Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00313/22.0BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/06/2024
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:ROGÉRIO PAULO DA COSTA MARTINS
Descritores:DIREITO A OBTER A CERTIFICAÇÃO DE TRABALHO PRESTADO; CONTRIBUIÇÕES RETIDAS NO VENCIMENTO, MAS NÃO ENTREGUES À SEGURANÇA SOCIAL;
ALÍNEAS D) E E) DO N.º 1 DO ARTIGO 552º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E ALÍNEAS G) E F) DO N. º2 DO ARTIGO 78º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS;
MATÉRIA DE EXCEPÇÃO NA ACÇÃO; NO N.º2 DO ARTIGO 88º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
Sumário:
1. A causa de pedir e o pedido são indicados pelo autor no seu articulado inicial – alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 552º do Código de Processo Civil e alíneas g) e f) do n. º2 do artigo 78º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Não são indicados, obviamente, pelo réu.

2. A autora indicou no caso concreto como causa de pedir, no seu articulado inicial, o facto de ter trabalhado para uma pessoa singular de 01.09.2003 até 05.03.2020, e apesar de a entidade patronal lhe ter procedido à retenção no vencimento das contribuições devidas para o regime de protecção social não fez a entrega ao Estado dessas contribuições. Acaba pedindo a condenação do Réu a registar o tempo de trabalho prestado entre Julho de 2009 e Março de 2015, não registado.

3. O recorrente vem “alterar”, nas suas alegações de recurso, o pedido formulado para um outro que não foi formulado: “Verdadeiramente, o que a ora recorrida pretende é que o período de tempo relativo às quotizações não pagas pela sua entidade empregadora, correspondentes a remunerações não declaradas, relevem para efeitos da sua carreira contributiva, incluindo as que determinam a liquidação de quotizações que já não podem ser exigidas àquela, por ter decorrido o prazo legal de prescrição de cinco anos sobre o seu vencimento.”

4. Mas, verdadeiramente, o que o recorrente pretende é suscitar uma excepção que devia ter suscitado em tempo oportuno, no prazo da contestação que não apresentou, e que agora não pode suscitar nem pode ser apreciada oficiosamente, face ao disposto no n.º2 do artigo 88º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a falta de interesse em agir. Como resulta da conclusão 4ª do recurso: “A não se entender assim, não se descortina o interesse processual da Autora na propositura da presente acção”.

5. Sempre se dirá que a Autora tem legítimo interesse em ver apreciada a sua pretensão, a que deduziu, não a que o Recorrente descortinou. Pretende ver, ao abrigo do disposto no artigo 40.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial, reconstituído todo o seu tempo de trabalho prestado para a sua ex-empregadora, período em que lhe foram retidas no vencimento as importâncias devidas à segurança social.

6. Direito e interesse que e legítimo e que tem cobertura na norma invocada no articulado inicial e mencionada na decisão recorrida.

7. Apesar de ser um direito instrumental do eventual direito da autora invocado pelo réu - o direito a relevar na sua carreira contributiva o período de tempo relativo às quotizações não pagas pela sua entidade empregadora, correspondentes a remunerações não declaradas -, não deixa de ser um direito atendível.

8. Como é atendível, numa acção de intimação para a passagem de certidão, o direito a obter a certificação de um facto que servirá de fundamento a um direito que pode assistir ou não ao requerente, a fazer valer noutro processo.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Instituto da Segurança Social, IP veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 30.01.2024, proferida na acção administrativa que «AA» moveu contra o ora Recorrente para condenação do Réu a a registar as quotizações do tempo de trabalho prestado pela Autora entre Junho de 2009 a Fevereiro de 2016, ambos inclusive.

O Recorrido contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1) A douta sentença recorrida não consubstancia solução jurídica correcta para o litígio em presença, posto que a Mma. Juiz a quo se desviou do enquadramento legal aplicável ao caso, incorrendo assim em erro de apreciação e julgamento da matéria de direito, que inquina irremediavelmente tal decisão.

2) Com efeito, da conjugação do pedido e da causa de pedir da presente acção, extrai-se com segurança que o efeito jurídico pretendido pela autora não se resume ao mero registo do tempo de trabalho prestado no período peticionado, por via do suprimento oficioso legalmente previsto, como se deste acto não resultassem relevantes consequências no plano da relação jurídica prestacional.

3) Verdadeiramente, o que a ora Recorrida pretende é que o período de tempo relativo às quotizações não pagas pela sua entidade empregadora, correspondentes a remunerações não declaradas, relevem para efeitos da sua carreira contributiva, incluindo as que determinam a liquidação de quotizações que já não podem ser exigidas àquela, por ter decorrido o prazo legal de prescrição de cinco anos sobre o seu vencimento.

4) A não se entender assim, não se descortina o interesse processual da Autora na propositura da presente acção;

5) Sendo certo que a mesma veio alegar, no seu articulado, que o ora Recorrente deverá “(...) permitir o registo de quotizações relativas ao período de Julho/09 a Março/15, nos termos do disposto no art. 9º nº 1 do DL 124/84, por forma a que tal a A. possa beneficiar desses períodos de actividade não declarados para o cálculo das prestações de Segurança Social.”

6) Ora, cingindo-se o período em discussão aos meses de Julho de 2009 a Fevereiro de 2016, é no quadro legal do Código Contributivo que a pretensão da Recorrida encontra resposta, mas no âmbito das disposições aplicáveis ao pagamento voluntário de contribuições prescritas, constantes do Capítulo I, Secção II, que a Mma. Juiz a quo simplesmente ignorou, ao invés de as aplicar ao caso sub judice, como se impunha.

7) Na verdade, o art.º 254º daquele Código prevê um procedimento específico e excepcional, assente em dois pressupostos fundamentais, a saber: (i) o pagamento de contribuições com efeitos retroactivos, nomeadamente, quando a obrigação contributiva se encontre prescrita, tem de ser expressamente requerido e carece de autorização; (ii) o referido pagamento é condição do reconhecimento do período de actividade profissional ao qual a obrigação contributiva diga respeito.

8) No respeitante ao período anterior a Março de 2016, é manifesto que os serviços do Recorrente não podiam adoptar o mesmo procedimento a que se refere a alínea E. do probatório, pois, tratando-se de um período contributivo irremediavelmente prescrito, a acção inspectiva realizada não poderia abranger o apuramento dos atinentes tempos de trabalho e valores remuneratórios.

9) Resulta da lei que a instituição de segurança social procede ao registo das remunerações sobre as quais incidiram as contribuições e as quotizações, bem como dos respectivos períodos contributivos (cfr. nº 1 do art.º 16º do Código Contributivo), constituindo esse registo a carreira contributiva dos beneficiários relevante para efeitos de atribuição de prestações (cfr. nº 2 do mesmo artigo e diploma).

10) Portanto, a douta decisão sob recurso, a manter-se, terá como consequência jurídica que a Recorrida veja reconhecido um período de actividade profissional relativamente ao qual a obrigação contributiva se encontra prescrita, sem que, no âmbito do procedimento previsto no art.º 254º do Código Contributivo, se mostre autorizado e efectuado o pagamento voluntário, como ali se exige.

11) A douta sentença recorrida, ao condenar o ora Recorrente a elaborar a declaração de remunerações correspondente ao exercício de funções da Autora ao serviço de «BB», no período de Junho de 2009 a Fevereiro de 2016, violou, pois, o disposto nos artigos 254º e 258º daquele Código.

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II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

A. A Autora celebrou contrato de trabalho com «BB» com início a 01.09.2003 e términus a 05.03.2020 – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial e facto confessado pela Entidade Demandada.

B. A empregadora da Autora não efectuou as declarações de remunerações à Segurança Social no período compreendido entre Junho de 2009 até 05.03.2020 – cfr. fls. 23 do processo administrativo.

C. A 08.06.2020, a Autora dirigiu uma exposição à Entidade Demandada, cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido, e do qual se extrai o seguinte:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...).
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. documento a fls. 148 a 162 dos autos.

D. Por ofício datado de 03.07.2020, a Entidade Demandada solicitou à ex-empregadora da Autora a entrega das remunerações em falta correspondentes ao período de Julho de 2009 a Março de 2020 – cfr. fls. 1 do processo administrativo.

E. Após uma acção inspectiva desencadeada pela exposição a que acima se alude, a Entidade Demandada elaborou declaração de remunerações oficiosas referente ao período de Março de 2016 a Março de 2020 – cfr. fls. 31 do processo administrativo.

*

III - Enquadramento jurídico.

Este é o teor da decisão recorrida, na parte ora relevante:

“(…)

Como referido supra, a questão que se coloca é a de saber se a Entidade Demandada deverá ser condenada à prática do ato devido de suprimento da declaração de remunerações da Autora referente ao período de junho 2009 a fevereiro de 2016.

Resultou provado que, a 08/06/2020, a Autora dirigiu uma exposição à Entidade Demandada na qual referia ter tomado conhecimento de que a sua ex-empregadora não havia entregue ao Estado as contribuições devidas pela prestação do seu trabalho e requereu, a final, que a Entidade Demandada diligenciasse pela regularização da situação perante a referida ex-empregadora.

Mais resultou provado que, perante esta exposição, a Entidade Demandada solicitou à ex-empregadora da Autora a entrega das remunerações em falta correspondentes ao período de 2009/07 a 2020/03 e iniciou um procedimento inspetivo que culminou com a elaboração de declaração de remunerações oficiosas referente ao período de março/2016 a março/2020.

Isto equivale por dizer que a Entidade Demandada constatou que a ex-empregadora da Autora não entregou a declaração de remunerações correspondentes ao período de 2009/07 a 2020/03, mas apenas supriu oficiosamente a declaração de remunerações referente ao período de março/2016 a março/2020.

Ora, resulta das disposições conjugadas do artigo 40.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social e dos artigos 27.º a 29.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03/01 que a falta ou a insuficiência das declarações de remunerações podem ser supridas ou corrigidas oficiosamente pela instituição de segurança social competente, designadamente por recurso aos dados de que disponha no seu sistema de informação, no sistema de informação fiscal ou decorrente de ação de fiscalização e que o suprimento oficioso da declaração de remunerações ocorre, designadamente, quando a entidade empregadora não apresente declaração de remunerações.

Assim, quando a segurança social constata que a entidade empregadora não entrega a declaração de remunerações de algum trabalhador, resulta diretamente da lei o dever de emitir o ato administrativo de suprimento oficioso da declaração de remuneração, o qual não se confunde com o ato de liquidação e de pagamento da obrigação contributiva, ato esse cujo destinatário é a ex-empregadora.

O que a Entidade Demandada não fez.

Assim, a presente ação administrativa será de julgar procedente, o que infra se decidirá.

(…)”

Decisão que não merece reparo.

Determina o artigo 40.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial, sob a epigrafe “Declaração de remunerações”:

“1 - As entidades contribuintes são obrigadas a declarar à segurança social, em relação a cada um dos trabalhadores ao seu serviço, o valor da remuneração que constitui a base de incidência contributiva, os tempos de trabalho que lhe corresponde e a taxa contributiva aplicável.

2 - A declaração prevista no número anterior deve ser efetuada até ao dia 10 do mês seguinte àquele a que diga respeito.

3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a falta ou a insuficiência das declarações previstas nos números anteriores podem ser supridas ou corrigidas oficiosamente pela instituição de segurança social competente, designadamente por recurso aos dados de que disponha no seu sistema de informação, no sistema de informação fiscal ou decorrente de ação de fiscalização. (Redação dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro).

4 - O suprimento oficioso das declarações previstas nos números anteriores é notificado à entidade contribuinte nos termos do disposto no Código do Procedimento Administrativo.

5 - A não inclusão de trabalhador na declaração de remunerações constitui contraordenação muito grave.

A causa de pedir e o pedido são indicados pelo autor no seu articulado inicial – alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 552º do Código de Processo Civil e alíneas g) e f) do n. º2 do artigo 78º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Não são indicados, obviamente, pelo réu.

Ora a Autora indicou como causa de pedir, no seu articulado inicial, o facto de ter trabalhado para «BB» de 01.09.2003 até 05.03.2020, e apesar de a entidade patronal lhe ter procedido à retenção no vencimento das contribuições devidas para o regime de protecção social não fez a entrega ao Estado dessas contribuições.

Acaba pedindo a condenação do Réu a registar o tempo de trabalho prestado entre Julho de 2009 e Março de 2015, não registado.

O Recorrente vem “alterar” o pedido formulado para um outro que não foi formulado.

Como decorre da conclusão 3ª das suas alegações:

“Verdadeiramente, o que a ora Recorrida pretende é que o período de tempo relativo às quotizações não pagas pela sua entidade empregadora, correspondentes a remunerações não declaradas, relevem para efeitos da sua carreira contributiva, incluindo as que determinam a liquidação de quotizações que já não podem ser exigidas àquela, por ter decorrido o prazo legal de prescrição de cinco anos sobre o seu vencimento.”

Mas, verdadeiramente, o que o Recorrente pretende é suscitar uma excepção que devia ter suscitado em tempo oportuno, no prazo da contestação que não apresentou, e que agora não pode suscitar nem pode ser apreciada oficiosamente, face ao disposto no n.º2 do artigo 88º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a falta de interesse em agir.

Como resulta da conclusão 4ª do recurso:

“A não se entender assim, não se descortina o interesse processual da Autora na propositura da presente acção”.

Em todo o caso, sempre se dirá que a Autora tem legítimo interesse em ver apreciada a sua pretensão, a que deduziu, não a que o Recorrente descortinou.

Pretende ver, ao abrigo do disposto no artigo 40.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial, reconstituído todo o seu tempo de trabalho prestado para a sua ex-empregadora, «BB», período em que lhe foram retidas no vencimento as importâncias devidas à segurança social.

Direito e interesse que e legítimo e que tem cobertura na norma invocada no articulado inicial e mencionada na decisão recorrida.

Apesar de ser um direito instrumental do eventual direito da Autora invocado pelo Réu - o direito a relevar na sua carreira contributiva o período de tempo relativo às quotizações não pagas pela sua entidade empregadora, correspondentes a remunerações não declaradas -, não deixa de ser um direito atendível.

Como é atendível, numa acção de intimação para a passagem de certidão, o direito a obter a certificação de um facto que servirá de fundamento a um direito que pode assistir ou não ao requerente, a fazer valer noutro processo.

Improcede, por isso, o recurso.

*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrido.

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Porto, 06.06.2024

Rogério Martins
Paulo Ferreira de Magalhães
Isabel Costa