Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01095/06.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/17/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Margarida Reis
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; NULIDADE DA SENTENÇA;
IVA; ISENÇÃO;
TRANSAÇÃO INTRACOMUNITÁRIA; ART. 14.º RITI; VIES
Sumário:I. A nulidade da sentença gerada pela oposição entre os seus fundamentos e a decisão, a que se alude no art. 125.º do CPPT com disposição paralela na alínea c) do n.º 1 do art. 668.º (atual art. 615.º) do CPC, é um vício que afeta a sua estrutura lógica por contradição entre as premissas de facto e de direito, e a conclusão; ou seja, os fundamentos invocados na sentença não conduziriam ao resultado que é expresso na decisão, mas a um resultado logicamente oposto.
II. Atendendo a que apenas por força da alteração introduzida no n.º 1 art. 138.º da DIVA pelo art. 1.º da Diretiva (UE) 2018/1910 do Conselho de 4 de dezembro de 2018 é que o registo do número de identificação IVA do adquirente dos bens no VIES atribuído por um Estado-Membro diferente do Estado de partida do transporte dos bens passou a constituir condição substantiva para a aplicação da isenção de IVA nas transações intracomunitárias, para negar tal isenção antes da introdução de tal alteração não bastava à Administração fiscal a mera referência à falta de registo no sistema VIES do número de identificação fiscal do adquirente dos bens.
Recorrente:AA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Judicial - Liquidação de tributos - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Del. 2186/2015]
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I. Relatório
AA, inconformado com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 2011-10-17 que julgou improcedente a impugnação judicial que interpôs tendo por objeto as liquidações adicionais de IVA relativas ao exercício de 2000, a liquidar em 2003, atestadas através das certidões de dívida n.º 2003/65860 e n.º 2003/65861, no valor total de EUR 11.847,01, vem dela interpor o presente recurso.
O Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
V. DAS CONCLUSÕES
A. O presente recurso jurisdicional vem interposto da sentença de fls..., que julgou improcedente a impugnação judicial proposta pelo recorrente contra a liquidação adicional de IVA, efectuada pela Administração fiscal, relativamente ao ano 2000.
B. Está em causa a legalidade da aplicação da isenção prevista no art. 14.º do RITI relativamente a uma transmissão intracomunitária de bens realizada naquele período pela empresa à data gerida pelo aqui recorrente e a sociedade comercial de direito espanhol “DS...., S.L.”.
C. Entende o Tribunal a quo que o impugnante, ora recorrente, não logrou fazer prova bastante de que o adquirente «... era um sujeito passivo registado para efeitos de IVA, ou, em alternativa, que havia já liquidado o imposto devido...».
D. O recorrente não se conforma, contudo, com esta decisão e os seus fundamentos.
E. O Tribunal concluiu pela improcedência da impugnação quando os factos dados como provados conduziriam, necessariamente, no sentido da sua procedência: dá como provado que o impugnante praticou as operações intracomunitárias em apreço nos autos, que as respectivas facturas foram emitidas com o número de contribuinte indicado pelo adquirente - cuja validade vem inclusivamente atestada através de documento - e que o impugnante não dispunha, à data, do acesso à plataforma VIES para aferir a validade do número de contribuinte, mas conclui pela não verificação dos requisitos de que depende a isenção ínsita no art. 14.º do RITI.
F. Se o Tribunal conclui pela verificação dos pressupostos da isenção, não se pode eximir a uma decisão de procedência da impugnação, sob pena de violar os princípios constitucionais que conformam o direito de reacção dos contribuintes, a sua tutela jurisdicional efectiva e o direito a um processo justo equitativo.
G. O Tribunal não fundamenta os termos lógicos em que suporta aquela conclusão.
H. A sentença recorrida padece de NULIDADE, por os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão, nos termos do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT, bem como atento o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil (CPC), ex vi alínea e) do art. 2.º do CPPT.
I. O Tribunal erra na apreciação que faz da prova produzida nos autos, retirando dali conclusões diversas das que resultariam da análise de um apreciador médio.
J. Contrariamente ao que se invoca na sentença, o Impugnante apresenta vários documentos que demonstram a existência de transacções comerciais com o adquirente Espanhol com a indicação do número fiscal declarado inválido pela Administração fiscal, mas demonstra também o que se revelava essencial na óptica do Tribunal a quo, ou seja, a existência do dito adquirente como sujeito passivo de IVA registado na base de dados Espanhola.
K. A declaração periódica de IVA em que a Agência Tributária Espanhola faz constar o número de contribuinte indicado nas facturas, atestada e validada com o respectivo carimbo, deve bastar para que o Tribunal dê por provada a existência do dito adquirente como sujeito passivo de IVA registado na base de dados Espanhola.
L. A apresentação da dita declaração - devidamente validada e autenticada pela Administração fiscal espanhola - reconhece, per se, a existência do dito adquirente como sujeito passivo de IVA registado na base de dados Espanhola.
M. Através deste documento (cfr. doc. n.º 12 junto à PI), cujo conteúdo o Tribunal a quo parece ignorar, o impugnante não só afirma que o adquirente dos bens em Espanha se encontrava, de facto, registado junto da administração fiscal Espanhola como sujeito passivo de IVA, como aliás, de forma clara e evidente, comprovam, que a sociedade em questão se encontrara registada como sujeito passivo de IVA em Espanha.
N. Ao analisar o dito documento sem dele retirar a constatação dos factos expostos o Tribunal incorre em manifesto erro na apreciação da prova, mormente, por omissão de julgamento e fundamentação das suas decisões em matéria de prova.
O. A sentença em crise padece ainda de ANULABILIDADE, por omissão de julgamento e fundamentação das suas decisões em matéria de prova - i.e., por ausência de exame crítico das provas que serviram de base para formar a convicção do Tribunal, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e dos n.ºs 2 e 3 do artigo 659.º do CPC, ex vi alínea e) do art. 2.º do CPPT.
P. O tribunal incorreu em manifesto erro de julgamento, porquanto, na medida em que lhe era possível, o impugnante deu por verificados os pressupostos da isenção.
Q. Ao desconsiderar a correcta actuação da emitente das facturas, o Tribunal conclui pela falta de verificação dos pressupostos do art. 14.º do RITI.
R. Dos pressupostos enunciados naquele artigo, todos os que estavam na disposição do impugnante e por ele poderiam ser controlados, estão verificados in casu, não lhe sendo imputável qualquer omissão do outro sujeito passivo.
S. A alínea a) do n.º 5 do art. 35.º impõe a obrigação das facturas mencionarem a identificação fiscal dos sujeitos passivos, «... mas não comete explicitamente ao adquirente a obrigação de controlar se essa identificação é ou não verdadeira.» (cfr. o acórdão do STA, de 14/12/2011, no Proc. 076/11).
T. Porque não dispunha de quaisquer outros meios para o efeito - nomeadamente da consulta via Internet - a impugnante lançou mão de todos os meios ao seu dispor para averiguar se a adquirente estava ou não “registada para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro” (neste caso, em Espanha).
U. Fê-lo, aliás, à luz da interpretação genuína da referida norma, de acordo com os ditames e as exigências impostos pela norma de direito comunitário que a precede nomeadamente, o artigo 28.º da Directiva 91/680/CEE do Conselho, de 16 de Dezembro de 1991 - conforme resulta da jurisprudência comunitária.
V. A única interpretação que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, conforme resulta do acórdão, com data de 27/09/2007, proferido no processo C-409/04, nos termos do qual, «... O artigo 28.º C, ponto A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Directiva, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 2000/65 [que precede e suporta o invocado art. 14.º do RITI], deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades competentes do Estado-Membro de entrega obriguem um fornecedor, que agiu de boa-fé e apresentou provas que justificam, à primeira vista, o seu direito à isenção de uma entrega intracomunitária de bens, a pagar posteriormente o imposto sobre o valor acrescentado sobre esses bens...».
W. É claro e manifesto que o direito à isenção não pode ser negado no caso em apreço, porquanto, o emitente das facturas cuidou previamente, na medida do que lhe era legítimo e possível, de averiguar a sujeição do adquirente para efeitos de tributação em sede de IVA, à luz das imposições comunitárias.
X. O ora recorrente actuou dentro dos limites que a lei lhe impunha e, por conseguinte, não pode agora ser prejudicado no seu direito à isenção.
Y. Não pode, obviamente, sob pena de flagrante violação das normas comunitárias que precedem e fundamentam o dito art. 14.º do RITI, ser interpretada no sentido de onerar o ora recorrente com o encargo do imposto.
Z. A sentença recorrida padece, assim, de ANULABILIDADE, por erro de julgamento da matéria de direito, em violação do disposto no n.º 1 do artigo 123.º do CPPT e do n.º 2 do artigo 659.º do CPC, ex vi alínea e) do art. 2.º do CPPT.
Termina pedindo:
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as consequências legais, designadamente a anulação da sentença recorrida.
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Os vistos foram dispensados com a prévia concordância dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 657.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT.
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Questões a decidir no recurso
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.
Assim sendo, importa apreciar se a sentença recorrida padece de (i) nulidade por os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão, nos termos do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT; (ii) se omite o julgamento e fundamentação das suas decisões em matéria de prova, i.e., se não contém o exame critico das provas que serviram de base para formação da convicção do Tribunal; (iii) e se padece de erro de julgamento de direito, por fazer uma incorreta interpretação dos requisitos para a isenção de IVA previstos no art. 14.º do RITI.

II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
III. MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão, importam os seguintes factos:
A) Na sequência de acção inspectiva à sociedade “DI.... Lda”, NIF 50...775, em 18/10/2002 foi elaborado Relatório da Inspecção Tributária, que consta de fls. 70 a 72 do Processo Administrativo, apenso aos presentes autos, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, constando no mesmo, designadamente, o seguinte:
“1. Em resultado da análise a um pedido de reembolso de IVA solicitado pelo sujeito passivo em epígrafe, constatou-se que no período de 00 06T efectuou transmissões intracomunitárias de bens no valor de € 80 875,71 para um adquirente espanhol com o NIF ES B82...631.
No cadastro do sistema informático do VIES (VAT Information Exchange System) o NIF B 823876631 figura como inválido.
Foi contactado o sujeito passivo a fim de clarificar ou corrigir a situação, tendo este em consequência enviado um anexo Modelo n.º 1339 (das Transmissões Intracomunitárias) de Substituição “corrigindo” o NIF para ES B82...663. Ora este NIF consta no cadastro já mencionado como não registado, pelo que continua sem regularizar a anomalia verificada.
2. Trata-se de transmissões para a comunidade europeia, mas não sendo adquirente dos bens uma pessoa singular/ colectiva registada para efeitos de IVA em outro Estado Membro, não se encontram reunidas as condições elencadas na alínea a) do artigo 14.º do RITI (Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias) para considerar estas transmissões de bens isentas de IVA. Estamos portanto na presença de transmissões de bens definidas no n.º 1 do artigo 3.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e sujeitas a imposto de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do referido código.
3. Assim o sujeito passivo deveria ter liquidado IVA nas transmissões efectuadas num total de € 13 748,88 (= 80 785,71 x 17%), valor a entregar nos cofres do Estado de acordo com o disposto nos artigos 7.º, 26.º e 40.º do Código do IVA.”
B) Em 24-04-2003 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 19...7033, por dívidas de IVA no valor de € 15.839,84, em nome da sociedade “DI.... Lda”, cf. teor do doc. de fls. 74 dos autos.
C) Em 04-07-2005 foi proferido despacho de reversão contra o Impugnante, das dívidas acima referidas, cf. teor do doc. de fls. 76 dos autos.
D) O impugnante procedeu ao pagamento da quantia exequenda por si devida em sede de reversão, em 01-03-2006, cf. teor dos doc. de fls. 59 dos autos e 74 do P.A.
E) Em 26-05-2000 e 31-05-2000, foram emitidas facturas pela empresa “DI.... Lda”, em nome de “DS...., S.L.”, constando da mesma a indicação “Your VAT N.º: B82...663”, cf. teor dos doc.s de fls. 32 a 34 dos autos.
F) Em 2000 não havia acesso à informação electrónica que hoje é facultada através da validação do sítio oficial da União Europeia, cf. depoimento da testemunha BB.
G) A “DI.... Lda”, solicitou à “DS...., S.L.”, os documentos constantes de fls. 35 a 57 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, tendo em vista a comprovação da sua existência como sujeito passivo registado em Espanha, cf. depoimento da testemunha BB.

IV. FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem, com relevância para a decisão.
Motivação:
Resultou a convicção do tribunal da análise dos presentes autos, nomeadamente, do processo administrativo a eles apenso e demais documentos juntos pelas partes e da prova testemunhal produzida.
*
II.2. Fundamentação de Direito
A Recorrente não se conforma com a sentença proferida nos autos, que julgou improcedente a impugnação judicial que interpôs tendo por objeto as liquidações adicionais de IVA de 2000 no montante total de EUR 11.847,01, que tiveram na sua origem a inspeção tributária efetuada à sociedade “DI.... Lda” - de que foi gerente - e o entendimento expresso pela Administração fiscal no âmbito da mesma de que não sendo o adquirente dos bens uma pessoa singular/coletiva registada para efeitos de IVA em outro Estado Membro, não se encontrariam reunidas “as condições elencadas na alínea a) do artigo 14.º do RITI” para considerar estas transmissões de bens isentas de IVA.
Inicia as suas conclusões de recurso imputando à sentença nulidade por os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão, nos termos do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT, bem como atento o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil (CPC), por considerar, em síntese, que tendo o Tribunal a quo considerado que a operação subjacente efetivamente se concretizou entre dois sujeitos passivos de IVA, não podia concluir pela falta de verificação dos pressupostos do art. 14.º do RITI.
No entanto, não tem razão neste segmento do seu recurso.
Senão vejamos.
A nulidade da sentença gerada pela oposição entre os seus fundamentos e a decisão, a que se alude no art. 125.º do CPPT com disposição paralela na alínea c) do n.º 1 do art. 668.º (atual art. 615.º) do CPC, é um vício que afeta a sua estrutura lógica por contradição entre as premissas de facto e de direito, e a conclusão; ou seja, os fundamentos invocados na sentença não conduziriam ao resultado que é expresso na decisão, mas a um resultado logicamente oposto.
Para que tal se verifique deverá existir um vício real no raciocínio do julgador, uma verdadeira contradição entre os fundamentos e a decisão, apontando a fundamentação num determinado sentido e seguindo a decisão o caminho oposto, ou, pelo menos, uma direção diferente.
Assim, a oposição entre os fundamentos e a decisão da sentença não é confundível com o erro de subsunção dos factos ao regime jurídico aplicável ou com o erro na interpretação deste último.
Ora, o que resulta da leitura da sentença sob recurso é que a decisão é consentânea com a interpretação – como se verá adiante, errada – do direito aplicável nela preconizada.
De facto, entendendo-se ali que o registo no sistema VIES do número de identificação do adquirente constituía um requisito da isenção intracomunitária, a conclusão de que a mesma foi corretamente denegada não se afigura contraditória ou logicamente incoerente com a fundamentação que a sustenta.
Pelo que, e não se vislumbrando um real e verdadeira contradição lógica entre os fundamentos e a decisão ali adotados, deve o recurso ser julgado improcedente neste segmento.
Prossegue o Recorrente alegando, em síntese, que a sentença omite o julgamento e fundamentação da decisão em matéria de prova, pois não contém o exame critico das provas que serviram de base para a formação da convicção do Tribunal.
No entanto, o que a sentença revela é que o erro em que incorre é logicamente anterior ao que lhe é apontado pelo Recorrente, tendo ali sido feita uma incorreta interpretação e aplicação ao caso concreto do regime do ónus da prova.
Com efeito, entendeu-se na sentença que no caso em apreço a Administração fiscal cumpriu com o ónus probatório a que se encontrava obrigada nos termos do disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT ao referir na fundamentação do ato que o número fiscal do adquirente espanhol dos bens constava do sistema VIES como sendo “inválido”.
Sucede, no entanto, que tal constatação, para além de encerrar uma imprecisão – de facto, o que resulta da fundamentação do ato impugnado é que o segundo número de identificação fiscal do adquirente indicado pelo Recorrente constava no sistema VIES como não registado e não como inválido – é incorreta, pois nem da redação aplicável ao caso da alínea a) do n.º 1 do art. 14.º do RITI nem da redação então em vigor da Diretiva IVA resultava qualquer obrigação de registo no sistema VIES do número do adquirente, não constituindo este registo requisito material da isenção.
Ora, na – aliás parca – fundamentação do ato impugnado nada se diz sobre a substância da transação, que em momento algum é questionada, apenas ali se referindo a circunstância de o número do adquirente não se encontrar registado no sistema VIES, concluindo-se que por esse motivo estaria em falta um requisito para a isenção da transação intracomunitária nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 14.º do RITI (cf. ponto A, da fundamentação de facto).
Tanto assim é que o que impressivamente se refere a este respeito na sentença sob recurso é que sobre o ali Impugnante impenderia “… o ónus de provar que, de facto, o adquirente Espanhol era um sujeito passivo registado para efeitos de IVA, ou, em alternativa, que havia já liquidado o imposto devido por inverificação da isenção do art. 14.º alínea a)”, asserção que, como já se referiu e melhor se explicitará adiante, revela uma incorreta interpretação do direito aplicável.
De facto, e atendendo a que o registo no VIES não era, na data, requisito da isenção, para cumprimento do seu ónus da prova teria a Administração fiscal de ter provado que a transação em questão não se efetuou.
Assim sendo, e embora requalificando o vício aqui apontado pelo Recorrente à sentença, o seu recurso deverá ser julgado procedente neste segmento.
Por fim, alega o Recorrente que a sentença padece de erro de julgamento por fazer uma incorreta interpretação do disposto no art. 14.º do RITI.
De facto, e como se foi aqui adiantando, cabe-lhe razão no que se refere a esta questão.
Esta matéria estava então, como agora, regulada no n.º 1 do art. 138.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado.
Sucede que da redação do preceito aplicável à data dispunha-se tão só que “Os Estados-Membros isentam as entregas de bens expedidos ou transportados, para fora do respetivo território, mas na Comunidade, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, efetuadas a outro sujeito passivo ou a uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo agindo como tal num Estado-Membro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte dos bens”.
Ora, sobre esta questão pronunciou-se oportunamente o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no sentido de que, e em síntese, “(…) nem a obtenção, pelo adquirente, de um número de identificação IVA válido para a realização de operações intracomunitárias nem o seu registo no sistema VIES constituem requisitos materiais da isenção de IVA de uma entrega intracomunitária. São apenas exigências formais que não podem pôr em causa o direito do alienante à isenção de IVA, na medida em que os requisitos materiais de uma entrega intracomunitária estejam verificados (v., por analogia, acórdãos de 6 de setembro de 2012,Mecsek-Gabona, C-273/11, EU:C2012:547, nº 60 de 27 desetembro de 2012, VSTR, C-587/10, 2012:592, n.º 51 e de 20 de outubro de 2016, Plockl, C-24/15, EU:C-24/15, EU:C:2016:791, nº40)" (cf.§ 32 do Acórdão do TJUE proferido em 2017-02-09, no processo C-21/16, Euro Tvre BV - Sucursal em Portugal contra Autoridade Tributária e Aduaneira, disponível para consulta em https://curia.europa.eu).
Secundando a supracitada jurisprudência do TJUE, também o Supremo Tribunal Administrativo se pronunciou inequivocamente sobre esta matéria, no sentido de que “O registo do adquirente dos bens como sujeito passivo de IVA no Estado membro de entrega, constitui uma exigência formal que, de per si, não põe em causa o direito do fornecedor à isenção do IVA, verificados que estejam os requisitos materiais, de fundo, do direito à isenção de IVA de uma entrega intracomunitária na acepção do artigo 138.º, n.º 1, da Diretiva IVA(cf. Acórdão do STA proferido em 2018-05-03 no proc. 0696/17, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Com efeito, apenas por força da alteração introduzida no n.º 1 art. 138.º da DIVA pelo art. 1.º da Diretiva (UE) 2018/1910 do Conselho de 4 de dezembro de 2018 é que o registo do número de identificação IVA do adquirente dos bens no VIES atribuído por um Estado-Membro diferente do Estado de partida do transporte dos bens passou a constituir condição substantiva para a aplicação da isenção (cf. neste sentido veja-se o Acórdão do STA proferido em 2020-12-16 no proc. 0451/10.2BEBRG, disponível para consulta em www.dgsi.pt), resultando atualmente da alínea b) daquela disposição que “Os Estados-Membros isentam as entregas de bens expedidos ou transportados, para fora do respetivo território mas na Comunidade, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, se estiverem reunidas as seguintes condições: (…) O sujeito passivo ou a pessoa coletiva que não seja sujeito passivo a quem a entrega é efetuada está registado para efeitos do IVA num Estado-Membro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte dos bens e comunicou esse número de identificação IVA ao fornecedor.(sublinhado nosso).
Pelo que, sendo o único fundamento do ato impugnado a inexistência do pretenso requisito da isenção da transação intracomunitária, cuja substância não foi questionada, há que concluir que o mesmo padece de erro de direito nos pressupostos, não tendo o Tribunal a quo feito uma correta interpretação do direito aplicável ao caso.
Assim sendo, e em face do exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente.
***
A Recorrida decai no presente recurso e na primeira instância, pelo que é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, não lhe sendo devida taxa de justiça pelo presente recurso, visto que nele não contra-alegou (cf. art. 7.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais – RCP).
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Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:
I. A nulidade da sentença gerada pela oposição entre os seus fundamentos e a decisão, a que se alude no art. 125.º do CPPT com disposição paralela na alínea c) do n.º 1 do art. 668.º (atual art. 615.º) do CPC, é um vício que afeta a sua estrutura lógica por contradição entre as premissas de facto e de direito, e a conclusão; ou seja, os fundamentos invocados na sentença não conduziriam ao resultado que é expresso na decisão, mas a um resultado logicamente oposto.
II. Atendendo a que apenas por força da alteração introduzida no n.º 1 art. 138.º da DIVA pelo art. 1.º da Diretiva (UE) 2018/1910 do Conselho de 4 de dezembro de 2018 é que o registo do número de identificação IVA do adquirente dos bens no VIES atribuído por um Estado-Membro diferente do Estado de partida do transporte dos bens passou a constituir condição substantiva para a aplicação da isenção de IVA nas transações intracomunitárias, para negar tal isenção antes da introdução de tal alteração não bastava à Administração fiscal a mera referência à falta de registo no sistema VIES do número de identificação fiscal do adquirente dos bens.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença, julgando a impugnação procedente e, em consequência, anulando as liquidações adicionais de IVA impugnadas.
Custas pela Entidade Recorrida em ambas as instâncias, não lhe sendo devida taxa de justiça pelo presente recurso.
Porto, 17 de novembro de 2022
Margarida Reis
Cláudia Almeida
Paulo Moura.