, ano em que nos foi possível confirmar a não existência de quaisquer mercadorias em armazém propriedade do sujeito passivo em nome individual,
Como nota prévia há que referir os elevados investimentos em obras ao longo dos últimos anos de actividade, com autofinanciamento.
No seu ponto 6.º o sujeito passivo refere que “(…) não está sequer concretizado um único fundamento material para o recurso a métodos indirectos (…) e no seu ponto 7.º indica que “(…) não bastam meras referências ou descrições genéricas quanto a omissão de proveitos . E necessário não só especificar em concreto tais omissões, e o porquê das mesmas (…), com indicar os factos tributários efectivamente omitidos.” Ora, tal não corresponde à verdade e para tal atente-se nos motivos elencados no já referido capítulo IV e dos quais se faz referência a um deles que é o facto da não relevância contabilística da "nota de débito", no valor de € 26.068,80, de 2003-01-01, respeitante à transferência das existências para a sociedade constituída pelo sujeito passivo inspeccionado. Essa falta de relevância ocorreu quer no emitente, quer no receptor e, verificou-se também ao nível das declarações fiscais respectivas.
Do exposto, só podemos concluir que demonstrámos que existem os factos omissivos.
No ponto 11.º não aceita o recurso aos Métodos Indirectos, referindo que "Há como se vê, falta de objectivação" e no seu ponto 13.º refere que “(…) a Administração Fiscal, se deve orientar por sãos princípios, como a equidade e igualdade (…)”. Por outro lado, refere não se ter tido em conta o artigo 90.º da LGT que transcreve em parte no seu ponto 13.º e ainda, que não efectuámos uma demonstração da construção do rácio utilizado, nem tivemos em conta rácios oriundos de estudos feitos por entidades independentes.
Ora, em resposta a estas considerações, importa referir o seguinte:
a) note-se que os seus clientes são consumidores finais, os quais não necessitam de facturas para documentar perante terceiros;
b) como já se referiu quando se fez alusão ao art.º 86.º do CIVA, o valor estimado como vendas tem em conta as compras ("custo de proveitos") e terão que ser, obrigatoriamente, valorizadas ao preço de venda;
c) por outro lado, encabeça, o citado art o 90.º da LG T, no seu n.º 1 e mais concretamente a al. a) que um dos elementos a ter em conta na determinação da matéria tributável por métodos indirectos são "(...) As margens médias do lucro líquido sobre as vendas sendo precisamente isso que está demonstrado no capítulo V;
d) o rácio escolhido
Vendas - Custo das Existências Vendidas * 100
Vendas
é apresentado com o denominador "Vendas" e o numerador "Lucro Líquido" (Vendas - Custo das Vendas), dando-nos precisamente a margem média do lucro liquido sobre as vendas, a que alude a al. a) do n.º 1 do art.º 90.º da LGT, pelo que não assiste razão ao sujeito passivo em invocar que “(..,) tal rácio não se encontra previsto legalmente (...)", conforme alega no seu ponto 16.º e no seu ponto 22.º quando diz que a Administração Fiscal está a fazer uma coisa, quando a Lei diz outra coisa (leia-se, al. a) do n.º 1 do art.º 90.º da LGT);
e) os rácios apresentados no Capítulo V, num quadro que espelha os vários rácios obtidos num horizonte temporal de 2000 a 2007, apresentando nós quer a média, quer a mediana, são obtidos com base nas declarações fiscais entregues pelos sujeitos passivos de IRS (pessoas singulares);
f) nós, apenas na perspectiva mais favorável ao sujeito passivo fomos operar com o menor dos rácios (9, 78%), sendo certo que ele foi encontrando em 2005 (valor da Média), já que se operássemos com os rácios de 2001 ou com os rácios mais próximos de 2009, como o sujeito passivo parece querer no seu ponto 25.º, calcularíamos, necessariamente, um valor muito superior; foi, por isso, que propusemos, superiormente, o menor dos rácios, repete-se na perspectiva mais favorável ao sujeito passivo,
Assim, o rácio utilizado corresponde à margem média do lucro líquido sobre as vendas, a que alude a al, a) do n.º 1 do art.º 90.º da LGT, pelo que não assiste razão ao sujeito passivo nos argumentos por si utilizados.
Por último, quanto à questão invocada no ponto 26.º, da “(…) redução efectiva do valor das existências, pois por força dos elementos da natureza no inverno do ano de 2001, ocorreu uma inundação do seu estabelecimento (...) tendo causado a completa inutilização de bens avaliados à época no valor de 151.604,23 €”. adianta-se o seguinte:
a) tal situação foi por nós indagada e nunca nos foi evidenciado qualquer prova documental da inutilização desses bens;
b) por um lado, é certo que a exposição e armazenamento dos bens é feita em edifícios superiores ao nível da estrada mas, por outro lado, foi-nos referido que os bens perdidos na inundação estavam num barracão abaixo do nível da estrada; ora, não se alcança como é que um valor tão elevado de existências (lembre-se móveis de utilização doméstica) estivessem naquele barracão abaixo do nível do solo, quando a exposição e armazenamento é feita em prédio com 4 pisos acima do solo.
Na esteira da falta de evidência indicada no parágrafo anterior, dá-se nota de algo que o sujeito passivo não alega no seu direito de audição mas, que transparece em todo o nosso relatório e, esse facto está relacionado com a desorganização contabilística apresentada (falta de registo de vendas nos livros obrigatórios; não existência do livro de registo de mercadorias à data de 31 de Dezembro de cada ano; falta de registo contabilístico e valores não declarados fiscalmente em relação aos bens transmitidos, em 2003-01-01,no valor de € 28.068,80, para a sociedade por si constituída), que culminou com a falta de documentos solicitados, obrigando-nos, nós mesmos, perante tal evidência, a elaborar um auto de exame, assinado por nós e pelo Técnico Oficial de Contas, que atesta toda esta realidade.
Regista-se que o sujeito passivo no terminus do seu direito de audição, no seu ponto 27.º, aceita algumas omissões, chegando a um valor de 28.670,29 €. Contudo, no seu apuramento há duas situações que a Administração Fiscal não entende:
a) se, por um lado, no ponto 26.º se refere a completa inutilização de bens avaliados no valor de 151,604, 23 €, por outro lado, no ponto 27.º e para o cálculo por si efectuado refere que "teríamos de deduzir os bens então inutilizados no montante de 181,604, 23 €", ora para o mesmo acontecimento são indicados dois valores não coincidentes;
b) se, por um lado, nesse cálculo, considera as existências finais em 31-12-2001 (note-se que o valor apresentado de € 324.955,67 respeita ao valor das existências finais de 31-12-2000, ou seja, existências iniciais de 01-01-2001) e o valor dos bens inutilizados no ano de 2001, por outro lado, no seu apuramento não considera o valor das compras efectuadas no ano de 2001 e 2002, respectivamente, nos valores de 177,790,03 € e 184.927,75 €, nem o valor das vendas desses anos,
Por fim, salienta-se que todos os pressupostos que conduziram à aplicação dos métodos indirectos não foram postos em causa no exercício do direito de audição, pelo que as correcções propostas serão de manter,
[…]”
(cf. docs. a fls. 32 a 41 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
F - No documento referido na alínea anterior foi aposto despacho de concordância por parte do Sr. Diretor de Finanças Adjunto ..., datado de 16.03.2010 (cf. docs. fls. 32 a 41 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
G - O Impugnante teve conhecimento do relatório e do despacho referidos nas duas alíneas anteriores por ofício da Impugnada, datado de 16.03.2010, no qual foi dito que havia sido fixada matéria tributável em sede de IVA, este referente ao ano de 2009 (cf. docs. fls. 42 e respetivo verso do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
H - O Impugnante apresentou em 15.04.2010, uma exposição escrita que designou por «pedido de revisão da matéria colectável (cf. docs. a fls. 43 a 60 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
I - Na sequência da exposição escrita referida na alínea anterior iniciou-se o «Procedimento de Revisão de Matéria Colectável» (cf. docs. a fls. 61 a 68 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
J - Em despacho com o n.º 16/2010 do Sr. Diretor de Finanças Adjunto ..., datado de 07.09.2010, retira-se que:
“[…]
Deste modo
Determina o acima exposto, a nossa total adesão aos fundamentos e quantificação constantes do relatório de Inspecção tributável e seus anexos cujos cálculos e fundamentos aqui damos por integralmente reproduzidos - o que vale por não aceitarmos a pretensão do contribuinte, por não provado, o excesso na quantificação da matéria tributável, mantendo-se os pressupostos fixados nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º e alínea a) do 88.º, ambos da Lei Geral Tributária, para a avaliação indirecta.
Pela legalidade do uso do critério operado na quantificação, porquanto se baseia na alínea a) do n.º 1 do art.º 90 0 da LG T.
Pelo que:
Mantenho o valor inicialmente fixado de IVA considerando em falta de € 106.895,26 (cento e seis mil oitocentos e noventa e cinco euros e vinte e seis cêntimos), para o exercício de 2009, a imputar ao período 0903 T, tal como se encontra devidamente explicado e quantificado ao longo do relatório da inspecção tributária.
[…]”
(cf. doc. a fls. 72 a 76 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
K - Do despacho referido na alínea anterior foi dado conhecimento ao Impugnante por ofício datado de 16.07.2010 (cf. docs. a fls. 77 e respetivo verso do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
L - O Impugnante foi notificado das liquidações de IVA e respetivos juros referentes ao 3.º trimestre de 2009 (cf. docs. a fls. 62 a 63 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
M - A p.i. do presente meio processual foi expedida pelo Advogado do Impugnante para este Tribunal por correio registado expedido em 06.10.2010 (cf. fls. 2 a 64 dos autos.
N - Por força das inundações do início do ano de 2001, os armazéns à época estavam situados em leito de cheia no lado direito da estrada no sentido norte/sul ficaram alagados.
O - Os armazéns referidos no relatório foram construídos depois da ocorrência referida na alínea anterior, sendo que estes se situavam em plano superior à estrada do lado esquerdo da mesma.
P - Um conjunto de mercadorias compostas por móveis e eletrodomésticos foram destruídas pelas cheias e não foram vendidas,
Q - O Impugnante recorreu a uma linha de crédito com juro bonificado para minimizar os danos ocorridos na sua atividade decorrentes das intempéries ocorridas entre fevereiro e março de 2001 (cf. docs. a fls. 50 a 60 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
Factos Provados: os supra enunciados de acordo com a prova documental junta aos autos e atento a convicção que o Tribunal firmou quando aos depoimentos das testemunhas aqui ouvidas.
Factos parcialmente provados: os descritos no art.º 80.º n.º 1 da p.i. (alíneas «M», «N» e «O» da factualidade assente)
Factos não provados: os enunciados no n.º 6 do art. 80.º da p.i.
Convicção: A convicção do Tribunal assentou na prova documental junta aos autos, a qual não foi objeto de infirmação, contudo, os factos alegados e traduzidos na matéria factual vertida nas alíneas «N», «O» e «P» da factualidade assente, foram considerados como provados tendo o Tribunal valorado a prova testemunhal a este propósito apresentada em sede de audiência.
Assim, os depoimentos das testemunhas foram unívocos no sentido do que vai demonstrado, não tendo apresentado contradições de relevo.
Saliente-se que sobretudo do depoimento da 2.a testemunha foi claro, relevando conhecimento direto dos factos, tendo sido até empregada do Impugnante. Esta, tal como as demais, referiu a existência das cheias de 2001 e da sua considerável dimensão. A referida testemunha aludiu que o Impugnante teve perdas com os móveis e eletrodomésticos, situação que presenciou pessoalmente. Aquela testemunha referiu concretamente a localização dos antigos armazéns do Impugnante à data dos factos. Aliás localização esta corroborada pelo depoimento da l. a testemunha ouvida que bem conhecia a localização dos estabelecimentos e do armazém do Impugnante. Mais se diga que a referida testemunha aludiu ao facto de tais produtos terem ido para o lixo como «entulho».
Porém, nenhuma das testemunhas foi capaz de contabilizar o concreto valor dos prejuízos, pelo que o Tribunal sobre esta matéria nada pode apurar.»
*

4.APRECIAÇÃO JURÍDICA DO RECURSO

4.1.A recorrente impugna o julgamento de facto porque entende que a prova testemunhal foi genérica e vaga e discorda por inteiro quanto ao facto “O” porque apenas está assente em prova testemunhal, devendo transitar para os factos não provados.
Para tanto afirma que os factos que fazem parte do ponto "E" do probatório e que deveriam ter constituído prova suficiente e ponderada para dar razão à Recorrente e cuja consideração redundaria em desfecho diferente da presente ação.
Afirma, de seguida, que os factos dados como provados nos pontos N, O e P da douta sentença não têm a virtuosidade de contabilizar em concreto o valor dos prejuízos, conforme, aliás, é assumido pelo próprio Tribunal, na douta sentença em que está referido e assumido que: (...) nenhuma das testemunhas foi capaz de contabilizar o concreto valor dos prejuízos, pelo que o Tribunal sobre esta matéria nada pode apurar.
Por outro lado, em relação à alínea "O" do probatório da douta sentença em que está dado como provado que "Os armazéns referidos no relatório foram construídos depois da ocorrência referida na alínea anterior, sendo que estes se situavam em plano superior à estrada do lado esquerdo da mesma".
Discordamos totalmente deste facto dado como provado porquanto apenas está baseado em prova testemunhal, não tendo o Tribunal ordenado junção aos autos de certidão matricial ou licença de construção para aferir da data em que os mesmos armazéns foram construídos.

Vejamos,
A Recorrente ataca o julgamento da matéria de facto na parte da valoração da prova testemunhal produzida, em 2017, dissentindo, em especial, sobre a convicção formada pelo tribunal quanto a tais factos, realçando que não foi, na sua perspetiva, dado o pertinente relevo à prova documental constante do relatório inspetivo.

Todavia, a recorrente ao dissentir do julgamento não cumpriu o ónus da impugnação, especificando os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indicando os meios probatórios, constantes do processo, nomeadamente o registo áudio da inquirição das testemunhas, relativamente aos seus depoimentos, indicando com exatidão as passagens da gravação em que se funda a sua discordância face ao estabelecido pelo tribunal, ou seja, expressando o que no seu entender impunha decisão probatória diferente, simultaneamente, apresentando a formulação da decisão que deveria ser dada [art. 640.º do CPC], o que tem como implicação a rejeição imediata do recurso.

O art. 662.º do CPC estatui que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou documento superveniente impuserem decisão diversa.

O principal objetivo do processo civil é o julgamento de facto, tendo em conta que dele depende o resultado da ação, para o que a evolução do sistema de recurso quis assegurar um efetivo segundo grau de jurisdição, dando assim ao tribunal de recurso a possibilidade de introduzir alterações, mesmo que a título oficioso, de determinada patologias que afetem a decisão recorrida em matéria de facto, a relação deve alterar o julgamento de facto sempre que, num juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem solução diversa, nomeadamente em resultado da reponderação dos depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não com a regras da experiência. Recurso no Novo Código de Processo Civil, 2014, pág. 232, Conselheiro António Abrantes Geraldes.
Assim, o tribunal de recurso deve alterar a decisão proferida em matéria de julgamento de facto se do confronto desse julgamento e dos meios de prova disponíveis no processo se mostrar ostensivo que a decisão de facto não pode ser aquela.

Quando haja um erro ostensivo na fixação da matéria de facto, o qual, ocorrerá sempre que se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto.
Mas tal não acontece no presente caso.

Por fim,
A recorrente assenta a sua impugnação na falta de força probatória da prova testemunhal para os factos que constam das alíneas N, O e P, como as inundações e destruição de mercadorias e bem assim o local do armazenamento da mercadoria com relação à sua inserção no terreno.

Como resulta do art. 74º, nº3, da LGT, em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação.

Por conseguinte, tendo a AT concluído pela verificação daqueles pressupostos, cabe ao contribuinte vir demonstrar que a realidade é diversa e o resultado não é o que resulta
da atuação da AT.

Ora, o art. 115.º do CPPT dispõe sobre os meios de prova no contencioso tributário, apelando no geral para o que vem determinado no CPC.
Em face da regra da admissibilidade de todos os meios de prova, quando não existir lei especial exigindo determinado tipo de prova, os interessados poderão servir-se de qualquer meio legal de prova. Neste sentido o CPPT anotado pelo Conselheiro Lopes de Sousa, Vol. I, 2006, página 823.
Assim, não valem no processo de impugnação judicial limitações de prova que não resultem de proibições gerais dos meios de prova, não podendo ser obstáculo à averiguação dos factos limitações probatórias, nomeadamente a testemunhal.

As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos [art. 341º do C.C.] e quem os invoca precisa, em princípio, demonstrá-los [art. 342º1 do C.C.].
O artigo 392º do Código Civil dispõe que a prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja direta ou indiretamente afastada [há casos em que a lei expressamente afasta a prova testemunhal e há casos em que a lei exige que a prova se faça por outros meios, designadamente documentos arts. 393º e 394º do C.C.]
A lei, não atribui maior ou menor valor à prova testemunhal em confronto com a prova por presunções, como é a que resulta dos métodos indiretos, porquanto neste casos se parte de um facto conhecido (base da presunção), do qual, depois, se infere o facto desconhecido.
Sendo as presunções, meios de prova falíveis, precários, cuja força persuasiva pode, por isso mesmo, ser afastada por simples contraprova.

Não estando vedada no caso a prova testemunhal não tem fundamento a alegação da Fazenda que tal prova não é idónea pois, também, não especifica as razões concretas dessa inadequação ao caso dos autos.
Mas, sempre se dirá que ao contrário do que alega a Fazenda tais factos não estão apenas respaldados na prova testemunhal, para ela relevou o contrato de financiamento celebrado pelo recorrido com a Banco 1... em 30-04-2002 ao abrigo do contrato de Apoio com o IAPMEI em 6-12-2001, ao abrigo da linha de crédito especial criado pelo DL n.º 38-B/2001 de 8/2, na decorrência dos danos sofridos na atividade comercial e industrial das intempérie ocorridas em Fevereiro e Março de 2001.
*
4.2. A recorrente entende que há erro de julgamento quanto aos pressupostos de facto, porquanto caberia ao s.p. fazer prova do destino das mercadorias e, por outro lado, a sentença fez um errado enquadramento dos factos porquanto a questão que se colocaria no âmbito do excesso de quantificação e não no erro nos pressupostos.
Neste contexto, cabe ao contribuinte a prova do excesso de quantificação, que não logrou fazê-lo.

Analisando.
A questão factual remonta aos anos de 2000 a 2002, ainda quando o recorrido exercia a sua atividade em nome individual, estabelecimento na localidade de ..., ..., ... já que sociedade comercial por quotas é constituída em final de 2002, estando na base da inspeção um pedido de reembolso do IVA no ano de 2009, incidindo a ação de inspeção sobre os anos de 2007, 2008 e 0903T, apenas em sede do IVA.

A partir de 2004 a 2009 passou para o regime da contabilidade organizada.
Dos elementos da contabilidade consta-se que entre 2000 e até 2002 exerceu atividade em nome individual de “móveis, decorações, eletrodomésticos, artigos decorativos, cozinhas por medida, flores naturais, artigos de pesca e comida para aves e vestuário”; entre 1992 e 2003 verificados os livros de registo de despesas (al. d) do art. 50.º do CIVA) o valor total está fortemente influenciado pelo IVA deduzido com obras de construção de dois salões de exposição, obras que decorreram até 2002; as declarações periódicas do IVA não evidenciaram exercício de atividade de comércio desde início de 2003, que coincidiu com a constituição da Sociedade “[SCom01...], Lda.”, com declaração de início de atividade em 01-12-2002. O CAE da sua atividade corresponde ao n.º 052441.
A passagem das mercadorias da atividade em nome individual para a sociedade, por solicitação da AT, foi apresentada por documento intitulado “Nota de Débito” datada de 01-01-2003, referente à venda de mercadorias no valor de 26.068,80, com a menção isento de IVA, remetendo para uma listagem de 4 páginas, sendo o inventário a 1-1-2003, respeitante ao Armazém 01 “Móveis e Eletro”, com artigos valorizados a zero.
Em 11-01-2010, foi consignado, no documento elaborado pela inspeção “Auto de Exame”, o seguinte:
-Valor de 26.068,80, constante da nota de débito, não se encontrando mencionado na declaração Modelo 3 de IRS e declaração anual do empresário em nome individual, nem na declaração modelo 22 da sociedade, todos do ano de 2003;
-As vendas acima referias não se encontram registadas no livro de registo das vendas de mercadorias;
-Não existência do livro de registos das mercadorias, matéria-prima e de consumo e outras existências à data de 31 de dezembro de cada ano;
-Existiam livros de registo de compras de mercadorias, de vendas de mercadorias e de despesas;
-Não possuía em papel quaisquer registos contabilísticos quer das aquisições, quer das vendas da sociedade que atestem a atividade desta em 2003, nem é possível, neste momento aceder aos ficheiros informático.
Os motivos para a aplicação dos métodos indiretos assentaram no seguinte:
a) foi solicitado o reembolso de IVA na DP - Declaração Periódica de 0903T, entregue em 2009-05-15, no valor de € 111.373,68, todavia, não deve ser descurado que desde o início do ano de 2003 as declarações fiscais evidenciam a inexistência de operações tributáveis e que, ainda, não foi declarada a cessação de actividade para efeitos de IRS e IVA;
b) as vendas à taxa normal representam cerca de 95% do total das vendas deste empresário que se dedica ao comércio a retalho de mobiliário e de diversos artigos decorativos;
e) não é congruente que, no exercício efectivo da actividade deste comerciante, o valor do IVA a pagar ao Estado seja apenas de € 385,00, perante um crédito de IVA a reembolsar de € 111.373,68;
d) não é, também, congruente que, no exercício efectivo da actividade deste comerciante, o IVA liquidado na venda de mercadorias seja inferior (em mais de € 60.000,00) ao IVA deduzido na compra das mercadorias adquiridas para posterior venda;
e) a "nota de débito", no valor de € 26.068,80, respeitante à transferência das existências para a sociedade não foi relevada contabilisticamente (quer no emitente, quer no receptor) e, muito menos, nas declarações fiscais respectivas e, tendo em conta as relações especiais entre ambos, não pode ser tida em conta na análise, até porque os bens não deram entrada na sociedade, na medida em que não saíram, uma vez que tal a acontecer revelaria nesta uma margem anormalmente elevada;
f) de 1995 a 2002, o valor das compras foi sempre superior ao valor das vendas, conforme quadro seguinte: (…).

A AT analisando os valores agregados entrados a preço de custo e valores saídos a preço de custo, concluiu que, não havendo notícia de destruição de mercadoria a diferença na variação das existências apenas pode estar justificada pela omissão de vendas.

No quadro seguinte do relatório [fls. 11 do p.a.] do apuramento agregado de 2001 e 2002, partiu-se das existências iniciais de 324.955,67 [respeitante às existências iniciais em 1-1-2001 e existências finais em 31-12-2000] mais compras de 362.717,78; 0 existências finais; custos de existência vendidas igual à somas dos montantes acima descriminados [687.673,45] logo vendas estimadas em valor 687.673,45 deduzidas das vendas declaradas a preço de venda [227.742,12] dá uma diferença de omissão de vendas de 459.931,33.

Deste modo, coloca-se a questão: os elementos coligidos pela administração tributária apontam para uma efetiva omissão de vendas, estando assim justificado o recurso ao método indireto de determinação da matéria coletável?

É incontroverso que a fiscalização tem de versar sobre os elementos contabilísticos do contribuinte, e, daí que ele deva manter uma contabilidade organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controle, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração anual do imposto [art. 44º do C.I.V.A. e 98º do CIRC e 66º do C.I.R.S.]

Esta obrigação se constitui um ónus para o contribuinte comporta também, por outro lado, uma outra faceta: uma contabilidade organizada em tais termos constitui a sua garantia de defesa perante a administração.

Por outro lado, a tributação tem de ser efetuada pelo rendimento real e efetivo Ac. TCASul de 23/10/2007 no processo 01792/07, disponível no site da dgsi.; este, em 1ª linha, será apurado segundo a declaração do contribuinte; contudo, como forma de controlar e de evitar a fraude e evasão fiscal, são cometidos à Administração Fiscal, através dos serviços da DGCI, um poder/dever de fiscalização [cfr. arts. 107º e 108º do C.I.R.C. e 75º do CPT e arts. 76º do CIVA, 63º e 81º da L.G.T.]. Ac.TCASul de 24/1/2006, no processo 00051/04, disponível no site da dgsi.

Apurando-se anomalias e/ou irregularidades e não sendo possível em face da contabilidade a quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à determinação da matéria coletável, esta será apurada por métodos indiciários [cfr. art. 51º, nº 2 e 52º do CIRC e 38º do CIRS e 84º, n.º1, do CIVA].

Por sua vez, o ato de aplicação de métodos indiciários deve ser fundamentado através da indicação (obviamente em concreto, através da demonstração e da subsunção de determinados dados de facto em qualquer das previsões do n.º 1 do art. 38º do CIRS ou 52º do IRC, 84.º do CIVA e 88º da LGT) dos motivos da impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e dos critérios utilizados para a sua determinação [arts. 81º do CPT, 84º, n.º3 e 77º e 88º da LGT].

O recurso a métodos indiciários para determinar a matéria coletável é uma medida excecional, o que obriga que haja fundamentos objetivamente demonstrados para o efeito, sob pena de a aplicação de este método ser ilegal. Trata-se, portanto, de uma possibilidade de carácter excecional, um último ratio da administração fiscal na quantificação da obrigação tributária.Ac.TCA Sul de 7/2/2006, no processo 01068/03 e de 26/9/2006 no processo 00408/04.

Os métodos indiciários consistem na utilização de meios de prova indireta_ ou seja, meios que, não estabelecendo diretamente aqueles que se visa provar (no caso o imposto a pagar), estabelecem contudo a verificação de outros dos quais é possível inferir, com algum grau de certeza (através de «máximas de experiência»), os primeiros. cfr. Castro Mendes, O conceito da prova em Processo Civil. Lisboa 1961, pág. 176/186.

Na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à administração fiscal o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação [art.74º, n. º3 da LGT].
Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
É inquestionável que a contabilidade e/ou os registos da atividade do sujeito passivo padeciam de irregularidades e omissões declarativas.
Contudo, o que vem descrito pela AT, Despacho n. º16/2010, no quadro da investigação e análise aos registos e documentos, não está demonstrada a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável.
Na verdade, a AT consegue obter mediante os documentos e registos uma apresentação do que foi atividade até 2003, pois, o que determina, a aplicação do método indireto é a presunção a que chega a AT quanto à omissão de vendas, desmerecendo, desde logo, que o sujeito passivo havia feito obras até 2002 e que elas estavam relacionadas também com as intempéries do inverno de 2001 que lhe danificaram mercadorias.
A presunção de omissão de vendas não está assente num fundamento objetivo que permita concluir que há omissão de vendas e, por isso, não é possível determinar de forma direta e exata a matéria coletável.
Na verdade, o que surpreende a AT na sua atuação é este conjunto de considerações:
“desde o início do ano de 2003 as declarações fiscais evidenciam a inexistência de operações tributáveis e que, ainda, não foi declarada a cessação de actividade para efeitos de IRS e IVA; as vendas à taxa normal representam cerca de 95% do total das vendas deste empresário que se dedica ao comércio a retalho de mobiliário e de diversos artigos decorativos; não é congruente que, no exercício efectivo da actividade deste comerciante, o valor do IVA a pagar ao Estado seja apenas de € 385,00, perante um crédito de IVA a reembolsar de € 111.373,68; não é, também, congruente que, no exercício efectivo da actividade deste comerciante, o IVA liquidado na venda de mercadorias seja inferior (em mais de € 60.000,00) ao IVA deduzido na compra das mercadorias adquiridas para posterior venda; a "nota de débito", no valor de € 26.068,80, respeitante à transferência das existências para a sociedade não foi relevada contabilisticamente (quer no emitente, quer no receptor) e, muito menos, nas declarações fiscais respectivas e, tendo em conta as relações especiais entre ambos, não pode ser tida em conta na análise, até porque os bens não deram entrada na sociedade, na medida em que não saíram, uma vez que tal a acontecer revelaria nesta uma margem anormalmente elevada; de 1995 a 2002, o valor das compras foi sempre superior ao valor das vendas”, mas, ignorando o que foi apresentando no procedimento de revisão, a candidatura e subsequente concessão de uma linha de crédito ao abrigo do DL n.º 38-B/2001 de 8-02, para minimizar os danos sofridos na atividade comercial e industrial decorrentes das intempéries ocorridas em fevereiro e março de 2001.

Neste diploma, claramente, resulta que o apoio é concedido a quem o requer e demonstrar danos consideráveis, sofridos na atividade comercial e industrial, nas respetivas regiões atingidas pelas condições climatéricas excecionais, definidas por despacho conjunto dos Ministros da Administração Interna, das Finanças e Economia.
Por conseguinte, a divergência apurada pela AT quanto às vendas no valor de 459.931,33, a omissão presumida não está devidamente fundamentada como se extrai da exposição do perito no procedimento de revisão e no respetivo despacho do Diretor.

Embora a sentença pudesse ter sido mais assertiva na explicação da razão por que entendeu não estarem verificados os pressupostos para aplicação dos métodos indiretos, não errou na qualificação dos factos alinhados em sede de julgamento.

Da fundamentação adotada pela AT não resultam motivos pelos quais se pudesse legalmente justificar o método aplicado, indiscutivelmente não ficou demonstrada a omissão de vendas, pois, que, precisamente no ano em que há essa divergência foi ignorado o facto de ter havido danos nas mercadorias comercializadas e que lhe retiraram valor comercial, danos, que a administração deveria ter indagado, porquanto o ónus nesse momento ainda estava do seu lado. Naturalmente que agregado ao contrato com o IAPMEI estaria um documento com a descrição dos bens danificados pelas cheias.
A sentença que assim entendeu, não estarem verificados os pressupostos da aplicação dos métodos indiretos, tem de ser confirmada.
*
5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum, da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento o recurso e manter a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
Notifique-se.

Porto,23 de maio de 2024

Cristina da Nova
Paula Moura Teixeira
Paulo Augusto Moura