Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02320/24.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/04/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:TIAGO MIRANDA
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL;
Sumário:
I - I - Se a falta de coincidência entre o objecto social da proponente e determinada actividade exercida não obsta à a capacidade da sociedade de praticar a generalidade dos negócios jurídicos integrantes da mesma; e se a própria dissolução da sociedade por esse motivo nos termos da alª d) do n° 1 do art.° 142° do Código das Sociedades Comerciais não é imperativa, antes fica na disponibilidade da iniciativa de qualquer dos sócios, não se pode dizer que a adjudicação do contrato a uma sociedade em tais circunstâncias resultaria em que “o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais”, pelo que não estamos perante um caso de aplicabilidade da (alª f) – e, por maioria de razão, da alª d) – do nº 2 do artigo 70º do CCP.

II – A norma de natureza regulamentar que é o programa do concurso, uma vez emitida, ganha autonomia relativamente à vontade subjectiva do seu emissor histórico. Por isso é irrelevante, para a admissão ou exclusão da proposta, que a vontade histórica do representante da entidade adjudicante, ao exigir certidão do objecto social e proibir a subcontratação, fosse assegurar que a pessoa colectiva concorrente já se dedicava efectivamente à actividade adjudicanda antes da apresentação proposta.

III - A fraude à lei consiste numa invocação de uma norma de modo em abstracto conforme com o nela directamente disposto, mas de mameira a violar o desígnio imperativo dessa norma ou de outra norma da mesma da ordem jurídica, de igual ou superior grau na hierarquia das fontes do direito. Se o fim almejado com a apresentação, aquando da audiência prévia, de certidão da acta de alteração do objecto social ocorrida antes da apresentação da proposta – como permitiria o nº 3 alª a) do artigo 72º do CCP – não é proscrito pela ordem jurídica ou pelo programa do concurso, então, não ocorre fraude à lei.

IV - Não são a certidão da acta do pacto social, nem a certidão do registo comercial de um objecto social abrangente da prestação a contratar, que constituem a proposta, mas sim o facto de que o objecto social da Autora inclui a prestação objecto do contrato adjudicando. Uma vez que este facto teve inico antes da apresentação da proposta, esta permaneceu inalterada com a junção da certidão da acta de alteração do pacto social aquando da audiência prévia. Logo não ocorre violação do principio da imutabilidade da proposta nem dos demais invocados com esta mesma causa.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório
Município ..., Réu nos autos à margem identificados instaurados pela Autora [SCom01...], LDA., pessoa colectiva n.º ...79 e sede na Rua ..., em ..., contra si e o Contra-interessado, «AA», com domicílio na Rua ..., ..., em .... interpôs recurso de apelação relativamente à sentença de 4/4/2025 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a acção, anulando “o acto administrativo (…) impugnado,” e condenando o Réu a praticar um acto que admita a proposta da A. e lhe adjudique o contrato de Prestação de serviços na modalidade de tarefa de ginástica laboral objecto do procedimento concursal em causa”.

A Recorrente rematou a sua alegação com as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES:
A- O presente recurso é interposto sobre a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, que anulou o acto administrativo de adjudicação e condenou o Recorrente a admitir a proposta da Autora e a adjudicar-lhe o contrato.

B- A douta decisão recorrida incorreu em manifesto erro de julgamento ao anular o acto administrativo de adjudicação e de exclusão da proposta da Autora, interpretando de forma errada os factos provados e aplicando indevidamente o Direito, designadamente no que respeita à exigência de conformidade do objecto social com o objecto do contrato, em violação do disposto nos artigos 70.°, n.° 2, al. f) e 146.°, n.° 2, al. d) e o) do CCP.
C- Ao contrário do entendimento sufragado na douta decisão recorrida (em especial nas pág. 29 e 30), a coincidência do objeto social do concorrente com o objeto do contrato a celebrar, constituiu um requisito essencial, para o Recorrente, de admissão da proposta.
D- A alegada alteração (posterior) do objeto social da Autora, deliberada, alegadamente, no mesmo dia da publicação do anúncio (30/08/2024), mas apenas registada e comunicada em sede de Audiência Prévia (18/09/2024) não deve ser considerada para efeitos de aferir da conformidade da sua proposta apresentada em 04/09/2024.
E- O comportamento da Autora, concretamente a não junção da acta de alteração do objeto social com a sua proposta e a sua apresentação, posteriormente, em sede de audiência prévia, após a notificação da intenção de exclusão, revela-se contraditório e carece de credibilidade, indiciando uma tentativa de evitar a sua exclusão a posteriori, contornando a lei, consubstanciando fraude à lei!
F- Comportamento pouco credível que é agravado, pela circunstância de, em tese, os sócios da Autora terem no próprio dia de publicação do anúncio reunido e deliberado a sua alteração.
G- A ser verdade, daqui, necessariamente, decorre uma conclusão: a A. não desconhecia com certeza absoluta que a inclusão no seu objeto social de actividades enquadráveis no objeto do contrato a celebrar era condição essencial para a apresentação da proposta.
H- A isto acresce que, a douta sentença desconsiderou as exigências das cláusulas técnicas do Caderno de Encargos, nomeadamente a necessidade de ter um técnico qualificado no quadro profissional da Autora para executar a prestação, o que face à sua falta, à data da proposta, a impedia de executar o contrato.
I- De facto, a essencialidade da conformidade do objeto social é claramente reforçada pelas exigências da Parte II "cláusulas técnicas” do Caderno de Encargos e pela cláusula 14.°, que impõem a execução da prestação por um técnico qualificado do quadro profissional da Autora, tornando imprescindível que o seu objecto social contemplasse actividades de ginástica laboral, sob pena de impossibilidade legal de cumprimento do contrato.
J- Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo (em especial nas pág. 29 e 30), a exigência de que a proposta esteja em conformidade com todas as vinculações legais, tal como previsto no artigo 70.°, n.° 2, alínea f) do CCP, impõe que o objeto social dos concorrentes abranja as actividades inerentes ao objecto do contrato a celebrar, uma vez que o seu objeto delimita a sua capacidade de exercício e é, desse modo, exigido no ponto 12, n.° 1, alínea d) do Programa do Procedimento, como documento da proposta.
K- O Tribunal a quo também andou mal a interpretar o Direito, pois a interpretação do artigo 70.°, n.° 2, alínea f) do CCP deve ser realizada em articulação com o disposto nos artigos 6.°, n.° 1 e 4, e 11.°, n.° 2 e 3 do Código das Sociedades Comerciais (CSC), que evidenciam a importância da delimitação do objeto social como definidor das actividades que a sociedade se propõe exercer, sob pena de, nos termos do artigo 142.°, n.° 1, alínea d) do CSC, poder ser decretada a sua dissolução administrativa.
L- Ao contrário do entendimento expresso na sentença recorrida com base no artigo 6.°, n.° 4 do CSC, o objeto social de uma sociedade comercial delimita a sua capacidade jurídica, porquanto o exercício de actividades estranhas ao seu âmbito constitui uma ilegalidade passível de determinar a sua dissolução administrativa, sendo, portanto, um aspecto intrinsecamente ligado à legalidade da execução do contrato público.
M- Por sua vez, contrariamente ao concluído pelo Tribunal a quo, a exigência da apresentação da cópia do pacto social ou certidão actualizada, conforme previsto no ponto 12, n.° 1, alínea d) do Programa do Procedimento, revela a essencialidade para o Recorrente de conhecer o objeto social dos concorrentes, enquanto factor intimamente interligado com a capacidade legal da sociedade para executar as prestações contratuais, em consonância com o artigo 70.°, n.° 2, alínea f) do CCP.
N- O Tribunal a quo errou ao desconsiderar a clara intenção do Recorrente, manifestada nas peças do procedimento, de exigir a correspondência entre o objeto social e o objeto contratual como requisito essencial, conforme se depreende da exigência da apresentação da certidão permanente actualizada e da proibição da subcontratação.
O- A douta sentença recorrida também incorreu em manifesto erro de julgamento ao anular o acto administrativo de exclusão da proposta da Autora, interpretando e aplicando de forma incorrecta os artigos 72.°, n.° 3, alínea a), 57.°, n.° 1, alíneas b) e c), 70.°, n.° 2, alínea a) e 146.°, n.° 2, alínea d) do CCP, bem como o princípio da intangibilidade das propostas (em especial nas pág. 30 e 31)
P- Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, a junção da acta de alteração do objeto social em sede de audiência prévia não configura um mero suprimento de uma formalidade nos termos do artigo 72.°, n.° 3, alínea a) do CCP, mas sim uma alteração substancial do conteúdo da proposta, visando suprir uma falta de conformidade essencial existente à data da sua apresentação.
Q- Permitir que a Recorrida viesse, após a apresentação da proposta e conhecimento da sua exclusão, juntar um documento essencial para demonstrar a conformidade do seu objecto social com o objecto do contrato, viola frontalmente o princípio da intangibilidade das propostas, que visa garantir a sã concorrência, a objectividade, a imparcialidade, a transparência e a igualdade entre os concorrentes, conforme doutrina e jurisprudência reiteradas.
R- Em especial, quando a Recorrida tinha plena consciência da essencialidade da conformidade do seu objeto social com o objeto do contrato, tanto que deliberou a sua alteração no próprio dia da publicação do anúncio, mas, surpreendentemente, não juntou a respectiva acta com a proposta, comportamento que demonstra uma tentativa de contornar os requisitos do procedimento - fraude à lei!
S- A douta sentença recorrida, ao admitir o suprimento tardio de uma falta de conformidade essencial, permite práticas que, sob a aparência de legalidade, contornam as regras do procedimento, atentando contra os princípios da boa-fé e da leal concorrência.
T- A isto acresce que, o Tribunal a quo entrou, com o devido respeito, em contradição quando considerou válida, para efeitos de participação no presente concurso, a acta de deliberação dos sócios que alterou o objeto social da Autora, posterior à data de publicação do aviso de abertura do concurso, contrariamente a entendimento expresso na sentença (pág. 24).
U- Em suma, nos termos do artigo 70.°, n.° 2, alínea f) do CCP, o Réu estava obrigado a excluir a proposta da Autora, uma vez que o objecto social constante da certidão permanente junta com a proposta não incluía, explícita ou implicitamente, actividades relacionadas com o objeto do contrato a celebrar (dinamização de aulas de ginástica laboral), tornando a execução do contrato, caso adjudicado, violador das normas do Código das Sociedades Comerciais.
V- O Tribunal a quo realizou uma errónea interpretação das normas supracitadas, designadamente do artigo 70.°, n.° 2, alínea f) do CCP, ao não concluir pela legalidade da exclusão da proposta da Autora face à manifesta desconformidade do seu objeto social à data da apresentação da proposta com o objeto do contrato a celebrar.
W- Em face de todo o exposto, e com os doutos suprimentos de Vossas Excelências, requer-se que seja dado integral provimento ao presente recurso e, consequentemente, seja revogada a douta sentença recorrida, mantendo-se integralmente a decisão de exclusão da proposta apresentada pela Autora no âmbito do concurso público de "Aquisição de prestação de serviços na modalidade de tarefa para ginástica laboral”, por manifesta desconformidade com o disposto nos artigos 70.°, n.° 2, alínea f) e 146.°, n.° 2, alíneas d) e o) do Código dos Contratos Públicos, interpretados em articulação com as normas do Código das Sociedades Comerciais, designadamente os seus artigos 6.°, n.° 1 e 4, 11.°, n.° 2 e 3 e 142.°, n.° 1, alínea d), e em respeito pelo princípio da intangibilidade das propostas.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e em consequência, não ser anulado o acto de adjudicação, absolvendo-se o Réu da acção.»

A Autora, Recorrida, respondeu, concluindo nos seguintes termos:
«3- CONCLUSÕES:
1° - Só uma actividade permanente identificável como sucessão persistente de actos praticados por uma sociedade fora do seu objecto social poderá ser causa de dissolução administrativa dessa sociedade, por só uma actividade social assim caracterizada estar abrangida pela norma da al. d) do n° 1 do art.° 142° do CSC.
2° - A prática pela sociedade de um acto isolado ou esporádico fora do objecto contratual não permite a dissolução administrativa dessa sociedade.
3° - A apresentação da proposta pela recorrida, excluída pelo recorrente, não está abrangida na referida norma legal, por constituir um acto isolado.
4° - Sem prejuízo disso, certo é que a recorrida apresentou nos autos, em oportunidade e nos termos legais, comprovativo da alteração do seu pacto social, por forma a incluir no seu objecto a actividade relativa ao contrato a celebrar.
5^ - A douta sentença recorrida fez corretã interpretação e aplicação quer das normas do art. 142°, n° 1, al. d) do CSC, quer da al. f) do n° 1 do art. 70° do CCP, merecendo ser integralmente confirmada.
6° - Sendo anulado o acto de exclusão da proposta, com o único fundamento da violação da al. f) do n° 2 do art. 70° da CCP e da al. d) do n° 1 do art. 142° do CSC, sendo o critério de mais baixo preço o único factor submetido à concorrência e sendo a proposta excluída aquela que apresentou o mais baixo preço, está o recorrente obrigado a praticar os actos legalmente devidos: o de graduar a proposta apresentada pela recorrida em 1° lugar, o de proceder á adjudicação do contrato e, finalmente, o de celebrar o contrato.
7° - Não merece a douta sentença recorrida qualquer censura, pelo que deve ser integralmente confirmada.
NESTES TERMOS, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado improcedente e, por consequência, ser a douta sentença recorrida inteiramente confirmada.
Assim, cumprindo-se a Lei, far-se-á
também, e sobretudo,
JUSTIÇA»

O Contra-interessado também contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
«CONCLUSÕES:
I.
A sentença proferida corresponde a uma acção de contencioso pré-contratual, e em que é peticionada a anulação da decisão de adjudicação proferida no âmbito do concurso público de “Aquisição de prestação de serviços na modalidade de tarefa para ginástica laboral” e a condenação do Município a graduar a proposta apresentada pela Demandante em primeiro lugar.
II.
A referida decisão anulou o acto administrativo impugnado, condenando o Município ..., aqui Demandado, a praticar outro acto que admitisse a proposta da Demandante e lhe adjudicasse o contrato objecto do procedimento concursal.
III.
A questão que aqui se discute é matéria de Direito, e, por isso, importa situar-se no tempo e no modo, a cronologia dos actos em analise, a saber:
O anúncio do concurso foi publicado em Diário da República no dia 30/08/2024;
A Demandante alterou o seu objecto social, através de deliberação dos respectivos sócios, no dia 30/08/2024;
A Demandante apresentou uma proposta dia 04/09/2024, ou seja, 5 dias depois de ter deliberado a alteração do seu objeto social;
Com a sua proposta juntou a certidão permanente da sociedade, mas não juntou a acta da deliberação da sociedade em que, alegadamente, se procedeu à alteração do seu objecto social;
Da certidão permanente junta com a proposta resulta que o objeto social daquela sociedade não contempla, explicita ou implicitamente, qualquer actividade relacionada com o objeto do contrato público a celebrar;
Em 09/09/2024, o Demandado deliberou o seu relatório preliminar e notificou-o aos concorrentes. Em 17/09/2024 a A. submeteu a alteração do objeto social da sociedade a registo;
No dia 18/09/2024 a A. apresentou pronúncia em sede de Audiência Prévia, na qual juntou a referida acta de 30/08/2024.
IV.
A Demandante dedicava a comércio de computadores, programas informáticos, etc. e a actividades de limpeza em edifícios, mas e, após ver o anúncio do concurso em causa nestes autos, de imediato, deliberou a alteração do respectivo objeto social.
V.
viu no anuncio publicado, um negócio apetecível e vai daí despertou-lhe interesse, de tal modo que os sócios reuniram e de forma unânime decidiram alterar o objecto social para poderem incluir o objecto contratual do procedimento em apreço.
VI.
Demandante sabia que a inclusão no seu objecto social de actividades enquadráveis no objecto do contrato a celebrar era condição essencial para a apresentação da proposta. Mas,
VII.
a Demandante não submeteu a registo essa alteração ao objeto social antes de apresentar a proposta, e só o fez 18 dias após a deliberação dos sócios,
VIII.
e, não menos sintomático, apenas um dia antes da sua pronúncia em sede de audiência prévia, após ter tido conhecimento da intenção de exclusão da sua proposta com o fundamento de falta de conformidade do objeto social com a prestação contratual.
IX.
A Demandante apresentou a sua proposta no dia 04/09/2024, juntou a certidão permanente da sociedade, mas não juntou a acta da reunião onde deliberaram a alteração do objecto da sociedade.
X.
A “talho de foice” se diga que a Demandante não reunia os requisitos para ser validada a candidatura, e com o devido respeito, o Tribunal ad quo ignorou por completo os factos referidos, e sendo a questão a decidir ser de Direito andou mal o tribunal ad quo a interpretar os factos dados como provados e a aplicar-lhes o Direito, bem como andou mal a interpretar o artigo 70.°, n.° 2, f) do CCP e os artigos 6.°, 11.°, 142.°, n.° 1 d), 260.°, n.° 2 do CSC.
XI.
O Tribunal ad quo começou por afirmar que esta questão já fui muito discutida pela doutrina e pela jurisprudência e citou acórdãos em que se conclui que as sociedades comerciais não podem exercer actividades que não se compreendem no seu objeto social e acórdãos no sentido de que a capacidade da adjudicatária para celebrar e executar o contrato em apreço não é limitada, nem pelo CPV do concurso, nem pelos CAE das actividades económicas que compreendem o seu objeto social, nem pelo seu objeto social, e concluiu a douta sentença que não tem de haver coincidência entre objeto social e o objeto do concurso.
XII.
Não podemos, com o devido respeito, concordar com esta interpretação dos factos dados como provados (ponto 12.1 alínea d) do programa do concurso), nem do Direito violado (artigos 6.°, n.° 1 e 4 e 11.°, n.° 2 e 3 do CSC).
XIII.
De acordo com as peças do procedimento, o contrato a celebrar tem por objeto a actividade de Ginástica Laboral e exige-se a prestação de serviços de um técnico com formação superior na área do desporto e com formação especifica em prescrição de treinos.
XIV.
No ponto 12 do Programa do Procedimento elencam-se os documentos constitutivos da proposta, entre os quais: “d) Cópia do pacto social ou certidão, devidamente actualizada, emitida pela Conservatória do Registo Comercial, onde conste o objeto da sociedade do concorrente”, da certidão permanente da Autora não constava que o objeto social incluísse qualquer actividade relacionada com o cumprimento do contrato a celebrar, ainda que de forma complementar ou acessória.
XV.
O CCP, no seu artigo 70.°, n.° 2, alínea f) do CCP prevê a exclusão de propostas que se revelem desconformes com qualquer vinculação legal, porque “De facto, quando aprecia a aceitabilidade da proposta e a compara com o caderno de encargos, o júri não pode encarar este último documento com um corpo estranho no ordenamento jurídico, procedendo à sua aplicação de modo isolado e autónomo.,
XVI.
pelo contrário, perante um problema a resolver, não se aplica, apenas, a norma primacialmente vocacionada para a solução: todo o Direito é chamado a depor, e, por isso todos os ramos do Direito terão que ser “chamados” e aplicados.
XVII.
Por sua vez, o nosso ordenamento jurídico a indicação do objeto social é uma menção obrigatória do contrato de sociedade e a sua relevância é bem evidenciada pelo disposto no artigo 6.°, n.°4 do CSC onde se estabelece que: “As cláusulas contratuais e as deliberações sociais que fixem à sociedade determinado objeto ou proíbam a prática de certos actos não limitam a capacidade da sociedade, mas constituem os órgãos da sociedade no dever de não excederem esse objeto ou de não praticarem esses actos"
XVIII.
A importância da delimitação do objeto social é tanta que uma sociedade comercial não pode exercer uma actividade que não se encontre compreendida no seu objeto social, sob pena de dissolução administrativa dessa sociedade, nos termos do artigo 142.°, n.° 1, alínea d) do Código das Sociedades Comerciais (adiante designado CSC)
XIX.
Deste modo, e contrariamente ao afirmado na douta sentença de que o Demandado recorre, sustentada no recente acórdão do STA, à luz do art.º. 6°, n.° 4 do CSC, o objeto social de uma empresa limita a capacidade jurídica da mesma, pois o exercício de uma actividade não compreendida no objeto social de uma sociedade comercial não é legalmente admissível, constituindo fundamento para que seja requerida a sua dissolução administrativa.
XX.
A lei obriga ao registo do objeto social exactamente pela necessidade se dar publicidade à situação jurídica das sociedades comerciais, de modo a se introduzir segurança no comércio jurídico, e para permitir que terceiros possam aferir qual o concreto objeto social da sociedade e quais os actos que está habilitada a executar.
XXI.
Impõe-se a exclusão da proposta da Demandante com fundamento no facto de, nos documentos da sua proposta, não constar que o seu objecto social era consentâneo com o objecto do concurso.
XXII.
O Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se recentemente neste sentido: “Prevendo-se, no art. 11° n° 2 do CSC, que «como objeto da sociedade devem ser indicadas no contrato as actividades que os sócios propõem que a sociedade venha a exercer».
XXIII.
E não podemos concordar com o Tribunal ad quo quando afirma: “Afastada a invocada “essencialidade” para a apresentação da proposta da correspondência entre o objecto social e o objecto do concurso ou, na posição do Demandado, que fosse um factor intimamente interligado com os aspectos da execução do contrato", esta conclusão não se compagina com os factos dados como provados, nem com a “normalidade”.
- O ponto 12, n.° 1, al. d) do Programa do Procedimento exige como documento da proposta cópia do pacto social devidamente actualizado.
- Os documentos constitutivos da proposta dizem respeito a aspectos da execução do contrato, e são analisados em sede de análise das propostas e a sua falta ou desconformidade são causa de exclusão.
- Ora, a certidão permanente da sociedade permite aferir qual o objeto social da concorrente, ou seja, se a sociedade pode (nos termos legais) executar as prestações contratuais do contrato a celebrar,
- Ou seja, é um factor intimamente interligado com os aspectos de execução do contrato, pelo que tinha de ser exigido como documento da proposta.
XXIV.
- O Demandado teve o cuidado de exigir a cópia do pacto social devidamente actualizado, pelo que não podem existir dúvidas quanto à essencialidade para o Demandado de conhecer o objeto social do concorrente!
- A isto acresce que a Parte II “cláusulas técnicas” do Caderno de Encargos exige um técnico com formação superior na área do desporto, com formação especifica na prescrição do treino (Facto D) e a cláusula 14.a do Caderno de Encargos proíbe a subcontratação, (Facto C). Pelo que, obrigatoriamente, terá de ser alguém do quadro profissional da A. a executar a prestação contratual,
XXV.
e daí para o Demandado era essencial que do objeto social dos concorrentes resultassem actividades de ginástica laboral.
XXVI.
Era por isso, o pacto social actualizado conforme o objeto do contrato era um elemento essencial, neste procedimento para o Demandado, por força das peças conformadoras do concurso público em apreço, contrariamente ao afirmado pelo tribunal ad quo.
XXVII.
Sobre a essencialidade da coincidência do objeto social com o objeto contratual, vide o Ac. TCA Sul de 25 de Janeiro de 2007:” Não é ilegal a clausula de um programa de concurso que consiste na exigência, feita aos concorrentes, no sentido de que o seu objecto social inclua como área de actividade o tratamento, transformação e triagem de resíduos, sem que tal actividade possa ser objecto de subcontratação. Tratando-se de um requisito essencial imposto pela entidade adjudicante a todos os concorrentes, a falta do mesmo implica necessariamente a não admissão ao concurso, e não viola os princípios da igualdade, proporcionalidade e concorrência."
XXVIII.
Contudo, com o devido respeito, o tribunal ad quo fez uma errada interpretação dos artigos 72.°, n.° 3, 57.°, n.° 1, al. b) e c), 70.°, n.° 2, a) e 146.°, n.° 2, d) do CCP, juntamente com o princípio da intangibilidade das propostas por estar em causa a afectação do conteúdo da proposta.
XXIX.
A Demandante sabia que a certidão permanente da sociedade que juntou não estava devidamente actualizada e sabia da sua essencialidade, tanto que todos os sócios reuniram e de forma unânime decidiram alterar o objeto social para poderem incluir o objeto contratual do procedimento em apreço.
XXX.
Temos por isso que a Demandante não desconhecia, com certeza absoluta, que a inclusão no seu objecto social de actividades enquadráveis no objecto do contrato a celebrar era condição essencial para a apresentação da proposta.
XXXI.
E por isso a Demandante quando apresentou a proposta sabia que estava a obrigada a juntar os documentos que permitissem atingir essa finalidade, isto é, que permitissem uma análise do seu objeto social o mais próximo do actual e da realidade.
XXXII.
Por tudo quanto se deixa dito, o Tribunal ad quo fez uma errada interpretação das normas supracitadas, quando deveria ter concluído que não há qualquer ilegalidade na exclusão da proposta à luz do artigo 70.°, n.° 2, alínea f) do CCP.
JUSTIÇA»

II- Delimitação do objecto do recurso
A - Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações, interpretadas em função daquilo que se pretende sintetizar, isto é, o corpo das alegações.

Posto isto, as questões a que se reconduz o objecto do presente recurso são as seguintes:

III - Apreciação do objecto do recurso
Uma vez que apenas vem alegado erro de direito e não se perspectiva a necessidade de alterar a decisão de facto, dá-se aqui por reproduzida a decisão em matéria da sentença recorrida (artigo 663º º 6 do CPC).

A fundamentação de direito da sentença, no que aos alegados erros respeita, é reconduzível aos seguintes trechos:
«(…)
A prestação de serviços em causa consiste na dinamização das aulas de Ginástica Laboral, no mínimo de duas aulas semanais, a cada colaborador da Câmara Municipal ... [cfr. ponto D) do probatório].
A proposta da A. foi excluída do procedimento concursal com fundamento no disposto nos artigos 70° n.2 alínea f) e 146° n.2 alíneas d) e o), ambos do Código dos Contratos Públicos, essencialmente, com os seguintes fundamentos: (i) da certidão comercial apresentada pela concorrente com a sua proposta o objecto social dela constante não contempla, explicita ou implicitamente, qualquer actividade relacionada com o objecto do contrato a celebrar; (ii) a ampliação do objecto social promovida por deliberação da Assembleia Geral da A. em 30.08. 2024, para integrar actividades consentâneas com o objecto do concurso a celebrar, cuja acta foi junta em sede de audiência prévia pela A., não pode ser atendida, sob pena de violação do princípio da imutabilidade das propostas, considerando, por um lado, que atento o disposto no ponto 12.1 alínea d) do programa do concurso a inclusão no objecto social dos concorrentes de actividades enquadráveis no objecto do contrato a celebrar era condição essencial para a apresentação de proposta; e, por outro, a alteração do objecto social promovida não foi efectuada em momento anterior à publicação do aviso de abertura deste procedimento concursal, nem a concorrente cumpriu o ónus da prova que impedia sobre si de demonstrar a amplitude ou abrangência do seu objecto social, visto que apesar de ter data anterior à apresentação da proposta (que ocorreu em 04.09.2024), esta última não foi instruída com a acta na qual ficou vertida a referida alteração. Acrescenta que, apesar de este não ter efeitos constitutivos, o registo da alteração do objecto social só foi feito no dia 17.09.2024, i.e. um dia antes da apresentação da sua pronúncia em sede de audiência prévia, ou seja, já depois de ter sido notificada do relatório preliminar; (iii) de resto, tal documento não se trata de um documento de habilitação e, por isso, não pode ser junto até à celebração do contrato.
Da factualidade apurada resulta, também, que a proposta apresentada em 04.09.2024 pela A. incluía certidão permanente da qual constava que o seu objecto social correspondia a “Comércio por grosso de computadores, equipamentos periféricos e programas informáticos; comércio por grosso de equipamentos electrónicos, de telecomunicações e suas partes; comércio por grosso não especializado; importação e exportação de bens; aluguer de outras máquinas e equipamentos; organização de feiras, congressos e outros eventos; actividades de parques de diversão, animação turística e outras actividades de diversão; prestação de serviços e outras actividades de serviços de apoio a empresas. Actividades de limpeza geral em edifícios e outras actividades de limpeza” [cfr. pontos G) e H) do probatório].
E que, só em 18.09.2024, já em sede de pronúncia ao relatório preliminar, a A. juntou ao procedimento pré-concursal acta da deliberação dos sócios de 30.08.2024, através da qual foi aditado ao respectivo objecto social, a prossecução, além de outra, de “Actividades de fitness e exercício físico e de ensino desportivo e recreativo”, alteração ao objecto social que foi registada na Conservatória do Registo Comercial em 17.09.2024, através da AP. ...17 [cfr. pontos J), K), L) e M) do probatório].
No caso sub iudice, a ilegalidade que a. assaca à causa de exclusão de que foi alvo a sua proposta estriba-se nos artigos 70° n.2 alínea f) e 146° n.2 alíneas d) e o), ambos do Código dos Contratos Públicos.
O artigo 70° n.2 alínea f) do CCP prevê que: “(...) 2- São excluídas as propostas cuja análise revele: (...) f) que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis; (...)”; por sua vez, o artigo 146° n.2 alíneas d) e o) do mesmo Código, estatui que: “(...) 2- No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas: (...) d) que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto nos n.s 1 e 2 do artigo 57°; (...) o) cuja análise revele alguma das situações previstas no n.°2 do artigo 70°. (...)”
Ora, sobre a aplicabilidade e respectiva interpretação destes normativos à factualidade em apreço e, maxime à questão central do dissídio, i.e. saber se a não correspondência entre o objecto social dos concorrentes, tal como delimitado nos respectivos actos constitutivos/estatutos e o objecto do contrato a celebrar, tal como definido nas peças do procedimento, pode ser fundamento de exclusão das propostas apresentadas, quer os Tribunais superiores desta jurisdição, quer a doutrina já se pronunciaram.
Com efeito, num primeiro momento, a jurisprudência em função dos casos que apreciou e com relevo para a presente lide, retirou duas conclusões principais, a saber:
(i) As sociedades comerciais não podem exercer actividade que não se compreende no seu objecto social, sob pena de dissolução administrativa, nos termos do artigo 142°, n.1 alínea d) do Código das Sociedades Comerciais, daí que uma proposta pode ser excluída com tal fundamento, já que nos termos do artigo 70° n.2 alínea f) do CCP, o contrato a celebrar implicaria a violação de vinculação legal [vd. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 09.07.2020, no âmbito do Processo n.° 0357/18.7BEFUN; e, no mesmo sentido, Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, proferido em 20.12.2022, no âmbito do processo n.° 00230/22.4BEVIS e, Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, proferido em 07.07.2021, no âmbito do processo n.° 2283/20BELSB];
(ii) No entanto, isso só pode suceder perante uma actividade que, de forma manifesta, não se possa considerar abrangida, explícita ou implicitamente, no objecto social da sociedade concorrente, porquanto no domínio da contratação pública, há também que acautelar os princípios da concorrência e do “favor partipacionis” [vd. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 09.07.2020, no âmbito do processo n.° 0357/18.7BEFUN];
Acessoriamente, a mencionada jurisprudência ainda divisou outras conclusões, igualmente, importantes para a análise do caso em apreço, no sentido de que:
(iii) A “Classificação Portuguesa das Actividades Económicas”, vulgo «CAE's», estabelecida na Lei n.° 381/2007, de 14 de Novembro, constitui uma nomenclatura utilizada para fins estatísticos, que visa classificar e agrupar as unidades produtoras de bens e serviços segundo a actividade económica, assegurando a organização da informação estatística económico-social, e a sua comparabilidade a nível nacional, europeu e mundial, e embora útil, atenta a sua finalidade classificativa e estatística, não pode substituir a interpretação do conteúdo do objecto social, até porque o CAE está limitado a uma classificação principal e três secundárias, o que bem se compreende em face do seu objectivo classificativo/estatístico, enquanto o objecto social não tem semelhante limitação” [vd. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 09.07.2020, no âmbito do processo n.° 0357/18.7BEFUN e, em idêntico sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 28.11.2024, no âmbito do processo n.° 0525/23.0BEPNF];
(iv) Em idênticos termos, o CPV estabelecido pelo Regulamento (CE) n.° 2195/2002, visando normalizar através de um sistema único de classificação aplicável aos contratos públicos, as referências que as autoridades e entidades adjudicantes utilizam para caracterizar o objecto dos seus contratos, com o fim de “promover a transparência e facilitar o acesso do mercado às oportunidades de negócio publicitadas pelas entidades adjudicantes”, não tem qualquer valor nominativo, dele não resultando “a imposição de qualquer limite objectivo à contratação, dado que (...) o mesmo não define e delimite o objecto do procedimento e do contrato” [vd. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 28.11.2024, no âmbito do processo n.° 0525/23.0BEPNF];
(v) No âmbito de um procedimento pré-contratual, já em sede de relatório preliminar e após pedido de esclarecimentos do júri, um concorrente pode provar que o seu objecto social comporta a realização das prestações que são objecto do contrato concursado, mediante a apresentação de acta relativa a deliberação da sua Assembleia Geral, anterior à data de publicação do aviso de abertura do concurso em questão, por meio do qual os sócios alteraram o objecto social da sociedade, nele aditando os serviços objecto do concurso, mesmo que essa alteração não tenha sido objecto de registo, visto que a alteração do objecto social embora sujeita a registo obrigatório (artigo 3°, n.1 alínea r) do CRCom e do artigo 10.°, alínea j) do respectivo Regulamento), não tem, porém, efeitos constitutivos, mas meramente declarativos ou publicitários, sendo apenas condição de oponibilidade de terceiros (artigo 14.° do CRCom), e por isso, a concorrente ao apresentar a referida deliberação estatutária cumpre o ónus da prova que sobre si impendia de demonstrar perante terceiros interessados (entidade adjudicante e demais concorrentes), a real amplitude ou abrangência do seu objecto social, o que determinava que a sua proposta não podia ser excluída ao abrigo do artigo 70, n.° 2 alínea f) do CCP [vd. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, proferido em 20.12.2022, no âmbito do processo n.° 00230/22.4BEVIS].
Por sua vez, a doutrina, concretamente, os autores JOSÉ DUARTE COIMBRA e ANA ALVES LEAL, em texto publicado na «Revista de Contratos Públicos», n.° 34, intitulado “Objecto Social dos Concorrentes e exclusão de propostas”, vieram, no entanto, refutar a posição da jurisprudência, de acordo com a qual “o desvio entre o objecto social de uma sociedade comercial, tal como delimitado nos respectivos estatutos, e o objecto do contrato a celebrar, tal como definido no caderno de encargos, é o ou pode ser fundamento de exclusão em procedimentos pré-contratuais.”
Os referidos autores, após delimitarem o objecto da análise empreendida (que circunscrevem às sociedades comerciais privadas na condição de participantes em procedimentos pré-contratuais a título singular (não integrados em agrupamentos) e "próprio” ao nível da execução do contrato (sem recurso a subcontratados); e excluindo as hipóteses em que a lei exija uma particular conformação do objecto social para o desenvolvimento de certa actividade, associada muitas vezes à obrigação da detenção de um específico título jurídico-público (licença, autorização) habilitante do respectivo exercício, ou para a participação em procedimentos reservados)), apoiaram a sua perspectiva nos postulados que adiante se sintetizam, nos seus traços principais e com utilidade para a análise ora empreendida, sem, portanto, qualquer pretensão de apresentação exaustiva.
Com efeito, defendem os referidos autores que:
- Visto o disposto, conjugadamente, nos artigos 6° n.4, 260° e 409° do CSC, o contrato que venha a ser celebrado com a sociedade comercial concorrente, ainda que essa celebração constitua a prática de um acto fora do objecto estatutário desta sociedade e titule o exercício de uma actividade duradoura por esta também alheia a esse objecto estatutário, é válido e vincula a sociedade comercial; nestes termos, a prática do referido acto ou actividade exorbitante apenas tem repercussões no plano interno (os gerentes e administradores podem ser responsabilizados perante a sociedade por violação do dever de não praticar actos que não se compreendem no objecto social estatutário da sociedade, podendo tal conduta, constituir, igualmente, justa causa de destituição destes), situação a que a entidade adjudicante, no contexto da análise de propostas em sede de procedimentos pré- contratuais, deverá ser indiferente;
- A obrigação de inscrição estatutária do objecto social (artigo 11.° do CSC), com a consequente publicidade do mesmo, não visa promover a tutela de qualquer dimensão do interesse público (excepto quando a lei impõe, para a constituição de uma determinada sociedade, a previsão estatutária de um determinado objecto social, geralmente por referência a um catálogo de actividades exclusivas ou reservadas), ou os credores sociais; apenas tem por fim tutelar o interesse dos sócios, no respeito pela vontade da sociedade, conformada pelos sócios nesse modo colectivo de agir;
- A possibilidade de a entidade adjudicante ser considerada um terceiro de má-fé de acordo o estipulado nos artigos 260° n.2 e 409° n.2 do CSC, de forma a conduzir à ineficácia e consequente inexecução do contrato, atenta a incerteza que envolve o preenchimento da previsão deste regime a par da natureza puramente contingencial da decisão (posterior) da sociedade pela desvinculação e ineficácia do acto ou negócio celebrado com terceiro, conduzem à conclusão que o risco associado à aplicação de tal regime “não permite, à partida, fundar a exclusão de uma proposta apresentada por uma sociedade, mesmo reconhecendo o papel central da prognose no processo decisório da entidade adjudicante, risco este que se reduz, significativamente, se se considerar que a sociedade pode ratificar o acto, mediante deliberação expressa ou tácita dos sócios, nos termos da parte final do n.2 dos artigos 260° e 409° do CSC;
- O desvio do objecto societário que pode fundamentar a dissolução administrativa da sociedade ao abrigo do artigo 142° n.1 alínea d) do CSC, não constitui nem serve de base, nos termos do disposto no artigo 70° n.2 alínea f) do CCP, à previsão de qualquer “violação” de “vinculações legais”, visto que (i) o referido preceito não estabelece uma norma de conduta, mas apenas habilita determinados sujeitos a requerer a dissolução administrativa da sociedade caso essa actividade exorbitante do objecto social estatutário seja praticada, ao invés, a norma de conduta é a que está prevista no artigo 6° n.4 do CSC, cujo regime (como já visto) apenas tem projecção nas relações internas da sociedade, e por isso, não é reconduzível ao universo de situações referidas no artigo 70° n.2 alínea f) do CCP, em que está em causa a violação de “vinculações legais”; sendo certo que, a projecção interna das consequências decorrentes da violação da proibição contida no artigo 6° n.2 do CSC, manifesta-se no próprio regime da dissolução administrativa da sociedade, considerando o universo, tendencialmente, restritivo de sujeitos que podem requerer a dissolução da sociedade (artigo 4° n.1 do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais), não podendo a mesma ser instaurada oficiosamente (artigo 143° do CSC), para além de que existem mecanismos de sanação pela própria sociedade e sem intervenção de terceiros de causas que fundamentam a dissolução administrativa da sociedade concernentes com as vicissitudes respeitantes ao objecto social (artigos 8° n.3 e 9° n.1 alínea b) e n.2 do RJPADL);
- E a dissolução da sociedade por efeito da aplicação do artigo 142° n.1 alínea d) do CSC é meramente contingencial, uma vez que tal disposição legal habilita determinados sócios a desencadear essa dissolução, mas não a impõe, não sendo por isso de verificação automática, o que a afasta à partida da nota teleológica em função da qual o âmbito material de aplicação do artigo 70° n.2 alínea f) do CCP é delimitado;
- De resto, no entender destes autores, a lei portuguesa não estabelece qualquer requisito positivo de participação nos procedimentos pré-contratuais que tenha o alcance de à partida “fechar” essa participação aos concorrentes cujo âmbito de actividade (no caso de sociedades comerciais, delimitado pelo respectivo objecto social) coincida com o domínio material do contrato a celebrar; apenas consagrando requisitos negativos de participação, sob a forma de “impedimentos” no essencial previstos do artigo 55° do CCP, e nenhum deles se reporta a qualquer exigência de coincidência material entre o objecto social das empresas e o objecto do contrato a celebrar;
- As ilegalidades que podem determinar a exclusão de uma proposta nos termos da alínea f) do n.2 do artigo 70° do CCP, são apenas aquelas que resultem do teor da proposta, isto é, do modo como cada concorrente se propõe a executar as prestações que correspondem ao objecto do contrato a celebrar, ficando de fora quaisquer outros elementos extrínsecos ao teor da proposta contratual, ou outros parâmetros legais ou regulamentares, mesmo que incidentes sobre a actividade “global” do concorrente; e, manifestamente, não é esse o caso do desvio do objecto social por parte de uma sociedade comercial na celebração de um certo contrato, porque essa ilegalidade não contamina a proposta apresentada e não compromete o modo como o proponente se compromete a executar o contrato a celebrar; nem se divisa que o desvio entre o objecto social da concorrente e o objecto do contrato a celebrar também não preenche nenhuma outra das causas de exclusão de propostas previstas na lei;
- Enfim, está vedado às entidades adjudicantes - fora os casos em que a lei exija como condição de exercício de certas actividades económicas uma concreta conformação do objecto social dos operadores económicos como condição de acesso ao procedimento ou à possibilidade de apresentação de propostas - a instituição de regras nos procedimentos pré- contratuais com o alcance de excluir as propostas que sejam apresentados por concorrentes cujo objecto social não cubra as actividades postuladas pelo objecto do contrato a celebrar, porque tal teria por efeito “impedir, restringir ou falsear a concorrência”, restringindo o “universo possível de concorrentes”, e por isso, seria contrária ao estabelecido no artigo 132° n.4 do CCP, além de que, comprometeria o imperativo do favor participationis emergente do princípio da concorrência.

Recentemente, o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão proferido a 28.11.2024, no âmbito do processo n.° 0525/23.0BEPNF, em que estava em causa a exclusão da proposta da adjudicatária do concurso público, com fundamento na alínea f) do n.° 2 do artigo 70.° do CCP, decorrente do objecto do contrato adjudicado não caber no âmbito do objecto social da adjudicatária, e pese embora o Supremo Tribunal tenha acabado por concluir que existia coincidência (ainda que implícita) entre o objecto social da adjudicatária ("o comércio a retalho e por grosso de artigos para o lar') e objecto do contrato a celebrar (fornecimento de pellets às escolas de Município) e, por isso, não existia fundamento para a exclusão da proposta ao abrigo do citado preceito, veiculou a seguinte jurisprudência:
“(...) a capacidade da adjudicatária para celebrar e executar o contrato em apreço não é limitada, nem pelo CPV do concurso, nem pelos CAE das actividades económicas que compreendem o seu objecto social. Nem, em rigor, pelo seu objecto social. Não se ignora que se pode filiar no número 1 do artigo 6° do CSCum princípio da especialidade das sociedades comerciais, nos termos do qual a capacidade das mesmas apenas «compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim». Mas do número 4 do mesmo artigo, resulta evidente que o objecto social não limita, por si só, a capacidade jurídica das sociedades comerciais, não obstante constituírem os respectivos órgãos «no dever de não excederem esse objecto ou de não praticarem esses actos» -no sentido de que o objecto social não constitui uma limitação da capacidade jurídica das sociedades comerciais, v. João Espírito Santo, Sociedades por Quotas e Anónimas. Vinculação: Objecto Social e Representação Plural, Almedina, Coimbra, 2000, pp. 153 ss. A consequência dos actos ultra vires é, pois, meramente interna, não podendo assacar-se aos mesmos, por força daquela disposição legal, a nulidade prevista no artigo 294.° do Código Civil (CC). (...) É certo que, nos termos da alínea d) do número 1 do artigo142.° do CSC, pode ser requerida a dissolução da sociedade quando a mesma «exerça de facto uma actividade não compreendida no objecto contratual». Mas enquanto a sociedade não for dissolvida, não se pode limitar a sua capacidade jurídica para além do estabelecido no citado artigo 6.°, número 4, do CSC.”
Posto isto, exposto o enquadramento legal, e respectivo enquadramento jurisprudencial e doutrinal quanto à questão em apreço, resta apreciar à factualidade assente à luz do expendido, com vista à resolução da lide.
Assim, não obstante, se ter provado que: - a A. não fez acompanhar a sua proposta com a certidão permanente na qual constasse a identificação do objecto social explicita ou implicitamente consentâneo com o objecto do contrato a celebrar; - a acta da deliberação da Assembleia Geral da A. de 30.08.2024, na qual ampliou o objecto social para nele fazer incluir as actividades em causa no contrato concursado, apenas foi junta ao procedimento em sede de audiência prévia ao relatório preliminar, i.e., já após o conhecimento por esta da causa de exclusão da sua proposta baseado no referido desvio; a verdade é que é impossível sustentar, face à demais factualidade assente e ao enquadramento legal exposto, que a inclusão no objecto social da A. de actividades enquadráveis no objecto do contrato a celebrar correspondesse a uma condição essencial para a apresentação de proposta como defende o R..
E tal conclusão retira-se, em primeiro lugar, da circunstância de, atento o objecto do concurso em causa ("prestação de serviços na modalidade de tarefa para ginástica laboral’), não nos encontrarmos num dos casos em que a lei exija como condição de exercício de certas actividades económicas uma concreta conformação do objecto social dos concorrentes como condição de acesso ao procedimento ou à possibilidade de apresentação de propostas (associadas, por exemplo, à obrigação da detenção de um específico título jurídico público, como uma licença, autorização).
A acrescer a isto, por certo - e sem sequer entrar na discussão lançada pela doutrina já citada sobre a legalidade da inclusão de uma regra que no âmbito dos procedimentos pré-contratuais tenha o alcance de excluir as propostas que sejam apresentados por concorrentes cujo objecto social não cubra as actividades postuladas pelo objecto do contrato a celebrar - ao contrário do sufragado pelo R., do ponto 12.1 alínea d) do programa do concurso não se retira qualquer exigência de que o objecto social dos concorrentes devesse ser consentâneo com o objecto do concurso Sublinhado nosso., uma vez que o que nele se dispõe é, tão-só, e apenas, que a proposta fosse acompanhada de “Cópia do pacto social ou certidão, devidamente actualizada, emitida pela Conservatória do Registo Comercial, onde conste o objecto da sociedade do concorrente”.
Daí que, afastando a invocada “essencialidade” para a apresentação da proposta da correspondência entre o objecto social e o objecto do concurso ou, nas palavras do R., que fosse um factor intimamente interligado com os aspectos da execução do contrato (por não nos encontrarmos numas das situações acabadas de invocar), e seguindo de perto o entendimento firmado no recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.11.2024, no âmbito do processo n.° 0525/23.0BEPNF - que, aliás, está em consonância com a supra citada doutrina -, então, à luz do artigo 6° n.4 do CSC, o objecto social da A. não limitava, por si só, a capacidade jurídica da mesma (e, enquanto a sociedade não for dissolvida, não se pode limitar a sua capacidade jurídica para além do disposto no mencionado artigo) e, portanto, não poderia prefigurar-se qualquer causa de exclusão da proposta da A. com fundamento no facto de, nos documentos da sua proposta, não constar que o seu objecto social era consentâneo com o objecto do concurso Sublinhado nosso..
E, sendo assim, claudica, igualmente, o argumento do R. de que a aceitação de deliberação da Assembleia Geral da A. em 30.08.2024, vertida em acta que só foi junta em sede de audiência prévia ao relatório preliminar, consubstanciaria nessa medida uma violação ao princípio da imutabilidade das propostas, porque atento o que já se deixou dito a apresentação da mesma não visou suprir qualquer causa de exclusão (que não existia) ou melhorar qualquer atributo sujeito a avaliação, que fosse vedado pelo princípio da intangibilidade das propostas por afectar o conteúdo da proposta (cfr. artigo 72° n.2 a contrario e artigos 57° n.1 alíneas b) ou c), 70° n.2 alínea a) e 146° n.2 alínea d) do CCP).
Ora, mesmo assumindo uma posição mais restrita, no que tange à necessidade de haver uma correspondência entre o objecto societário e o objecto do concurso, sob pena de activação da causa de exclusão estabelecida no artigo 70° n.2 alínea f) e 146° n.2 alínea o) do CCP - como foi defendido por alguma jurisprudência supra enunciada -, o certo é que a A. comprovou, ainda no procedimento pré-contratual que o seu objecto social, afinal, incluía ou passou a incluir, as actividades prosseguidas no contrato a celebrar, através da junção de acta de deliberação da Assembleia Geral da A. em que foi promovida tal ampliação, com data anterior à data da apresentação da proposta.
Ainda que considerássemos algum constrangimento adveniente da circunstância de a proposta não ter sido apresentada com a cópia do pacto social ou certidão “devidamente actualizada”, o suprimento da falta de tal formalidade no momento da entrega da proposta, por não contender com o conteúdo da mesma, sempre seria atendível ao abrigo da alínea a) do n.3 do artigo 72° do CCP (que aceita que os concorrentes em sede de esclarecimentos possam “comprovar factos ou qualidades anteriores à data da apresentação da proposta") - sendo irrelevante para o efeito, como ficou estabelecido supra, atento os efeitos meramente declarativos do registo, a data em que o mesmo foi promovido [neste sentido, vd. o Acórdão do TCAN de 20.12.2022, Proc. n.° 00230/22.4BEVIS].
Importa, pois, realçar que o aspecto central é que a A. ao apresentar a referida deliberação estatutária cumpriu o ónus da prova que sobre si impendia de demonstrar perante a entidade adjudicante e o Contrainteressado, a real amplitude ou abrangência do seu objecto social e, portanto, afastou o quadro de uma potencial violação de vinculação legal que o contrato a celebrar podia implicar à luz do artigo 70° n.2 alínea f) do CCP, na decorrência do disposto no artigo 142° n.1 alínea d) do CSC, porque já não se colhe uma situação fáctica que possa ancorar a dissolução administrativa da A. por exercício de uma actividade não compreendida no seu objecto social.
Neste ponto, acresce dizer que não se vislumbra, igualmente, qualquer violação dos princípios da igualdade entre concorrentes e da concorrência, conforme consagrados nos artigos 1° n.4 e 1°-A do CCP, em razão de ao Contrainteressado não ter sido exigido na fase de apresentação das propostas qualquer documento que comprovasse a aptidão do mesmo para o exercício da actividade a contratar, considerando que tratando-se de um documento de habilitação, a sua apresentação - como (bem) ficou explícito no ponto 20 do programa do concurso [cfr. ponto B) do probatório] - apenas era exigível após a adjudicação; e nem sequer se pode atender à invocada exigência de declaração do respectivo início de actividade de onde conste o necessário CAE, que tem apenas finalidades tributárias e estatísticas, e portanto, não atinentes com os aludidos princípios da contratação pública.
Atento o que vem de ser exposto, o Tribunal julga ilegal a decisão de exclusão da proposta da A. que foi praticada ao abrigo dos artigos 70° n. 2 alínea f) e 146° n.2 alínea o) do CCP, o que implica que o júri do procedimento não podia deixar de ter admitido a referida proposta.»

Posto isto, recordemos e enfrentemos as questões acima expostas.
1ª Questão
A sentença Recorrida incorre em erro de julgamento de direito ao anular o acto impugnado com fundamento numa alegada não obrigatoriedade legal da subsumibilidade do objecto do contrato adjudicando no objecto social da sociedade proponente, de onde resultou uma violação, pela sentença, dos artigos 70.°, n.° 2, al. f) e 146.°, n.° 2, al. d) e o) do CCP?

Em suma síntese, a obrigatoriedade legal da sobredita coincidência residiria no disposto nos artigos 6.°, n.° 1 e 4, e 11.°, n.° 2 e 3 do Código das Sociedades Comerciais (CSC), que evidenciariam a importância da delimitação do objecto social como definidor das actividades que a sociedade se propõe exercer, sob pena de, nos termos do artigo 142.°, n.° 1, alínea d) do CSC, poder ser decretada a sua dissolução administrativa.
Como se vê na transcrição supra, a sentença recorrida baseou esse seu julgamento, entre o mais, numa análise acurada e exaustiva deste argumento do Recorrente para a exclusão da proposta da Autora, abordando diacronicamente jurisprudência do STA e dos tribunais centrais, bem como a doutrina mais recente, e concluiu pela sua improcedência.
Adiantamos que concluiu bem.
A tão completos, aprofundados e bem expostos fundamentos, pouco será possível acrescentar. Diremos, apenas que, se a falta de coincidência entre o objecto social da proponente e determinada actividade exercida não limita a capacidade da sociedade de praticar a generalidade dos negócios jurídicos que integrem esta, e se a própria dissolução da sociedade por esse motivo não é simplesmente imperativa, pois fica na disponibilidade da iniciativa de qualquer dos sócios, não se pode dizer que a adjudicação do contrato a uma sociedade em tais circunstâncias resultaria em que “o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais”, pelo que não estamos perante um caso de aplicabilidade da (alª f) – e, por maioria de razão, da alª d) – do nº 2 do artigo 70º do CCP.
Como assim, é negativa a resposta a esta questão.

2ª questão
Igualmente errou de direito, a sentença recorrida, ao não considerar que, para a vontade do contratante público manifestada no programa do concurso, a subsumibilidade do objecto do contrato a celebrar no do objecto social da pessoa colectiva concorrente era “requisito essencial da admissão da proposta”, já que constavam do programa do concurso, designadamente do ponto 12.1 alínea d), a obrigatoriedade da junção de certidão permanente actualizada (da sociedade e do objecto social) e a proscrição da subcontratação?

A sentença recorrida descarta o argumento para a exclusão da proposta da Autora, subjacente a esta questão, alegando que do ponto 12.1 alínea d) do programa do concurso não se retira qualquer exigência de que o objecto social dos concorrentes devesse ser consentâneo com o objecto do concurso, pois nele apenas se exige que a proposta seja acompanhada de “Cópia do pacto social ou certidão, devidamente actualizada, emitida pela Conservatória do Registo Comercial, onde conste o objecto da sociedade do concorrente”.
Convimos, diversamente da Mª Juiz a qua, em que esta menção, interpretada com recurso ao elemento etiológico, envolve a exigência de que o objecto social da concorrente seja efectivamente inclusivo do objecto do contrato adjudicando. De outro modo a certidão do objecto social seria inútil.
Já não vemos é em que – mesmo tendo em conta a proscrição da subcontratação – se possa interpretar a mesma norma no sentido de se exigir que o objecto social já fosse compatível com o objecto do contrato antes da apresentação da proposta ou, muito menos, da publicação do concurso ou, menos ainda, que a proponente já se dedicasse efectiva e praticamente à actividade objecto do contrato adjudicando, antes da apresentação da proposta ou até da abertura do concurso.
Na verdade, é inerência da sua natureza pública e indisponível que, quer o acto administrativo stricto sensu quer a norma de natureza regulamentar que é o programa do concurso, uma vez emitidos, ganham autonomia relativamente à vontade subjectiva do seu emissor histórico, vigorando na ordem jurídica segundo uma interpretação objectiva e impondo-se ao próprio autor do acto.
Assim, qualquer que possa ter sido a vontade psíquica de quem gizou e subscreveu, em representação do Réu, o sobredito artigo do programa do concurso, tal é irrelevante para um qualquer juízo de desconformidade da proposta – na dimensão do objecto social do proponente – com o objecto do contrato.
Ora, é pacífico que a Autora alterou o pacto social de modo a incluir a actividade que incluía a prestação do contrato adjudicando, em data anterior à apresentação da sua proposta e que, posteriormente mas em tempo legal, registou essa alteração.
Tanto basta para estar satisfeita a exigência material subjacente à exigência documental constante do ponto 12.1 alínea d) do programa do concurso, assim objectivamente interpretado.
É negativa, portanto, a resposta a esta questão.

3ª Questão
A sentença erra também porque, ao atribuir à alteração do pacto social o efeito de haver uma relação de inclusão entre aquele e o objecto do concurso, desconsidera a fraude à lei, por parte da Autora, consubstanciada em esta não ter juntado ab initio a acta com a alteração à proposta, apena o tendo feito em aquando da audiência prévia?

Não se tratando, aqui, de qualquer conflito entre ordens jurídicas, não ocorre a aplicabilidade directa do artigo 21º do CC, única norma que no diploma define este nomem, nem das normas em que o conceito é suposto, mas não definido (artigos 330º nº 1, 418º e 2067 do CC), temos, antes de mais, que explicitar o conceito, tal como as sobreditas alusões particulares o permitem induzir.
Brevitaitis causae diremos que a fraude à lei consiste numa invocação ou até aplicação de uma Lei de modo em abstracto conforme com o nela directamente disposto, de mameira a violar o desígnio imperativo dessa norma ou de outra norma da mesma da ordem jurídica, de igual ou superior grau na hierarquia das fontes do direito.
A sanção jurídica da fraude à Lei é, segundo a regra que se respiga, seja do citado artigo 21º, seja da boa metodologia do direito, é a interpretação restritiva da lei defraudada, no sentido de se não aplicar ao caso fraudulento.
Se bem entendemos, para a recorrente, a lei fraudulentamente aplicada seria, aqui, o artigo 72º nº 3 alª a) do CCP e o benefício fraudulento seria lograr, a Autora, a admissão da sua proposta, apesar de, no momento em que a apresentou, não ser, nem poder ser, ainda, detentora de certidão de objecto social (compatível com o contrato adjudicando), exigido, pelo programa do concurso, bem como a inerente alteração da proposta, apesar de proscrita por Lei.
Porém, nem a recorrente demonstra nem nós vemos por que seja proscrito pelo programa do concurso ou porque não seja subsumível no citado nº 3 alª a) do artigo 72º do CCP o suprimento de uma inicial falta de certidão adequada aquando da submissão da proposta, quando ela se devia não a uma inexistência do facto certificado, mas a uma inexistência, ainda, mas em tempo legal de ser obtido, do correspondente registo comercial.
Pelo contrário, se o facto a certificar já ocorria, apenas não estava registado, a melhor interpretação do programa do concurso permitia que a Concorrente apresentasse apenas, logo de início, uma certidão da acta de alteração do objecto social, protestando juntar, logo que obtido o registo, a certidão deste.
Pois bem, se o fim almejado com a apresentação, aquando da audiência prévia, de certidão da acta de alteração do objecto social ocorrida antes da apresentação da proposta – como permitiria o nº 3 alª a) do artigo 72º do CCP – não é proscrito pela ordem jurídica ou pelo programa do concurso, então, não pode falar de fraude à lei.
Como assim, é negativa a resposta a esta questão.

4ª Questão
A sentença recorrida violou, também, o caderno de encargos, porque ao tempo da proposta a Autora não dispunha, ainda, no seu quadro, de qualquer técnico profissionalmente habilitado para proceder à prestação contratual, o que a impedia de cumpri o contrato?

Esta questão parte de um facto que não foi alegado por qualquer das partes nem está seleccionado como provado - contra o que o Recorrente não se insurge.
Tanto bastaria – da mihi facto, dabo tibi jus – para ter resposta negativa.
Sempre diremos que ela parte do falacioso pressuposto de que a o hipotético facto de a Autora ainda não dispor de técnico habilitado no momento da proposta a impedia de contratar e prestar a prestação em devido tempo.
Com efeito, só a inexistência de técnico devidamente habilitado, ao seu serviço, no momento da contratação poderia impedir naturalisticamente o cumprimento do caderno de encargos.

5ª Questão
A sentença recorrida errou, também, violando o princípio da intangibilidade das propostas, da concorrência, da igualdade, da imparcialidade e da boa fé, ao admitir – supostamente ao abrigo do artigo 72º nº 3 al. a) do CCP – a apresentação da acta com a alteração do objecto social da Autora a pretexto de se tratar de suprimento de uma formalidade?

Segundo o Recorrente, na verdade tratava-se, não da falta de um documento que devia acompanhar a proposta, mas, sim, de elemento integrante desta, pois era condição da capacidade da Autora para o exercício da actividade em que consistia a prestação contratual, enfim, era um elemento exigido conforme ponto 12º nº 1 do programa do concurso e, assim, a sua junção com a audiência prévia consistiu numa alteração da proposta.

Na interpretação objectiva do programa do concurso, não são a certidão da acta do pacto social, nem a certidão do registo comercial de um objecto social abrangente da prestação a contratar, que constituem a proposta, no sentido que lhe quer dar o Recorrente em ordem a que a não apresentação ab initio dos documentos com o conteúdo adequado à realidade e sua posterior substituição pelos que o eram constitua uma alteração da própria proposta. Elemento constitutivo da proposta é, sim, o facto jurídico objecto dessas certidões, o facto jurídico que a nova certidão (da acta de alteração do pacto social) se destina a provar, a saber, que o objecto social da Autora inclui a prestação objecto do contrato adjudicando.
Ora esse facto, tal como ficou provado, embora não tenha precedido a abertura do concurso, pois o seu início ocorreu no próprio dia da publicação do mesmo, precedeu a apresentação da proposta, pelo que esta não sofreu alteração alguma com a apresentação da acta que o comprova (acta da alteração do objecto social da Autora).
Como assim, a admissão da proposta da Autora em nada bulia nem bole com o princípio da imutabilidade das propostas nem, consequentemente, com os demais princípios invocados.
É, portanto, também negativa a resposta a esta última questão.

Conclusão
Do exposto resulta que o recurso improcede.

Custas
As custas hão-de ficar a cargo do Recorrente, conforme artigo 527º do CPC.

Dispositivo
Assim, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas: pelo Recorrente.
Porto, 4/7/2025

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Maria Clara Alves Ambrósio
Ricardo Jorge Pinho Mourinho de Oliveira e Sousa