Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00756/10.7BEPRT |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 11/03/2022 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | Tiago Miranda |
Descritores: | IRS, CATEGORIA A, CORRECÇÕES TÉCNICAS, ÓNUS DA PROVA. |
Sumário: | I – O artigo 640º nºs 1 e 2 do CPC faz impender sobre o recorrente em matéria de apreciação da prova, sob pena de rejeição do recurso, o ónus de delimitar positivamente o que em seu entender são factos indevidamente provados ou indevidamente não provados, a decisão que devia ter sido tomada e os meios de prova determinantes. II – Caso proceda a correcções técnicas da matéria tributável de IRS, categoria A, é da AT, nos termos do artigo 74º nº 1 da LGT, o ónus de provar a percepção de cada um dos rendimentos, alegadamente recebidos e não declarados pelo Sujeito Passivo, em que se fundem essas correcções. Por isso, a dúvida sobre quem foram os dirigentes e ou os trabalhadores de uma empresa aos quais foram entregues, sem registo na contabilidade, complementos de remuneração registadas numa folha “exel”, tem de resolver-se em desfavor da AT, conforme decorre do artigo 100º da LGT |
Recorrente: | Fazenda Pública |
Recorrido 1: | AA e BB |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Impugnação Judicial - Liquidação de tributos - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Del. 2186/2015] |
Decisão: | Negar provimento ao recurso |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: | Foi emitido douto parecer no sentido da improcedência do recurso. |
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Decisão Texto Integral: | A Fazenda Pública interpôs o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 14 de Dezembro de 2021, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação apresentada por AA e BB, NIFs 20...877 e 20...981, residentes na Rua ..., contra a liquidação adicional de IRS relativamente ao ano de 2004, no valor de 1 962,95 €, de que foram objecto, resultantes de correcções técnicas aos valores declarados. Da sua alegação seleccionamos e transcrevemos as CONCLUSÕES: CONCLUSÕES A- Vem, o presente recurso, interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial apresentada contra a liquidação de IRS n.º 20...665, do ano de 2004, da qual resultou, após acerto de contas, um valor a pagar de €1.962,95. B- Na douta sentença em análise o meritíssimo Juiz do douto Tribunal a quo decidiu da seguinte forma: “Nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se procedente a presente impugnação, com a consequente anulação da liquidação impugnada e condenação da Autoridade Tributária a restituir aos Impugnantes o imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal.” C- É pois, desta decisão que a Fazenda Pública (FP) recorre, ressalvado o sempre devido respeito, não se conformando com o decidido, pois entende que o douto Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, consubstanciado em insuficiência na matéria de facto dada como provada, na errónea apreciação dos factos e elementos probatórios juntos aos autos e na sua subsunção ao direito, violando o disposto no artº 2º do CIRS, impondo-se por isso, o reexame da questão jurídica em apreço por este tribunal superior. D- Em consequência, devendo a sentença ser julgada improcedente, improcederá também a condenação nas custas processuais, o que ora se requer para todos os efeitos legais. E- Os actos tributários de liquidação impugnados tiveram na sua génese, a sua base, numa certidão extraída do proc.º de Inquérito n.º 5...4/....5.7JAPRT, instaurado contra a sociedade “S..., Ld.ª”, composta por documentos apreendidos pela Polícia Judiciária (PJ), tendo sido instaurado o proc.º de inquérito n.º 1....6/...6.4TDPRT contra a sociedade “P......, Ld.ª” (“P......, Ld.ª”), contribuinte n.º 50...526. F- A coberto da ordem de serviço n.º OI...894, foram os Impugnantes alvo de uma acção inspectiva interna levada a cabo pelos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças do Porto, de âmbito parcial (IRS) e com incidência sobre o ano de 2004, da qual resultou uma correcção de natureza meramente aritmética no montante de €5.720,00 – cf. relatório de inspecção tributária inserto a fls. 43 a 51 do processo administrativo (PA) apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido (cfr. facto nº 1 dado como provado). G- Da análise aos elementos do processo de inquérito, concluíram os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto (SIT), e bem, que a sociedade “P......, Ld.ª” manteve e escriturou, pelo menos nos anos de 2004 e 2005, uma “conta paralela” tendente a ocultar proveitos obtidos na venda de veículos e a utilizar essas verbas no pagamento de remunerações complementares aos sócios e ao pessoal dirigente da empresa. H- A escrituração desta “contabilidade paralela” concretizava-se na elaboração de mapas (em folhas de formato EXCEL), a que foi dado o nome de “MOVIMENTO DE CAIXA”, nos quais se registavam as entradas e as saídas (dinheiro/Caixa e/ou cheque/Banco) e respectivas descrições. A título exemplificativo veja-se, as cópias dos mapas apreendidos referentes aos meses de Janeiro de 2004 e Dezembro de 2004 (cf. mapas a fls. 52 e 53 do PA junto aos autos). I- Dos mapas constantes da contabilidade paralela encontrada pela Polícia Judiciária, verificou-se que os movimentos de entrada e saída de dinheiro constavam do mapa de "Resumo Movimentos 2004" - cf. anexo 2 a fis. 54 do PA junto aos autos, onde se constata o resumo da distribuição das verbas pelos diversos beneficiários, cujo somatório coincide com o valor das saídas evidenciadas nos correspondentes mapa "Movimento de Caixa" sob a descrição "Desp fim mês". J- Os beneficiários das remunerações complementares encontram-se identificados no mapa "Resumo de Movimentos 2004" por siglas compostas pelas iniciais dos respectivos nomes, nomes esses ocultados por razões de confidencialidade, com excepção do ora impugnante. K- Em diligências efectuadas pelos SIT junto da empresa, puderam comprovar que o beneficiário das ditas remunerações identificado com a sigla “A...” se trata do impugnante, AA, com a categoria/cargo de “chefe de secção”. L- Os SIT, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI...894 concluíram, da análise dos vários documentos do processo de inquérito que ficou demonstrado que o impugnante auferiu rendimentos da “P......, Ld.ª”, sob a forma de “remunerações complementares”, não contabilizados pela empresa e não declarados à Administração Fiscal pelo beneficiário, sujeitos a IRS – categoria A, nos termos do art.º 2º do respectivo Código, que não foram tributados na sua esfera jurídica. M- E procederam à correcção dos rendimentos auferidos pelo ora impugnante, no ano de 2004, porquanto terem reunidos elementos em sede da entidade pagadora, de que o impugnante a título de remunerações complementares", auferiu o montante de €5.720,00, pagos por “P......, Ld.ª”, NIPC 50...526. N- Valores que não foram contabilizados pela entidade pagadora e não declarados pelo impugnante na declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS. O- Em resultado do procedimento inspectivo foi emitida a liquidação adicional n.º ...65, respeitante ao exercício de 2004. P- Antes de qualquer consideração, a Fazenda Pública entende, que deveria ter sido levado aos factos dados como provados que “como resultado da investigação no aludido processo de inquérito, a “P......, Ld.ª” manteve e escriturou, pelo menos nos anos de 2004 e 2005, uma “conta paralela” tendente a ocultar proveitos obtidos na venda de veículos e a utilizar essas verbas no pagamento de remunerações complementares ao pessoal dirigente da empresa, grupo onde o impugnante se insere”. Q- Em súmula, o douto Tribunal a quo para decidir como decidiu, entendeu que a Autoridade Tributária não cumpriu o ónus da prova da verificação dos pressupostos para a correcção operada, que os elementos de prova recolhidos pelos serviços de inspecção tributária para fundamentar a correcção que está na génese da liquidação impugnada, não permitem extrair uma conclusão minimamente segura de que os montantes constantes do anexo 2 ao relatório de inspecção (“RESUMO MOVIMENTOS 2004”) correspondem a remunerações (complementares) pagas ao Impugnante no ano 2004, omitidas à respectiva declaração de rendimentos, e que cabia à inspecção tributária ter ido mais longe na recolha de prova. R- Ora, com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente assim decidido. S- Tendo por base similares elementos factuais aos dos presentes autos na sua globalidade, extraídos da certidão do proc.º de Inquérito n.º 5...4/....5.7JAPRT, instaurado contra a sociedade “S..., Ld.ª”, composta por documentos apreendidos pela Polícia Judiciária (PJ), dos quais foi instaurado o proc.º de inquérito n.º 1....6/...6.4TDPRT contra a sociedade “P......, Ld.ª” (“P......, Ld.ª”), contribuinte n.º 50...526, T- os Serviços de Inspecção do Porto efectuaram igualmente, diversas correcções a outros contribuintes que constavam nas referidas listas como recebedores de rendimentos não declarados, dos quais alguns impugnaram judicialmente as respectivas liquidações adicionais que daí advieram. U- Em vários desses processos de impugnação judicial, em tudo idênticos na sua generalidade ao sub judice, mudando apenas o seu autor (o contribuinte), foi proferida sentença de Improcedência, nomeadamente (e pelo menos) no processo nº 3...7/...9.4BEPRT, que correu termos na UO4 deste TAF, no processo nº 3...8/...9.2BEPRT, que correu termos na UO3 deste TAF, no processo n.º 6...8/...0.3BEPRT que correu termos na UO5 deste TAF e no processo n.º 7...7/...0.1BEPRT que correu termos na UO3 deste TAF. V- Atendendo à similitude da base factual e à oposição de julgados no que toca à consideração do ónus da prova e à respectiva decisão final, na argumentação do nosso recurso acompanhamos e apropriamo-nos (por considerarmos ser mutatis mutandis aplicável à situação sub judice), parte da fundamentação e inerente conclusão, passando-se a transcrever (no que aqui para este recurso mais importa) da referida decisão proferida no processo de impugnação judicial n.º 7...7/...0.1BEPRT que correu termos na UO3 deste TAF. W- Efectivamente, vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da verdade declarativa, presumindo-se verdadeiros os rendimentos declarados pelos sujeitos passivos de IRS. Porém, dispondo a Autoridade Tributária de elementos seguros e credíveis de que os rendimentos declarados não correspondem à verdade, cessa a referida presunção. X- Pelo que, só poderia ter-se considerado que os elementos recolhidos no processo de inquérito instaurado contra a “P......, Ld.ª” permitem concluir que esta pagou ao impugnante remunerações complementares, sujeitas a tributação em IRS e que não foram declaradas. Y- Em sede de procedimento inspectivo à sociedade "“P......, Ld.ª”, entidade pagadora de rendimentos de trabalho dependente ao ora impugnante, foi verificado, como resulta da leitura do relatório elaborado pelos Serviços da inspecção Tributária, nomeadamente dos elementos constantes dos anexos 1 e 2, que a “P......, Ld.ª” manteve e escriturou paralelamente à sua, valores contabilidade correspondentes a entradas e saídas, Z- valores esses sobrevindos de proveitos obtidos na venda de veículos e utilizados no pagamento de remunerações complementares aos sócios e ao pessoal dirigente da entidade empregadora. AA- Considerou o douto Tribunal a quo que nos referidos documentos não existe qualquer menção à sociedade “P......, Ld.ª”, sendo que a Autoridade Tributária também não esclareceu quais foram as diligências efectuadas junto desta empresa que lhe permitiram concluir que a sigla “A...” respeitava ao aqui impugnante, com tal não pode a Fazenda Pública concordar. BB- No entanto, atente-se para o facto de que os documentos em crise terem sido apreendidos pela Polícia Judiciária, entidade idónea, credível e isenta na recolha desses elementos, que no presente caso determinaram as ilações conducentes às efectivadas. CC- Tais documentos apreendidos na busca realizada no âmbito do inquérito crime, não são destituídos de valor probatório, desde logo, porque o Impugnante não usou das prerrogativas que a lei lhe permitia, como fosse a impugnação desses documentos. DD- Tais documentos foram apreendidos em acção de busca realizada às instalações da “P......, Ld.ª” realizada no âmbito do processo do inquérito n.º 1....6/...6.4TDPRT e não em qualquer outro local sem qualquer nexo de causalidade com a “P......, Ld.ª” e/ou com o aqui Impugnante. EE- E quanto às iniciais “A...” não corresponderem ao aqui Impugnante, como resulta do relatório de inspecção tributária, os SIT diligenciaram junto da “P......, Ld.ª”, tendo logrado comprovar que o beneficiário das ditas remunerações se tratava do aqui impugnante, AA, com a categoria/cargo de “chefe de secção”. FF- Os beneficiários das remunerações complementares em análise estão identificados no mapa “resumo movimentos 2004” (Anexo 2) por siglas compostas por iniciais dos respectivos nomes. GG- E conforme doc. nº 1 que se juntou aos presentes autos em sede de contestação, designadamente a informação da certidão do processo de inquérito 1....6/...6.4TDPRT constata-se que a consonância entre as siglas e os respectivos nomes por extenso adveio da colaboração da empresa “P......, Ld.ª” na listagem dos elaboração de funcionários (SIC) dos anos de 2004. HH- Tendo a AT demonstrado por meio dos documentos recolhidos na sede da entidade empregadora do aqui Impugnante elementos indiciadores dos rendimentos auferidos por este à margem da contabilidade da empresa e não declarados em sede de IRS, sobre este impendia a prova do contrário (SIC). II- Ora, tal prova não foi feita, pois o Impugnante não logrou invocar qualquer facto concreto que explicasse a origem e a razão de ser dos documentos em que a AT se baseou, nem apresentou elementos adicionais que assegurassem ou indiciassem de forma consistente que não foram por si percepcionados tais rendimentos adicionais. JJ- Dessa forma, em bom rigor, não estamos sequer perante um problema de prova, mas de alegação de factualidade alguma que pudesse ser contraposta aos dados de facto que a AT reuniu. KK- Por último, não concorda a Fazenda Pública com o meritíssimo Juiz do douto Tribunal a quo quando afirma que cabia à inspecção tributária ter ido mais longe na recolha de prova para fundamentar a correcção efectuada, designadamente através do acesso à informação bancária do Impugnante, em ordem a apurar se os montantes em causa foram ou não recebidos, na medida que é senso comum que o pagamento de valores não declarados normalmente se fazem a dinheiro, e sem qualquer documento formal. LL- A discricionariedade conferida pelo legislador ao Juiz na livre apreciação da prova não pode levar este a alhear-se dos princípios legais da verdade material e do inquisitório indispensáveis à boa decisão da causa. MM- Conjugando e analisados entre si todos os factos índice recolhidos pela AT, e tendo em conta as regras da experiência comum, só se pode concluir que os mesmos são suficientes para fundar a conclusão de que o Impugnante auferiu rendimentos da “P......, Ld.ª” sob a forma de “remunerações complementares”. NN- Deveria pois o douto Tribunal a quo, ter aderido á posição do Digno Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência da impugnação, sustentando, em síntese, que na investigação efectuada a Autoridade Tributária verificou que a “P......, Ld.ª” mantinha uma contabilidade paralela com ocultação de proveitos, que eram usados no pagamento de remunerações complementares aos sócios e pessoal dirigente, sendo que os Impugnantes não apresentaram elementos capazes de contrariar a factualidade apurada, tendo em conta a cessação da presunção de verdade declarativa de que gozava a sua declaração (fls. 110 e 111 do suporte físico do processo, cujo teor se dá por reproduzido). OO- Por tudo o exposto, entende a Fazenda Pública, que a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, devendo ser revogada e substituída por outra que declare a acção totalmente improcedente. Notificados, os Impugnantes não responderam à alegação. O Digno Magistrado do Ministério Público neste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do Recurso, redutível ao seguinte excerto: «(…) O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação "sub judice" que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida." Ac. do TCAS de 31-10-2013 no processo 06531/13 in www.dgsi.pt. A questão a dirimir é saber se a AT fez prova da verificação dos pressupostos para a realização das correcções à matéria tributável. Em nosso entender a resposta é negativa. Dispõe o artigo 74 n°1 da LGT: "O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque." Citando Digo Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge de Sousa, in LGT anotada e comentada, p. 655: "O procedimento tributário deve culminar com uma decisão da administração tributária, que tem de assentar em pressupostos de facto." Na situação em apreço, em resultado das buscas efectuadas à "S..., Ld.ª foi apreendida uma "contabilidade" paralela à apresentada à AT e demonstrativa que os sócios e dirigentes da empresa " “P......, Ld.ª” " não declaravam a totalidade dos rendimentos obtidos com a actividade desenvolvida, estando-se perante situações de informalidade contributiva. Segundo a AT, a prova do recebimento por parte do impugnante de remunerações não declaradas resultou dessa contabilidade aprendida, onde constam as inicias "A...". Conforme resulta do RIT, concluiu nesse sentido, em resultado de "diligências efectuadas junto da empresa pudemos concluir que o beneficiário das ditas remunerações identificado com a sigla "A..." se trata do sujeito passivo em análise, AA, com a categoria /cargo de " chefe de secção"- v. fls. 30 do PA apenso. Só que ao não relatar as diligências que efectuou e os factos que eventualmente recolheu, quer o(s) recorridos(s) quer o Tribunal Superior ficam impedidos de os conhecer e de os poder sindicar em ordem a apreciar da bondade da conclusão que deles foi extraída. Há, em nosso entender, uma insuficiência probatória no relatório que não permite, com um elevado grau de certeza, o poder afirmar-se que o "A..." das folhas Excel é AA, não tendo a AT cumprido com o ónus o que sobre ela recaia, como refere o julgador. A decisão, face à factualidade dada como provada, seu enquadramento jurídico e fundamentação expendida, não merece censura, pelo que, em nosso entender, se deve negar provimento ao recurso.» Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir. II- Âmbito do recurso e questões a decidir Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações. Assim: As questões a apreciar, ainda que intimamente conexas, são três: 1ª Questão Padece, a sentença recorrida de uma insuficiência de discriminação dos factos provados e relevantes para a decisão, designadamente por não ter sido discriminado, como facto provado, que “como resultado da investigação no aludido processo de inquérito [1], a “P......, Ld.ª” manteve e escriturou, pelo menos nos anos de 2004 e 2005, uma “conta paralela” tendente a ocultar proveitos obtidos na venda de veículos e a utilizar essas verbas no pagamento de remunerações complementares ao pessoal dirigente da empresa, grupo onde o impugnante se insere”? – Cf. conclusões C) e P). 2ª Questão Padece, a sentença recorrida, de erro de julgamento em matéria de facto, na apreciação da prova, ao julgar que a AT não produziu prova suficiente de que o Impugnante e recorrido auferiu da empresa “P......, Ld.ª”, no ano de 2004, as remunerações complementares, não declaradas ao fisco, constantes do anexo 2 do Relatório de Inspecção? 3ª Questão Em todo o caso, padece, a sentença recorrida, de erro de direito, na aplicação da regra relativa a ónus da prova, decorrente do artigo 75º nº 2, alª a) da LGT, uma vez que em face desta norma, feita, pela AT a prova bastante de factos indiciantes da ocultação de rendimentos, era do contribuinte o ónus de provar a sua inexistência? III – Apreciação do Recurso Para a discussão desta questão relevam os segmentos da decisão recorrida que se passa a transcrever. Da Fundamentação em matéria de facto: (…) «Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos: A) A coberto da ordem de serviço n.º OI...894 foram os Impugnantes alvo de uma acção inspectiva interna levada a cabo pelos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças do Porto, de âmbito parcial (IRS) e com incidência sobre o ano de 2004, da qual resultou uma correcção de natureza meramente aritmética no montante de € 5 720,00 – cfr. relatório de inspecção tributária inserto a fls. 43 a 51 do processo administrativo (PA) apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido. B) A correcção mencionada na alínea antecedente assenta nos seguintes fundamentos (cfr. fls. 43 a 51 do PA apenso aos autos): «(…) III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável 1. Pressupostos Com base em certidão extraída do proc.º de Inquérito n.º 5...4/....5.7JAPRT, instaurado contra a sociedade “S..., Ld.ª”, composta por documentos apreendidos pela Polícia Judiciária (PJ), foi instaurado o proc.º de inquérito n.º 1....6/...6.4TDPRT contra a sociedade “P......, Ld.ª” (“P......, Ld.ª”), contribuinte n.º 50...526. Da análise dos elementos deste processo de inquérito concluiu-se que a “P......, Ld.ª” manteve e escriturou, pelo menos nos anos de 2004 e 2005, uma “conta paralela” tendente a ocultar proveitos obtidos na venda de veículos e a utilizar essas verbas no pagamento de remunerações complementares aos sócios e ao pessoal dirigente da empresa. Por despacho lavrado no referido processo determinou a Exma. Procuradora Adjunta que: “Tendo em conta as disposições conjugadas dos art.ºs 86º, n.º 7 do CPP e 45º e 64º da LGT, deverá a administração tributária ter acesso aos elementos constantes do presente inquérito, nomeadamente documentos apreendidos, necessários à pertinente liquidação de impostos, o que expressamente se autoriza.” 2. Análise dos documentos do processo de inquérito Através da análise dos documentos do processo de inquérito, nomeadamente dos documentos apreendidos em acção de busca levada a cabo pela PJ, concluiu-se que a empresa “P......, Ld.ª” escriturava uma “contabilidade paralela” à contabilidade oficial, na qual eram registadas entradas (em dinheiro ou cheque) provenientes de receitas omitidas à contabilidade, e saídas (também em cheque ou dinheiro) destinadas, basicamente, a pagar horas extras ao pessoal da empresa e “remunerações complementares” aos sócios-gerentes e outro pessoal dirigente da empresa, pagas à margem da contabilidade oficial e à margem das normas fiscais subjacentes. A escrituração desta “contabilidade paralela” concretizava-se na elaboração de mapas (em folhas de formato EXCEL), a que foi dado o nome de “MOVIMENTO DE CAIXA”, nos quais se registavam as entradas e as saídas (dinheiro/Caixa e/ou cheque/Banco) e respectivas descrições. A título exemplificativo juntam-se cópias dos mapas apreendidos referentes aos meses de Janeiro de 2004 e Dezembro de 2004 (Anexo 1 – 2 fls.). Os movimentos de entrada e saída de dinheiros estão resumidos no mapa “RESUMO MOVIMENTOS 2004”, também apreendido na referida acção de busca. (Anexo 2 – 1 fls.). Analisando e articulando estes mapas: ▪ Nos mapas do Anexo 1 podemos constatar saídas de dinheiro (coluna CAIXA) com regularidade mensal, com a descrição “Dep fim mês”, verbas estas destinadas a pagar as remunerações “por fora” ao pessoal dirigente da empresa (por razões de confidencialidade foi ocultada a identificação das restantes entidades constantes nos mapas); ▪ Os mapas do Anexo 2 resumem a distribuição das verbas supra pelos diversos beneficiários, cujo somatório mensal coincide com o valor das saídas evidenciadas nos correspondentes mapas “MOVIMENTO DE CAIXA” sob a descrição “Desp fim mês” (por razões de confidencialidade foi ocultada a identificação das restantes entidades constantes nos mapas, com excepção da do próprio sujeito passivo, e os valores das “saídas” que não respeitam a pagamentos de remunerações a pessoal dirigente). Os beneficiários das remunerações complementares em análise estão identificados no mapa “RESUMO MOVIMENTOS 2004” (Anexo 2) por siglas compostas por iniciais dos respectivos nomes. Em diligências efectuadas junto da empresa pudemos comprovar que o beneficiário das ditas remunerações identificado com a sigla “A...” se trata do sujeito passivo em análise, AA, com a categoria/cargo de “chefe de secção”. Concluindo, da análise dos vários documentos do processo de inquérito ficou demonstrado que o sujeito passivo em análise auferiu rendimentos da “P......, Ld.ª”, sob a forma de “remunerações complementares”, não contabilizados pela empresa e não declarados à Administração Fiscal pelo beneficiário, sujeitos a IRS – categoria A, nos termos do art.º 2º do respectivo Código, que não foram tributados na sua esfera jurídica. 3. Quantificação dos rendimentos não declarados – cat. A do IRS No mapa do Anexo 2 a este relatório estão evidenciadas as “remunerações complementares” pagas ao dirigente “A...”, AA, à margem da contabilidade, com origem na “conta paralela” da empresa, reproduzidos no quadro seguinte:
Com base no art.° 65. °, n. ° 4, do Código do IRS, proceder-se-á à alteração dos elementos declarados decorrentes de omissões praticadas nas declarações de rendimentos. (...) VIII. Outros elementos relevantes De acordo com o n.º 5 do art. ° 45° da Lei Geral Tributária (LGT), e uma vez que estamos perante factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo de caducidade do direito à liquidação, previsto no n.º 1 do art. ° 45° da LGT, é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano. IX. Direito de audição — fundamentação O SP foi notificado, por carta registada em 2009.10.08, para exercer, querendo, no prazo de 15 dias, o direito de audição previsto nos art °s 60.° da Lei Geral Tributária e 60. ° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária. Em 2009.10.26, dentro do prazo legal, exerceu esse direito por escrito, rejeitando as propostas de correcções constantes do Projecto de Relatório da Inspecção por as considerar destituídas de qualquer fundamento, apresentando os seguintes fundamentos, que se podem dividir em duas vertentes distintas, uma relacionada com a forma dos documentos de prova, a outra de cariz estritamente jurídico — a caducidade do direito à liquidação: No que concerne aos documentos juntos ao Projecto, ■ em parte alguma dos mesmos consta uma qualquer referência à “P......, Ld.ª”... ■ desconhece a alegada existência de uma contabilidade paralela na “P......, Ld.ª”. No que respeita à caducidade, ■ notificado do Projecto de Relatório apenas no decorrer do mês de Outubro de 2009, forçoso é concluir que o direito de liquidar imposto caducou... pois entre a data do facto tributário e a data da notificação do Projecto mediaram mais de quatro anos ■ e nem se diga que o prazo para o direito à liquidação é aquele que consta do n.° 5 do artigo 45° da LGT, pois não foi instaurado contra o Contribuinte qualquer inquérito criminal. Na sua audição o contribuinte não suscitou elementos novos. Cumpre-nos, então, analisar e comentar os fundamentos aduzidos pelo contribuinte. Argumenta o contribuinte que dos documentos de prova em anexo ao relatório, ou seja, os mapas “MOVIMENTO DE CAIXA” e “RESUMO MOVIMENTOS”, não consta qualquer referência à “P......, Ld.ª”. Quanto a isso, adiantamos que estes documentos não foram elaborados por nós. Fazem parte integrante do processo de inquérito que corre termos contra a “P......, Ld.ª”, objecto de apreensão em acções de busca realizadas pela PJ. Quanto ao alegado desconhecimento da existência de uma contabilidade paralela na “P......, Ld.ª”, até podemos aceitar essa afirmação. Todavia, como resultado da investigação no aludido processo de inquérito, a “P......, Ld.ª” manteve e escriturou, pelo menos nos anos de 2004 e 2005, uma “conta paralela” tendente a ocultar proveitos obtidos na venda de veículos e a utilizar essas verbas no pagamento de remunerações complementares ao pessoal dirigente da empresa, grupo onde o Contribuinte se insere. Mas, mesmo desconhecendo a existência da conta paralela, o contribuinte auferiu remunerações da “P......, Ld.ª” que não integraram o processamento contabilístico regular de salários. Quanto à alegada caducidade do direito à liquidação do imposto, o contribuinte assenta a sua argumentação nos n.ºs 1 dos art.°s 45° e 46° da LGT. Porém, contrariamente à interpretação deduzida pelo contribuinte no n.º 16 da petição, o prazo de caducidade do direito à liquidação é o previsto no n.º 5 do art.° 45° da LGT, uma vez que estamos perante factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal (Proc° Inq° n. ° 1....6/...6.4TDPRT). Quanto a nós, a circunstância de não ter sido instaurado contra o contribuinte qualquer inquérito criminal não releva, na medida em que o normativo do n.° 5 do referido art.° 45° dispõe claramente que o alargamento aí previsto se aplica sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal. Ora, no caso em apreço, os factos subjacentes à tributação, evidenciados neste Relatório, integram o conjunto de factos relativamente aos quais foi instaurado o referido processo de inquérito. Face ao supra exposto, é nosso entendimento que será de manter as correcções propostas no Projecto de Conclusões e constantes deste Relatório.» C) Na sequência da correcção mencionada na alínea A) supra, foi emitida em nome dos Impugnantes, para o ano de 2004, a liquidação adicional de IRS n.º 20...665, da qual resultou, após acerto de contas, um valor a pagar de € 1 962,95 - cfr. fls. 46 a 48 do suporte físico do processo, cujo teor se dá por reproduzido. D) Em 18/01/2010, os Impugnantes efectuaram o pagamento do valor mencionado na alínea antecedente - cfr. fls. 13 a 15 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido. E) A presente impugnação foi intentada em 15/03/2010 - cfr. fls. 1 a 9 do suporte físico do processo. F) Dá-se por reproduzido o teor dos anexos 1 e 2 juntos ao relatório de inspecção tributária, insertos a fls. 52 a 54 do PA apenso aos autos. 2. FACTOS NÃO PROVADOS Inexistem, com interesse para a decisão da causa. Motivação: A convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados resultou da análise dos documentos, não impugnados, juntos aos autos. Vista a fundamentação de facto da sentença recorrida, voltemo-nos para as questões acima enunciadas. 1ª Questão A Recorrente alega, no conjunto das conclusões C) e P) que o Mª Juiz a quo seleccionou insuficiente matéria de facto provada, designadamente omitiu seleccionar como facto provado que “como resultado da investigação no aludido processo de inquérito, a “P......, Ld.ª” manteve e escriturou, pelo menos nos anos de 2004 e 2005, uma “conta paralela” tendente a ocultar proveitos obtidos na venda de veículos e a utilizar essas verbas no pagamento de remunerações complementares ao pessoal dirigente da empresa, grupo onde o impugnante se insere”. A ocorrer tal insuficiência estaríamos perante uma nulidade parcial da sentença, nos termos do artigo 125º nº 1 do CPPT, por omissão parcial de discriminação de factos provados, não tanto de um erro de julgamento. Com efeito não é logicamente concebível um erro de julgamento in casu, pois o que ocorre é inexistência de julgamento sobre uma parte do objecto da causa. Tal nulidade, contudo, não prejudica o dever de se conhecer do objecto da apelação, posto que disponíveis, na segunda instância, os elementos necessários para tal: cf. artigos 665º nº 1 e 662º nº 1do CPC. Seja qual for a qualificação jurídica da alegada insuficiência, o certo é que os factos provados e não provados a discriminar na sentença são os que interessam à discussão e à decisão da causa em alguma das soluções plausíveis de direito e que são atendíveis por terem sido alegados pelas partes ou por, apesar de não alegados, a sua atendibilidade resultar do disposto nas alíneas a) a c) do nº 2 do artigo 5º do CPC [2]. Percorrida a Contestação da AT, deparamo-nos com apenas uma alegação de facto que dir-se-ia corresponder substancialmente ao objecto da omissão agora alegada. Trata-se do artigo 3º, segundo o qual: “Da análise aos elementos do processo de inquérito, concluíram os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto (SIT) que a sociedade “P......, Ld.ª” manteve contabilidade paralela nos exercícios de 2004 e 2005, ocultando proveitos obtidos e ocultando pagamentos de remunerações complementares aos sócios e ao pessoal dirigente da empresa.” Porém, a identidade é meramente aparente. E não se pense que a dissemelhança é apenas formal. Com efeito, na contestação alega-se que um sujeito – os serviços inspectivos da AT – concluiu pela existência da contabilidade paralela: o facto alegado é subjectivo – no sentido de que é atribuído a um sujeito – não se alega objectivamente o facto da existência da contabilidade paralela, mas sim que a AT conclui que esta existia. Já na conclusão C) do recurso, aí sim, sustenta-se objectivamente a existência da tal contabilidade paralela, com os tais fins, por isso resultar objectivamente doe elementos colhidos no inquérito criminal. Aquele facto subjectivo, tal como vem alegado no artigo 3 da contestação, não interessa à decisão da causa em qualquer das soluções plausíveis, pois, consideradas as posições assumidas pelas partes, para a validade do acto impugnado – que decorre de correcções técnicas - não basta que os serviços tenham concluído isto e aquilo, necessário é que tenham concluído objectivamente bem. De qualquer modo e em todo o caso, a sentença recorrida, ao dar como provada a emissão do RIT com o concreto teor transcrito do ponto 2 do “capítulo III – Descrição dos factos e fundamentos (…)”, acaba por dá-lo como provado. De facto, resulta directamente do teor desse trecho do RIT que, dos elementos recebidos do inquérito 1....6/...6.4TDPRT, “concluíram os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto (SIT) que a sociedade “P......, Ld.ª” manteve contabilidade paralela nos exercícios de 2004 e 2005, ocultando proveitos obtidos e ocultando pagamentos de remunerações complementares aos sócios e ao pessoal dirigente da empresa.” Quanto ao facto objectivo, mas não alegado, da existência efectiva da conta paralela, facto que, segundo as conclusões do recurso, deveria ter sido seleccionado como provado, tão pouco vem alegada no recurso qualquer circunstância de facto ou qualquer razão de direito de onde pudesse resultar, à luz das ditas alíneas do nº 2 do artigo 5º do CPC, a sua atendibilidade, na sentença. Assim, e em suma, o Mº Juiz a quo, por um lado não tinha de discriminar como provado o facto descrito – tal como descrito – na conclusão P das alegações, por outro lado, não deixou de mencionar como provado um facto que incluía o facto alegado no nº 3 da contestação, pelo que improcede a alegação de insuficiência da selecção da matéria de facto discriminada como provada. 2ª Questão Padece, a sentença recorrida, de erro de julgamento em matéria de facto, na apreciação da prova, ao julgar que a AT não produziu prova suficiente de que o Impugnante e recorrido auferiu da empresa “P......, Ld.ª”, no ano de 2004, as remunerações complementares, não declaradas ao fisco, constantes do anexo 2 do Relatório de Inspecção? Aqui a Recorrente aponta à sentença recorrida um erro de julgamento em matéria de facto, no sentido em que sustenta que os rendimentos da categoria A, que motivaram e foram critério e medida das correcções técnicas, estavam sobejamente provados, ao invés do que julgou o Mº Juiz a quo [3]. Os princípios da oralidade e imediação e da livre apreciação da prova (artigos 590º a 606º e 607º nº 5 do CPC) implicam que o julgamento do recurso em matéria de facto, quanto à apreciação de provas que não sejam prova legal, não é um julgamento, ex novo, em que se possa fazer tábua rasa do julgamento do juiz da 1ª instância, antes deve ficar-se pela detecção de erros de julgamento revelados pelas “regras da experiência comum” ou logicamente demonstráveis. Em coerência com este entendimento e para obviar à perplexidade de não haver um objecto concreto e definido para a crítica da decisão de facto, o artigo 640º do CPC, aqui aplicável ex vi artigo 281º do CPPT, faz impender sobre o recorrente em matéria de apreciação da prova o ónus de delimitar positivamente factos indevidamente provados ou indevidamente não provados, decisão que devia ter sido tomada e meios de prova determinantes, “sob pena de rejeição”. Vistos o corpo e as conclusões das alegações de recurso, verificamos o seguinte: O único facto que a recorrente sustenta que devia ter sido dado como provado e não o foi é esse da existência da contabilidade paralela tendo por objecto remunerações não declaradas, de gerentes e dirigentes. Já vimos que não se impunha a sua discriminação como provado ou não provado, por não ter sido alegado. Depois, e de todo o modo, este facto não integra a identidade e a medida concreta das alegadas “remunerações complementares” recebidas pelo Impugnante e objecto das correcções técnicas sub judices. Quanto ao mais, embora se possa concluir, do conjunto do alegado, que a recorrente pretende que o recebimento das remunerações objecto das correcções técnicas ficou provado, em lado algum encontramos a especificação quer dos factos concretos e individuais que compõe essa proposição e que deviam ter sido julgados provados, quer dos meios de prova documental que implicavam, logicamente ou pelas regras da experiência comum, como uma necessidade, que se concluísse pela prova dos mesmos. Assim, e em suma, por a alegação não cumprir com o exigido pelos nºs 1 e 2 do artigo 640º do CPC, o tribunal de apelação não se pronuncia sobre esta parte do objecto do recurso. 3ª Questão Em todo o caso, padece, a sentença recorrida, de erro de direito, na aplicação da regra, relativa a ónus da prova, decorrente do artigo 75º nº 2, alª a) da LGT, uma vez que em face desta norma, feita, pela AT a prova bastante de factos indiciantes da ocultação de rendimentos, era do contribuinte o ónus de provar a sua inexistência? No suscitar desta questão, a recorrente labora no pressuposto de que a sentença recorrida deu como provada a existência da tal contabilidade paralela com os tais fins de omitir pagamentos, mas não os concretos origem e destino, designadamente da “P......, Ld.ª” para o Impugnante, das quantias elencadas no mapa do anexo 2 do RIT. Não vemos como interpretá-la naquele sentido. Na verdade, o teor da alínea B) dos factos provados apenas permite considerar que foi dado como provada a emissão do RIT, com o teor que ali consta. Mas ainda que se considere que a sentença labora no pressuposto de estar provado o facto objectivo da existência da tal conta paralela com os sobreditos fins, a crítica que lhe faz a Recorrente sob o ponto de vista do artigo 75º nº 2 alª a) da LGT é de todo inconsistente. A Recorrente pretende sacar para si, desta norma, uma vantagem, no direito probatório, que ela não confere. No sobredito pressuposto hermenêutico, a AT terá feito prova de factos que põem fortemente em dúvida a correspondência da contabilidade da “P......, Ld.ª” e da declaração de IRS de 2004 dos impugnantes, com a realidade. Referimo-nos à existência da folha EXCEL com a tal conta paralela. Também é certo que, por força do invocado artigo 75º nº 2 alª e) da LGT, a prova da veracidade da declaração de rendimentos passa, por isso, a incumbir ao Impugnante, por força da cessação da presunção conferida pelo nº 1 do mesmo artigo 75º e da regra geral do artigo 74º da LGT. Porém, na medida em que – ao invés de recorrer a uma determinação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos, caso em que não teria de provar uma quantificação exacta e certa da matéria tributável, mas apenas os factos fundamento de uma estimativa – passou a efectuar correcções técnicas, isto é, correcções com fundamento não em estimativas mas em factos concretos e determinados, qualitativa e quantitativamente discriminados, e a fundamentar nelas a liquidação adicional, a AT colocou sobre si o ónus de provar todos e cada um desses factos em que baseia as correcções, designadamente, a origem, na “P......, Ld.ª”, e o destino, no Impugnante, de cada uma das quantias elencadas no mapa do anexo 2 do RIT, que lhe foram “atribuídas” pela AT. Tal é o que inequivocamente decorre do citado artigo 74º nº 1 da LGT. Conforme se julgou na sentença recorrida – nisso secundamo-la sem reserva – a conta paralela deixa por provar, para lá de qualquer dúvida razoável, que o Impugnante foi o beneficiário de qualquer das quantias dela integrantes e a ele atribuídas. Designadamente, a menção das iniciais do seu nome completo não afastam tal dúvida. Aliás: Conforme o artigo 100º nº 1 Do CPPT – e sem prejuízo do nº 2 do mesmo artigo, que introduz a necessária ressalva quanto ao recurso a métodos indirectos – “sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e do facto tributário, deverá o acto ser anulado.” Portanto, o dispositivo da sentença tão pouco contende com a regra em matéria de ónus da prova, resultante do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 75º da LGT. De tudo o exposto, conclui-se ser de manter todo o dispositivo da sentença, posto que com a presente fundamentação, pelo que o recurso não merece provimento. IV – Custas As custas são responsabilidade da Recorrente, conforme decorre do artigo 527º do CPC. V- Dispositivo Pelo exposto, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar improcedente o recurso e, com a fundamentação supra, manter o dispositivo da sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Porto, 3/11/2022 Tiago Afonso Lopes de Miranda Cristina Santos da Nova Cristina Travassos Bento ________________________________ [1] Inquérito criminal nº 1....6/...6.4TDPRT. [2] “Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções”. [3] Embora incoerentemente refira que não ficou por provar qualquer facto relevante… |