Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00047/24.1BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/05/2024
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:ROGÉRIO PAULO DA COSTA MARTINS
Descritores:MILITAR DA G.R.N.; DISPENSA DE SERVIÇO; AMNISTIA; LEI N.º 38-A/2023, DE 02.08; NULIDADE DA SENTENÇA; OMISSÃO DE PRONÚNCIA;
ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO; AMNISTIA PRÓPRIA; AMNISTIA IMPRÓPRIA; N.ºS 1 E 2 DO ARTIGO 128 DO CÓDIGO PENAL; SANÇÃO E PROCEDIMENTO EXTINTOS;
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE; ALÍNEA D) DO N. º1, DO ARTIGO 615º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; ARTIGO 59.º DO REGULAMENTO DE DISCIPLINA DA G.N.R.;
ARTIGO 79.º DO ESTATUTO DOS MILITARES DA G.N.R.;
N.ºS 1 E 2 DO ARTIGO 21º DO REGULAMENTO DE DISCIPLINA DA G.N.R. E N.ºS 1 E 2 DO ARTIGO 18º DO ESTATUTO DISCIPLINAR DOS TRABALHADORES QUE EXERCEM FUNÇÕES PÚBLICAS (LEI 58/2008, DE 09.09; N.ºS 1 E 2 DO ARTIGO 128 DO CÓDIGO PENAL; PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE; N.º 2 DO ARTIGO 266.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; ARTIGO 7.º DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO.
Sumário:
1. Não é nula, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n. º1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil, a sentença que não aborda a aplicação da amnistia (Lei n.º 38-A/2023, de 02.08) a infracções disciplinares em que foi visado o militar de G.N.R. alvo da decisão impugnada de dispensa de serviço por estar prejudicada essa apreciação pela qualificação da dispensa de serviço como medida estatutária e não disciplinar e porque ainda que se devesse considerar colocado do visado na 2ª classe (por efeito indirecto da amnistia) sempre se justificaria a medida imposta por estar em causa, no entendimento do Tribunal a quo, uma infracção grave, a última, que justificaria, só por si, a aplicação dessa medida.

2. Poderá haver erro neste entendimento; o que não se pode dizer é que houve, na lógica da decisão, omissão de pronúncia.

3. Da conjugação do estipulado no artigo 59.º do Regulamento de Disciplina da G.N.R., e no artigo 79.º do Estatuto dos Militares da G.N.R., resulta que a dispensa de serviço é, materialmente, uma sanção disciplinar, porque se funda na prática de uma infracção, se traduz no desligamento do serviço e implica um juízo de inviabilidade da manutenção da relação funcional.

4. No que diz respeito ao pressuposto essencial da inviabilidade da manutenção da relação funcional a medida estatutária de dispensa do serviço não se distingue antes se identifica com qualquer sanção expulsiva, designadamente, em relação aos militares da G.N.R. – n.ºs 1 e 2 do artigo 21º do Regulamento de Disciplina da G.N.R. e n.ºs 1 e 2 do artigo 18º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas (Lei 58/2008, de 09.09).

5. Mostra-se, portanto, irrelevante para o caso que se trate formalmente de uma sanção disciplinar ou não. Porque materialmente é uma sanção disciplinar ou de natureza idêntica. Merecendo tratamento idêntico, como de resto, resulta do disposto no n.º 2 do artigo 79.º do Estatuto dos Militares da G.N.R..

6. A qualificação formal da dispensa de serviço como medida estatutária não obsta a considerar-se a aplicação da Lei da Amnistia às infracções que serviram de fundamento à aplicação desta medida. Quando seja de aplicar a amnistia.

7. A amnistia extingue o procedimento sancionatório (amnistia própria) ou, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução da pena e dos seus efeitos (amnistia imprópria) – n.ºs 1 e 2 do artigo 128 do Código Penal.

8. Não pode haver extinção de procedimentos ou de sanções que já se extinguiram pela decisão final transitada em julgado ou consolidada na ordem jurídica e cujos efeitos se produziram na totalidade. Pela simples e evidente razão de que não se pode extinguir o que já está extinto. É da natureza das coisas, de facto e de direito.

9. Para além de colidir com os princípios básicos da certeza e da segurança jurídicas alterar uma definição que se consolidou na ordem jurídica e produziu todos os efeitos que se destinava a produzir.

10. A esta conclusão lógica não obsta a previsão legal de que a amnistia não obsta à verificação da reincidência - n.º4 do artigo 75º do Código Penal.

11. Não se trata aqui de fazer renascer os efeitos da sanção ou da infracção já produzidos nem de retomar o procedimento sancionatório ou a sanção que já se extinguiram porque a sanção transitou em julgado ou se consolidou na ordem jurídica e produziu todos os efeitos que se destinava a produzir.

12. Trata-se antes de reconhecer relevância ou efeitos ao facto de ter havido uma condenação. Isto é, o procedimento e a sanção podem ter-se extinto, mas não deixou de existir o facto da condenação.

13. Não havia por isso no caso concreto que aplicar a recente Lei da Amnistia aos procedimentos disciplinares e às sanções anteriormente aplicadas, todas consolidadas na ordem jurídica e cumpridas - artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02.08, do artigo 75.º, n.º 4 do Código Penal e do artigo 50.º do Regulamento de Disciplina da G.N.R.

14. Se a descida na classe de comportamento foi definida por acto consolidado na ordem jurídica, tal como se consolidou e extinguiu, pelo cumprimento, a sanção de 30 dias de suspensão por infracção que a Entidade Demandada qualificou de grave sem que, nessa apreciação discricionária, se vislumbre erro, menos ainda grosseiro, sobretudo no contexto de uma progressiva baixa na classe de comportamento, não incorre em erro, nem de facto nem de direito, a decisão de dispensa de serviço ponde se conclui que com a “repetição de comportamentos censuráveis” … “o visado violou os requisitos morais, éticos, militares e técnico-profissionais exigidos pela sua função, revelando falta de lealdade, integridade, honestidade e competência profissional, denegrindo a imagem e prestígio da instituição.

15. Assim como se mostra acertada a conclusão, subjacente à dispensa de serviço, de inviabilidade da manutenção da relação funcional do Autor com a G.N.R..

16. Neste contexto, de facto e de direito, não há violação do princípio da proporcionalidade, pelo menos patente, evidente, que permita censurar a aplicação da dispensa de serviço do Autor, na margem de discricionariedade técnica e administrativa de que goza a Entidade Demandada neste juízo, pois esta medida, materialmente sancionatória, não tem como suporte, apenas, as últimas infracções praticadas e punidas pelo último acto sancionatório: foi o culminar de uma degradação progressiva da relação funcional do Autor com a G.N.R, resultante de sucessivas infracções disciplinares punidas com sanções efectivas e cumpridas e com a progressiva descida do Autor na classe de comportamento.

17. A decisão de dispensa do Autor do serviço da G.N.R., neste contexto, mostra-se perfeitamente adequada, razoável e proporcional e, por isso, justa, na perspectiva do disposto no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 7.º do Código de Procedimento Administrativo.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 12.04.2024, proferida em providência cautelar, mas antecipando o conhecimento de mérito da acção principal que intentou contra o Ministério da Administração Interna para anulação da decisão de 10.10.2023 que lhe aplicou a medida estatutária de dispensa de serviço.

Invocou para tanto, em síntese, que: a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, dado o Tribunal a quo nada ter dito sobre a aplicação (ou não) da Lei da Amnistia) Lei n.º 38-A/2023, de 02.08) às infracções que serviram de apoio à aplicação da medida estatutária de dispensa de serviço, aqui em causa; incorreu, em todo o caso, em erro de julgamento de direito, por errada interpretação do artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02.08, do artigo 75.º, n.º 4 do Código Penal e do artigo 50.º do Regulamento de Disciplina da G.N.R. ; incorreu também em erro nos pressupostos de facto e de direito, partindo da validade da colocação do Recorrente na 4.ª classe de comportamento, em violação do disposto no artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02.08 e no artigo 59.º do Regulamento de Disciplina da G.N.R.; finalmente incorreu em erro ao julgar não verificado o vício de violação do princípio da proporcionalidade, violando o disposto no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 7.º do Código de Procedimento Administrativo.

O Recorrido contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Tribunal recorrido emitiu despacho de sustentação defendendo não se verificar a nulidade imputada à sentença, de omissão de pronúncia.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. O recorrente alegou, em sede de petição inicial, que a medida estatutária de dispensa de serviço enfermou de erro nos pressupostos de facto de facto e de direito, uma vez que as sanções disciplinares aplicadas no âmbito dos procedimentos disciplinares PD029..., PD785... e PD271... deveriam ter sido declaradas extintas por força dos artigos 2.º, n.º 2 alínea b) e 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto e que, em virtude deste enquadramento jurídico, à data de início do processo, não estava colocado na 4.ª classe de comportamento.

2. Pese embora fosse este o busílis da questão, certo é que a sentença recorrida não se pronunciou, efectivamente, e de modo fundamentado, sobre a aplicabilidade, ou não, dos efeitos da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto às infracções disciplinares praticadas pelo Recorrente e pelas quais foi punido, à excepção da infracção que deu origem ao processo disciplinar n.º PD079....

3. Limitou-se, de modo superficial, a admitir a eventual amnistia daquelas infracções, dizendo, somente, que “assim, a eventual amnistia das sanções disciplinares em que foi visado o Autor (...)”.

4. O tribunal a quo não se pronunciou, de forma fundamentada, sobre a questão suscitada, pelo que padece, assim, a sentença recorrida de uma nulidade, por omissão de pronúncia, o que expressamente se invoca, com todas as consequências legais.

5. Admitindo, sem concretizar/fundamentar, a aplicabilidade da amnistia às infracções disciplinares, entendeu o tribunal a quo a amnistia “(...) não tem a virtualidade de eliminar os factos que lhe estão associados” e que, portanto, “(...) nada obsta a que a factualidade associada a uma conduta sancionada criminal ou disciplinarmente, mesmo que essa conduta seja amnistiada, possa relevar para outros efeitos, nomeadamente, e para o que aqui importa, para a aferição dos requisitos morais, éticos, militares ou técnico-profissionais do agente e justificar a adoção da medida estatutária de dispensa do serviço”.

6. Em 01.09.2023, entrou em vigor a Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, cujo artigo 6.º tem seguinte teor “são amnistiadas as infracções disciplinares e as infracções disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar”.

7. Quanto aos efeitos da aplicação da amnistia, nas sanções disciplinares, o Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão datado de 11.04.2024, proferido no âmbito do Processo n.º 904/16.9BEALM, entendeu o seguinte: “13. No caso presente, como o artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2/8, não distingue entre amnistia própria e amnistia imprópria, o efeito útil da norma é o de que a amnistia prevista constitui uma providência que “apaga” a infração disciplinar, sendo por isso apropriado falar-se aqui numa abolição retroativa da infração disciplinar, portanto esta (a amnistia), opera “ex tunc”, incidindo não apenas sobre a própria sanção aplicada, como também sobre o facto típico disciplinar passado, que cai em “esquecimento”, tudo se passando como se não tivesse sido praticado e, consequentemente, eliminado do registo disciplinar do trabalhador. Dito de outro modo, não distinguido entre amnistia própria e imprópria, objetivamente, o artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto “apaga” a infração disciplinar, abolindo retroativamente a infração disciplinar aplicada, opera assim “ex tunc”, incidindo não apenas sobre a própria sanção aplicada, como também sobre o facto típico disciplinar passado, o qual cai em “esquecimento”, tudo se passando como se não tivesse sido praticado, podendo, consequentemente, vir a ser apagado do registo disciplinar do trabalhador (...)” – sendo nossos os destaques.

8. Por sua vez, também o Supremo Tribunal Administrativo se pronunciou sobre esta questão, em vários acórdãos, entendendo, em todos eles, que “(...) a amnistia faz cessar a responsabilidade disciplinar do arguido, pelo que, salvo disposição legal em contrário, tem eficácia ex tunc, e faz desaparecer o objeto da ação que visa a anulação ou declaração de nulidade do ato que aplicou a pena disciplinar” – sendo nossos os destaques.

9. Por fim, o Tribunal Central Administrativo, por acórdão datado de 11.04.2024, proferido no âmbito do Processo n.º 1598/18.2BELSB segui o entendimento acima enunciado e considerou que “na verdade (...) não distinguido entre amnistia própria e imprópria, objetivamente, o art.° 6° da Lei n.° 38-A/2023, de 2 de agosto “apaga” a infração disciplinar, abolindo retroativamente a infração disciplinar aplicada, opera assim “ex tunc”, incidindo não apenas sobre a própria sanção aplicada, como também sobre o facto típico disciplinar passado, o qual cai em “esquecimento”, tudo se passando como se não tivesse sido praticado, podendo, consequentemente, vir a ser apagado do registo disciplinar do trabalhador (...)”.

10. Contrariamente à posição assumida pelo tribunal a quo na sentença recorrida, é entendimento jurisprudencial dominante que a amnistia das sanções, atento o facto de a Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto não fazer qualquer distinção entre amnistia em sentido próprio e amnistia em sentido impróprio, apaga a infracção, abolindo retroactivamente a infracção disciplinar aplicada, acabando esta em “esquecimento”.

11. À excepção da infracção disciplinar que deu origem ao processo disciplinar n.º PD079..., que constitui, simultaneamente, ilícito penal não amnistiado, todas as outras infracções estavam abrangidas pelo âmbito de aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, pelo que, em consequência, tinham de ser declaradas extintas, o que teria reflexos no processo com vista à aplicação da medida estatutária de dispensa de serviço, porquanto os pressupostos, de facto e de direito, teriam, necessariamente, de ser outros.

12. A possível instauração do processo com vista à aplicação da medida, nos termos do disposto na parte final do artigo 59.º do RDGNR, poderia, no limite, ter tido como fundamento a condenação disciplinar proferida no âmbito do procedimento disciplinar n.º PD079... – única infracção não abrangida pelos efeitos da lei da amnistia.

13. O que significaria, na prática, uma alteração dos pressupostos de facto e de direito que nortearam aquele processo, sobre os quais o Recorrente nunca foi notificado para, em sede própria, se pronunciar.

14. A sentença recorrida distingue a sanção estatutária de dispensa de serviço da pena (disciplinar) expulsiva.

15. No entanto, mesmo perante institutos de natureza completamente distinta, o tribunal a quo, para tentar fundamentar o seu entendimento, no sentido de a eventual amnistia das sanções não afectar a materialidade dos factos, não apagando os actos praticados, chamou à colocação, por um lado, o artigo 50.º do RDGNR e, por outro, o n.º 4 do artigo 75.º do Código Penal.

16. O n.º 4 do artigo 75.º do Código Penal determina que a prescrição da pena, a amnistia, o perdão genérico e o indulto não obstam à verificação da reincidência e, por sua vez, o referido artigo 50.º prevê que a amnistia tem os efeitos previstos na lei penal.

17. Estas disposições legais respeitam aos efeitos da amnistia nas sanções penais e nas sanções disciplinares.

18. Se a medida de dispensa de serviço é um procedimento distinto do procedimento conducente à aplicação da medida expulsiva em sede disciplinar, então, naturalmente, não se lhe poderão aplicar as disposições referentes àqueles institutos, atenta, precisamente, a sua diferente natureza.

19. Pelo exposto, ao decidir como decidiu, incorreu o tribunal a quo em erro de julgamento de direito, por errada interpretação do artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, do artigo 75.º, n.º 4 do Código Penal e do artigo 50.º do RDGNR, que expressamente se invoca, com todas as consequências legais.

20. No facto provado n.º 10, a sentença em crise julgou provado que no dia 28.03.2022 o Recorrente foi colocado na 4.ª classe de comportamento.

21. Embora, na perspectiva do tribunal a quo, a amnistia não afecte a materialidade dos factos, não apagando os actos praticados, certo é que, conforme se pode ler da fundamentação fáctico-jurídica da sentença, afecta as suas consequências jurídicas.

22. Ainda que a lei da amnistia não apagasse os factos/actos praticados – o que não se concede - pelo Recorrente naqueles procedimentos disciplinares, certo é que sempre teria de apagar as consequências jurídicas dos mesmos, nomeadamente as respeitantes à colocação do Recorrente na 4.ª classe de comportamento.

23. A colocação do Recorrente nesta classe de comportamento é uma consequência jurídica, directa, das condenações disciplinares, ou, dito de outro modo, é uma consequência jurídica dos actos praticados e disciplinarmente punidos.

24. Dos factos provados da sentença inequivocamente resulta que o processo com vista à aplicação da medida estatutária teve como pressuposto o facto de o Recorrente ter sido colocado na 4.ª classe de comportamento e não, unicamente, o facto de o Recorrente ter cometido uma infracção grave, disciplinarmente punida, no dia 21 de Fevereiro de 2020, no âmbito do processo n.º PD079....

25. Caso o Recorrido tivesse aplicado ao Recorrente os efeitos da Lei n.º 38­A/2023, de 3 de Agosto, a amnistia poderia não afectar a materialidade dos factos, não apagando os actos praticados – recorde-se que é a própria sentença recorrida que elucida que “(...) a amnistia não afeta a materialidade dos factos, mas apenas as suas consequências, ou seja, não apaga atos praticados” -, mas afectava as consequências jurídicas decorrentes das condenações disciplinares.

26. Por isto, quando lhe foi aplicada a medida estatutária, não estavam reunidos os pressupostos legais para estar colocado na 4.ª classe de comportamento, antes devendo, por via da Lei da Amnistia, à qual o Recorrido fez tábua rasa, estar colocado na 2.ª classe de comportamento.

27. Posto isto, e essencialmente pelos factos provados, não assiste razão ao tribunal a quo quando afirma que é “(...) irrelevante a questão de saber se o Autor deveria estar colocado na 2.ª classe de comportamento e não na 4.ª, dado que, estando em causa infracções graves (nomeadamente as constantes do PD079...), sempre poderia ser apreciada a aplicação da medida estatutária de dispensa de serviço (...)”.

28. O processo com vista à aplicação desta medida apenas foi instaurado em Maio de 2023 (cfr. facto provado n.º 24), quando já tinham decorrido mais de 3 anos desde a prática e desde a condenação da infracção disciplinar grave, no âmbito do processo disciplinar n.º PD079....

29. Assim, dúvidas não restam de que o referido processo não foi instaurado e tramitado unicamente com base na infracção grave, ou nas infracções graves, tendo-o sido, precisamente, pela colocação do Recorrente na 4.ª classe de comportamento.

30. Face ao elenco de factos provados, nomeadamente os constantes dos pontos 4 a 12, 31 e 32 e atento o disposto na fundamentação fáctico-jurídica da sentença, ao determinar a sentença recorrida que “(...) a amnistia não afeta a materialidade dos factos, mas apenas as suas consequências, ou seja, não apaga atos praticados”, incorreu o tribunal a quo em erro de julgamento de facto e de direito, por errada interpretação do disposto no artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto e no artigo 59.º do RDGNR, o que expressamente se invoca, para todos os efeitos legais.

31. No que directamente respeita ao princípio da proporcionalidade, o Recorrente, nos autos, alegou que a medida estatutária de dispensa de serviço aplicada é desproporcionada.

32. O tribunal a quo, por sua vez, entendeu que “(...) face à gravidade dos factos pelos quais o Autor foi disciplinarmente punido e também criminalmente por um crime de desobediência, é legítimo concluir que os factos em causa refletem a violação dos elementos deveres profissionais, éticos e morais que sobre si impendiam (...)”, acrescentando que o Recorrente “(...) revelou uma postura desadequada e irrecuperável à condição de um militar da GNR, evidenciando a ausência dos suprareferidos requisitos morais, éticos e profissionais exigidos pela função”.

33. O Recorrente foi disciplinarmente condenado, em suma, pela prática dos seguintes factos:
· Não efectuar o registo das patrulhas num determinado dia;
· Não realizar, também, em certo momento, o serviço de limpeza/manutenção de viaturas;
· Não respeitar os prazos de entrega de participações de acidente de viação;
· Chegar, num determinado dia, atrasado ao serviço;
· Pedir dinheiro emprestado e não o devolver, na data aprazada;
· Não se submeter a um teste de alcoolémia.

34. Com base nesta factualidade, o Recorrido extinguiu uma relação de 24 anos de serviço quando, foi o próprio, que em 26 de Abril de 2020 e em 19 de Agosto de 2021 agraciou o Recorrente com duas medalhas de assiduidade de segurança pública, uma e duas estrelas e, ainda, com a medalha de militar de comportamento exemplar, grau cobre, em 25 de Outubro de 2005.

35. Os comportamentos adoptados pelo Recorrente, apurados no âmbito dos procedimentos disciplinares e punidos com penas de suspensão, não relevam uma postura que fere a condição de um militar da GNR posto que, esses comportamentos, não significam desvios censuráveis ao que deve ser uma conduta adequada às exigências ético-jurídicas que se impõe.

36. A verdade é que a medida aplicada ao Requerente é ostensivamente violadora do princípio da proporcionalidade, consagrado no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa, nas suas três dimensões: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

37. Assim, atendendo à factualidade que alicerça a medida de dispensa de serviço e à repercussão que a aplicação da mesma surte na esfera jurídica do Recorrente, dúvidas não restam de que existe, no caso, violação do princípio da proporcionalidade, uma vez que a medida aplicada não é nem necessária, nem adequada (face à gravidade dos factos), nem tão pouco proporcional.

38. A título exemplificativo, mas suficiente ilustrativo para o que aqui se pretende demonstrar, o Tribunal Central Administrativo Norte, por acórdão proferido no dia 04.03.2016, no âmbito do Processo n.º 02881/11.3BEPRT, entendeu não violar o princípio da proporcionalidade a aplicação da medida estatutária de dispensa de serviço, a um militar da GNR, que adoptou comportamentos tais como abastecer o seu veículo de combustível e não proceder ao respectivo pagamento; adquiri um computador e não pagar o seu custo; vender um veículo automóvel e não o entregar a quem o adquiriu nem lhe devolver o preço; envolver-se em discussão com o proprietário de um bar devido à sua conduta para com a companheira do dono desse estabelecimento.

39. Os comportamentos do Recorrente, apreciados e punidos disciplinarmente, não podem, nem ao de leve, ser comparados, face à sua gravidade e consequências, aos comportamentos supra enunciados, constantes do acórdão melhor identificado no parágrafo antecedente.

40. Revestindo os comportamentos adoptados pelo Recorrente uma gravidade substancialmente diminuta, quando comparada a factualidade, torna-se, assim, evidente, que no caso dos autos foi ostensivamente violado o princípio da proporcionalidade o que determina, face à decisão do tribunal a quo, que a decisão recorrida incorra em erro de julgamento de facto e de direito por errada interpretação do disposto no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e, ainda, do artigo 7.º do Código de Procedimento Administrativo, o que expressamente se invoca, com todas as consequências legais.

*

II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1. O Autor é militar da G.N.R. desde 06.10.1999 - cf. fls. 45 do procedimento administrativo.

2. O Autor tem o posto de Cabo da G.N.R. - cf. fls. 45 do procedimento administrativo.

3. O Autor exerce funções no Posto Territorial ... desde 20.12.2018 - cf. fls. 45 do procedimento administrativo.

4. Em 02.05.2017, no âmbito do processo disciplinar n.º PD PD029..., o Autor foi punido com 5 dias de suspensão por violação do dever de obediência, previsto na alínea b), do n.º 2, do artigo 9.°, e do dever de zelo, previsto na alínea b), do n.º 2, do artigo 12.°, ambos do Regulamento de Disciplina da G.N.R. - cf. fls. 49 do procedimento administrativo.

5. Em 25.05.2017, o Autor foi colocado na 2.ª classe de comportamento - cf. fls. 46 do procedimento administrativo.

6. Em 11.07.2019, transitou em julgado a sentença proferida no âmbito do processo-crime NUIPC 20/19...., que condenou o Autor “como autor material, e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e. p. pelo art.º 348.°, alínea a) do Código Penal, (e art.º 152.°, n.º 1 al. a) e n.º 3 do Código da Estrada, aprovado pelo Dec. Lei n.º 114/94, de 03.05 na redacção introduzida pelo Dec. Lei n.º 02/98, de 03.01, na redacção introduzida pelo Dec. Lei n.º 44/2005, de 23.02), na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de 6€50 (seis euros e cinquenta cêntimos), num total de 520€00 (quinhentos e vinte euros)”.

- cf. “RELATÓRIO DO RESPONSÁVEL PELA DIRECÇÃO DO PROCEDIMENTO (art.º 126.º do C procedimento administrativo)”, relativo ao processo estatutário de dispensa de serviço n.º PE010..., constante de fls. 80-85 do procedimento administrativo.

7. Em 21.02.2020, no âmbito do processo disciplinar n.º PD079..., o Autor foi punido com 25 dias de suspensão, por infracção do dever geral, previsto no n.º 1 e n.º 3, do art.º 8.°, do dever de correção, previsto no n.º 1 e alínea i) , do n.º 2, do art.º 14.°, e do dever de aprumo, previsto no n.º 1 e alínea a), do art.º 17.°, todos do Regulamento de Disciplina da G.N.R. - cf. fls. 50 do procedimento administrativo.

8. Em 21.02.2020, o Autor foi colocado na 3.ª classe de comportamento - cf. fls. 46 do procedimento administrativo.

9. Em 17.03.2022, no âmbito do processo disciplinar n.° PD785..., o Autor foi punido com 10 dias de suspensão, por infracção do dever geral, previsto no n.° 1 e n.° 3, do art.° 8.°, do dever de proficiência, previsto no n.° 1 e alínea a), do n.° 2, do art.° 11.°, e do dever de disponibilidade, previsto no n.° 1 e n.° 2, alínea a) do artigo 15.°, todos do Regulamento de Disciplina da G.N.R. - cf. fls. 51 do procedimento administrativo.

10. Em 28.03.2022, o Autor foi colocado na 4.ª classe de comportamento - cf. fls. 46 do procedimento administrativo.

11. Em 13.09.2022, no âmbito do processo disciplinar n.° PD217..., o Autor foi punido com 30 dias de suspensão, por infracção do dever geral, previsto no n.° 1 do art.° 8.°, do dever de proficiência, previsto no n.° 1 e alínea a), do n.° 2, do art.° 11.°, do dever de correcção, previsto no n.° 1 e alínea a), n.° 2, do art.° 14.°, do dever de aprumo, previsto no n.° 1 e alínea a), do n.° 2, do art.° 17.°, e do dever de isenção, previsto no n.° 1 e alínea d) e h), do n.° 2, do art.° 13.°, todos do Regulamento de Disciplina da G.N.R. - cf. fls. 52 do procedimento administrativo.

12. Em 17.11.2022, por despacho n.° ...2, do Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, foi instaurado um processo estatutário de dispensa de serviço ao Autor, atendendo a que o mesmo se encontrava na 4.ª classe de comportamento desde 28.03.2022 e, estando nessa classe, em 13.09.2022, foi punido pelo Comandante de Unidade com a pena de 30 dias de suspensão, por ter cometido uma infracção grave - cf. fls. 2 do procedimento administrativo.

13. Através do despacho mencionado no ponto precedente, foi delegado no Major «BB» a direcção do procedimento em causa, passando a ser responsável pela sua tramitação - cf. fls. 2 do procedimento administrativo;

14. Em 09.12.2022, o Autor tomou conhecimento da instauração do processo estatutário de dispensa de serviço mencionado em 12., ao qual foi atribuído o n.° PE010... - cf. fls. 34 do procedimento administrativo.

15. Em 29.01.2023, o Autor prestou declarações no âmbito do processo estatutário de dispensa de serviço n.° PE010... - cf. fls. 62 e ss. do procedimento administrativo.

16. Em 08.02.2023, foi proferido despacho de acusação no âmbito do processo estatutário de dispensa de serviço n.° PE010... - cf. fls. 70-76 do procedimento administrativo.

17. No despacho de acusação colhe-se, além do mais, o seguinte teor:

«I - Resumo do procedimento
(...)
II De facto
(...)
2.°
Desde o início da sua carreira, o visado foi punido disciplinarmente 04 (quatro) vezes e condenado pela prática de 01 (um crime), encontrando-se neste momento ainda a decorrer:
3.°
03 (três) processos disciplinares:
a. PD217..., do qual foi extraída certidão e remetida para o Tribunal da Comarca de Porto-Este, autuado com o NUIPC 24/22.... (fls. 05, 64 e 65);
b. PD809..., tendo por base os factos constantes no auto de notícia com o NUIPC 740/22.... (fls. 36);
c. PD097..., tendo por base os factos constantes no auto de notícia com o NUIPC 43/23.... (fls. 67 a 69)
4.°
04 (quatro) processos crime:
a. NUIPC 24/22.GTPNF, por suspeitas do crime de abuso de confiança (fls. 64 e 65);
b. NUIPC 740/22...., por suspeita do crime de burla através de documento falso (fls. 36 a 38);
c. NUIPC 64/22...., por suspeitas do crime de abuso de confiança (fls. 05);
d. NUIPC 42/23...., por suspeitas do visado ter contraído empréstimo de dinheiro, sem ter cumprido com a obrigação de pagar (fls. 67 e 68).
(...)
III. De Direito
1. ...
2. …
3. …
4. Ora, considerando os factos apurados na instrução, é manifesto que o visado não tem um perfil comportamental adequado e compatível com a condição de militar da Guarda, porquanto a gravidade das infrações, o quantum das penas aplicadas e as repetidas condutas erróneas c censuráveis, com 70 dias de suspensão até à presente data, encontrando-se a decorrer 03 (três) processos disciplinares e 04 (quatro) processos crime nos quais ainda é visado/suspeito, aliado ao elevado número de dias (744 até 03NOV22) em que não está disponível para o serviço e o número de processos nos quais ainda é visado/suspeito, onde denota claramente uma constante repetição de comportamentos censuráveis, recorrentemente o visado violou os requisitos morais, éticos, militares e técnico- profissionais exigidos pela sua função, revelando falta de lealdade, integridade, honestidade e competência profissional, denegrindo a imagem e prestígio da instituição, não apresentando factos favoráveis suficientes para que se obtenha outra apreciação.
5. Assim, considera-se que estão reunidos os pressupostos de facto e de direito necessários à aplicação da medida estatutária de dispensa do serviço ao visado, Cabo, ...11, «AA».
(...)
Proceda-se à notificação do visado (pessoal) e do seu advogado (correio registado) (caso se encontre constituído nos autos), juntando-se cópia do presente despacho (...)»
(...).»

- cf. fls. 70-76 do procedimento administrativo.

18. Em 12.02.2023, o Autor foi notificado da acusação mencionada no ponto precedente - cf. fls. 77 do procedimento administrativo.

19. Em 20.03.2023, foi elaborado “RELATÓRIO DO RESPONSÁVEL PELA DIRECÇÃO DO PROCEDIMENTO (art.º 126.º do CPA)”, relativo ao processo estatutário de dispensa de serviço n.º PE010... - cf. fls. 80-85 do procedimento administrativo.

20. No relatório mencionado no ponto precedente colhe-se, além do mais, o seguinte teor:

«(...)
I. Resumo do procedimento
(...)
II. Acusação
1.°
O visado é militar da Guarda Nacional Republicana desde 06OUT99, foi promovido ao posto de Cabo em 22FEV19, com antiguidade reportada a 05NOV17 e pertence ao efetivo do PTer ... desde 20DEC19 (fls. 45).
2.°
Desde o início da sua carreira, o visado foi punido disciplinarmente 04 (quatro) vezes e condenado pela prática de 01 (um crime), encontrando-se neste momento ainda a decorrer:
3.°
03 (três) processos disciplinares:
a. PD217..., do qual foi extraída certidão e remetida para o Tribunal da Comarca de Porto-Este, autuado com o NUIPC 24/22.... (fls. 05, 64 e 65);
b. PD809..., tendo por base os factos constantes no auto de notícia com o NUIPC 740/22.... (fls. 36);
c. PD097..., tendo por base os factos constantes no auto de notícia com o NUIPC 43/23.... (fls. 67 a 69)
4.°
04 (quatro) processos crime:
a. NUIPC 24/22.GTPNF, por suspeitas do crime de abuso de confiança (fls. 64 e 65);
b. NUIPC 740/22...., por suspeita do crime de burla através de documento falso (fls. 36 a 38);
c. NUIPC 64/22...., por suspeitas do crime de abuso de confiança (fls. 05);
d. NUIPC 42/23...., por suspeitas do visado ter contraído empréstimo de dinheiro, sem ter cumprido com a obrigação de pagar (fls. 67 e 68).
5.°
Com efeito, em 02MAI17, no âmbito do processo disciplinar PD029..., foi punido, pela prática de uma infração grave, com a pena disciplinar de 5 (cinco) dias de suspensão, por violação do dever de obediência, previsto na alínea b), do n.° 2, do art.° 9.° e do dever de zelo, previsto na alínea b), do n.° 2, do art.° 12.°, ambos do Regulamento de Disciplinar da Guarda Nacional Republicana (RDGNR), porquanto terminada a fase de defesa sem que o arguido respondesse à acusação, o que vale nos termos do art.° 100.° do RDGNR como efetiva audiência para todos os efeitos legais, o instrutor elaborou o competente relatório final, dando como provados os seguintes factos (fls. 07 a 12, 49, 54 e 55):
a. No dia 28OUT16, o arguido efetuou o serviço de patrulha às ocorrências, como comandante da patrulha, no período 00H00/08H00, não tendo efetuado o preenchimento correto e completo da Guia de patrulha, com o registo SIIOP n.° ...91.
b. No dia 12NOV16, o arguido efetuou o serviço de patrulha às ocorrências, como comandante da patrulha, no período 07H00/15H00, não tendo efetuado o preenchimento correto e completo da Guia de patrulha, com o registo SIIOP n.° ...82....
c. O arguido no período compreendido entre 12SET16 a 02OUT16, encontrava-se escalado para o serviço de limpeza/manutenção de viatura, serviço que não cumpriu.
d. O arguido, o acidente de viação ocorrido em 10AGO16, com o n.° 187/2016, registado no PTer Lixa, apenas procedeu à sua elaboração em 22AGO16.
e. O arguido, no acidente de viação ocorrido em 19AG016, com o n.° 198/2016, registado no PTer Lixa, apenas procedeu à sua elaboração em 01SET16.
f. O arguido, no acidente de viação ocorrido em 15SET16, com o n.° 212/2016, registado no PTer Lixa, apenas procedeu à sua elaboração em 26SET16.
g. O arguido, no acidente de viação ocorrido em 220UT16, com o n.° 244/2016, registado no PTer Lixa, apenas procedeu à sua elaboração em 05NOV16.
h. O arguido, no acidente de viação ocorrido em 07NOV16, com o n.° 259/2016, registado no PTer Lixa, apenas procedeu à sua elaboração em 18NOV16.
6.º
Em 21FEV20, no âmbito do processo disciplinar n.° PD079..., foi punido, pela prática de uma infração grave, com a pena disciplinar de 25 (vinte e cinco) dias de suspensão, por violação do dever geral, previsto no n.° 1 e n.°3, do art.°8.°, do dever de correção, previsto no n.° 1 e alínea i), do n.°2, do art.° 14.° e do dever de aprumo, previsto no n.° 1 e alínea a), do n.° 2, do art.° 17.°, todos do RDGNR, porquanto terminada a fase de defesa sem que o arguido respondesse à acusação, o que vale nos termos do art.° 100.° do RDGNR como efetiva audiência para todos os efeitos legais, o instrutor elaborou o competente relatório final, dando como provados os seguintes factos (tis. 13 a 19, 46, 50 e 55):
a. No dia 23JAN19, cerca das 04H45, o arguido conduzia o veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula ..-ET-.., na Rua ..., na freguesia ..., concelho ....
b. Durante uma ação de fiscalização rodoviária, o militar da Guarda Nacional Republicana, «CC», na Unidade Nacional de Trânsito, que se encontrava devidamente uniformizado, ordenou ao arguido que procedesse à realização do teste de deteção de álcool no sangue, por ar expirado, tendo o mesmo recusado.
c. De seguida, e apesar de ter sido advertido de tal recusa o faria incorrer na prática do crime de desobediência, o arguido persistiu na recusa em proceder à realização de tal teste, que não realizou.
d. O arguido sabia que o referido militar exercia funções na Guarda Nacional Republicana, Unidade Nacional de Trânsito, com competência para fiscalizar o exercício da condução, nos moldes relatados e que a recusa em se submeter ao teste de deteção de álcool no sangue constituía crime de desobediência.
e. Contudo, a conduta descrita foi praticada pelo arguido com o propósito deliberado de se eximir ao cumprimento de tal obrigação, enquanto condutor, e bem assim de evitar a fiscalização da sua condução.
f. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, não se coibindo, porém, de assim atuar.
g. Da decisão punitiva, o arguido recorreu, tendo-lhe sido negado provimento ao recurso hierárquico apresentado, confirmando a decisão recorrida, por Despacho de Sua Excelência, o Comandante-Geral da GNR, à data, Tenente-General «DD», de 23ABR20, inserto no Parecer n.° 77/20, de 17ABR, da DJD.
7.°
Pelos mesmos factos do processo disciplinar n.° PD079..., foi condenado, no âmbito do processo-crime NUIPC 20/19.... a autoridade judiciária competente, por sentença transitada em julgado em 11JUL19, decidiu: "condenar o arguido «AA», como autor material, e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.°348.°, alínea a) do Código Penal, (e art.° 152.°, n.° 1 al. a) e n.° 3 do Código da Estrada, aprovado pelo Dec. Lei n.° 114/94, de 03.05 na redação introduzida pelo Dec. Lei n.° 02/98, de 03.01, na redação introduzida pelo Dec. Lei n.° 44/2005, de 23.02) na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de €6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), num total de €520,00 (quinhentos e vinte euros)" (fls. 15 e 16).
8.°
Em 17MAR22, no âmbito do processo disciplinar n.° PD785..., foi punido, pela prática de duas infração graves, com a pena disciplinar de 10 (dez) dias de suspensão, por violação do dever geral, previsto no n.° 1 e n.° 3, do art.° 8.°, do dever de proficiência, previsto no n.° 1 e alínea a), do n.° 2, do art.° 11,°, do dever de disponibilidade, previsto no n.° 1 e n.° 2, alínea a), do artigo 15.°, todos do RDGNR, porquanto terminada a fase de defesa sem que o arguido respondesse à acusação, o que vale nos termos do art.° 100.° do RDGNR como efetiva audiência para todos os efeitos legais, o instrutor elaborou o competente relatório final, dando como provados os seguintes factos (fls. 20 a 25, 46, 51 e 56):
a. O arguido, ora visado, é militar da Guarda Nacional República desde 0601JT99, tendo sido promovido ao Posto de Guarda-Principal em 15NOV12 e ao posto de Cabo em 22FEV19, pertencendo ao efetivo do PTer ... desde 20DEC18.
b. O arguido, no dia 18NOV21 fazia-se circular em viatura, marca BMW, cor preta, de matrícula ..-PG-.., nomeadamente, no percurso que realizava da sua habitação para as instalações do PTer ....
c. A viatura supramencionada não se encontra registada como propriedade do arguido, contudo o mesmo fez uso da mesma no decorrer de um ano e meio, situação que se verifica com acordo mútuo entre o arguido e o legitimo proprietário.
d. No dia 18NOV21 encontrava-se escalado de serviço de apoio ao atendimento, período 15H00-23H00.
e. Foi o arguido abordado pelo Alferes «EE», após este o ver a circular na via pública com a viatura em causa, cerca das 15H08, já no parque de estacionamento do PTer ..., em virtude de existirem rumores que existia um militar a circular com a viatura sem que a mesma fosse possuidora de seguro de responsabilidade civil.
f. Foi verificado, aquando da abordagem pelo Alferes «EE» e após verificação através de plataforma SEGURNET, que a viatura não tinha o seguro válido, pelo facto de se encontrar anulado, a pedido do tomador de seguro, desde 30AGO21.
g. Foi ainda solicitado, pelo agente fiscalizador, Alteres «EE», todos os documentos respeitantes ao condutor e veículo, para elaboração de auto de contraordenação por não possuir seguro válido. Não apresentou a carta de condução, tendo sido elaborado outro auto de contraordenação.
h. O arguido admitiu não ter, à data, seguro de responsabilidade civil e que o mesmo se deveu a problemas na conta bancária, de onde se extrai, débito direto automático. O arguido não se apercebeu que não tinha seguro na viatura, que efetuava pagamentos de 3 em 3 meses e, como tal, pensava que tudo estava regularizado.
i. O arguido cometeu duas infrações, circular sem seguro de responsabilidade civil, pelo disposto n.° 1, do art.° 150.° do Código da Estrada (CE) - pese embora não se encontre registada em sua propriedade, o mesmo admitiu que a viatura é de sua propriedade, estando a aguardar apenas o pagamento de todas as prestações para que tal se venha a oficializar e, uma segunda infração, por circular em viatura a motor sem ser possuidor de carta de condução, pelo disposto no n.° 2, do art.° 85.° do CE.
j. No dia 19NOV21 a viatura, que circulava desde agosto de 2021, com seguro anulado na companhia "Zurich Seguros", passa a ter seguro válido na companhia "Caravela Seguros".
k. O arguido afirma que chegou efetivamente atrasado no dia 18NOV21, contudo alega que eram 15H05 e que tal atraso se deveu a situação de obras que estavam a decorrer na via pública, ficando impedido de continuar a marcha devido ao engarrafamento de trânsito originado pelo pesado que cortou totalmente o trânsito, por cerca de 10 minutos.
l. O arguido não costuma chegar ao serviço com muita antecedência, contudo consegue entrar ao serviço à hora definida, neste caso em concreto admite que chegou atrasado, mas que efetuou chamada a dar conhecimento, não se recorda, porém, para quem a efetuou.
m. O Comandante de Posto alega que teve conhecimento do motivo do atraso já posteriormente, aquando questionado o militar. Refere ainda que o arguido em termos de pontualidade é um militar cumpridor.
9.º
Em 13SET22, no âmbito do processo disciplinar n.° PD217..., foi punido, pela prática de uma infração grave, com a pena disciplinar de 30 (trinta) dias de suspensão, por violação do dever geral, previsto no n.° 1, do art.° 8.°, do dever de proficiência, previsto no n.° 1 e alínea a), do n.° 2, do art.° 11,°, do dever de correção, previsto no n.° 1 e alínea a), do n.° 2, do art.° 14.°, do dever aprumo, previsto no n.° 1 e alínea a), do n.° 2, do art.H 17.° e do dever de isenção, previsto no n.° 1 e alíneas d) e h), do n.° 2, do art.° 13.°, todos do RDGNR, porquanto terminada a fase de defesa sem que o arguido respondesse à acusação, o que vale nos termos do art.° 100.° do RDGNR como efetiva audiência para todos os efeitos legais, o instrutor elaborou o competente relatório final, dando como provados os seguintes factos (fls. 26 a 30, 46, 52 e 56):
a. O arguido, ora visado, é militar da Guarda Nacional República desde 060UT99, tendo sido promovido ao Posto dc Guarda-Principal cm 15NOV12 c ao posto dc Cabo cm 22FEV19, pertencendo ao efetivo do P l er ... desde 2UDEC18.
b. Em meados de outubro/novembro de 2021, o arguido solicitou emprestado €200 (duzentos euros) ao cidadão «FF», sem nunca devolver o referido montante.
c. Em meados de OUT20, o arguido pediu €300 (trezentos euros) emprestado ao cidadão «GG», sem nunca devolver o referido montante.
d. Em 27DEC21, o arguido deslocou-se ao parque de estacionamento do Tribunal Judicial de ..., tendo pedido emprestado €200 (duzentos euros) ao segurança do local, «HH», tendo o arguido referido que lhe devolveria o dinheiro no dia 05JAN22, contudo, nunca devolveu o referido montante.
e. Em meados de JUL21, o arguido solicitou um empréstimo de €600 (seiscentos euros) ao cidadão «II», referindo que devolveria num prazo de 3 semanas, contudo, nunca devolveu o referido montante.
f. O arguido conheceu o cidadão «HH» e o cidadão «II», no âmbito profissional, como sendo militar da GNR.
g. O arguido aproveitou-se da vantagem das suas funções como agente de autoridade para conseguir a confiança dos cidadãos e lhes solicitar os empréstimos.
h. Com a sua conduta o arguido afetou a sua imagem como militar da Guarda Nacional Republicana e a imagem da Instituição.
i. O arguido ao contrair empréstimos e não efetuar a sua devolução aos lesados, agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta é condenável e que incorreria na prática de infração disciplinar.
j. O arguido ao aproveitar-se das suas funções para se aproximar dos cidadãos enquanto militar da GNR, atuou de forma dolosa e condenável, conformando-se com a prática da infração disciplinar.
k. Face aos factos acima descritos, foi extraída certidão e elaborado auto de notícia para o Tribunal da Comarca de Porto-Este, autuado com o NUIPC 24/22...., o qual se encontra em instrução.
10.º
Por certidão extraída do processo disciplinar n.° PD217..., foi remetido aos serviços do Ministério Público o NIJIPC 24/22...., no qual o visado é suspeito de crime de abuso de confiança. O processo crime encontra-se cm instrução (fls. 05, 26 a 30, 64 c 65).
11.º
Pelos factos constantes no Auto de Notícia com o NUIPC 740/22...., no qual o visado é suspeito de crime de burla através de documento falso, o Exmo. Comandante do Cornando Territorial do Porto, Coronel «JJ», através do Despacho (Liminar) n.° ...22..., de 09DEC22, determinou a abertura do processo disciplinar n.° PD809... ao visado. Os dois processos, crime e disciplinar, encontram-se em instrução (fls. 36 a 38 e 56).
12.º
Encontra-se em instrução no Tribunal Judicial de ... o processo NUIPC 64/22...., por denúncia apresentada por civil, sobre factos similares aos apreciados no processo disciplinar n.° PD217... (fls. 05).
13.º
Pelos factos constantes no Auto de Notícia com o NUIPC 43/23...., no qual o visado é suspeito de ter contraído empréstimo sem ter efetuado o pagamento do mesmo, o Exmo. Comandante do Comando Territorial do Porto, Coronel «JJ», através do Despacho (Liminar) n.° ...23..., de 01FEV23, determinou a abertura do processo disciplinar n.° PD097... ao visado. Os dois processos, crime e disciplinar, encontram-se em instrução (fls. 67 a 69).
14.º
Em consequência da pena disciplinar aplicada no âmbito do processo disciplinar n.° PD029..., o visado foi colocado na 2.ª classe de comportamento (fls. 12).
15.º
Em consequência da pena disciplinar aplicada no âmbito do processo disciplinar n. PD079..., o visado foi colocado na 3.ª classe de comportamento (fls. 17).
16.º
Em consequência da pena disciplinar aplicada no âmbito do processo disciplinar n.° PD785..., o visado foi colocado na 4.ª classe de comportamento (fls. 25).
17.º
Em consequência da pena disciplinar aplicada no âmbito do processo disciplinar n.° PD217..., o visado manteve a 4.ª classe de comportamento (fls. 30).
18.º
A informação de serviço do superior imediato atual do visado (Comandante do PTer ...), Sargento-Chefe, ...82, «KK», refere que é positiva no que diz respeito ao desempenho do visado como patrulheiro e é negativa no que diz respeito à sua conduta cívica e moral, a qual tem sido alvo de diversos reparos por parte da população civil, e por sua vez por parte do seu Comandante direto, tendo em conta os vários processos disciplinares e judiciais que correram e correm contra si (fls. 57).
19.º
A informação de serviço do anterior Comandante PTer do visado, Sargento-Chefe, ...49, «LL», refere que no âmbito do serviço que desempenha, tem demonstrado ao longo do tempo ser um militar que cumpre com dificuldade a missão que lhe é confiada e mantém um relacionamento distante com os demais camaradas e superiores hierárquicos (fls. 61).
20.º
A informação de serviço do atual Comandante DTer do visado (Comandante do DTer ...), Capitão, ...44, «MM», refere que o militar cumpre as tarefas, funções e responsabilidades que lhe são confiadas, de forma pouco enérgica e motivada mostrando pouca dedicação nos parâmetros pretendidos. Revela pouca interação com os seu pares e superiores atendendo ao comportamento negativo junto da população, associado a dividas de dinheiro, demostrando uma má imagem para a Guarda e para os restantes militares ao serviço. A presente informação deve ser considerada como negativa (fls. 60).
21.º
A informação de serviço da anterior Comandante DTer do visado, Capitão, ...53, «NN», refere que desde que foi colocado no PTer ..., o visado cumpria as ordens e determinações dadas pelos seus superiores em matéria de serviço, contudo sempre foi um militar que demonstrava muito pouca iniciativa e pouca dedicação ao serviço. Apesar de ser dos militares mais antigos do PTer ..., nunca se constituiu como um exemplo de conduta pessoal e profissional para com os seus pares, seja no serviço seja fora dele. A presente informação deve ser considerada negativa (fls. 59).
22.º
O visado foi agraciado com as medalhas de assiduidade de segurança pública, uma e duas estrelas, respetivamente em 26ABR10 e 19AG021 (fls. 46).
23.º
O visado foi agraciado com a medalha militar de comportamento exemplar, grau cobre, em 25OUT05 (fls. 46).
III. Ponderação da defesa (direito de audiência dos interessados)
Não foi apresentada.

IV. Factos provados
Consideram-se provados todos os factos constantes na acusação.
V. De Direito
1. De acordo com o art.° 59.“ do RDGNR, os militares da Guarda, quando colocados na 4. “ classe de comportamento, podem ser apreciados com vista à eventual aplicação da medida estatutária de dispensa do serviço, sendo-o sempre que cometam infração grave e como tal punida.
2. Por sua vez, refere o art.° 79.°, n.° 1, do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana (EMGNR), que a dispensa do serviço, quando da iniciativa do Comandante-Geral, pode ter lugar sempre que o comportamento do militar indicie notórios desvios da condição de militar da Guarda, designadamente dos requisitos morais, éticos, militares ou técnico-profissionais exigidos pela sua qualidade e função, definidos no n.° 2 do artigo 3. °.
3. Define o art.° 3.°, n.° 2, do EMGNR, que o militar da Guarda está investido do poder de autoridade, nos termos da legislação em vigor, que se obriga a manter em todas as circunstâncias um bom comportamento cívico e a proceder com justiça, lealdade, integridade, honestidade e competência profissional, de forma a fortalecer a confiança e o respeito da população e a contribuir para o prestigio da Guarda e das instituições democráticas.
4. Ora, considerando os factos apurados na instrução, é manifesto que o visado não tem um perfil comportamental adequado e compatível com a condição de militar da Guarda, porquanto a gravidade das infrações, o quantum das penas aplicadas e as repetidas condutas erróneas c censuráveis, com 70 dias de suspensão ató à presente data, encontrando-se a decorrer 03 (três) processos disciplinares e 04 (quatro) processos crime nos quais ainda é visado/suspeito, aliado ao elevado número de dias (744 até 03NOV22) em que não está disponível para o serviço e o número de processos nos quais ainda é visado/suspeito, onde denota claramente uma constante repetição de comportamentos censuráveis, recorrentemente o visado violou os requisitos morais, éticos, militares e técnico- profissionais exigidos pela sua função, revelando falta de lealdade, integridade, honestidade e competência profissional, denegrindo a imagem e prestígio da instituição, não apresentando factos favoráveis suficientes para que se obtenha outra apreciação.
VI. Proposta
Em face do exposto, considera-se que o visado não possui um perfil comportamental compatível com a condição de militar da Guarda, pelo que lhe deve ser aplicada a medida estatutária de dispensa do serviço, com a consequente cessação do vínculo funcional e a perda dos direitos de militar da Guarda, sem prejuízo da concessão da pensão de reforma nos termos da lei, cf. art.° 79.°, n.os 1 e 4, do EMGNR.
(....)»
- Cf. fls. 80-85 do procedimento administrativo.

21. Em 10.04.2023, o processo estatutário de dispensa de serviço n.° PE010... foi remetido à Direcção de Justiça e Disciplina da G.N.R., para efeitos de apreciação e decisão - Cf. fls. 86 do procedimento administrativo.

22. Em 16.05.2023, o Chefe da Divisão de Assuntos Disciplinares da Direcção de Justiça e Disciplina da G.N.R., elaborou a informação ...3, com o assunto “Proposta de dispensa de serviço (Estatutário)”, relativa ao processo estatutário de dispensa de serviço n.° PE010... - cf. fls. 87-89 do procedimento administrativo.

23. Na informação mencionada no ponto precedente colhe-se, além do mais, o seguinte teor:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…).»

- Cf. fls. 87-89 do procedimento administrativo.

24. Em 17.05.2023, a proposta mencionada no ponto precedente mereceu despacho concordante do Diretor de Justiça e Disciplina da G.N.R., propondo que o processo fosse enviado ao Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina da G.N.R., para emissão de parecer sobre a proposta de dispensa de serviço - cf. fls. 87 do procedimento administrativo.

25. Em 18.05.2023, a proposta mencionada no ponto precedente mereceu a concordância do Comandante-Geral da G.N.R. - cf. fls. 87 do procedimento administrativo.

26. Em 29.06.2023, reuniu extraordinariamente o Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina da G.N.R. - cf. fls. 91 do procedimento administrativo.

27. Na reunião mencionada no ponto precedente, o Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina da G.N.R. emitiu parecer sobre a aplicação da medida estatutária de dispensa de serviço do Autor, tendo 28 membros do Conselho a votado favoravelmente a dispensa de serviço do Autor, e nenhum membro votado contra - cf. fls. 91-96 do procedimento administrativo.

28. Em 17.07.2023, o Comandante-Geral da G.N.R. manifestou concordância com o parecer do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina da G.N.R. referido no ponto precedente, e determinou o envio do processo ao Ministro da Administração Interna, para apreciação e decisão - fls. 100 do procedimento administrativo.

29. Em 06.09.2023, a direcção de Serviços de Assessoria Jurídica, Contencioso e Política Legislativa da Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna, emitiu o Parecer n.° 558-MM/2023, relativo à proposta de aplicação da medida estatutária de dispensa de serviço ao Autor, no âmbito do processo n.° PE/10... CTER Porto - cf. fls. 107-113 do procedimento administrativo.

30. No parecer mencionado no ponto anterior colhe-se, além do mais, o seguinte teor:

«(...)
1. O Senhor Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana vem, mediante o despacho n° ...23 de 17.07.2023, exarado no âmbito do Processo Estatutário referido em epígrafe (fls. 100), submeter à apreciação e decisão de Vossa Excelência a proposta de aplicação da medida estatutária de Dispensa de Serviço ao Cabo n.° ...11, «AA», a exercer funções no Posto Territorial de ... do Comando Territorial do Porto, nos termos do disposto no n° 3 do art. 79° do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana (adiante designado por EMGNR), aprovado por Decreto-Lei n° 30/2017, de 22.03, por ser da competência de Vossa Excelência, a decisão de impor ao militar a referida medida a qual consubstancia, nos termos do n.° 4 da mesma norma, a cessação do vínculo funcional e a perda dos direitos de militar da Guarda, sem prejuízo da concessão da pensão de reforma.
Nos termos do disposto no art.° 79° do EMGNR, por despacho de 18.05.2023, o Senhor Comandante-Geral, em concordância com os termos e fundamentos constantes da Informação n.° ...3, de 16.05, da Direção de Justiça e Disciplina, determinou o envio do Processo Estatutário n° PE10/... ao Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina da GNR (adiante designado por CEDD), no sentido de ser emitido parecer sobre a proposta de aplicação da medida estatutária de dispensa de serviço ao Visado, atento o estabelecido no n° 3 do art.° 29.° da Lei Orgânica da GNR (adiante designada por LOGNR) aprovada pela Lei n.° 63/2007, de 06.11 (fls. 87 a 89).
Nos termos da ata da reunião do CEDD, de 29.06.2023, onde foi apreciado o referido processo, o Conselho pronunciou-se por 28 (vinte e oito) votos a favor e 0 (zero) votos contra, pela aplicação ao Visado da medida estatutária de dispensa de serviço (fls. 91 a 95).
Dignou-se Vossa Excelência, sobre o assunto, colher o parecer desta Direção de Serviços, que cumpre, por isso, prestar.
2. Importa averiguar, em primeiro lugar, da regularidade formal do processo que sustenta a proposta de aplicação da medida estatutária em causa, tendo em conta a tramitação anterior ao despacho n° ...23, de 17.07.2023, do Senhor Comandante Geral, que determinou o envio do processo estatutário a Sua Excelência o MAI, em cumprimento do n° 3 do art. 79.° do EMGNR, para decisão:
Em 28.03.2022, o Militar foi colocado na 4.ª classe de comportamento (fls. 4 a 6 e 45 a 47);
Em 17.11.2022, mediante despacho do Senhor Comandante-Geral da GNR n° ...2, foi instaurado o processo estatutário de dispensa de serviço n° PE010... ao Visado, atenta a proposta elaborada pelo Comandante Territorial do Porto (fls. 2 a 30);
A 09.12.2022, foi o Visado notificado do início da instrução do processo estatutário (fls. 34); Em 08.02.2023 o instrutor deduziu Acusação ao Visado (fls. 70 a 76);
A 12.02.2023, o Militar foi notificado da Acusação, não tendo apresentado defesa, em sede de audiência prévia (fls. 77);
O instrutor, a 20.0.2023, elaborou o Relatório Final, propondo a aplicação da medida estatuária de dispensa do servido ao Militar, onde conclui que “O visado não possui um perfil compatível com a condição de militar da Guarda (fls. 80 a 85v)).
Resulta, assim, que o processo foi formalmente bem instruído, tendo sido asseguradas todas as garantias de audiência e defesa do Visado, pelo que não enferma de qualquer vício suscetível de afetar a sua validade formal.
3. Da legislação aplicável:
3.1 Nos termos do art.° 59° do Regulamento de Disciplina da GNR, aprovado pela Lei n.° 64/2014, de 28.08 (adiante designada por RDGNR), “Os militares da Guarda, quando colocados na 4." classe de comportamento, podem ser apreciados com vista à eventual aplicação da medida estatutária de dispensa do serviço, sendo-o sempre que cometam infração grave e como tal punida”. Ora, retira-se do processo que o Militar, em 22.03.2022, foi colocado na 4." classe de comportamento (fls. 4 a 6 e 45 a 47) o que configura um “Mau comportamento” nos termos daquela norma, o que a torna, assim, aplicável ao caso concreto.
3.2 A medida estatutária de dispensa de serviço origina a cessação do vínculo funcional e a perda dos direitos de militar da Guarda, sem prejuízo da concessão da pensão de reforma, cujos
requisitos se encontram plasmados no n.° 1 do art.° 79° do EMGNR, nos termos do qual:
“A dispensa do serviço, quando da iniciativa do comandante-geral, pode ter lugar sempre que o comportamento do militar indicie notórios desvios da condição de militar da Guarda, designadamente dos requisitos morais, éticos, militares ou técnico-profissionais exigidos pela sua qualidade e função, definidos no n.° 2 do artigo 3.°”
Por sua vez, o n.° 2 do art.° 3.° do EMGNR dispõe que “O militar da Guarda está investido do poder de autoridade, nos termos da legislação em vigor, que se obriga a manter em todas as circunstâncias um bom comportamento cívico e a proceder com justiça, lealdade, integridade, honestidade e competência profissional, de forma a fortalecer a confiança e o respeito da população e a contribuir para o prestígio da Guarda e das instituições democráticas.”
4. Passando à análise do mérito da proposta, compulsado o processo e confrontado que foi com as considerações e com as conclusões plasmadas no Relatório Final, resultam da documentação entranhada no processo, os seguintes elementos:
4.1 Das infrações disciplinares: (4 punições)
PD029...: punido com a pena de 5 anos de suspensão (fls. 7 a 12)
PD079...: punido com a pena de 25 dias de suspensão (fls. 13 a 19)
PD785...: punido com a pena de 10 dias de suspensão (fls. 20 a 25)
PD217...: punido com a pena de 30 dias de suspensão (fls. 26 a 30v)
4.2 Da matéria criminal (1 condenação)
NUIPC 20/19.IGFPRT, condenado pela prática de 1 crime de desobediência, na pena de 80 dias de multa, no montante total de 520€.
Compulsados os autos, verifica-se, assim, que na acusação e no relatório final são efetuadas referências aos deveres violados que estiveram na origem das diversas punições disciplinares e criminal, de que o Visado foi alvo, bem como à respetiva factualidade dada como provada, de forma a ser possível aferir se aquela factualidade preenche os requisitos previstos no n.° 1 do art.° 79.° do EMGNR.
Após ter sido fixado o quadro factual subjacente às condutas que o Visado tem vindo a adotar ao longo do tempo, o responsável pela direção do procedimento concluiu que: “(...) é manifesto que o visado não tem um perfil comportamental adequado e compatível com a condição de militar da Guarda, porquanto a gravidade das infrações, o quantum das penas aplicadas e as repetidas condutas erróneas e censuráveis, com 70 dias de suspensão até à presente data, (...) violou os requisitos morais, éticos, militares e técnico profissionais exigidos pela sua função, revelando falta de lealdade, integridade, honestidade e competência profissional, denegrindo a imagem e prestígio da instituição, não apresentando factos favoráveis suficientes para que se obtenha outra apreciação”.
Por quanto acabamos de expor e se encontra, aliás, fundamentadamente referido nas diversas peças processuais elaboradas, entendemos não se verificar qualquer impedimento à aplicação da medida estatutária da dispensa de serviço ao Visado, dado que foram cumpridos todos os requisitos substanciais e formais exigidos na lei para a aplicação da mesma.
Caso Vossa Excelência se digne concordar com o exposto e com a proposta do Senhor Comandante-Geral da GNR, poderá aplicar ao Cabo da GNR n.° ...11 da GNR, «AA», a medida estatutária de Dispensa de Serviço que origina a cessação do vínculo funcional e a perda dos direitos de militar da Guarda, sem prejuízo da concessão da pensão de reforma e determinar a comunicação ao Senhor Comandante-Geral da GNR do despacho que venha a recair sobre o presente parecer, que notificará o Visado. (...).»

- Cf. fls. 107­113 do procedimento administrativo.

31. Em 10.10.2023, o Ministro da Administração Interna aplicou ao Autor a medida estatutária de dispensa de serviço da G.N.R. - fls. 106 do procedimento administrativo.

32. Na decisão mencionada no ponto precedente colhe-se, além do mais, o seguinte teor:

«(...)
1. Considerando o processo estatutário n° PE010... Porto, instaurado pelos competentes serviços da GNR ao Cabo ...11: «AA», que em 28/03/2022 foi colocado na 4.ª classe de comportamento.
2. Considerando que das conclusões de tal processo resulta que o identificado Cabo não possui um perfil compatível com as condições exigidas a um militar da GNR, vem o instrutor do processo propor a aplicação da medida de estatutária de dispensa de serviço, conforme relatório junto aos presentes autos.
3. Considerando ainda que forma cumpridos todos os formalismos legais, através da audição do interessado, e tendo o Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina da GNR, emitido parecer favorável à aplicação da medida proposta pelo instrutor, vem o Senhor Comandante-Geral da GNR, por despacho exarado no pretérito dia 17/07/2023, propor a aplicação da medida estatutária de dispensa de serviço ao militar aqui identificado.
4. E considerando, por último, o parecer nº 558-MM/2023 da Direção de Serviços de Assessoria Jurídica, Contencioso e Política Legislativa, com o qual concordo, de facto e de direito, aplico ao militar da GNR - Cabo ...11: «AA», a medida estatutária de DISPENSA DE SERVIÇO da GNR, com os devidos efeitos legais.
5. Reneta-se o presente Despacho ao Senhor Comandante-Geral da GNR, acompanhado do original do processo, para notificar o militar, e termos subsequentes.
(...).»

- Fls. 106 do procedimento administrativo.

33. Em 26.10.2023, o Autor foi notificado da decisão de aplicação da medida estatutária de dispensa de serviço - fls. 114 do procedimento administrativo.

*

III - Enquadramento jurídico.

1. A nulidade da sentença por omissão de pronúncia – a aplicabilidade da Lei da Amnistia (Lei n.º 38-A/2023, de 02.08) (conclusões 1 a 4).

Determina a alínea d) do n. º1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Este preceito deve ser compaginado com a primeira parte do n.º2, do artigo 608º, do mesmo diploma: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Conforme é entendimento pacífico na nossa jurisprudência e na doutrina, só se verifica nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a que aludem os citados preceitos, quando o juiz se absteve de conhecer de questão suscitada pelas partes e de que devesse conhecer (cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09).

O erro de direito não se integra no conceito de falta de fundamentação ou omissão de pronúncia.

O erro no enquadramento jurídico leva à revogação da sentença e não à declaração de nulidade, nos termos da invocada norma da alínea d), do n.º1 do artigo 615º do actual Código de Processo Civil.

A nulidade só ocorre quando a sentença ou acórdão não aprecie questões suscitadas e não argumentos apresentados no âmbito de cada questão, face ao disposto nos artigos 697º e 608º do Código de Processo Civil de 2013 (artigos 659º e 660º do Código de Processo Civil de 1995).

Efectivamente, o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, mas apenas fundamentar suficientemente em termos de facto e de direito a solução do litígio.

Questões para este efeito são todas as pretensões processuais formuladas pelas partes, que requerem a decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer acto especial, quando realmente debatidos entre as partes (Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 122º, página 112), não podendo confundir-se as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões, argumentos e pressupostos em que fundam a respectiva posição na questão (Alberto dos Reis, obra citada, 143, e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, volume III, 1972, página 228).

No mesmo sentido se orientou a jurisprudência conhecida, em particular os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09.10.2003, processo n.º 03B1816, e de 12.05.2005, processo n.º 05B840; os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.02.2002, processo n.º 034852 (Pleno), de 02.06.2004, processo n.º 046570, e de 10.03.2005, processo n.º 046862.

Refere o Recorrente que a decisão recorrida padece de nulidade por não se ter pronunciado sobre aplicabilidade da Lei da Amnistia (Lei n.º 38-A/2023, de 02.08) à maioria das infracções que serviram de base à decisão de dispensa de serviço.

Mas sem razão.

Referiu-se na decisão recorrida, de essencial a este propósito:

“(…)

Ante o exposto, aderindo à doutrina acima referida, nada obsta a que a factualidade associada a uma conduta sancionada criminal ou disciplinarmente, mesmo que essa conduta seja amnistiada, possa relevar para outros efeitos, nomeadamente, e para o que aqui importa, para a aferição dos requisitos morais, éticos, militares ou técnico-profissionais do agente e justificar a adoção da medida estatutária de dispensa do serviço.

Assim sendo, a eventual amnistia das sanções disciplinares em que foi visado o Autor não teria qualquer reflexo no procedimento de aplicação de medida estatutária de dispensa de serviço de que foi visado, na medida em que a factualidade que serviu de base a essas punições sempre poderia ser considerada para a aferição dos requisitos morais, éticos, militares ou técnico-profissionais do militar em causa.

Por outra banda, é irrelevante a questão de saber se o Autor deveria estar na 2.ª classe de comportamento e não na 4.ª, dado que, estando em causa infrações graves (nomeadamente as constantes no procedimento PD079...), sempre poderia ser apreciada a aplicação da medida estatutária de dispensa do serviço, por força do disposto na parte final artigo 59.° do RDGNR, que estabelece que «Os militares da Guarda, quando colocados na 4.ª classe de comportamento, podem ser apreciados com vista à eventual aplicação da medida estatutária de dispensa do serviço, sendo -o sempre que cometam infração grave e como tal punida».

Ante o exposto, a decisão do Ministro da Administração Interna, datada de 10.10.2023, que aplicou ao Autor a medida estatutária de dispensa de serviço não enferma de erro nos pressupostos de facto e de direito por ter considerado os factos constantes nos procedimentos disciplinares n.° PD029..., n.° PD785... e n.° PD217....

(…).”

Analisada a decisão recorrida verifica-se que esta não apreciou a questão eventual amnistia das sanções disciplinares em que foi visado o Autor por estar prejudicada essa apreciação pela qualificação da dispensa de serviço como medida estatutária e não disciplinar e porque ainda que se devesse considerar colocado na 2ª classe (por efeito indirecto da amnistia) sempre se justificaria a medida imposta por estar em causa, no entendimento do Tribunal a quo, uma infracção grave, a última, que justificaria, só por si, a aplicação dessa medida.

Poderá haver erro neste entendimento; o que não se pode dizer é que houve, na lógica da decisão, omissão de pronúncia.

Improcede, pois esta arguição.

2. A não aplicação da amnistia às infracções que serviram de fundamento à aplicação da medida estatutária de dispensa de serviço em erro de julgamento de direito, por errada interpretação do artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02.08, do artigo 75.º, n.º 4 do Código Penal e do artigo 50.º do Regulamento de Disciplina da G.N.R. (conclusões 5 a 19).

Estipula o artigo 59.º do Regulamento de Disciplina da G.N.R., sob a epígrafe “Mau comportamento reiterado”:

“Os militares da Guarda que, estando colocados na 4.a classe de comportamento, cometam infracção grave, como tal punida, serão objecto de apreciação com vista à eventual aplicação da medida estatutária de dispensa do serviço”.

Por seu turno dispõe o artigo 79.º do Estatuto dos Militares da G.N.R., sob a epígrafe “Dispensa por iniciativa do comandante-geral”:

“1 - A dispensa do serviço, quando da iniciativa do comandante-geral, pode ter lugar sempre que o comportamento do militar indicie notórios desvios da condição de militar da Guarda, designadamente dos requisitos morais, éticos, militares ou técnico-profissionais exigidos pela sua qualidade e função, definidos no n.º 2 do artigo 3.º

2 - O apuramento dos factos que levam à invocação da falta de condições referidas no número anterior é feito através de processo próprio de dispensa de serviço, com aplicação subsidiária dos princípios do processo disciplinar, bem como com observância de todas as garantias de defesa.

(…)

4 - A dispensa do serviço origina a cessação do vínculo funcional e a perda dos direitos de militar da Guarda, sem prejuízo da concessão da pensão de reforma nos termos da lei.

Da conjugação destes dois dispositivos resulta que a dispensa de serviço é, materialmente, uma sanção disciplinar.

Porque se funda na prática de uma infracção – artigo 59º do Regulamento de Disciplina da G.N.R. –, se traduz no desligamento do serviço e implica um juízo de inviabilidade da manutenção da relação funcional – n.ºs 2 e 4 do artigo 79.º do Estatuto dos Militares da G.N.R..

No que diz respeito ao pressuposto essencial da inviabilidade da manutenção da relação funcional a medida estatutária de dispensa do serviço não se distingue antes se identifica com qualquer sanção expulsiva, designadamente, em relação aos militares da G.N.R. – n.ºs 1 e 2 do artigo 21º do Regulamento de Disciplina da G.N.R. e n.ºs 1 e 2 do artigo 18º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas (Lei 58/2008, de 09.09).

Mostra-se, portanto, irrelevante para o caso que se trate formalmente de uma sanção disciplinar ou não. Porque materialmente é uma sanção disciplinar ou de natureza idêntica. Merecendo tratamento idêntico, como de resto, resulta do disposto no n.º 2 do artigo 79.º do Estatuto dos Militares da G.N.R..

Pelo que a qualificação formal da dispensa de serviço como medida estatutária não obsta a considerar-se a aplicação da Lei da Amnistia às infracções que serviram de fundamento à aplicação desta medida.

Quando seja de aplicar a amnistia.

O que aqui não sucede, desde já se adianta, impondo-se, por esta via, manter a decisão recorrida.

A amnistia extingue o procedimento sancionatório (amnistia própria) ou, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução da pena e dos seus efeitos (amnistia imprópria) – n.ºs 1 e 2 do artigo 128 do Código Penal.

Não pode haver extinção de procedimentos ou de sanções que já se extinguiram pela decisão final transitada em julgado ou consolidada na ordem jurídica e cujos efeitos se produziram na totalidade.

Pela simples e evidente razão de que não se pode extinguir o que já está extinto. É da natureza das coisas, de facto e de direito.

Para além de colidir com os princípios básicos da certeza e da segurança jurídicas alterar uma definição que se consolidou na ordem jurídica e produziu todos os efeitos que se destinava a produzir.

A esta conclusão lógica não obsta a previsão legal de que a amnistia não obsta à verificação da reincidência - n.º4 do artigo 75º do Código Penal.

Não se trata aqui de fazer renascer os efeitos da sanção ou da infracção já produzidos nem de retomar o procedimento sancionatório ou a sanção que já se extinguiram porque a sanção transitou em julgado ou se consolidou na ordem jurídica e produziu todos os efeitos que se destinava a produzir.

Trata-se antes de reconhecer relevância ou efeitos ao facto de ter havido uma condenação.

Isto é, o procedimento e a sanção podem ter-se extinto, mas não deixou de existir o facto da condenação.

Não havia por isso que aplicar no caso concreto a recente Lei da Amnistia aos procedimentos disciplinares e às sanções anteriormente aplicadas, todas consolidadas na ordem jurídica e cumpridas.

Embora com diferente fundamentação, a sentença acaba por alcançar a solução acertada ao não reconhecer relevância da recente Lei da Amnistia para a decisão em apreço, de dispensa de serviço.

Em suma decisão recorrida na violou, antes respeitou do artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02.08, do artigo 75.º, n.º 4 do Código Penal e do artigo 50.º do Regulamento de Disciplina da G.N.R.

Improcede nesta parte o recurso.

3. O erro nos pressupostos de facto e de direito da decisão: a colocação do Recorrente na 4.ª classe de comportamento, o artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02.08 e o artigo 59.º do Regulamento de Disciplina da G.N.R. (conclusões 20 a 31).

Do que ficou dito resulta que não houve erro nos pressupostos de facto e de direito do acto de dispensa de serviço do Autor, ao considerar o Recorrente colocado na 4ª classe de comportamento.

Esta colocação resulta de acto consolidado na ordem jurídica, praticado em 28.03.2022 – facto provado sob o n.º 10 – e que a recente Lei da Amnistia não tem a virtualidade de alterar, com acima se viu.

A que acresce a condenação com a pena 30 dias de suspensão por infracção que a Entidade Demandada qualificou de grave sem que, nessa apreciação discricionária, se vislumbre erro, menos ainda grosseiro, sobretudo no contexto de uma progressiva baixa na classe de comportamento – factos provados sob os n.ºs 5 a 10.

E permite a afirmação, feita no acto em apreço, de que com a “repetição de comportamentos censuráveis” … “o visado violou os requisitos morais, éticos, militares e técnico-profissionais exigidos pela sua função, revelando falta de lealdade, integridade, honestidade e competência profissional, denegrindo a imagem e prestígio da instituição.

Assim como a conclusão, subjacente à dispensa de serviço, de inviabilidade da manutenção da relação funcional do Autor com a G.N.R. tal como decidido na sentença recorrida.

Estando preenchidos, ao contrário do que alega o Recorrente e tal como foi decidido na sentença recorrida, os pressupostos de facto e de direito para aplicação da decisão estatutária de dispensa do serviço.

Improcede, pois, também o recurso nesta parte.

4. A violação do princípio da proporcionalidade; n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e artigo 7.º do Código de Procedimento Administrativo (conclusões 32 a 40).

De tudo o que ficou dito resulta a conclusão de que não há violação do princípio da proporcionalidade, pelo menos patente, evidente, que permita censurar a aplicação da dispensa de serviço do Autor, na margem de discricionariedade técnica e administrativa de que goza a Entidade Demandada neste juízo.

Esta medida, materialmente sancionatória, não tem como suporte, apenas, como pretende o Recorrente, as últimas infracções praticadas e punidas pelo último acto sancionatório.

Foi o culminar de uma degradação progressiva da relação funcional do Autor com a G.N.R, resultante de sucessivas infracções disciplinares punidas com sanções efectivas e cumpridas e com a progressiva descida do Autor na classe de comportamento.

A decisão de dispensa do Autor do serviço da G.N.R., neste contexto, mostra-se perfeitamente adequada, razoável e proporcional e, por isso, justa.

Tal como decidido na sentença recorrida.

A decisão recorrida, ao contrário do alegado, não violou, antes respeitou, o princípio da proporcionalidade e o disposto no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 7.º do Código de Procedimento Administrativo.

Também por aqui improcede o recurso.

*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo a decisão recorrida embora por diversos fundamentos.

Custas pelo Recorrente sem prejuízo do apoio judiciário concedido ou a conceder.

*


Porto, 05.07.2024

Rogério Martins
Isabel Costa
Fernanda Brandão