Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00783/10.0BEPNF |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 05/23/2024 |
Tribunal: | TAF de Penafiel |
Relator: | IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES |
Descritores: | PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO DOS EXERCÍCIOS; 18º DO CIRC; CESSÃO DE EXPLORAÇÃO DA ACTIVIDADE; CUSTOS; |
Sumário: | I. O princípio da especialização dos exercícios encontra-se consagrado no artigo 18.º do CIRC e tem uma densidade vinculativa elevada, não tolerando, fora dos casos expressamente consignados na lei, qualquer margem de manobra do contribuinte na afetação temporal dos movimentos económico-financeiros da empresa, devendo, no entanto, ser sopesado com os demais princípios constitucionais basilares, mormente, da justiça. II. Nos termos do artigo 18.º do CIRC, os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica (n.º 1) e as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas (n.º 2). III. Numa situação em que os “custos diferidos” levados à contabilidade em 2004 decorrem de desconto operado em cessão de exploração por conta das responsabilidades laborais que são transferidas para a cessionária por força de contrato celebrado em 2003, os mesmos violam aquele princípio. IV. A prevalência do princípio da justiça sobre o princípio da especialização dos exercícios pressupõe que, cumulativamente, esteja apurado que do afastamento daquele último não resulte prejuízo para o erário público e que o erro cometido na contabilização dos proveitos e/ou custos não resultou de omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar transferências de resultados entre exercícios.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. [SCom01...], S.A. (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 13.02.2014, que julgou a ação improcedente por si deduzida, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional. Alegou, formulando as seguintes conclusões: «(…) I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, a qual julgou improcedente a impugnação deduzida pela recorrente. II. A recorrente deduziu a presente impugnação contra uma liquidação adicional de IRC, derrama e juros compensatórios que lhe foi feita por referência ao ano de 2004, que culminou com um montante a pagar de € 58.808,16 — de imposto, juros compensatórios e estorno da liquidação anteriormente feita, bem como contra o indeferimento da reclamação graciosa oportunamente deduzida. III. A correcção feita, de € 320.064,10 respeita a custos contabilizados pela recorrente, mas que a inspecção tributária não considerou na formação do lucro tributável por entender que não foi respeitado o princípio da especialização dos exercícios previsto no n9 1 do artigo 189 do Código do IRC. IV. A presente impugnação foi deduzida com o fundamento de que o valor em causa é um custo com projeção económica plurianual, decorrente de um contrato de cessão de exploração que a recorrente celebrou com uma outra empresa, na sequência de reestruturação imposta por uma legislação comunitária relativa ao sector automóvel, que levaria a que a recorrente perdesse a concessão da actividade de comércio e manutenção de automóveis daquela marca. V. Assim, e com o intuito de não perder a concessão, e salvar os postos de trabalho que mantinha, a recorrente celebrou um contrato de cessão de exploração daquela sua atividade a uma empresa de maior dimensão, tendo transferido os contratos de trabalho para essa nova empresa, bem como os seus stocks, e contabilizado um "desconto" que foi qualificado nos termos do contrato como a contrapartida da "poupança" que iria colher "do facto de não ter que suportar os custos de encerramento dos estabelecimentos, designadamente com indemnizações a pessoal". VI. A recorrente registou, em "custos diferidos", a importância do referido "desconto", que seria repartida pelos exercícios futuros durante a vigência do contrato de cessão de exploração. VII. A sentença proferida padece de manifesto erro de julgamento — por um lado, avalia de forma incorrecta os meios de produzidos; por outro lado, as regras específicas do ónus da prova conduziriam a resultado totalmente diverso daquele a que chega. VIII. O erro de julgamento decorre, numa primeira vertente, da errada valoração da matéria de facto constante da sentença recorrida. IX. Desde logo, a recorrente não pode concordar com os pontos C, S e T da matéria de facto dada como provada, e com os pontos 1, 2 e 3 da matéria de facto considerada não provada. X. Na verdade, no que respeita em concreto ao ponto C da matéria de facto dada como provada, foi considerado demonstrado que a actividade da recorrente, depois de 2003, passou a corresponder unicamente à exploração do posto de abastecimento de combustíveis, constando dos pontos 2 e 3 dos factos dados como não provados que não ficou demonstrado que a recorrente continuasse a registar proveitos decorrentes da exploração automóvel, auferidos indiretamente a título de rendas de cessão de exploração, ou que a recorrente continuasse a exercer a atividade de manutenção e reparação de veículos automóveis. XI. Ora, resulta dos documentos juntos aos autos (mais concretamente de fls. 83 a 86) — o que foi reconhecido no ponto KK) da matéria de facto dada como provada, que a recorrente continuou a registar diversos elevados valores decorrentes do contrato de cessão de exploração, mais concretamente as rendas que recebia. XII. E o contrato de cessão de exploração refere expressamente que é transferida é a de comércio e manutenção de veículos automóveis (refere-se que os estabelecimentos comerciais transferidos "estão exclusivamente afetos à venda de veículos da marca ...") — vd. alínea JJ) da matéria de facto dada como provada. XIII. Tais factos foram expressamente confirmados pelas testemunhas que prestaram depoimento, estando todos os depoimentos transcritos. XIV. E no ponto KK deu-se como demonstrado — e bem — que a recorrente registou na conta 72 — prestações de serviços — nos anos de 2004 a 2007 diversos valores resultantes do contrato de cessão de exploração, constando da alínea K) que o contrato de cessão de exploração "consubstanciou-se na transferência da actividade de comércio e reparação automóvel". XV. Assim, deverá considerar-se como provado que a recorrente continuou a registar proveitos decorrentes da exploração automóvel, embora de forma indirecta. XVI. Quanto aos pontos S e T da matéria de facto dada como provada, a sentença limita-se a transcrever ipsis verbis o que consta do relatório de inspecção, sendo certo que as afirmações ali produzidas são conclusivas, e de direito, devendo ser eliminadas. XVII. Finalmente, (no ponto 1 da matéria de facto dada como não provada), considerou-se não demonstrado que a "compensação dos direitos dos trabalhadores ou "desconto" como foi tratado em termos de conta corrente tem uma natureza plurianual pois foi necessário suportá-la para garantir proveitos de renda de cessão de exploração a obter durante a vigência do contrato." XVIII. Ora, tal conclusão vai igualmente contra o depoimento testemunhal prestado, bem como a prova documental junta aos autos, sendo certo que este ponto considerado não provado está em contradição com o que ficou demonstrado sob a alínea II — ou seja, que no contrato de cessão de exploração ficou clausulado que o valor de € 1.612.881,89 "considera-se satisfeito com a celebração do contrato, tendo por contrapartida a poupança que a impugnante colhe com o facto de não ter de suportar os custos de encerramento dos estabelecimentos, designadamente de indemnizações ao pessoal". XIX. Ora, se é assim e se foi essencial à actividade da recorrente e à sua subsistência a celebração do contrato de cessão de exploração, que a mesma continuou a registar proveitos por conta do mesmo, por igualdade de razão deverá considerar-se como provado que a compensação dos direitos dos trabalhadores tem uma natureza plurianual, tendo sido necessário suportá-la para garantir proveitos. XX. Por outro lado, deverão considerar-se provados os factos alegados pela recorrente que se prendem com a génese da operação em causa nos presentes autos, com a inevitabilidade da opção com que a impugnante se confrontou, com o facto de que a recorrente teria que suportar as elevadas indemnizações por despedimento em caso de encerramento, e com o facto de a recorrente ter despoletado uma série de estudos e consultas com o objectivo de definir a melhor estratégia empresarial para fazer face à situação com que foi confrontada. XXI. As regras do ónus da prova conduzem a que se considerem demonstrados os factos constantes da petição inicial, atendendo a que não estamos perante um caso de avaliação indirecta, todos os factos têm suporte na contabilidade e nenhuma prova foi produzida pela Fazenda Nacional. XXII. A compensação dos direitos dos trabalhadores tem inequivocamente uma natureza plurianual, pois foi necessário suportá-la para garantir proveitos de renda de cessão de exploração a obter durante e vigência do contrato. XXIII. Este montante já não teria natureza plurianual, se a recorrente o tivesse suportado com o efectivo despedimentos dos seus trabalhadores e encerramento da actividade — mas não, suportou tal custo transferindo as suas responsabilidades por despedimentos e garantiu a manutenção dos proveitos nos exercícios seguintes, materializados na renda de exploração a pagar pela cessionária durante a vigência do contrato, agindo no âmbito do princípio da autonomia privada. XXIV. De facto, a recorrente continuou a registar proveitos decorrentes da exploração automóvel, agora auferidos indirectamente a título de rendas de cessão de exploração, ao contrário do que consta da sentença recorrida. XXV. Com efeito, se da matéria de facto dada como provada resulta que a recorrente transferiu, através daquele contrato, toda a actividade ligada à manutenção e reparação de veículos automóveis para a cessionária, e continuou a registar os proveitos resultantes de tal cessão de exploração, é manifesto que a realidade dos factos, a substância dos factos, se traduz na continuação do exercício daquela actividade, por via indirecta, sendo necessariamente a tal que conduz o princípio do favor negotii. XXVI. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real — nº 2 do artº 104º da Constituição da República Portuguesa, sendo que este princípio de tributação pelo lucro real resulta "do princípio genérico da capacidade contributiva" — nº 1 do art. 4º da Lei Geral Tributária. XXVII. O nº 1 do artigo 18º do Código do IRC, prescreve que "Os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios". XXVIII. Aquele princípio, juntamente com o princípio da prudência, visa pois o balanceamento entre os proveitos e os custos que deve ocorrer em cada período económico. XXIX. O legislador dá-nos exemplos de custos, que embora suportados num exercício devem ser repartidos por mais que um já que o seu efeito económico está estritamente ligado à obtenção dos proveitos futuros, como é o caso do nº 4 do artigo 17º do Decreto Regulamentar nº 2/90 (Regime das amortizações). XXX. A compensação dos direitos dos trabalhadores, aqui em questão, é um custo suportado pela recorrente que lhe permitiu garantir os proveitos a registar nos exercícios seguintes provenientes das rendas da cessão de exploração, conforme ficou amplamente demonstrado pelo depoimento testemunhal e pelos documentos juntos aos autos. XXXI. Só a consideração daquele custo em mais do que um exercício, permite a correcta aplicação do princípio da especialização no bom entendimento que lhe é dado pelo n.º 4 do artigo 179 do Decreto Regulamentar 2/90. XXXII. Se a recorrente tivesse registado o total num só exercício, estaria a desrespeitar aquele normativo que impõe que devem ser considerados como custos em mais do que um exercício, as despesas ou encargos de projecção económica plurianual. XXXIII. A recorrente procedeu pois de acordo com o princípio da especialização dos exercícios, pelo que nenhuma correcção ao lucro tributável deve ser efectuada. XXXIV. Sem prescindir, e ainda que se entendesse que não foi respeitado o princípio da especialização dos exercícios, nenhuma correcção à matéria colectável era devida, ao contrário do que refere a sentença recorrida. XXXV. Ficou já demonstrado que não ocorreu qualquer alteração da actividade da recorrente, tendo ocorrido simplesmente uma alteração da posição das actividades que eram pela mesma exercidas. XXXVI. Como as testemunhas confirmaram, a recorrente continua a exercer, agora de modo indirecto através da cessionária do contrato de exploração, a actividade automóvel; e mantém a actividade que sempre exerceu de "comércio a retalho de combustível". XXXVII. E, por isso a recorrente continuou a registar proveitos provenientes das mesmas actividades (alínea KK) da matéria de facto dada como provada), sendo que apenas houve uma inversão entre actividade principal e secundária. XXXVIII. O nº 8 do artigo 47º limitava o reporte de prejuízos se "à data do termo do período de tributação em que é efectuada a dedução, que, em relação àquele a que respeitam os prejuízos, foi modificado o objecto social da entidade a que respeita ou alterada, de forma substancial, a natureza da actividade anteriormente exercida. XXXIX. Ora, no caso em apreço, a recorrente não "negociou" os seus prejuízos através da transmissão da sua propriedade nem houve início de uma nova actividade que viesse aproveitar os prejuízos gerados anteriormente em actividade distinta, antes tendo continuado a exercer a actividade de comércio a retalho de combustível e a manutenção e reparação de veículos automóveis, a título acessório. XL. E se esta última actividade passou a acessória, tal facto, como é óbvio por tudo o que já foi descrito, não foi ditado por qualquer motivação fiscal mas por necessidade imperiosa de sobrevivência da empresa e continuidade da actividade. XLI. A recorrente teve um custo similar àquele que teria caso tivesse sido acordado que suportaria as indemnizações laborais por despedimento, uma vez que a tal conduziriam as regras habituais neste tipo de negócio. XLII. Conforme se refere no Parecer junto e dado por reproduzido, "se assim não fosse, a consulente ficaria devedora das responsabilidades relacionadas com os créditos laborais que transferiu para a cessionário, mas ao mesmo tempo ficava credora da totalidade do preço de venda dos stocks, podendo deduzir deste montante os custos relativos àquelas. Assim, ao efectuar um desconto no preço da venda dos stocks correspondente ao montante previsível das responsabilidades com a contrapartida da cessionária suportar as indemnizações, o equilíbrio das posições contratuais manteve-se, uma vez que tal operação mais não representou do que a transferência de responsabilidades em troca do valor económico correspondente. Logo, é manifesto, intuitivo até, que, ao contrário do que afirma a AT, o desconto está directamente relacionado com o contrato de cessão de exploração, desconto esse que, representando as responsabilidades previsíveis em consequência da cessação dos contratos de trabalho, se encontra relacionado com o preço pelo qual foram negociados os stocks" XLIII. Assim, ainda que se considerasse que a recorrente não respeitou o princípio da especialização dos exercícios — o que não se aceita, nos termos acima expostos - nenhuma correcção ao lucro tributável deve ser efectuada já que o montante do custo que teria registado em 2003 seria, nos exercícios seguintes, considerado a título de reporte de prejuízos que o exercício de 2003 passaria a evidenciar, se prevalecesse o entendimento da Administração fiscal, que o montante da compensação deveria tem sido na totalidade registado como custo no exercício de 2003. XLIV. A sentença recorrida não fez, assim, correcta apreciação dos meios de prova, impondo-se a sua alteração no que respeita à matéria de facto considerada provada e não provada, XLV. E não aplicou correctamente o Direito aos factos, violando o disposto nos artigos 17º, 18º nº 1, 23º e 47º do Código do IRC, 236º e 405º do Código Civil, 4º nº 1, 5º, 11º e 74º da Lei Geral Tributária, 13º, 103º e 104º da Constituição da República Portuguesa, pelo que se impõe a sua anulação. Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, anulando-se a sentença proferida e julgando-se procedente a impugnação deduzida, assim se fazendo JUSTIÇA!» 1.2. A Recorrida (Autoridade Tributária e Aduaneira), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações. 1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 731 do SITAF, pugnando pela improcedência do recurso. 1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. Questões a decidir: Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 De facto 2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação: Com relevância para a decisão da causa, considera-se provada a seguinte factualidade: «A) A impugnante encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial ... sob a matrícula n.º ...45, com o capital social de €598.800,00 (fls. 44 do PA). B) A impugnante foi constituída em 1958 com o objeto de "comércio a retalho de veículos automóveis, posto de abastecimento de combustíveis, comércio de peças e acessórios para automóveis e reparação de automóveis" (fls. 44 e 45 do PA). C) Até 2003 a atividade principal da impugnante correspondeu ao comércio e manutenção de veículos automóveis, explorando em simultâneo um posto de abastecimento de combustíveis em ..., desde então, a sua atividade passou a corresponder unicamente à exploração do referido posto de abastecimento de combustíveis (fls. 45 do PA). D) Desde o ano de 2004, a impugnante encontra-se enquadrada como desenvolvendo a atividade principal de "comércio a retalho de combustível para veículos a motor, em estabelecimentos especializados", correspondendo ao atual código CAE 47300 (fls. 45 do PA). E) Neste período a impugnante esteve sujeita ao regime geral de tributação em IRC e em IVA esteve enquadrada no regime normal e periodicidade mensal (fls. 45 do PA). F) A impugnante é a empresa mãe de um grupo de empresas associadas, cujas participações sociais estão valorizadas pelo método de equivalência patrimonial, sendo que a atividade principal do grupo centra-se no automóvel, e, no contexto do negócio global do grupo, a área dos combustíveis atualmente explorada por si tem pequena expressão (fls 45 do PA). G) Até 2003 a atividade principal da impugnante correspondeu ao comércio de veículos automóveis que representou cerca de 73% do volume, de acordo com a Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal do ano de 2002, explorando em simultâneo um posto de abastecimento de combustíveis da marca ... no ... (fls, 45 e 46 do PA). H) A partir do ano de 2003 a atividade da impugnante mudou em relação aos anos anteriores, em resultado de uma cessão de exploração da representação da marca ... para a empresa sua participada, [SCom02...], SA, pessoa coletiva n.º ...10, sendo que, desde então, a sua atividade principal consiste unicamente na exploração do referido posto de abastecimento de combustíveis (fls. 46 do PA e depoimento das testemunhas «AA», «BB» e «CC»). I) Esta alteração de atividade foi comunicada pela impugnante à Administração Fiscal em 28/05/2004, através da entrega duma Declaração de Alterações de Atividade onde se procede ao reenquadramento da respetiva atividade económica no então Código CAE 50500, correspondente ao atual código CAE 47300 - Comércio a retalho de combustível para veículos a motor, em estabelecimentos especializados (fls. 46 do PA). J) Na Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal do ano de 2004 esta atividade representou nesse ano 100% do volume de negócios (fls. 46 do PA). K) A cessão de exploração ocorrida em 2003 consubstanciou-se na transferência da atividade de comércio e reparação automóvel, que até 2002 era desenvolvida pela impugnante conjuntamente com a exploração do referido posto de abastecimento de combustíveis, bem como dos ativos e funcionários afetos à mesma atividade para a empresa sua participada [SCom02...] (fls. 46 do PA e depoimento das testemunhas «AA», «BB» e «CC»). L) Em consequência desta cessão o volume de negócios declarado pela impugnante para efeitos fiscais diminuiu de 32 milhões de euros em 2002 para cerca de 5,7 milhões de euros em 2004 e o número de trabalhadores dependentes passaram de 112 em 2002 para 19 em 2004 (fls. 46 do PA). M) No processo de documentação fiscal de 2004 e 2005, designadamente no relatório de gestão e no anexo ao balanço e demonstração de resultados dos exercícios de 2004 e 2005 a impugnante consignou (fls. 47 do PA): "A atividade comercial da empresa traduz-se, em consequência da cessão e exploração dos seus estabelecimentos de comércio e reparação automóvel, unicamente na exploração do posto de Abastecimento de Combustíveis, o qual, como é do conhecimento dos acionistas, comercializa os produtos da marca .... É ali que vimos a concentrar os nossos esforços no sentido de lhe dar uma dinâmica que proporcione a maior rentabilidade possível... A [SCom01...]., SA, mantém apenas o pessoal estritamente necessário à atividade do posto abastecedor" (Pontos 2 e 3 dos relatórios de gestão de 2004 e 2005). "Conforme dissemos no ano anterior as demonstrações financeiras da nossa empresa modificam-se radicalmente a partir desse exercício. A partir do exercício de 2004 começamos a ter, então, a possibilidade de estabelecer comparações e paralelos de confronto ... " (Ponto 4.1 dos relatórios de gestão dos anos de 2004 e 2005). "A empresa por força do contrato de cessão de exploração dos seus estabelecimentos assinado no início do exercício de 2003, dedica-se agora exclusivamente à exploração do Posto de Abastecimento de Combustíveis. Por esse facto as contas respeitantes a este exercício não têm comparação possível com anos anteriores. Deverão, portanto, ser lidas com o cuidado que se impõe." (Ponto 2 do anexo ao balanço e demonstração de resultados — exercício de 2004). "A empresa por força do contrato de cessão de exploração dos seus estabelecimentos assinado no início do exercício de 2003, dedica-se agora exclusivamente à exploração do Posto de Abastecimento de Combustíveis. A partir deste exercício a comparabilidade com os anos anteriores torna-se mais clara e evidente por os números corresponderem a exercícios com as mesmas características." (Ponto 2 do anexo ao balanço e demonstração de resultados — exercido de 2005). N) A impugnante tem registado na sua contabilidade uma conta de CUSTOS DIFERIDOS (conta 2723000 - descontos contratualizados) no montante cujo saldo credor ascendia no início do exercício de 2004 a €1.281.578,50, parte do qual foi considerado como CUSTO EXTRAORDINARIO do exercício de 2004, no valor de €320.064,10 (por contrapartida da conta 6983000 - Descontos contratualizados) (fls 48 do PA). O) Os responsáveis pela regularidade técnica da área contabilística e fiscal da impugnante justificaram estes custos com a cessão de exploração efetuada em 2003 (fls. 48 do PA). P) Perante tal situação, os serviços de inspeção tributária notificaram a impugnante solicitando, entre outros, os seguintes documentos e esclarecimentos (fls. 48 do PA): — "Contrato de Cessão de Exploração outorgado com a sociedade [SCom02...], UNIPESSOAL, LDA (sociedade participada pela [SCom01...], SA) e dos respetivos Anexos e Aditamentos posteriores, bem como de eventuais estudos e pareceres que tenham servido de base à elaboração do referido contrato". — "Relativamente aos custos extraordinários que têm vindo a ser reconhecidos (conta 6983000001109) pretende-se igualmente: . Fundamentos legais que permitiram o respetivo apuramento e consideração para efeitos fiscais; . Comprovação documental da respetiva efetividade, nomeadamente identificação dos respetivos beneficiários e dos meios e data de pagamento dos mesmos; . Demonstração da observância do princípio da especialização dos exercícios previsto no artigo 18. ° do Código do IRC.". Q) Em resposta a esta notificação, a impugnante apresentou cópia do contrato de cessão de exploração celebrado com a [SCom02...], e prestou, entre outros, os seguintes esclarecimentos (fls. 36 a 40 e 48 a 50 do PA): “1. – Origem da conta “Descontos Contratualizados”: Por contrato celebrado em 02/01/2003, do qual se junta copia em anexo, entre as sociedades [SCom01...] S A. ([SCom01...]), na qualidade de cedente (10 outorgante) e a [SCom02...] Unipessoal, Lda., como cessionária (2.° outorgante) foi então celebrado um contrato de cessão de exploração dos estabelecimentos comerciais explorados por [SCom01...], entre outras, nas seguintes condições: 1.1 - Objeto do negócio: cessão dos estabelecimentos e venda dos stocks; 1.2 - Preço da cessão dos estabelecimentos: mediante o pagamento de uma renda anual variável correspondente a 35% dos resultados líquidos antes de impostos, da exploração dos estabelecimentos; 1.3 - Valor de venda dos stocks: pelo montante de € 2.114.653,62; 1.4. - Duração do contrato: 3 anos, prorrogável por idênticos períodos; 1.5. - Desconto para compensação dos direitos dos trabalhadores: concessão de um desconto de €1.585.990,22 a deduzir de imediato ao valor de venda dos stocks, "tendo como contrapartida a poupança que a primeira outorgante colhe do facto de não ter que suportar os custos de encerramento dos estabelecimentos, designadamente com indemnizações ao pessoal"; 2 - Diferimento dos "descontos contratualizados": É certo que poderia ser considerado na totalidade no período em que ocorreu a operação. Porém, tendo em conta a previsível duração do contrato foi assumida no primeiro exercício apenas uma parte do valor do "desconto contratualizado" referido no ponto 1.5 anterior, sendo diferida para os exercícios seguintes a importância restante no montante de €1.280.025,65. No ano de 2004 foram de €320.064,10 os custos imputados ao exercício por força deste desconto concedido, tendo transitado para os exercícios seguintes o valor de €969.961,55. No ano de 2005, foi assumido como custo do exercício a importância de €160.032,05 transitando para os exercícios seguintes o montante de €799.929,50. Em face do desenvolvimento dos negócios e o mais que certo alargamento do prazo de duração do contrato de cessão de exploração, foram recalculados os valores anuais correspondentes ao novo período estimado de vida do acordo de cessão de exploração, procedendo-se a um reajustamento do valor dos custos diferidos e respetivas "amortizações" contabilizadas em anos anteriores como custos do exercício, tendo sido diferido para 2007 o montante de €806.440,95 superior ao valor inicial em €6.511,45. Deste modo e no que toca à rubrica dos descontos contratualizados, o exercício de 2006 foi afetado positivamente nesta importância. No ano de 2007, foi levado a custos do exercício o valor de €160.032,05 sendo diferido o restante de € 646.408,90 importância que até hoje se mantém inalterada. 3 - Diferimento dos "descontos contratualizados" A justificação para o diferimento dos denominados "descontos contratualizados" tem nomeadamente em conta o período de vigência do contrato de cessão de exploração, não sendo aceitável a sua consideração como custo do exercício no ano em que foi suportado, mas devendo ser repartido de acordo com o número de anos estimado para a duração efectiva do contrato, em conformidade com os princípios contabilísticos geralmente aceites em Portugal. Por outro lado, o "diferimento" destes custos não pode ser entendido como uma tentativa de "prolongamento" no tempo do direito da Empresa à dedução dos prejuízos fiscais apurados nos 6 exercícios anteriores, em conformidade com o disposto no CIRC, pelo simples facto de serem irrelevantes as matérias coletáveis de [SCom01...] nos últimos exercícios (conf. alínea t) do n.º 4 do POC), não ser previsível nesta matéria qualquer alteração nos próximos anos, por força da matéria coletável mais significativa do Grupo [SCom01...] estar agora concentrada na sociedade [SCom02...].". R) A impugnante não apresentou os anexos mencionados no contrato em causa, apesar de expressamente solicitados pelos serviços de inspeção tributária (fls. 50 do PA). S) A impugnante não apresentou fundamento legal para o procedimento contabilístico do deferimento dos custos, apenas sendo mencionada a alínea f) do n.º 4 do POC (fls. 50 do PA). [eliminado, vide ponto 2.2.1. Erro de julgamento de facto] T) A impugnante não demonstrou a observância do princípio da especialização dos exercícios nos termos do artigo 18.° do CIRC (fis. so do PA). [eliminado, vide ponto 2.2.1. Erro de julgamento de facto] U) Os serviços de inspeção tributária concluíram que foi "indevidamente considerado no ano de 2004 um montante de €320.064,10, o qual foi considerado custo extraordinário (contabilizado numa conta 6983000001109 denominada "Descontos Contratualizados"), pois que nos termos do número 1 do artigo 18.° do Código do IRC este custo apenas poderia ser imputado no período em que foi incorrido (a saber o exercício de 2003 - exercício em que ocorreu a cessão de exploração), pelo que não pode concorrer para o apuramento do lucro tributável do ano de 2007, porquanto se propõe a respetiva correção ao lucro tributável declarado: (fls. 50 e 51 do PA)
V) Desta correção resulta ainda que não foi reconhecido o prejuízo fiscal apurado no ano de 2004, no montante de €140.972,22, deduzido nos exercícios de 2005 e 2006 (fls. 51 do PA). W) A administração tributária considerou ainda que estes custos se tivessem sido considerados no ano de 2003, ano a que efetivamente respeitam, o prejuízo fiscal apurado em 2003 não poderia ser deduzido aos lucros tributáveis de exercícios posteriores por força da substancial alteração da atividade ocorrida a partir daquele ano e em obediência ao n.º 8 do artigo 47.° do CIRC (fis 51 do PA). X) A impugnante foi notificada do projeto de relatório de inspeção tributária e para exercer o direito de audição o que fez nos termos do seu requerimento de fls. 36 a 40 e 52 a 55 do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido. Y) A impugnante apresentou a reclamação graciosa de fls. 1 a 10 do procedimento de reclamação graciosa apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido. Z) Sobre a reclamação graciosa recaiu o proto de decisão de fls. 69 a 75 do procedimento de reclamação graciosa apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido. AA) A impugnante foi notificada desse projeto de decisão e para exercer o direito de audição (fis. 76 e 77 do procedimento de reclamação graciosa apenso). BB) A impugnante não exerceu o direito de audição (fis. 76 e seguintes do procedimento de reclamação graciosa apenso). CC) A reclamação graciosa foi indeferida pela decisão de fls. 41, cujo teor aqui se dá por reproduzido. DD) A correção da matéria tributável referida em U) deu origem à liquidação impugnada nestes autos, junta a fls. 50, cujo teor aqui se dá por reproduzido. EE) A correção da liquidação deu ainda origem à demonstração do acerto de contas de fls. 51, cujo teor aqui se dá por reproduzido, que apurou um saldo a pagar de €58.808,16. FF) O contrato de cessão de exploração referido em K) resultou de estratégia de reorganização comercial e jurídica da impugnante e das empresas do grupo determinada pela ... (depoimento das testemunhas). GG) A impugnante associada com outras empresas constituiu a [SCom02...] a quem cedeu a exploração da marca ... (depoimento das testemunhas). HH) O valor total das indemnizações por despedimento dos trabalhadores da impugnante, antes da cessão de exploração, foi calculado entre €1.535.927,83 e €2.047.903,77 (fls. 53 a 56 e depoimento das testemunhas). II) No contrato de cessão de exploração foi clausulado que o valor de €1.612.881,89 considera-se satisfeito com a celebração do contrato, tendo por contrapartida a poupança que a impugnante colhe com o facto de não ter de suportar os custos de encerramento dos estabelecimentos, designadamente, com indemnizações de pessoal (fls. 149 e depoimento das testemunhas). JJ) O contrato de cessão de exploração celebrado em 02/01/2003 pela impugnante com a [SCom02...] contém as seguintes cláusulas, com relevância para estes autos (lis. 148 a 151): [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] KK) A impugnante registou na conta 72 — prestações de serviços, subconta "cessão de exploração", nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007, os seguintes valores, respetivamente, €121.844,88, €191.891,17, €226.284,92 e €265.943,30 (fls 83 a 86). LL) Antes do contrato de cessão de exploração a impugnante tinha como atividade principal a manutenção e reparação de veículos automóveis e secundária o comércio a retalho de combustível (fls 41 a 57 do PA e depoimento das testemunhas). MM) Depois da celebração do contrato de cessão de exploração a impugnante tinha registado no cadastro fiscal como atividade principal com o CAE 47300 o comércio a retalho de combustível e secundária com o CAE 45200 a manutenção e reparação de veículos automóveis (fls. 41 a 57 do PA e depoimento das testemunhas), NN) Depois da celebração do contrato de cessão de exploração a impugnante tinha como atividade principal efetivamente exercida o comércio a retalho de combustível com o CAE 47300 (fls. 41 a 57 do PA e depoimento das testemunhas), OO) Em 09/04/2010 a impugnante prestou garantia bancária no valor de €76.693,05 para suspensão da liquidação do IRC de 2004 (fls. 95 a 97). Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga não provado: 1) A compensação dos direitos dos trabalhadores ou "desconto" como foi tratado em termos de conta corrente tem uma natureza plurianual pois foi necessário suportá-la para garantir proveitos de renda de cessão de exploração a obter durante a vigência do contrato (fls. 148 a 151). 2) A impugnante continuou a registar proveitos decorrentes da exploração automóvel, agora auferidos indiretamente a título de rendas de cessão de exploração. 3) Após a celebração do contrato de cessão de exploração os tipos de atividade efetivamente exercidas pela impugnante era como atividade secundária 45200 — manutenção e reparação de veículos automóveis (fls. 41 a 57 do PA e 148 a 151 dos autos e artigos 55 e 56 da petição inicial). 3.1.1 — Motivação. O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao PA que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.° da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos (arts. 76.°, n.º 1, da LGT e 362.° e seguintes do Código Civil (CC)) identificados em cada um dos factos, bem como no depoimento das testemunhas arroladas pela impugnante, mas apenas na parte em que corroboram os documentos juntos aos autos. O depoimento das testemunhas na parte em que não corroboram os documentos juntos aos autos e o seu teor, não relevaram para a formação da convicção do tribunal porquanto apesar de partirem do contrato de cessão de exploração juntos aos autos, que constitui o documento essencial de prova para todos os factos invocados relevantes para a decisão da causa, fazem uma interpretação desse documento que se subsume à interpretação defendida pela impugnante, mas sem se distanciarem dessa versão e sem fazerem uma interpretação isenta e objetiva desse contrato e das suas cláusulas. A matéria de facto julgada não provada resultou da falta ou insuficiência da prova. A matéria de facto do ponto 1 foi julgada não provada porquanto o valor da referida compensação dos direitos dos trabalhadores ou "desconto" como foi tratado em termos de conta corrente corresponde ao pagamento do preço da venda dos bens e constitui uma contrapartida da celebração do contrato de cessão de exploração, conforme resulta expressamente das suas cláusulas segunda quarta e quinta, que consagram expressamente as condições de pagamento do preço de venda dos bens que fazem parte dos estabelecimentos, consignando a cláusula segunda que 75% desse valor corresponde ao pagamento do preço, por meio de desconto, consignando os restantes números dessas cláusulas que esse pagamento é realizado no momento da celebração do contrato, que o restante parte do preço será paga nos termos da cláusula quarta e que o direito de propriedade dos bens transfere-se para a [SCom02...] com a celebração do contrato que revela a manifesta intenção desse custo ter sido suportado no momento e com a celebração do contrato. Apesar da impugnante pretender dizer que se trata dum custo plurianual esse facto é desmentido objetivamente pelo contrato. Os pontos 2 e 3 estão relacionados e foram julgados não provados por três motivos. Um é porque resulta do próprio contrato junto aos autos pela impugnante que ele deixou de exercer a atividade de exploração automóvel, facto corroborado pelo exercício do direito de audição da impugnante e pelos relatórios de gestão e anexos ao balanço e demonstração de resultados de 2004 e 2005 invocados no relatório de inspeção tributária que afirmam que a impugnante passou a partir de 2003 a dedicar-se exclusivamente à exploração do posto de abastecimento de combustíveis. Outro é porque a própria impugnante alega no artigo 56 da petição inicial que registou os proveitos do contrato de cessão de exploração na conta 72-prestação de serviços, o que evidencia que apesar de no cadastro fiscal ter registada como atividade secundária a manutenção e reparação de veículos automóveis, não exerce essa atividade. Finalmente porque a impugnante não pode invocar o exercício dessa atividade ainda que indiretamente pelo contrato de cessão de exploração, porquanto na realidade não exerce essa atividade; ela aufere um rendimento dum contrato de cessão de exploração e não do exercício dessa atividade realizada por pessoa coletiva autónoma. Apesar da [SCom02...] ser detida por si é uma pessoa coletiva autónoma e é ela que exerce a atividade de manutenção e reparação de veículos automóveis e não a impugnante. Por isso, o tribunal ficou convencido que a impugnante não regista proveitos decorrentes da exploração automóvel, agora auferidos indiretamente a título de rendas de cessão de exploração, a impugnante como ela própria alega no artigo 56 da petição inicial regista as prestações mensais recebidas da [SCom02...] pela cessão de exploração; e que depois da celebração do contrato de cessão de exploração, apesar de estar registada no cadastro fiscal a atividade secundária de manutenção e reparação de veículos automóveis a impugnante não exerce efetivamente essa atividade secundária. Com isto não existe contradição com a matéria de facto julgada provada nas alíneas LL) a NN). Aí julgou-se provado os registos da atividade principal e secundária da impugnante e o exercício efetivo da atividade principal. Ao passo que no ponto 3 só se julgou não provado que a impugnante exerce efetivamente como atividade secundária a manutenção e reparação de veículos automóveis, apesar de estar registada no cadastro fiscal. A prova documental carreada para os autos pela administração tributária e pela impugnante corrobora de forma objetiva e isenta os factos invocados no relatório de inspeção tributária e infirma os factos invocados pela impugnante que foram julgados não provados. Esta insuficiência da prova da impugnante fez com que o tribunal julgasse não provados os factos essenciais invocados por si. Com efeito, sendo o ónus da prova do impugnante (art. 74.°, n.º 3, da LGT), a insuficiência da prova fez com que o tribunal tivesse de julgar contra ele os factos invocados por si, isto é, o tribunal teve de julgar tais factos não provados (arts. 414.° do CPC e 2.°, alínea e), do CPPT). A restante matéria alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não relevar para a decisão da causa, designadamente as demais circunstâncias que estiveram na origem da celebração do contrato e bem assim nos factos invocados pela impugnante nos artigos 74.° e 75.° que consubstanciam uma verdadeira alteração do preço do contrato (porque como veremos o valor atribuído a título de compensação dos direitos dos trabalhadores foi o preço pago pela venda do stock) sempre são factos posteriores ao exercício em causa nestes autos, pelo que não contendem com a decisão da causa.» 2.2. De direito No caso sub judice, na sequência de uma acção de inspecção, a Administração Tributária não considerou enquanto custo extraordinário um encargo com projecção económica plurianual e, por isso, repartido pelos exercícios futuros relativos à vigência do contrato de cessão de exploração que a recorrente celebrara com a [SCom02...], Unipessoal, Lda., aplicando correcções aos prejuízos declarados, e das quais resultou aumento da colecta em sede de IRC. A correcção, de € 320.064,10 respeita a custos contabilizados pela ora recorrente, que AT desconsiderou na formação do lucro tributável por entender que não foi respeitado o princípio da especialização dos exercícios previsto no n.º 1 do artigo 18º do Código do IRC, dando origem à liquidação impugnada. Fundamentou a recorrente a sua impugnação, invocando que o custo contabilizado e não aceite é um custo extraordinário que foi correctamente contabilizado atendendo ao princípio da especialização dos exercícios, não devendo ser efectuada qualquer correcção à matéria tributável de qualquer exercício tanto mais que foi posteriormente parcialmente anulado em 2009. Concretizando, alega, que a consideração desse custo na contabilidade como custos diferidos não viola o princípio da especialização de exercícios nem implica qualquer correcção á matéria tributável, porquanto sempre teria de fazer o reporte dos prejuízos registados em 2003 nos exercícios seguintes, já que manteve as mesmas actividades, apenas se tendo verificado uma inversão entre actividade principal e secundária, tendo continuado a registar proveitos provenientes das mesmas actividades (artigo 47.°, n.º 8, do CIRC). Conclui, que a interpretação feita pela AT viola o princípio da justiça, previsto no artigo 55. ° da Lei Geral Tributária (LGT), e, bem assim, o principio da capacidade contributiva subjacente aos artigos 103. ° e 104. ° da Constituição da República Portuguesa (CRP). A sentença recorrida entendeu que, por um lado, que aqueles custos “diferidos” se reportavam a um desconto relativo ao preço de venda dos bens que faziam parte do estabelecimento e, como tal, apenas podia e devia ser contabilizado no ano da venda, exercício de 2003, porquanto era do conhecimento da recorrente aquando do encerramento do exercício e não estamos perante um custo plurianual ou um encargo com projecção económica plurianual. Por outro lado, afastou a possibilidade de a recorrente lançar mão da figura do reporte de prejuízos eventualmente apurados em 2003, a lançar mão da contabilização dos custos inerentes ao contrato em questão na sua totalidade, porquanto a mesma deixou de exercer a actividade de exploração do comércio automóvel. Mais considerou, que o princípio da justiça não foi violado, porquanto a lei garantia à impugnante o reconhecimento dos custos suportados com a sua atividade e a sua concorrência para a determinação do lucro tributável no exercício de 2003, ano em que efetivamente ocorreu a realização do proveito e do custo. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância, impugnando a matéria de facto, mormente itens C), T) e S) da matéria provada e itens 1., 2. e 3. da matéria de facto não provada, mais alega que a sentença padece de erro de julgamento por errada valoração da factualidade vertida na decisão e subsequente erro de julgamento de direito, consubstanciado em errada aplicação do princípio da especialização dos exercícios (artigo 18º do CIRC), ao afastar a possibilidade de reporte de prejuízos (artigo 47º do CIRC) e em violação dos artigos 13º, 103º e 104º da Constituição da República Portuguesa, ao desatender a primazia do princípio da justiça. Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, e em errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, ao ter mantido e confirmado a posição da AT. 2.2.1. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto Desde logo, entende a recorrente que o Tribunal a quo errou o seu julgamento de facto, nos seguintes termos: a) ponto C da matéria de facto dada como provada, foi considerado demonstrado que a actividade da recorrente, depois de 2003, passou a corresponder unicamente à exploração do posto de abastecimento de combustíveis, constando dos pontos 2 e 3 dos factos dados como não provados que não ficou demonstrado que a recorrente continuasse a registar proveitos decorrentes da exploração automóvel, auferidos indiretamente a título de rendas de cessão de exploração, ou que a recorrente continuasse a exercer a atividade de manutenção e reparação de veículos automóveis, o mesmo deve ser eliminado e levado ao probatório o que consta dos itens 2. e 3. Da matéria de facto não provada b) pontos S e T da matéria de facto dada como provada, a sentença limita-se a transcrever ipsis verbis o que consta do relatório de inspecção, sendo certo que as afirmações ali produzidas são conclusivas, e de direito, devendo ser eliminadas. c) Em conformidade com a prova testemunhal produzida e do teor do contrato de concessão o vertido no ponto 1 da matéria de facto dada como não provada deve ser reconduzido ao probatório. Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão (cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.). Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cf. artigo 640.º, n.º 1, al. a), do CPC]; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cf. artigo 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cf. artigo 640.º, n.º 1, al. c), do CPC]. Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do artigo 640.º do CPC: “2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”. Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo-se-lhe os ónus já mencionados (vide a título exemplificativo, o acórdão do TCAS, de 27.04.2017, no âmbito do processo: 638/09.0BESNT, e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.). Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus foram parcialmente cumpridos, pelo que cumpre aferir, se se afigura pertinente o requerido. Vejamos: Citando o AC. do TCA Sul de 10/7/2014 no processo 07813/14: “O erro de julgamento em matéria de facto pode resultar de errada apreciação do material probatório que contamina a fixação da materialidade fáctica relevante para a decisão, ou emergir da desacertada interpretação dessa materialidade. No primeiro caso o erro consubstancia-se numa indevida utilização da livre convicção, erro esse que deve ser demonstrado pelo recorrente através do exercício de um duplo ónus: um, (i) o de delimitar o âmbito do recurso indicando claramente os segmentos da decisão que considera padecerem desse erro; outro, (ii) fundamentar as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa.” Especifiquemos: 1. A recorrente alega que o Tribunal a quo no ponto C da matéria de facto dada como provada, relevou que a actividade da recorrente, depois de 2003, passou a corresponder unicamente à exploração do posto de abastecimento de combustíveis, e, consequentemente, dos pontos 2 e 3 dos factos dados como não provados decorre que não ficou demonstrado que a recorrente continuasse a registar proveitos decorrentes da exploração automóvel, auferidos indiretamente a título de rendas de cessão de exploração, ou que a recorrente continuasse a exercer a atividade de manutenção e reparação de veículos automóveis. Ora, do ponto KK) da matéria dada como provada, que a recorrente continuou a registar diversos elevados valores decorrentes do contrato de cessão de exploração, mais concretamente as rendas que recebia, em conformidade co os documentos juntos a fls. 83 a 86 dos autos, com o seguinte teor “A impugnante registou na conta 72 — prestações de serviços, subconta "cessão de exploração", nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007, os seguintes valores, respetivamente, €121.844,88, €191.891,17, €226.284,92 e €265.943,30”. E, por outro lado, do ponto JJ) da matéria de facto dada como provada, ao transcrever o “Contrato de cessão de exploração” ali se refere expressamente que é transferida a exploração de comércio e manutenção de veículos automóveis por referência expressa aos estabelecimentos comerciais transferidos exclusivamente afectos à venda de veículos da marca ..., e na alínea K) que “A cessão de exploração ocorrida em 2003 consubstanciou-se na transferência da atividade de comércio e reparação automóvel, que até 2002 era desenvolvida pela impugnante conjuntamente com a exploração do referido posto de abastecimento de combustíveis, bem como dos ativos e funcionários afetos à mesma atividade para a empresa sua participada [SCom02...] (fls. 46 do PA e depoimento das testemunhas «AA», «BB» e «CC»)” Em suma, pugna a recorrente que cumpre verter para o probatório que a mesma “continuou a registar proveitos decorrentes da exploração automóvel, embora de forma indirecta.” [vide conclusão XV das alegações de recurso]. Vejamos. Refere o artigo 607º, nº 4, do CPC que a decisão proferida deve declarar quais os fundamentos de facto que o tribunal julgue provados e quais os que julgue não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador. No que concerne exame crítico da prova, o juiz deve esclarecer quais foram os elementos probatórios que o levaram a decidir como decidiu e não de outra forma e caso haja elementos probatórios divergentes, explicar as razões por que se valorizou um em detrimento do outro. No caso em apreço, a sentença sob recurso é assertiva e convincente na motivação que tece sobre os factos considerados não provados, estabelecendo a sua correlação com os provados desenvolvendo um raciocínio lógico que aqui recuperamos, de que: «Os pontos 2 e 3 estão relacionados e foram julgados não provados por três motivos. Um é porque resulta do próprio contrato junto aos autos pela impugnante que ele deixou de exercer a atividade de exploração automóvel, facto corroborado pelo exercício do direito de audição da impugnante e pelos relatórios de gestão e anexos ao balanço e demonstração de resultados de 2004 e 2005 invocados no relatório de inspeção tributária que afirmam que a impugnante passou a partir de 2003 a dedicar-se exclusivamente à exploração do posto de abastecimento de combustíveis. Outro é porque a própria impugnante alega no artigo 56 da petição inicial que registou os proveitos do contrato de cessão de exploração na conta 72-prestação de serviços, o que evidencia que apesar de no cadastro fiscal ter registada como atividade secundária a manutenção e reparação de veículos automóveis, não exerce essa atividade. Finalmente porque a impugnante não pode invocar o exercício dessa atividade ainda que indiretamente pelo contrato de cessão de exploração, porquanto na realidade não exerce essa atividade; ela aufere um rendimento dum contrato de cessão de exploração e não do exercício dessa atividade realizada por pessoa coletiva autónoma. Apesar da [SCom02...] ser detida por si é uma pessoa coletiva autónoma e é ela que exerce a atividade de manutenção e reparação de veículos automóveis e não a impugnante. Por isso, o tribunal ficou convencido que a impugnante não regista proveitos decorrentes da exploração automóvel, agora auferidos indiretamente a título de rendas de cessão de exploração, a impugnante como ela própria alega no artigo 56 da petição inicial regista as prestações mensais recebidas da [SCom02...] pela cessão de exploração; e que depois da celebração do contrato de cessão de exploração, apesar de estar registada no cadastro fiscal a atividade secundária de manutenção e reparação de veículos automóveis a impugnante não exerce efetivamente essa atividade secundária. Com isto não existe contradição com a matéria de facto julgada provada nas alíneas LL) a NN). Aí julgou-se provado os registos da atividade principal e secundária da impugnante e o exercício efetivo da atividade principal. Ao passo que no ponto 3 só se julgou não provado que a impugnante exerce efetivamente como atividade secundária a manutenção e reparação de veículos automóveis, apesar de estar registada no cadastro fiscal. (...)» Ora, a pretensão da recorrente de reconduzir ao probatório de que “continuou a registar proveitos decorrentes da exploração automóvel, embora de forma indirecta.”, atento o teor do ponto KK) da aferição de rendas provenientes da cessão de exploração, releva face a toda a restante matéria invocada uma clara conclusão, qual seja de que aqueles rendimentos auferidos e registados na conta 72 — prestações de serviços, subconta "cessão de exploração", nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007, deverão para efeitos de tratamento fiscal relevados enquanto proveitos decorrentes da exploração automóvel (actividade secundária), se bem que de forma indirecta, não é susceptível de recondução ao probatório por contar matéria conclusiva. 2. E, o mesmo se diga quantos aos pontos S e T da matéria de factos dada como provada, do seguinte teor “A impugnante não apresentou fundamento legal para o procedimento contabilístico do deferimento dos custos, apenas sendo mencionada a alínea f) do n.º 4 do POC (fls. 50 do PA).” e “A impugnante não demonstrou a observância do princípio da especialização dos exercícios nos termos do artigo 18.° do CIRC (fis. so do PA)”. Chamando a colação o acórdão do TCAN de 02.02.2023, proferido no proc. nº 02526/09.1BEPRT, em que ali decidimos que, “Como é pacífico, além das afirmações de direito, também as conclusões (ou juízos conclusivos) não são factos: trata-se de matéria equiparável a matéria de direito, pelo que também se trata de alegações que são insusceptíveis de constar na decisão que venha a ser proferida sobre a matéria de facto em discussão numa determinada acção. «Os factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo, desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos forem considerados provados ou não provados, toda a acção seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência), com base nessa única resposta». Por outro lado, «quando se fala em matéria de direito, estamos a referirmo-nos aos conceitos estritamente jurídicos que não têm qualquer sentido corrente… tem sido entendido que podem ser consideradas matéria de facto expressões que são utilizadas simultaneamente em sentido corrente e jurídico, a não ser que face à natureza da acção, seja precisamente esse o objecto da disputa ou controvérsia entre as partes e dele dependa a resolução das questões jurídicas que no processo de discutem, constituindo nessa medida o objecto da própria decisão final da causa» [Helena Cabrita, in “A fundamentação de facto e de direito da decisão cível”, págs. 106, 110 e 111]. É certo que hoje não existe já nenhum normativo correspondente ao vetusto artigo 646º, n.º 4 do CPC que determinava terem-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito, a que se aplicava, por analogia, à matéria conclusiva. E, como se retirava interpretativamente daquele preceito ("têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes") o direito aplicar-se-á a um conjunto de factos (confessados, aceites, documentados ou resultado das respostas à base instrutória) que não tenham a natureza de questões de direito e que sejam realidades demonstráveis e não juízos valorativos. Tal preceito foi eliminado com o novo Código de Processo Civil. No entanto, o princípio subjacente ao preceito não desapareceu, continuando hoje a vincar-se que, na fundamentação (de facto) da sentença, só os factos interessam. Veja-se, nesse sentido, o artigo 607º, nº 4 do CPC que continua a referir que "Na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que foram admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras de experiência". Ou seja, antes como agora, a fundamentação (de facto) da decisão (sentença ou acórdão) só pode ser integrada por factos. “Pode afirmar-se, em sentido muito simplificador, que uma conclusão implica um juízo sobre factos e estes, quando em si mesmos considerados, revelam uma realidade, compreensível e detectável sem necessidade de qualquer acréscimo dedutivo” – cf. acórdão da Relação do Porto de 07.10.2013, proferido nos autos 488/08.1TBVPA. No mesmo sentido, refere o acórdão da Relação de Guimarães de 11.10.2018, proferido no âmbito do processo n.º 616/16.3T8VNF-D: «De resto, ainda que o actual CPC não inclua uma disposição legal com o conteúdo do artº 646º n.º 4 do pretérito CPC (o qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito), é todavia nossa convicção que tal não permite concluir que pode agora o juiz incluir no elenco dos factos provados meros conceitos de direito e/ou conclusões normativas, e as quais, a priori e antecipada e comodamente, acabem por condicionar e traçar desde logo o desfecho da acção ou incidente, resolvendo de imediato o “thema decidendum”. Ou seja, continua para nós a ser válido o entendimento de que o que importa é que a decisão de direito venha a ser resolvida no momento adequado, e tendo ela por base e objecto a realidade concreta apurada - factos concretos - e revelada nos autos por via da instrução, sendo então e de seguida - após aquela fixada - os subjacentes factos concretos objecto de valoração jurídica». Aqui chegados, e sem necessidade de citações doutrinais sobre a temática, podemos ter por assente que a matéria de facto só deve integrar factos concretos e não formulações genéricas, de direito ou conclusivas, mormente quando, como iremos ver o caso, preencha, só por si, a hipótese legal, dispensando qualquer subsunção jurídica ou, dito de outro modo, traduzam uma afirmação ou uma valoração de facto que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta ou componente de resposta àquelas questões. Ora, analisado os factos S) e T), verifica-se que os mesmos encerram em si mesmo a conclusão de que a impugnante não apresentou fundamento legal para o tratamento contabilístico que atribui aos ditos custos diferidos”, e, por outro lado, que não demonstrou a observância do princípio da especialização dos exercícios nos termos do artigo 18º do CIRC, revestindo esta última manifestamente a resposta à questão primordial que era colocada ao Tribunal a quo, por outras palavras o que se impõem é aferir da observância ou não daquele princípio com recurso a verdadeiros factos objectivos, que permitam concluir, em sede de julgamento de direito, se o mesmo foi observado ou não. Assim sendo, em conformidade com o alegado na conclusão XVI das alegações de recurso, os itens S) e T) dos factos provados, são conclusivos, pelo que deverão ser como tais expurgados do rol dos factos provados e desconsiderados para efeitos de subsunção jurídica da factualidade, em sede de apreciação do erro de julgamento de direito avocado. 3. Prosseguindo, propugna a recorrente que (no ponto 1 da matéria de facto dada como não provada), considerou-se não demonstrado que a "compensação dos direitos dos trabalhadores ou "desconto" como foi tratado em termos de conta corrente tem uma natureza plurianual pois foi necessário suportá-la para garantir proveitos de renda de cessão de exploração a obter durante a vigência do contrato.", conclusão que vai igualmente contra o depoimento testemunhal prestado, bem como a prova documental junta aos autos, sendo certo que este ponto considerado não provado está em contradição com o que ficou demonstrado sob a alínea II — ou seja, que no contrato de cessão de exploração ficou clausulado que o valor de € 1.612.881,89 "considera-se satisfeito com a celebração do contrato, tendo por contrapartida a poupança que a impugnante colhe com o facto de não ter de suportar os custos de encerramento dos estabelecimentos, designadamente de indemnizações ao pessoal". Na mesma linha de raciocínio perfilada, estamos perante conclusões a retirar de factos, mormente de uma apreciação do contrato de cessão de exploração vertido para a factualidade, e demais factos complementares, que em si permitam alcançar o conceito jurídico que importa preencher, a saber, se os “descontos” revestem natureza plurianual e, a partir de aí extrapolar se tal natureza logra afastar a violação do principio da especialização contido no artigo 18º do CIRC. O item 1. dos factos não provados é, assim, conclusivo, pelo que deverá ser expurgada do rol de factos e desconsiderado, enquanto facto negativo, para efeitos de subsunção jurídica da factualidade, em sede de apreciação do julgamento de direito. 2.2.2. Do erro de julgamento, In casu, o registo na contabilidade do exercício de 2004 pela recorrente na conta de “custos diferidos”, reflectindo o desconto operado no contrato celebrado em 2003 por via do qual cedeu à sociedade sua participada, [SCom02...], a exploração da actividade de comércio e manutenção de automóveis de marca ... e a venda de stocks. Os serviços de inspecção tributária não aceitaram esse montante como custo extraordinário do ano de 2004, por violação do princípio da especialização dos exercícios, e procederam a correcções, efectuando a liquidação adicional de IRC, ora objecto de impugnação. A posição da AT é, fundamentalmente e em síntese, a seguinte: Os custos e perdas extraordinárias que a recorrente declarou não são justificados, porque os descontos contratualizados que convencionou no contrato de cessão de exploração com a [SCom02...], no âmbito da qual lhe transferiu a actividade de comércio e reparação automóvel, bem como dos activos e funcionários afectos à mesma actividade, não obstante o disposto no artigo 405.° do Código Civil, que contempla o "princípio da liberdade contratual", não invalida que a recorrente seja uma sociedade comercial por quotas, regida pelo Código das Sociedades Comerciais e submetida ao regime de tributação do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, pelo que há que atender à periodização do lucro tributável definida nos termos do artigo 18º do CIRC, que estabelece o "princípio da especialização económica dos exercícios" e que consiste em incluir nos resultados apenas os proveitos e os custos correspondentes a cada exercício económico pelo que o "desconto para compensação dos trabalhadores" que foi concretizado no exercício fiscal do ano em que foi celebrado o contrato de cessão (2003), só pode ter reconhecimento no momento em que foi concedido, correspondendo também ao momento em que a empresa obteve (menor) proveito pela venda dos stocks. O Tribunal a quo confirmou a posição da AT tendo entendido, em síntese, que: os referidos descontos mais não eram do que um desconto relativo ao preço de venda dos bens que faziam parte do estabelecimento, vulgo stocks, e que a recorrente deixou de exercer a actividade de exploração do comércio automóvel, pelo que aquele custo deveria ser contabilizado no exercício de 2003, porquanto o mesmo era do conhecimento da recorrente aquando o encerramento do exercício e não corresponde a um custo plurianual ou um encargo com projecção económica plurianual. Por último, sufragou a posição da AT de que a ter conduzido os “custos descontos” no exercício de 2003 na totalidade, a recorrente não poderia lançar mão da figura do reporte de prejuízos para os anos seguintes, porquanto a mesma lhe estava vedada por força da alteração substancial da sua actividade e, bem assim, que o principio da justiça não foi violado, porquanto a lei garantia à recorrente o reconhecimento daqueles custos suportados com a sua actividade e a sua concorrência para a determinação do lucro tributável no exercício de 2003, ano em que efetivamente ocorreu a realização do proveito e do custo. Vejamos, então, se a decisão recorrida merece a censura que lhe é endereçada. Para o efeito, convoquemos o quadro normativo e os considerandos que reputamos relevantes para o caso sub judice. Por imposição constitucional, a tributação das pessoas coletivas obedece ao princípio da tributação do rendimento real efectivo, ou seja, o imposto deve incidir sobre o rendimento efectivamente obtido (artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa - CRP). Em obediência a este princípio, determina artigo 16.º, n.º 1 do CIRC que a matéria tributável é, por regra, determinada com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do controlo que a Administração Tributária (AT) venha a fazer da mesma. O IRC incide, então, sobre o “lucro das sociedades comerciais”, sendo que, conforme estabelece o n.º 2 do artigo 3.º do CIRC “o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas no código”. O lucro tributável das pessoas colectivas, de acordo com o artigo 17.º do CIRC, é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas nesse mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos daquele Código. De modo a permitir o apuramento do lucro tributável, a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo sector (sem prejuízo da observância das disposições previstas no CIRC), e refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo, sendo organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC (al. a) e b) do n.º 3 do art. 17.º do CIRC). Por força do artigo 47 °, n.ºs 1 e 8, do CIRC, os prejuízos fiscais são deduzíveis, nas seguintes condições: "1 - Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores. (...) 8 - O previsto no n.º 1 deixa de ser aplicável quando se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efetuada a dedução, que foi modificado o objeto social da entidade a que respeita ou alterada, de forma substancial, a natureza da atividade anteriormente exercida". Mais se refira, com particular interesse para os presentes autos, que vigora, neste âmbito, o princípio da especialização dos exercícios, ou seja, “os proveitos e custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício que digam respeito”, sendo que “as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas” (cf. artigo 18.º, n.ºs 1 e 2 do CIRC). Conforme refere Rui Duarte Morais, in Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 64 em sede de IRC, “[h]á, (…), que dividir a vida da empresa em períodos, A cada um desses períodos deverão ser imputados determinados ganhos e perdas (incluindo variações patrimoniais), dos quais decorrerá o cálculo do lucro desse exercício. (…) A imputação de um proveito ou custo a certo exercício obedece a um critério económico (e não a um critério financeiro), ou seja, as operações nele efectuadas afectam o respectivo resultado, independentemente do recebimento ou pagamento do respectivo preço ou outra contrapartida. Contabilizam-se créditos e débitos e não pagamentos e recebimentos”. Para os efeitos deste preceito legal, o exercício corresponde ao ano fiscal, o qual, por seu turno, coincide com o ano civil [neste sentido vide o acórdão do STA, proferido no processo n.º 0291/08, de 25.06.2008]. Como sobredito, o princípio da especialização dos exercícios encontra-se consagrado no artigo 18.º do CIRC e tem uma densidade vinculativa elevada, não tolerando, fora dos casos expressamente consignados na lei, qualquer margem de manobra do contribuinte na afectação temporal dos movimentos económico-financeiros da empresa, devendo, no entanto, ser sopesado com os demais princípios constitucionais basilares, mormente, o da justiça. Cumpre ainda uma chamada de atenção para o Plano Oficial de Contabilidade (POC) então vigente, no âmbito dos quais dominavam como princípios fundamentais, o princípio da continuidade; o princípio da consistência; o princípio da especialização ou do acréscimo; o princípio do custo histórico; o princípio da pendência; o princípio da substância sobre a forma e o princípio da relevância ou da materialidade. E, quanto ao principio da especialização dos exercícios, do acréscimo ou da periodização económica, em sede contabilística, postulava o mesmo que a contabilidade de uma empresa deve ser elaborada de forma criteriosa e rigorosa, de tal modo que os proveitos e os custos devem ser reconhecidos quando obtidos ou ocorridos independentemente do seu recebimento ou do seu pagamento, pelo que os mesmos devem ser incluídos nas demonstrações financeiras dos períodos a que dizem respeito. Dito de outro modo, este princípio é uma emanação da técnica contabilística em resposta à "necessidade prática de calcular, dentro de intervalos regulares, o lucro obtido por uma empresa", consubstanciando "um corte artificial num processo que é contínuo. E por isso a determinação do momento contabilístico em que ocorreu uma despesa ou uma receita tem de ser também objecto de definição" (José Luís Saldanha Sanches, Da Quantificação da Obrigação Tributária, Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, pág. 294). Este princípio impõe que sejam imputados "a cada exercício os proveitos e custos que lhe são inerentes e só esses". (...) A imputação a um dado exercício de um encargo ou perda simplesmente provável é concretizada através do mecanismo das provisões" (Freitas Pereira, in A periodização do lucro tributável, pág.79 e 80), pois que tal princípio, em correlação com os outros princípios, mormente o da justiça, não impede que sejam incluídos nos custos de um exercício os encargos a pagar no futuro, mas com origem no mesmo desde que essas inscrições não se reconduzam a comportamentos voluntários e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios (vide artigo 18º, n.º 2 do CIRC). Em síntese, o princípio da especialização dos exercícios, ou, na terminologia do do POC, “Da especialização” (ou do acréscimo), é, sem dúvida, um dos Princípios Contabilísticos Fundamentais ou os Princípios Contabilísticos Geralmente Aceites que mereceu mais importância por parte do legislador do Código do IRC, justificado pela necessidade de evitar o diferimento de custos ou perdas e de proveitos ou ganhos com finalidades de economia e/ou politicas financeiras, ou de ilícita planificação ou gestão fiscal. O princípio da especialização dos exercícios é um princípio geral, por força do qual os proveitos e os custos de um período devem ser registados contabilisticamente no exercício a que dizem respeito, independentemente do momento em que são pagos ou recebidos. Com efeito, não obstante o rendimento das empresas fluir em continuidade, é necessário segmentar a vida das mesmas em períodos de certo modo independentes entre si, para atender a necessidades não só de índole fiscal, como também de natureza económica, contabilística e de gestão. E, na esteira do princípio da anualidade dos impostos, estabeleceu-se que o lucro tributável das empresas será determinado anualmente, correspondendo, em regra, cada período de tributação, ao ano civil – cf. o que se escreve em comentário ao artigo 18.º, no Código do IRC, comentado e anotado, da Direcção Geral dos Impostos (DGCI). Sobre a “Periodização do lucro tributável”, dispõe o artigo 18.º do Código do IRC que «Os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios» [n.º 1]; e que «As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas» [n.º 2]. Vistos os considerandos de direito que relevam para o caso vertente, regressemos ao caso dos autos. Do teor do Relatório de Inspeção Tributária, resulta que a AT entendeu que foi “indevidamente considerado no ano de 2004 um montante de €320.064,10, o qual foi considerado custo extraordinário (contabilizado numa conta 6983000001109 denominada "Descontos Contratualizados"), pois que nos termos do número 1 do artigo 18.° do Código do IRC este custo apenas poderia ser imputado no período em que foi incorrido (a saber o exercício de 2003 - exercício em que ocorreu a cessão de exploração), pelo que não pode concorrer para o apuramento do lucro tributável do ano de 2004, porquanto se propõe a respetiva correção ao lucro tributável declarado (...)” , mais considerou que estes custos se tivessem sido considerados no ano de 2003, ano a que efetivamente respeitam, o prejuízo fiscal apurado em 2003 não poderia ser deduzido aos lucros tributáveis de exercícios posteriores por força da substancial alteração da atividade ocorrida a partir daquele ano e em obediência ao n.º 8 do artigo 47.° do CIRC. Cumpre aqui uma nota, pela AT nunca foi discutido ou colocado em questão a natureza de custos da verba contratualizada a que as partes denominarem de “descontos” no âmbito do contrato de cessão de exploração. In casu, não há dúvidas que os “custos diferidos” (conta 2723000 - descontos contratualizados) no montante cujo saldo credor ascendia no início do exercício de 2004 a €1.281.578,50, parte do qual foi considerado como “custo extraordinário” do exercício de 2004, no valor de €320.064,10 (por contrapartida da conta 6983000 - Descontos contratualizados), assenta no desconto formalizado no contrato de cessão de exploração outorgado no ano de 2003, porquanto face ao enquadramento supra expendido a sua imputação em conformidade com o princípio da especialização impunha-se ter sido realizada nesse mesmo exercício, 2003. A Recorrente, defende, contrariando a posição não AT, é que aquele desconto apenas foi idealizado, concebido e firmado no âmbito do contrato de cessão de exploração reveste natureza plurianual, que afasta a aplicação rígida do princípio da especialização dos exercícios. É que o mesmo, o desconto, foi a moeda de troca pela transferência das responsabilidades por despedimentos pela recorrente para a cessionária, e de garantir a manutenção de proveitos nos exercícios seguintes, materializados na renda de exploração que a cessionária se obrigou a pagar durante a vigência do contrato, tudo, no âmbito do princípio da autonomia privada. Chamando à colacção o exemplo de custos que suportados num exercício devem ser repartidos por mais que um já que o seu efeito económico está estritamente ligado à obtenção dos proveitos futuros, como é o caso do nº 4 do artigo 17º do Decreto Regulamentar nº 2/90 (Regime das amortizações), pugnando pela consideração dos “custos descontos” em questão como encargos ou despesas de projecção económica plurianual. Atenhamos à factualidade assente. Pois apenas essa nos permitirá dissolver o dissidente. O contrato de cessão de exploração referido em K) [contrato de cessão de exploração firmado em 2003, entre a recorrente e a [SCom02...]] resultou de estratégia de reorganização comercial e jurídica da recorrente e das empresas do grupo determinada pela .... A recorrente associada com outras empresas constituiu a [SCom02...] a quem cedeu a exploração da marca .... O valor total das indemnizações por despedimento dos trabalhadores da recorrente (na ordem dos 112 trabalhadores), antes da cessão de exploração, foi calculado entre €1.535.927,83 e €2.047.903,77. No contrato de cessão de exploração foi clausulado que o valor de €1.612.881,89 considera-se satisfeito com a celebração do contrato, tendo por contrapartida a poupança que a impugnante colhe com o facto de não ter de suportar os custos de encerramento dos estabelecimentos, designadamente, com indemnizações de pessoal. Em suma a recorrente, celebrou no ano de 2003 um contrato pelo qual cedeu à sociedade sua participada, [SCom02...], a exploração da actividade de comércio e manutenção de automóveis de marca ... e, bem assim a venda dos stocks. Consta de tal contrato, item K) da matéria de facto provada, entre o mais clausulado, que: “(...) a primeira outorgante, além do ceder os estabelecimentos, vende ainda á segunda todos os bens que constituem o seu stock (...) O preço de venda dos bens referidos no número anterior é de € 2.150.509,18 (Dois milhões cento e cinquenta mil quinhentos e nove euros e dezoito cêntimos). Setenta e cinco por cento do preço referido no número anterior, no valor de €1.612.881,89 (Um milhão seiscentos e doze mil oitocentos e oitenta e um euros e oitenta e nove cêntimos) considera-se automaticamente satisfeito com a celebração do presente contrato, tendo por contrapartida a poupança que a primeira outorgante colha do facto de não ter que suportar os custos de encerramento dos estabelecimentos, designadamente com indemnizações a pessoal. O restante do preço será pago nos termos enunciados na cláusula quarta deste contrato. (...) O presente contrato de cessão tem a duração de três (3) anos, renovando-se automática e sucessivamente por idênticos períodos (...) CLÁUSULA QUARTA O preço de cessão de exploração e o restante do preço de venda dos bens que constituem o stock do estabelecimento, ao qual se refere o número quatro (4) da cláusula segunda, será o correspondente a 35% (trinta e cinco por cento) dos resultados líquidos, antes de impostos, da exploração do estabelecimento. O montante calculado nos termos do disposto no número anterior será imputado, em partes iguais ao pagamento do preço da cessão e ao pagamento do restante do preço dos bens que integram o stock. (...)” No estrito cumprimento do acordado, a recorrente viria a registar na conta 72 — prestações de serviços, subconta "cessão de exploração", nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007, os seguintes valores, respetivamente, €121.844,88, €191.891,17, €226.284,92 e €265.943,30, os quais terão sido auferidos em conformidade com a cláusula quarta supra parcialmente transcrita. Mais, discorre da factualidade assente, que após a celebração do contrato de cessão de exploração, mormente 2004, a recorrente tinha registado no cadastro fiscal como atividade principal com o CAE 47300 o comércio a retalho de combustível e secundária com o CAE 45200 a manutenção e reparação de veículos automóveis. Em face dos dados coligidos nos autos, somos de concluir, desde logo, que por via do contrato de cessão, e com referência à venda dos stocks, a recorrente recebeu em 2003 o montante de € 2.114.653,62, o qual, pois nada em contrário respalda dos autos foi coligido na sua totalidade como proveito e assim tratado contabilisticamente e fiscalmente, apesar de parte do seu pagamento ser deferido no tempo por via da renda fixada para vigorar. Mais emerge dos factos que aquele valor, foi considerado pago no ano de 2003 por conta do valor estipulado de “desconto” em € 1.612.881,89 contratualizado pelas partes, ou seja, em 75%. Destarte, quer o RIT, quer a parte, e concomitantemente o probatório, não conste o tratamento contabilístico e o resultado fiscal que a inclusão dos proveitos e custos decorrentes do contrato de cessão de exploração mereceram no ano de 2003, dos factos podemos inferir que naquele ano e por conta do valor “descontos” foi pela recorrente considerado como custo o valor de €331.303,39 [€ 1.612.881,89 -€1.281.578,50 (saldo credor contabilizado no inicio do exercício de 2004 por conta de “descontos”) = €331.303,39]. Cabe salientar, que a recorrente não alegou, nem nunca indiciou uma razão plausível ou outra qualquer, que permita a este Tribunal perceber no âmbito na reestruturação empresarial que ocorreu e no âmbito económico financeiro e de gestão, os motivos que levaram a considerar os custos “descontos” faseados numa perpectiva de lógica por referência aos valores considerados temporalmente. Concretizemos, no ano de celebração do contrato, 2003, considerou €331.303,39, no ano de 2004 €320.064,10, no ano de 2005 €160.032,05, e no ano de 2007 o valor de €160.032,05, se bem que em informação prestada no âmbito do procedimento inspectivo e vertido no item Q) do probatório, refere que « (...) É certo que poderia ser considerado na totalidade no período em que ocorreu a operação./ Porém, tendo em conta a previsível duração do contrato foi assumida no primeiro exercício apenas uma parte do valor do "desconto contratualizado" (...) Em face do desenvolvimento dos negócios e o mais que certo alargamento do prazo de duração do contrato de cessão de exploração, foram recalculados os valores anuais correspondentes ao novo período estimado de vida do acordo de cessão de exploração, procedendo-se a um reajustamento do valor dos custos diferidos e respetivas "amortizações" contabilizadas em anos anteriores como custos do exercício(...)», ou seja decorre do período da vigência do contrato de cessão e de a seu belo prazer ir considerando os mesmos. Vejamos. Perante os factos discriminados supra, assentamos na tese da recorrente que o “desconto contratualizado” está directamente relacionado com o preço da cessão de exploração, dele fazendo parte, no entanto já não podemos conceber que o mesmo esteja correlacionado com a renda anual variável correspondente a 35% dos resultados, razão pela qual afastamos a pretensão da recorrente de epilogar os mesmos de carácter plurianual dos custos descontos em presença e/ou da sua extensão económica no tempo, a computar em face da vigência do contrato de cessão. Em nosso entender o “desconto contratualizado” ficou totalmente consumido na data de celebração do contrato e por força dele. Em prol deste entendimento, temos desde logo acepção legal de estabelecimento comercial que se assume como uma universalidade de facto, agregada em torno de uma aptidão para uma função produtiva, mas também como uma universalidade de direito, em que o complexo de relações jurídicas é dominado por uma finalidade comum: a preservação do estabelecimento enquanto unidade económica destinada a concretizar a exploração unitária da universalidade de facto, pelo que em relação aos seus componentes, de facto e de direito, o titular do estabelecimento goza do poder de deles dispor isoladamente uti singuli ou uti universi. [vide neste sentido acórdão do STJ de 19.04.2012, in processo n.º 5527/04.2BEBRG, que atenta que o estabelecimento comercial "como um bem mercantil, engloba o complexo de bens e de direitos que o comerciante afecta á exploração da sua empresa, que tem uma utilidade, uma funcionalidade e um valor próprios, distintos de cada um dos seus componentes e que o direito trata unitariamente."]. Em perfeita aderência ao princípio da autonomia privada, a que alude o artigo 405º, n.º 1 do CC. Certo é, que aquela autonomia sofre restrições, desde logo no âmbito da propriedade industrial [artigo 104º, n.º 5 do Código da Propriedade Industrial], mas também e com relevo nos autos, no âmbito da direito laboral, é que de harmonia com o artigo 285.° do Contrato Individual de Trabalho, as posições laborais activas e passivas acompanham a transmissão do estabelecimento seja a que título for, a não ser que os contratos de trabalho tenham deixado de vigorar em data anterior à transmissão ou exista acordo que estabeleça uma solução diferente e envolva o transmitente e o transmissário, por um lado, e os trabalhadores por outro, já que o mero acordo entre o primeiro e o segundo só é oponível aos últimos se não lhes causar prejuízos sérios. Por isso, e em regra, a transmissão do estabelecimento implica a transmissão ipso jure da relação laboral. Nos termos do artigo 285.°, n.° 1, do Código do Trabalho, "em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laborar", respondendo o transmitente, solidariamente, "pelas obrigações vencidas até á data da transmissão, durante o ano subsequente a esta” (n.º2). E, o n.º 3 do referido artigo 285. ° do CT estipula que as prescrições anteriores sejam aplicáveis "à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração". Por seu lado o seu n.º 5 consagra um conceito de unidade económica idêntico ao que atrás se expôs, ao estabelecer que se considera como tal "o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer urna actividade económica, principal ou acessória". Por fim, o respectivo n.º 6 comina uma contra-ordenação muito grave a violação do disposto no n.º 1 e na primeira parte do n.º 3. O exposto, serve para elucidar que as partes, cedente e cessionário podem diferir o cumprimento das respectivas obrigações emergentes da cessão para um momento incerto e futuro, bem como fixar livremente o seu conteúdo, pelo que está nesse âmbito de autonomia que o preço da transmissão total ou parcial dos stocks possa corresponder ao eventual pagamento, pela contraparte, do valor estipulado pelas partes a relevar em sede da transferência de responsabilidade pelas eventuais indemnizações de natureza laboral, valor esse alcançado em € 1.612.881,89. Ou seja, a interpretação do contrato contante do item K) da matéria de facto provada, em que uma das partes transmite, em separado, os stocks de um estabelecimento comercial, por um determinado preço, cujo pagamento é composto por dois elementos, (i) em 75% é considerado liquidado por via do valor contratualizado pela transferência dos custos do encerramento, mormente com indemnizações a pessoal, da cedente para a cessionária, (ii) e no remanescente, ou seja, em 25% do seu valor e levar em linha de conta na renda que venha a cedente a auferir nos termos do estipulado na cláusula quarta do contrato, renda essa imputada em partes iguais ao preço da cessão e ao preço da venda de bens(os 25% em falta). A obrigação da Recorrente, na qualidade de transmissário da exploração, de vir a pagar no futuro eventuais indemnizações de natureza laboral, em perfeita obediência aos princípios da autonomia privada e do favor negotii, consumou-se com a celebração do contrato, no ano de 2003, se em violação da lei laboral, para a questão dos presentes autos não releva, é o que decorre do conteúdo do contrato, mormente da sua cláusula terceira sobre a duração e revogação da cessão, que nada prevê sobre as relações laborais que se mantenham se ela, revogação, vier a ocorrer, ao contrário dos estabelecimentos e dos bens, que no termos do contrato devem regressar à titularidade da cedente. E, mais concretamente do teor da cláusula décima segunda que estipula que «Por força da presente cessão e enquanto ela durar, a posição que dos contratos de trabalho decorre para a primeira outorgante transmite-se para a segunda nos termos do disposto no art. 37º do DL 49.408, de 29 de Novembro de 1989», mas nada estipula sobre, em caso de reversão, em que termos é tratado o valor “desconto” contratualizado. Pelo que perante o acordado, e os demais elementos dos autos, independentemente da aferição pela recorrente da renda convencionado, temos que o desconto contratualizado é um custo que não se repercute nos exercícios posteriores, dado que apesar de estar associado ao contrato de cessão da exploração na sua unicidade, certo é que, do inerente ao seu clausulado, ele constitui um custo que se consumiu no momento da cessão, momento em que transferiu a sua responsabilidade enquanto entidade patronal e, o mesmo se diga, mesmo que o valor em causa não tivesse sido abatido no mesmo acto ao preço estipulado pela venda dos bens. Completamente diferente seria, se o “desconto contratualizado” tivesse sido convencionado de modo fraccionado pelo tempo de vigência da cessão, ou seja, por cada ano de vigência fosse atribuído um valor, por exemplo 25% por cada ano até a sua consumação, mas essa não é a vontade que espelha do contrato nos termos em que o mesmo se mostra concebido e redigido. O desconto contratualizado ao desonerar das responsabilidades laborais a recorrente cristalizou-se naquele momento e na geração de proveitos do exercício em que foram incorridos (2003), não se repercutindo nos exercícios posteriores, como o probatório documenta. Assume relevância apenas no exercício em que foi convencionado (2003), pelo que o seu custo não pode ser relevado nos exercícios que lhe sucedem em, conformidade com o principio da especialização dos exercícios. Aqui chegados estamos aptos a concluir que, o desconto contratualizado e efectuado sobre o preço atribuído aos stocks corresponde ao dispêndio que a recorrente considerou como tal que teria de suportar caso ficasse a seu cargo o pagamento das indemnizações por despedimento dos trabalhadores. Razão pela qual, nestes termos, o desconto, consubstancia um verdadeiro custo ou gasto para efeitos contabilísticos e para efeitos fiscais em sede de IRC a reportar no ano em que o mesmo se verificou. Tal raciocínio, não fica abalado se estabelecermos o paralelismo, que se não ocorresse a transferência das responsabilidades tidas laborais por via do desconto directo, a recorrente teria de provisionar a sua responsabilidade futura. Neste sentido em acórdão do STA de 04 de setembro de 2013, in processo n.º 164/12, aqui recuperamos o seu sumário “I — As provisões são registos contabilisticos de verbas destinadas a fazer face a um encargo imputável ao exercício, mas de comprovação futura, ou já comprovado mas de montante incerto. II — Entre as provisões constituídas pelo sujeito passivo de IRC a que a lei concede relevância, permitindo que sejam «deduzidas para efeitos fiscais» no apuramento do lucro tributável, contam-se « [a] s que se destinarem a ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os custos do exercício» fart. 33.°, n.° 1, alínea c), do CIRC, na redacção aplicável]. IIl — Sob pena de violação do princípio da especialização dos exercícios, a justificar a desconsideração da provisão, impõe-se que esta seja constituída no (primeiro) exercício em que se verificou o risco determinante da sua constituição". Assente in casu que, o montante da compensação dos direitos dos trabalhadores, fixado naquela quantia de €1.612.881,89, representa a contrapartida pela transferência da responsabilidade por eventuais despedimentos, mas traduz conforme o escopo da lei laboral nesse sentido, o esforço económico da recorrente em garantir os postos de trabalho e a prossecução da actividade pela cessionária [munida de mão de obra especializada, diremos nós] , estando assim por força do contrato apta a cessionária assegurar a continuidade dos proveitos ligados á exploração automóvel através da renda que passaria a auferir da concessionária. Sendo manifesto, que o desconto operado está directamente relacionado com o contrato de cessão de exploração, tido na sua unicidade, mas que aquela transferência das responsabilidades deu-se naquele exacto momento, pelo que a existir necessidade de provisões será por quem assumiu aquela, ou seja, a cessionária [SCom02...] que assumiu a transferência integral dos direitos laborais que se irão repercutir nos exercícios futuros, eventualmente durante o período de duração da cessão ou, concretamente, até que e à medida que cessassem as responsabilidades em causa. Pelo exposto, é evidente que de acordo com o apurado e sustentado na dita fundamentação de direito, encontrando-se o contribuinte vinculado contabilística e fiscalmente ao principio da periodização do lucro tributável, que impõe que , neste caso, os custos sejam imputáveis ao período a que dizem respeito e de acordo com o momento de realização em que os mesmos foram concretizados, por obediência ao critério económico subjacente ao apuramento do lucro tributável, e não de qualquer perspectiva financeira - cf. nº 1, do artigo 18º, do CIRC. Daí que todas as considerações tecidas pela recorrente para demonstrar a relevância fiscal do contrato de cessão de exploração e do mesmo discorrer um custo diferido no tempo de natureza plurianual, não logram vencimento para efeitos de aplicação do então n.º 5 do artigo 18º do CIRC, quer para a excepção contemplada no nº 2, do mesmo preceito legal, reportada à imprevisibilidade ou desconhecimento do custo, o qual não se pode ater já que o custo foi convencionado em 2003. Cai assim por terra toda a argumentação tecida pela recorrente quanto à pretensão de diferir no tempo a “seu belo prazer” a imputabilidade do valor que recaiu sobre a transferência de responsabilidades laborais, figurado como “desconto” convencionado na cessão de exploração em 2003, e desde logo ser possível e desejado que tal valor tivesse contribuído para o apuramento dos resultados desse mesmo ano. Atentemos que à época, a redacção do artigo 18º do CIRC na redacção em vigor até 31.12.2009, o seu n.º 5 determinava que “Os proveitos e custos de actividades de carácter plurianual podem ser periodizados tendo em consideração o ciclo de produção ou o tempo de construção.”. Cremos que, apesar do afastamento já estabelecido, a actividade desenvolvida pela Recorrente, quer antes da cessão, quer depois da cessão, não é enquadrável na excepção transcrita, cujo alcance respeitava a sector da construção, empreitadas ou similares. Resta saber então saber se ainda assim se imporia a consideração da predita justiça material. Ora, Como refere Tomás Cantista Tavares, in Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, p. 250, "A periodização do rendimento das sociedades encaixa-se, assim, em dois magnos princípios que se interpenetram numa relação de complementaridade — e por vezes de contraposição: por um lado, o conjunto das regras técnicas e operacionais que definem a imputação temporal das componentes positivas e negativas do rendimento, aglutinadas no chamado princípio prático da especialização dos exercícios ou, na actual nomenclatura, no princípio do acréscimo.. Por outro lado, o princípio material da justiça, concretizado, em grande medida, na regra da solidariedade dos exercícios, onde na constatação da real continuidade do rendimento, se permite uma certa interpenetração entre os vários períodos temporais, que não funcionam assim como compartimentos completamente estanques” Destarte, pese embora do artigo 18.º, n.º 1, do Código do IRC resultar uma vinculação para a AT no sentido de, em regra, dever aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua actividade de controle das declarações apresentadas pelas empresas, não podemos escamotear o facto de que o exercício daquele poder de controle por parte da AT, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consignado no artigo 266.º, n.º 2, da CRP e no artigo 55.º da LGT, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça. Como evidenciado pelas posições doutrinais e jurisprudenciais, na ponderação dos valores em causa – por um lado, o princípio da periodização económica e, por outro lado, o princípio da justiça – é manifesto que, em caso de incompatibilidade, deve ser dada prevalência a este último princípio nos casos em que não tenha resultado prejuízo para o erário público e se constate que não estamos perante comportamentos voluntários e intencionais, com o objetivo de obter vantagens fiscais. Vejamos, como doutrinado no recentíssimo arresto do STA, proferido no processo n.º 1382/14.2BEBRG, de 10 de abril de 2024: “permitem concluir que o Supremo Tribunal Administrativo fez sempre depender a prevalência daqueles princípios, particularmente do princípio da justiça, consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 50.º da LGT, sobre o princípio da especialização dos exercícios do prévio julgamento de inexistência de prejuízo para o erário público e de estar verificado que o erro cometido na contabilização dos proveitos e/ou custos não resultou de omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar transferências de resultados entre exercícios. É esta jurisprudência que emerge dos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo em que a Recorrente sustenta a sua pretensão, pelo menos, dos indicados e que se mostram efectivamente pertinentes (como se constata do seu teor, já que se encontram integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt), já que neles se pode ler (passamos a transcrever por ordem cronológica) que o princípio da especialização de exercícios deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça previsto no artigo 20.º da CRP e 55.º da LGT se «não havendo qualquer prejuízo para a FP (por todos os custos terem sido contabilizados, embora no tocante aos exercícios respectivos)» a transferência de resultados «não resultar de omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar transferências de resultados entre exercícios» (acórdão de 5-2-2003, proferido no processo n.º 1648/02); «não ofende» o princípio da especialização de exercícios» a não contabilização» que «não resultou de omissão voluntária e intencional» (acórdão de 25-1-2006, proferido no processo n.º 830/05); o princípio da especialização dos exercícios «visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respectivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram» devendo «tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios», como é o caso, da situação em que, «constituída uma provisão para crédito vencido, por lapso de contabilização, o sujeito passivo efectiva as reposições devidas pelos pagamentos parciais entretanto feitos, apenas e pela totalidade em determinado exercício e não, como era devido, de forma discriminada nos exercícios correspondentes em que esses pagamentos foram concretizados» (acórdão de 2-4-2008, proferido no processo n.º 807/07); «Em matéria de custos, o princípio da especialização dos exercícios – artigo 18.º do CIRC – traduz-se na consideração, como custo de determinado exercício, dos encargos que economicamente lhe sejam imputáveis», não pondo «em causa tal princípio a imputação, a um exercício, de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios», por tal ser «exigido pelo princípio da justiça, consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP, e 50.º da LGT», porém, nos termos do n.º 2 do mesmo dispositivo legal, “as componentes positivas ou negativas” não são “imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas” quando a sua não consideração, no exercício a que respeitam, se deve a erro contabilístico ou outro, do próprio contribuinte, já que tal norma há-de interpretar-se no sentido de que tais pressupostos, para serem relevantes, hão-de decorrer de situações externas que aquele não pode controlar. (acórdão de 25-6-2008, proferido no processo n.º 291/08); «O princípio da especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respectivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram», sendo que, «não existe violação ao princípio da especialização dos exercícios» se não estamos perante situação em que se verificou a imputação de proveitos ou de encargos que não tenham tido lugar nos respectivos exercícios, e não consta do probatório, nem do relatório da inspecção, nem tão pouco vem alegado pela Fazenda pública, que as operações realizadas tenham tido em vista a manipulação de resultados» (acórdão de 9-5-2012, proferido no processo n.º 269/12).” Ora, transpondo a fundamentação expendida no acórdão citado, para o caso vertente, temos que resulta do acervo fáctico dos autos que para além de não se sabermos, com segurança, quais as razões que determinaram a Recorrente a repercutir de modo fraccionado nos anos o custo suportado, mormente no ano de 2004, quais as razões que presidiram a contabilização dos valores em questão, de modo aleatório e dispares, a título de custos, (e, consequentemente, quais as verdadeiras ou efectivas implicações dessa distribuição do “custo” suportado em 2003, repercutido aleatoriamente naquele ano e nos anos posteriores e, que implicações geraram em termos de apuramento da matéria tributável em cada um dos exercícios que medeia um e outro dos anos, in casu 2003 e 2004) é absolutamente seguro afirmar-se que não foram razões externas e incontroláveis que determinaram a elaboração da contabilidade nos termos apurados, que a contabilidade tal como apresentada não resultou de “ lapsos contabilísticos”, alias a sua designação de “custos diferidos” e “custos extraordinários”, diz tudo. Nem a actuação da recorrente pode ser definida como de boa-fé, designadamente por não ter sido determinada, como a jurisprudência também já aceitou, por uma interpretação séria e plausível dum comando complexo, assente em interpretações abertas e dúbias da sua estatuição, a operação desconto como ela própria afirma discorre de uma operação de reestruturação elaborada com recurso a uma auditoria e acompanhamento fiscal. No caso, como se provou, insista-se, o que se registou foi uma actuação deliberada e intencional de transferência de resultados tendo em vista a obtenção de vantagens, absolutamente alheia à verdade fiscal que aquela contabilidade devia assegurar, não nos podemos abstrair que estamos no âmbito de uma cessão entre empresas de um mesmo grupo o que exige uma preocupação acrescida de transparência. Daí que, no caso, se deva concluir que a actuação da Administração Fiscal, nos termos recortados no probatório, constitui um rigoroso cumprimento ou observância do preceituado no artigo 18.º do CIRC, totalmente conforme com entendimento que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo vem firmando no que respeita à ponderação de princípios e valores que estão legal e constitucionalmente consagrados. Mais se diga, que se sufraga o entendimento da sentença sob recurso, quando alude «Apesar de na petição inicial pretender demonstrar que mantinha essa atividade ainda que como atividade secundária, a impugnante não logrou fazê-lo porquanto essa constatação é infirmada não só pelo próprio contrato de cessão de exploração que revela de forma manifesta que a impugnante deixou de exercer essa atividade a partir de 02/01/2003, por ter cedido a sua exploração à [SCom02...], como pelos relatórios de gestão e anexos ao balanço e à demonstração e resultados dos exercícios de 2004 e 2005 da impugnante, que confirmam a alteração radical da sua atividade e que consubstancia uma alteração substancial da atividade anteriormente exercida nos termos do art. 47.°, n.º 8, do CIRC, o que impede a dedução dos prejuízos fiscais nos termos do n.º 1 desse artigo. Daí que a impugnante também não tenha razão para invocar a inexistência de qualquer correção ao lucro tributável de 2004, na medida em que a correção decorrente do montante de €320.064,10 para a determinação do lucro tributável do exercício de 2004, sempre estaria assegurada pelo reporte dos prejuízos do exercício de 2003 (porque ao considerar-se que o valor global do desconto tinha de ser contabilizado no exercício de 2003, esse valor iria determinar um prejuízo fiscal que seria dedutível nos exercícios seguintes nos termos do art. 47.°, n.º 1, do CIRC), já que por força do art. 47.°, n,° 8, do CIRC, perante a alteração substancial da atividade anteriormente exercida, a impugnante não poderia deduzir os prejuízos fiscais apurados no exercício de 2003 Como vimos, a impugnante podia ver reconhecido o custo correspondente ao desconto do preço na venda realizada à [SCom02...] contabilizando-o no exercício de 2003, nos termos dos arts. 18.°, n.º 1, e 23.°, n.º 1, do CIRC, mas não podia deduzir nos exercícios seguintes o prejuízo fiscal apurado nesse exercício, nos termos do art. 47.°, n.º 1, do CIRC, porquanto tinha alterado substancialmente a sua atividade anterior e como tal o art. 47.°, n.º 8, do CIRC, impedia a dedução desses prejuízos nos termos do n.º 1.» Em suma, não reflectindo o registo contabilístico em causa um custo em que a Recorrente haja incorrido no exercício de 2004, nem estando verificadas circunstâncias que legitimem a transferência de resultados operada, há que concluir pela violação do artigo 18.º do CIRC e pela não verificação das alegadas violações do princípio da tributação do rendimento real consagrado no artigo 104°, n° 2 da CRP, do princípio da boa-fé, da justiça e da proporcionalidade invocadas pela Recorrente tendo em vista a revogação da sentença recorrida. 2.3 Conclusões I. O princípio da especialização dos exercícios encontra-se consagrado no artigo 18.º do CIRC e tem uma densidade vinculativa elevada, não tolerando, fora dos casos expressamente consignados na lei, qualquer margem de manobra do contribuinte na afetação temporal dos movimentos económico-financeiros da empresa, devendo, no entanto, ser sopesado com os demais princípios constitucionais basilares, mormente, da justiça. II. Nos termos do artigo 18.º do CIRC, os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica (n.º 1) e as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas (n.º 2). III. Numa situação em que os “custos diferidos” levados à contabilidade em 2004 decorrem de desconto operado em cessão de exploração por conta das responsabilidades laborais que são transferidas para a cessionária por força de contrato celebrado em 2003, os mesmos violam aquele princípio. IV. A prevalência do princípio da justiça sobre o princípio da especialização dos exercícios pressupõe que, cumulativamente, esteja apurado que do afastamento daquele último não resulte prejuízo para o erário público e que o erro cometido na contabilização dos proveitos e/ou custos não resultou de omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar transferências de resultados entre exercícios. 3. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso. Custas a cargo da recorrente. Porto, 23 de maio de 2024 Irene Isabel das Neves Rui Manuel Rulo Preto Esteves Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes |