Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00902/19.0BEPNF-S2 |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 10/11/2024 |
Tribunal: | TAF de Penafiel |
Relator: | PAULO FERREIRA DE MAGALHÃES |
Descritores: | ACIDENTE DE SERVIÇO; JUNTA MÉDICA; ADMISSIBILIDADE DE PROVA PERICIAL; |
Sumário: | 1 – Tendo o Autor sido presente a Junta médica constituída no seio do Exército Português, tempo em que não lhe foi reconhecido o acidente em que foi interveniente como tendo ocorrido em serviço, embora lhe reconhecendo incapacidade para todo o serviço militar e apto parcialmente para o trabalho com uma desvalorização de 16,07%, mas com ela não concordando, e principalmente, por pretender obter a sua qualificação como acidente em serviço, nos termos e para efeitos do disposto no regime jurídico a que se reporta o Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, foi nesse pressuposto que intentou a acção para reconhecimento de direitos aí previstos. 2 – Para efeitos de fixação de IPP na decorrência de acidente em serviço, a perícia médica legalmente devida é a que se reportam os artigos 38.º e 39.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, que é constituída por um colégio de três peritos [um nomeado pela CGA, outro pelo INMLCF, e outro pelo interessado – Cfr. artigo 38.º, n.º 3], sendo que, para a eventualidade de o visado não concordar com a decisão que tenha sido fixada em sede da IPP, pode requerer uma junta de recurso, na qual serão intervenientes novos membros, podendo todavia, caso assim o queira o interessado, manter-se o médico por si designado [Cfr. artigo 38.º, n.º 3 do mesmo diploma legal]. 3 – Em conformidade com o que assim tem sido reiteradamente julgado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores desta jurisdição administrativa, não pode ser deferida a realização de uma perícia médica [que sempre seria realizada por perito singular - Cfr. artigo 467.º, n.º 1 do CPC] a realizar por perito designado pelo INMLCP, que tenha por objecto a emissão de uma pronúncia nos termos e para efeitos da fixação de IPP de que tenha ficado a padecer na decorrência de um acidente em serviço, quando de resto, atento o regime jurídico convocável [o Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro], já foi proferida decisão por junta médica, a qual não objecto de impugnação judicial [porque assim não o patenteia o Autor nos autos].* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES [devidamente identificada nos autos], CoRé na acção que contra si [e contra outras entidades, mantendo-se nos autos o Exército Português] foi intentada pelo Autor, «AA» [também devidamente identificado nos autos], inconformada com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 05 de janeiro de 2024, pela qual foi deferida a realização da perícia médica requerida pelo Autor, veio interpor recurso de Apelação. * No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “CONCLUSÕES: 1.ª Apesar de assinalar que o Recorrido já foi avaliado quer pela Junta Médica prevista na al. a) do n.º 1 do art.º 38.º do Decreto-Lei n.º 503/99 quer, igualmente, pela Junta de Recurso prevista no art.º 39.º do mesmo diploma, o Tribunal a quo decidiu determinar, em 2024-01-05, a realização de perícia a efetuar pelo INML requerida pelo Autor da presente ação. 2.ª Analisada aquela decisão, constata-se que o Tribunal a quo não afasta do objeto da perícia a avaliação sobre o grau de incapacidade permanente decorrente do acidente em causa nos autos. 3.ª Importa, no entanto, recordar que no Despacho Saneador proferido em 2023-1113 o Tribunal estabeleceu como «objecto do litígio» “…a reparação, por remissão, da incapacidade permanente do Autor…“ e indicou como «Temas de prova» “…a percentagem da incapacidade permanente sofrida pelo Autor”. 4.ª Como o Tribunal a quo não deixa de assinalar, o Recorrido já foi avaliado quer pela Junta Médica prevista no art.º 38.º do Decreto-Lei n.º 503/99 quer pela Junta de Recurso prevista no art.º 39.º do mesmo diploma, que lhe fixou o grau de IPP de 11,56%, sendo que esse grau de incapacidade permanente nunca foi impugnado pelo Autor. 5.ª Pelo que considera a CGA que o despacho que ordenou a realização de perícia a efetuar pelo INML e que não afastou do objeto da perícia a avaliação sobre o grau de incapacidade permanente decorrente do acidente em serviço em causa nos autos, não é legalmente admissível. 6.ª Sobre a competência para o apuramento do grau de incapacidade permanente decorrente de acidentes em serviço, a orientação dos tribunais superiores vem sendo a de que tal deverá ocorrer nos termos e nas condições previstas nos artigos 38.º e 39.º do Decreto-lei n.º 503/99 (veja-se o decidido no Acórdão do STA de 2022-11-24, proc.º n.º 0936/16.7BEPNF, disponível na base de dados do IGFEJ em www.dgsi.pt). 7.ª A tarefa de avaliar e graduar a incapacidade decorrente de acidentes de trabalho e doenças profissionais está, assim, legalmente cometida às Juntas Médicas previstas nos artigos 38.º e 39.º do Decreto-Lei n.º 503/99 (ambas de composição colegial) e não a outras Juntas. 8.ª Tendo o Recorrido sido avaliado quer pela Junta Médica prevista no art.º 38.º do Decreto-lei n.º 503/99 quer pela Junta de Recurso prevista no art.º 39.º do mesmo diploma, o grau de incapacidade permanente decorrente do acidente em serviço ocorrido em 2013-10-23 encontra-se apurado em 11,56%, não competindo ao INML controlar a avaliação efetuada pelas Juntas Médicas previstas no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro. 9.ª Tendo o despacho saneador proferido em 2023-11-13 indicado como «Temas de prova» “…a percentagem da incapacidade permanente sofrida pelo Autor” e ordenando agora a realização de perícia a efetuar pelo INML – não afastando do objeto da perícia a avaliação sobre o grau de IPP decorrente do acidente em causa nos autos – o Tribunal a quo violou o regime legal previsto nos art.ºs 38.º e 39.º do Decreto-Lei n.º 503/99, assim como a jurisprudência dos Tribunais superiores, de que é exemplo o Acórdão supra transcrito em Alegações. 10.ª Só nos casos de «erro manifesto de apreciação» ou «erro grosseiro» é que os Tribunais poderão anular os atos praticados no âmbito da discricionariedade técnica da Administração, anulando os correspondentes atos administrativos com fundamento em "erro manifesto de apreciação. (cfr., de entre outros, os Acórdãos do STA de 16/1/1986, processo n.º 20.919; de 22/3/1990, processo n.º 18.093; de 16/2/2000, processo n.º 38.862; e de 30/1/2002, processo n.º 47.657, todos disponíveis na base de dados do IGFEJ em www.dgsi.pt). 11.ª Facto é que a decisão proferida pelo Tribunal a quo em 2024-01-05 não aponta «erro manifesto» ou «erro grosseiro» às avaliações efetuadas ao Recorrido pelas Juntas Médicas realizadas nos termos do art.º 38.º e nos termos do art.º 39.º do Decreto-Lei n.º 503/99, ambas compostas por 3 médicos, de cujos Autos não consta qualquer voto de vencido ou ressalva. 12.ª Pelo que considera a CGA que a realização da perícia médico-legal agora determinada pelo Tribunal a quo consubstancia a realização de um ato inútil como resulta do Acórdão do TCA Sul, proferido no âmbito do recurso jurisdicional n.º 3486/08, de 2008-02-28 em que se decidiu que: «A averiguação da capacidade ou incapacidade da ora recorrente para se manter ao serviço (…) compete àquela junta médica da CGA, não aos juízes, nem a quaisquer peritos médicos nomeados “ad hoc” para o efeito». Nestes termos e com o douto suprimento de V. Ex.ªs deverá ser revogada a decisão proferida em 2024-01-05, que ordenou a produção de prova pericial, com as legais consequências. [...]“ ** Não foram apresentadas Contra Alegações. * O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos. ** O Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, no sentido de que “… o despacho de admissão da prova pericial é, assim, impugnável por via de apelação autónoma, o que significa que o recurso sobe imediatamente e não com o recurso que venha a ser interposto da decisão final, como sucede com os recursos das decisões não incluídas nos números 1 e 2 do referido preceito legal – cf. art. 644º, n.º 3 do CPC.” *** Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir. *** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], e que se resumem a saber se o Tribunal a quo errou no julgamento por si prosseguido e que está na base da decisão recorrida em torno da admissão da prova pericial requerida pelo Autor para efeitos de fixação da IPP que tenha sido decorrente do acidente que sustenta ter ocorrido em serviço, assim como da remição do capital que lhe é devido. ** III - FUNDAMENTOS IIIi - DE FACTO Com interesse para a apreciação e decisão do presente recurso jurisdicional, foi proferido nos autos o despacho recorrido, que por facilidade para aqui se extrai como segue: “[…] Dos Requerimentos de Prova I - Do Autor a) Documental Defere-se o requerido. Para o efeito, notifique o 1.º Réu para que junte aos autos: (i) cópia do processo de averiguações do acidente descrito no presente processo e; (ii) toda a documentação clínica de que disponha relativa ao Autor, incluindo a que lhe foi remetida pelo Hospital ..., na ..., bem como a dos Hospitais Militares para onde o encaminhou e em que foi assistido. b) Testemunhal Defere-se a inquirição das testemunhas indicadas. c) Pericial Embora seja verdade que (i) “A deliberação colegial da Junta Médica constituída nos termos do artigo 38°, do Decreto-Lei n° 503/99, de 20 de Novembro, ainda que sindicável não só na presença de ostensivo erro grosseiro, mas nos termos mais abrangentes aceites na doutrina e jurisprudência vertidas no voto de vencido que acompanha o acórdão recorrido, só pode ser posta em causa e, eventualmente, removida, nas condições previstas no artigo 39°, do mesmo diploma legal, ou seja, por deliberação colegial de outra Junta Médica, a Junta de Recurso, composta nos termos do n° 2 do mesmo preceito” e que (ii) o Autor já foi avaliado quer pela Junta Médica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 503/99 quer, igualmente, pela Junta de Recurso prevista no artigo 39.º do mesmo diploma que lhe fixou o grau de IPP de 11,56% não é menos verdade que a perícia requerida pelo Autor não se circunscreve, unicamente, à fixação da IPP ou à determinação da sua percentagem de incapacidade, pelo que analisado o objecto da perícia apresentado por aquele e face aos temas da prova, entendemos que não se afigura que a mesma seja impertinente ou dilatória, pelo que se defere a realização de perícia a efectuar pelo INML. Notifique as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 476.º, n.º 1 do CPC. II - Do Réu Exército Português a) Testemunhal Defere-se a inquirição das testemunhas indicadas. Notifique. […]” ** IIIii - DE DIREITO Está em causa a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que em sede da apreciação dos requerimentos probatórios apresentados pelas partes, e em particular quando ao pedido de realização de prova pericial por parte do Autor tendo por referencial o objecto do litígio e os temas de prova assim definidos no despacho saneador, julgou pela sua admissibilidade. Com o assim julgado não se conforma a Recorrente CGA, que no âmbito das conclusões das suas Alegações de recurso sustentou, em suma, que tendo já sido fixada a IPP por junta de recurso realizada no seu seio, assim como definida a pensão devida ao Autora ora Recorrido, incluindo a remição do capital, que a admissão de prova pericial visando a prova desse desiderato se mostra um acto inútil e como tal legalmente inadmissível. Como assim dispõe o artigo 627.º, n.º 1 do CPC, as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos, para efeitos de poderem ser evidenciadas perante o Tribunal Superior as irregularidades de que a decisão judicial pode enfermar [que se reportam a nulidades que afectam a decisão do ponto de vista formal e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade], assim como os erros de julgamento de facto e/ou de direito, que por si são resultantes de desacerto tomado pelo Tribunal na formação da sua convicção em torno da realidade factual, ou da interpretação e aplicação do direito, em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa. Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu. Cumpre apreciar e decidir. A Recorrente CGA vem recorrer da decisão interlocutória proferida pelo Tribunal a quo, por via da qual foi admitida a produção de prova pericial, e a que se reportam os quesitos apresentados pelo Autor ora Recorrido. Esse pedido de produção de prova pericial foi formulado pelo Autor a final da Petição inicial, e que o Tribunal a quo deferiu pelo despacho recorrido. Esse pedido de produção de prova foi inicialmente deduzido contra o Exército Português, enquanto como órgão do Ministério da Defesa, contra a Caixa Geral de Aposentações, e contra o Estado Português, atinente a acção administrativa para reconhecimento de direito – direitos decorrentes de acidente em serviço –, em conformidade com o disposto no artigo 48.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, tendo como pedido deduzido a final da Petição inicial, o seguinte: “[…] Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve a presente acção ser julgada PROVADA e PROCEDENTE, com todas as consequências legais e, por via dela, ser: 1. O 1º R condenado a reconhecer o acidente a que se reportam os autos como um acidente de serviço, com todas as consequências legais, designadamente, a sua obrigação de proceder à reparação do mesmo assim como de comunicar tal acidente à CGA de modo a que esta realize a competente Junta Médica e passe a pagar ao A. a pensão anual e vitalícia devida ou o correspondente capital de remição; 2. O 1º R. condenado a efectuar ao A. todas as prestações reparatórias do seu acidente de serviço que não caibam à CGA, designadamente, facultando-lhe os medicamentos, consultas médicas e sessões de fisioterapia e, eventualmente, as cirurgias que se revelem necessárias e/ou convenientes ao restabelecimento da sua saúde e da sua capacidade de trabalho; 3. A 2ª R. CGA condenada a realizar JUNTA MÉDICA à pessoa do A. e, na sequência do resultado da mesma, a pagar-lhe as pensões agravadas e considerando a totalidade da retribuição auferida pelo A., como resulta dos Arts. 34º nº 1 Dl 503/99 e dos Arts. 18º e 79º da Lei 98/2009; 4. Caso se entenda que a 2ª R. CGA apenas pode responder pelas prestações normalmente previstas na lei, deve esta ser condenada no pagamento das pensões devidas ao A. calculadas de modo normal, sem agravamento (mas mesmo aí considerando a totalidade da retribuição e não apenas a que estava sujeita a descontos para a segurança social – cfr. Arts. 34º nº 1 DL 503/99 e 71º Lei 98/2009) ou no pagamento do respectivo capital de remição, devendo o 1º R. ser responsabilizado pelo pagamento da parte correspondente ao agravamento de tais pensões/capital de remição. 5. O 1º R. condenado a pagar ao A. a quantia de € 20.000,00 a título de compensação pelos danos morais que para si decorreram do acidente dos autos; 6. Caso se entenda que o pedido de prestações agravadas assim como de compensação de danos morais, extravasa a reparação de acidentes de serviço como prevista no DL 503/99 -o que não se aceita e apenas para efeitos de raciocínio se concebe – sempre deverá então o 3º R., ESTADO PORTUGUÊS – responder pelas prestações agravadas requeridas assim como pela compensação dos danos morais do A.. 7. Tudo acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data de vencimento de cada uma das prestações reclamadas e até integral pagamento, nos termos dos artigos 9º, nº 5 do art.20º, 34º e 38º do Decreto-Lei 503/99 de 20 de Novembro. Nestes termos, nos mais de Direito e sempre com o mui Douto suprimento de V. Exa., deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência, serem os RR. condenados nos moldes requeridos, com juros, designadamente em procuradoria e em juros vencidos e vincendos até integral pagamento. […]” Conforme assim resulta processado nos autos, o Tribunal a quo proferiu despacho saneador, por via do qual, entre o mais, julgou pela ilegitimidade passiva do Estado Português [tendo por isso sido absolvido da instância], determinou a absolvição da instância do Ministério da Defesa, e que a acção devia prosseguir contra o Exército Português, já representado nos autos, assim como a Caixa Geral de Aposentações. Em sede do valor da acção, o Tribunal a quo fixou-o no montante de € 50.000,01, considerando para tanto a fundamentação que para aqui extraímos parte, como segue: “[…] Considerando que na presente acção o que o Autor pretende é a atribuição de uma incapacidade parcial permanente diferente, com os devidos e legais efeitos, a este pedido deve ser aplicado o critério de fixação do valor previsto no artigo 34.º, n.º 1 e 2 do CPTA, ou seja, € 30.000,01. No entanto, o Autor deduz ainda um pedido indemnizatório, de € 20.000,00, a título de compensação pelos danos morais, que deve ser tratado de forma autónoma, para a fixação do valor da causa, segundo o critério geral previsto no artigo 32.º, n.º 1 do CPTA. Deste modo, em conformidade com o preceituado nos artigos 32.º, n.º 1, 34.º, n.º 1 e 2 do CPTA, 6.º, n.º 4 do ETAF e 34.º, n.º 4 do CPTA, fixo o valor da causa em € 50.000,01. […]” Ou seja, o Tribunal a quo julgou que o Autor formulou dois pedidos, um atinente à fixação de IPP, no montante de € 30.000,01, e um outro, atinente a um pedido indemnizatório, de € 20.000,00, a título de compensação pelos danos morais, tendo assim, em conformidade com o preceituado nos artigos 32.º, n.º 1, 34.º, n.º 1 e 2, ambos do CPTA, e artigo 6.º, n.º 4 do ETAF e 34.º, n.º 4 do CPTA, fixado o valor da causa em € 50.000,01. Tendo julgado existir matéria de facto controvertida, e que por isso, para lá da prova documental constante dos autos [incluindo do Processo Administrativo] que os mesmos careciam de instrução adicional, identificou o objecto do litígio e os temas da prova. Fixou o Tribunal a quo o objecto do litígio e os temas da prova nos termos que para aqui se extraem como segue: […] Do objecto do litígio O objecto do litígio nos presentes autos é a reparação, por remissão, da incapacidade permanente do Autor, em virtude da ocorrência do acidente de serviço em 23.10.2013, bem como aferir dos pressupostos da responsabilidade civil dos demais danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos. Dos Temas de prova Em face dos elementos documentais já juntos e da posição assumida pelas partes, fixam-se os seguintes temas da prova: a) a percentagem da incapacidade permanente sofrida pelo Autor; b) a verificação da ocorrência das prestações reparatórias do acidente de serviço, designadamente, medicamentos, consultas médicas e sessões de fisioterapia e, eventualmente, as cirurgias que se revelem necessárias e/ou convenientes ao restabelecimento da saúde e capacidade de trabalho do Autor e a quem cabe a responsabilidade pelo seu pagamento e; c) a ocorrência de danos não patrimoniais e seu montante. […]” Como assim refere o Autor na Petição inicial [Cfr. pontos 36.º e 37.º], o mesmo foi “… foi submetido a Junta Médica de Recurso do Exército e veio a ser declarado incapaz para todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho e para angariar meios de subsistência com uma desvalorização de 16,07% ao abrigo dos nº 14.2.1. a) e 14.2.2.2 b) e 14.2.4- da Tabela Nacional de Incapacidades […] Desvalorização esta que o A. não aceita, dado que entende que, actualmente, as sequelas de que ficou afectado, em especial, a anquilose que o afecta, a rigidez e consequente limitação de movimento da articulação tibio-tarsica tanto na flexão como na extensão (sempre inferior a 10º) as dores que ainda hoje sente, a insuficiência ligamentar e o frequente edema o tornam não apenas totalmente incapaz para o trabalho militar mas ainda com uma desvalorização para todo e qualquer trabalho nunca inferior a 25%. O então Réu Estado Português, enfatizou sob o ponto 6.º da Contestação por si deduzida, que “… o A. foi submetido a Junta Médica de Recurso do Exército, a qual veio a declarar o mesmo incapaz para todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho e para angariar meios de subsistência com uma desvalorização de 16,07%, ao abrigo dos nº 14.2.1. a) e 14.2.2.2 b) e 14.2.4- da Tabela Nacional de Incapacidades – TNI.” Ora, como assim dimana dos autos, por assim a eles ter sido trazido pelo Autor na Réplica por si apresentada, a fixação da IPP, assim como a fixação do respectivo montante indemnizatório, foi já decidida, na pendência dos autos. Com efeito, como assim referiu o Autor ora Recorrente por aquele seu articulado, após ter intentado a presente acção, já viu o seu acidente ser qualificado como acidente de serviço, tendo já sido sujeito a junta médica que lhe atribuiu a IPP de 9,68% [leia-se 11,56%], e que já lhe foi pago o capital de remição de € 13.329,09, tudo conforme melhor documentado sob os documentos 1 e 2 por si então juntos. Como assim deflui destes documentos n.ºs 1 e 2 juntos com a Réplica apresentada pelo Autor ora Recorrente, que são atinentes a um ofício da CGA endereçado ao Autor, datado de 15 de setembro de 2022, dele se extrai entre o mais, que foi submetido, no seio da Caixa Geral de Aposentações, à junta de recurso a que se reporta o artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, que lhe fixou uma incapacidade permanente parcial com desvalorização de 11,56%, deliberação essa que foi homologada por despacho da Caixa Geral de Aposentações datado de 03 de agosto de 2022, sendo que mais dele está constante que lhe foi atribuída uma pensão anual de €805,14, correspondente a uma pensão mensal de € 57,51, sendo o capital de remição no valor global de €13.329,09. Ora, não resultando dos autos que esta decisão proferida pela Caixa Geral de Aposentações tenha sido impugnada [Cfr. os artigos 63.º, n.º1, 66.º, n.ºs 1 e 2, e 70.º n.ºs 3 e 4, todos do CPTA], a fixação daquela IPP, assim como da pensão mensal/anual e do capital de remição, constitui caso administrativo decidido. O Autor tinha sido presente a Junta médica constituída no seio do Exército Português, tempo em que não lhe foi reconhecido o acidente em que foi interveniente como tendo ocorrido em serviço, embora lhe reconhecendo incapacidade para todo o serviço militar e apto parcialmente para o trabalho com uma desvalorização de 16,07%, sendo que, com ela não concordando, e principalmente, por pretender obter a sua qualificação como acidente em serviço, nos termos e para efeitos do disposto no regime jurídico a que se reporta o Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, foi nesse pressuposto que intentou a acção para reconhecimento desses direitos. Como assim julgamos, tendo a matéria a que se reporta esse pedido sido apreciada e decidida pela entidade administrativa competente em razão da matéria, a Caixa Geral de Aposentações, afigura-se-nos que poderá estar assim prejudicada a apreciação do mérito de parte da pretensão deduzida contra a Ré CGA. Porém, não este o objecto da pretensão recursiva apresentada pela Recorrente CGA perante este TCA Norte. O objecto do recurso é o despacho proferido pelo Mm.º Juiz do Tribunal a quo, datado de 05 de janeiro de 2024, que é referente à apreciação dos requerimentos probatórios apresentados pelas partes, assim prosseguido após a prolação do despacho saneador, que para aqui [despacho recorrido] se extrai parte como segue: “[…] c) Pericial Embora seja verdade que (i) “A deliberação colegial da Junta Médica constituí da nos termos do artigo 38°, do Decreto-Lei n° 503/99, de 20 de Novembro, ainda que sindicável não só na presença de ostensivo erro grosseiro, mas nos termos mais abrangentes aceites na doutrina e jurisprudência vertidas no voto de vencido que acompanha o acórdão recorrido, só pode ser posta em causa e, eventualmente, removida, nas condições previstas no artigo 39°, do mesmo diploma legal, ou seja, por deliberação colegial de outra Junta Médica, a Junta de Recurso, composta nos termos do n° 2 do mesmo preceito” e que (ii) o Autor já foi avaliado quer pela Junta Médica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 503/99 quer, igualmente, pela Junta de Recurso prevista no artigo 39.º do mesmo diploma que lhe fixou o grau de IPP de 11,56% não é menos verdade que a perícia requerida pelo Autor não se circunscreve, unicamente, à fixação da IPP ou à determinação da sua percentagem de incapacidade, pelo que analisado o objecto da perícia apresentado por aquele e face aos temas da prova, entendemos que não se afigura que a mesma seja impertinente ou dilatória, pelo que se defere a realização de perícia a efectuar pelo INML. Notifique as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 476.º, n.º 1 do CPC. […]” Em vista do que foi decidido pelo despacho recorrido, se está justaposta a essa decisão que a prova pericial requerida pelo Autor e que foi deferida, por se tratar de elemento de prova relevante por legalmente necessário para efeitos de aferir e fixar a IPP de que ficou a padece o Autor, em consequência do acidente de serviço, para assim vir a arbitrar uma indemnização, essa decisão enferma de erro de julgamento, pois que, como assim sustenta a Recorrente CGA, a deliberação colegial que para esse efeito é a legalmente devida, é a que se reportam os artigos 38.º e 39.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, constituída por um colégio de três peritos [um nomeado pela CGA, outro pelo INMLCF, e outro pelo interessado – Cfr. artigo 38.º, n.º 3], sendo que, para a eventualidade de o visado não concordar com a decisão que tenha sido fixada em sede da IPP, pode requerer uma junta de recurso, em que serão intervenientes novos membros nessa junta, podendo todavia, caso assim o queira o interessado, manter-se o médico por si designado [Cfr. artigo 38.º, n.º 3 do mesmo diploma legal]. Ou seja, e em conformidade com o que assim tem sido reiteradamente julgado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores desta jurisdição administrativa, não pode ser deferida a realização de uma perícia médica [que sempre será realizada por perito singular - Cfr. artigo 467.º, n.º 1 do CPC] a realizar por perito designado pelo INMLCP, que tenha por objecto a emissão de uma pronúncia nos termos e para efeitos da fixação de indemnização decorrente de uma IPP na decorrência de um acidente em serviço, quando de resto, atento o regime jurídico convocável [o Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro], já foi proferida decisão por junta médica, a qual não objecto de impugnação judicial [porque assim não o patenteia o Autor nos autos]. Com efeito, o procedimento adequado onde deve ser realizada essa fixação de IPP, e por via de junta médica, vindo legalmente regulado no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, não pode ser subvertido pela introdução de um novo decisor nesse domínio, em sede do regime geral de produção de prova, por assim não o admitir o legislador. Neste patamar, e depois de compulsado o despacho recorrido, julgamos que tendo o Autor sido já avaliado quer pela Junta Médica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 503/99 quer, igualmente, pela Junta de Recurso prevista no artigo 39.º do mesmo diploma, e tendo-lhe sido fixado o grau de IPP de 11,56%, não podem os autos prosseguir termos para esse efeito. Tal redunda assim, a final, que em sede do objecto do litígio e dos temas da prova, deve esse julgamento ser reformulado, em conformidade, isto é, em termos de não estar/não poder estar submetido a novo juízo médico-legal, os termos e os pressupostos de fixação da IPP que a Junta de recurso fixou ao Autor, em 11,56%, assim como o valor do capital que foi remido pela CGA. Enfatizando, o objecto do litígio deve manter-se como assim fixado pelo Tribunal a quo, pese embora ter sofrido alterações por ocorrências supervenientes, as quais apenas terão reflexo na apreciação que a final o Tribunal a quo virá a fazer em sede da apreciação do mérito potencial da totalidade dos pedidos formulados a final da Petição inicial. Em face do que assim apreciou e decidiu o Tribunal a quo, atento o pedido formulado pelo Autor a final da Petição inicial, e não se reconduzindo o mesmo, em toda a sua dimensão, apenas, à fixação da IPP, à indemnização que por aí seja devida e à remição do capital, pois está peticionado o ressarcimento de [outros] danos de natureza patrimonial/não patrimonial, sendo a prova pericial um meio de prova legal e processualmente devido para esse efeito [sem prejuízo de outros, é claro - Cfr. neste sentido o artigo 410.º, 411.º e 413.º, todos do CPC], assiste porém razão à Recorrente CGA, pois que a perícia médica deferida realizar pelo INMLCF não pode ter como objecto a avaliação e fixação do grau de incapacidade permanente parcial decorrente do acidente em causa nos autos. Nessa medida, deve ser removido dos temas da prova [ou desconsiderada pelo Tribunal], o vertido sob a alínea a), no que é referente à instrução processual em torno da percentagem da incapacidade permanente sofrida pelo Autor, pois que essa matéria deixou de ser controvertida, como assim de resto resulta do que foi trazido aos autos, pelo próprio Autor, ora Recorrido, no âmbito da Réplica por si apresentada. Em suma, a contra prova a que assistia ao Autor o direito de prosseguir, enquanto interessado na decisão a fixar por uma junta médica em torno da fixação da sua IPP decorrente de acidente ocorrido em serviço, é a aquela a que se reporta o artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, e assim decorre do lançado nos autos, que tal assim foi por si prosseguido, não vindo alegado nos autos, ainda que por termos mínimos, que a deliberação da junta de recurso padeça de qualquer invalidade, nos termos e pressupostos por que assim foram tomadas pelos seus membros integrantes, incluindo o membro designado pelo próprio Autor. Estando já fixada a IPP ao Autor, e também efectuada a remição do capital, o deferimento da realização de prova pericial de natureza médico-legal para efeitos da prova em torno dos demais danos invocados pelo Autor, é nesta parte legal e processualmente admissível, sendo o seu objecto e âmbito fixados pelo Tribunal a quo, nos termos do artigo 476.º do CPC [do qual não poderão figurar quaisquer questões de facto atinentes à fixação da IPP, graduada em 11,56%, e ao capital remido], despacho este que ainda não foi proferido. Tem assim, no que de essencial está subjacente à pretensão recursiva deduzida pela Recorrente CGA, de ser a mesma julgada procedente. * E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO: Descritores: Acidente de serviço; Junta médica; Admissibilidade de prova pericial. 1 – Tendo o Autor sido presente a Junta médica constituída no seio do Exército Português, tempo em que não lhe foi reconhecido o acidente em que foi interveniente como tendo ocorrido em serviço, embora lhe reconhecendo incapacidade para todo o serviço militar e apto parcialmente para o trabalho com uma desvalorização de 16,07%, mas com ela não concordando, e principalmente, por pretender obter a sua qualificação como acidente em serviço, nos termos e para efeitos do disposto no regime jurídico a que se reporta o Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, foi nesse pressuposto que intentou a acção para reconhecimento de direitos aí previstos. 2 – Para efeitos de fixação de IPP na decorrência de acidente em serviço, a perícia médica legalmente devida é a que se reportam os artigos 38.º e 39.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, que é constituída por um colégio de três peritos [um nomeado pela CGA, outro pelo INMLCF, e outro pelo interessado – Cfr. artigo 38.º, n.º 3], sendo que, para a eventualidade de o visado não concordar com a decisão que tenha sido fixada em sede da IPP, pode requerer uma junta de recurso, na qual serão intervenientes novos membros, podendo todavia, caso assim o queira o interessado, manter-se o médico por si designado [Cfr. artigo 38.º, n.º 3 do mesmo diploma legal]. 3 – Em conformidade com o que assim tem sido reiteradamente julgado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores desta jurisdição administrativa, não pode ser deferida a realização de uma perícia médica [que sempre seria realizada por perito singular - Cfr. artigo 467.º, n.º 1 do CPC] a realizar por perito designado pelo INMLCP, que tenha por objecto a emissão de uma pronúncia nos termos e para efeitos da fixação de IPP de que tenha ficado a padecer na decorrência de um acidente em serviço, quando de resto, atento o regime jurídico convocável [o Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro], já foi proferida decisão por junta médica, a qual não objecto de impugnação judicial [porque assim não o patenteia o Autor nos autos]. *** IV – DECISÃO Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso interposto pela Recorrente Caixa Geral de Aposentações, devendo o Tribunal a quo prosseguir instrução nos autos em conformidade com o expendido supra. * Custas a cargo do Recorrido, salvo nesta instância por não ter apresentado Contra alegações – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC. ** Notifique. * Porto, 11 de outubro de 2024. Paulo Ferreira de Magalhães, relator Fernanda Brandão Rogério Martins |