Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01673/24.4BELSB |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 07/05/2024 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | ANA PAULA ADÃO MARTINS |
Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR; INTIMAÇÃO PARA ADOPÇÃO OU ABSTENÇÃO DE UMA CONDUTA POR PARTE DA ADMINISTRAÇÃO; 112º, Nº 1, AL. I) DO CPTA; PROVISORIEDADE; MEDIDA EMPREENDE XXI; |
Sumário: | I – A tutela cautelar visa (apenas) assegurar o efeito útil da decisão que vier a ser proferida no âmbito da acção principal. II - A provisoriedade, enquanto característica da tutela cautelar, impede que o tribunal adopte uma regulação que dê resposta definitiva à questão de fundo sobre a qual versa o litígio. III – Verificada a falta de provisoriedade da providência cautelar, não há que analisar a pretensão requerida, à luz dos requisitos de decretamento previstos no artigo 120.º do CPTA, por tal análise e apreciação ficar prejudicada.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Procedimento Cautelar para Adopção duma Conduta (CPTA) - Rec. Jurisdicional |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, na Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO «Associação de ...», melhor identificada nos autos, intentou, como autora popular, procedimento cautelar comum contra o IEFP - Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P., com os demais sinais nos autos, formulando o seguinte pedido: “(…) requer-se que seja decretado o presente procedimento cautelar e, em consequência, nos termos da al. i) do n.º 2 do artigo 112.º do CPTA, intimar-se o requerido para: A) Decidir as candidaturas do Empreende XXI no mesmo sentido do exposto nos pareceres de viabilidade económico-financeira emitidos pelas Entidades de Acompanhamento. E subsidiariamente, B) Decidir as candidaturas da medida deixando de ter em conta a inovação dos projetos como critério para o deferimento das candidaturas.” * Por decisão de 23.04.2024, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel rejeitou liminarmente o requerimento inicial, por manifesta falta de fundamento da pretensão formulada, nos termos e ao abrigo do artigo 116.º, n.º 2, alínea d), do CPTA. * Inconformada com a decisão proferida, dela vem recorrer a Requerente, concluindo assim as suas alegações: I. Por não se conformar com a decisão proferida pelo Tribunal "a quo", vem a recorrente submeter à douta consideração deste Tribunal "ad quem" o presente recurso, tendo em vista a revogação da decisão que decidiu indeferir liminarmente o requerimento cautelar, porquanto: II. Entendeu o Tribunal "a quo" indeferir liminarmente o requerimento cautelar, nos termos do art. 116.º, n.º 2, al. d) do CPTA, por não se encontrarem alegados "factos tendentes de preencher o requisito do periculum in mora". III. Andou mal a Mmª Juiz do Tribunal "a quo", como sugere desde logo a sua fundamentação, onde se lê que (afinal) há uma falta de "concretização", e uma alegacão que reputa de "genérica" e "vaga" (o que, salvo melhor opinião, não se confunde com falta de alegação). IV. De todo o modo, é nosso entendimento foram alegados factos suscetíveis de preencher o pressuposto do periculum in mora. V. Na sua análise, o Tribunal "a quo" parece ter olvidado as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente, que os destinatários das medidas objeto das decisões ilegais dependem desse apoio financeiro para avançar com os seus projetos de empregabilidade. VI. Por sua vez, o argumento de que os prejuízos económicos serão de fácil reparação não encontra compreensão no caso sub judice, considerando o tempo da Justiça Administrativa e a realidade económica e sociológica em que vive o país e em especial a geração mais jovem, para quem foi criada esta medida de emprego; VII. Acresce ao exposto que foram alegados outros prejuízos que não económicos, exemplificados com recurso a situações concretas. VIII. Prejuízos que serão, seguramente, sentidos por centenas de "lesados" com estas decisões ilegais, naquilo que resulta de um juízo de senso comum. IX. Posto isto, ao entender não estarem alegados factos suscetíveis de preencher o requisito do "periculum in mora", o Tribunal "a quo" violou o disposto no art. 120.º, n.º 1, e 116.º, n.º 2, al. d) do CPTA. X. Subsidiariamente, entendendo-se que, efetivamente as alegacões da requerente, são "vagas" e "genéricas" e por isso carentes de "concretização", deveria o Tribunal "a quo" ter convidado a requerente a aperfeiçoar o seu requerimento, ao invés de decidir pelo indeferimento liminar, numa decisão puramente formal. XI. Não o tendo feito e rejeitando o requerimento inicial com fundamento no art. 116.º, n.º 2, al. d) do CPTA, o Tribunal "a quo" violou o disposto no art. 7.º, 7.º-A, n.º 2, 114.º, n.º 3, al. g) e n.º 5, do CPTA. XII. Cometendo, com tal omissão, a nulidade prevista no artigo 195.º, n.º 1, do CPC. Por fim: XIII. Andou mal o Tribunal "a quo" ao ter decidido rejeitar o requerimento inicial por falta de provisoriedade da tutela. XIV. Com efeito, o facto de a providencia requerida ter por efeito a antecipação da tutela definitiva, não significa que esta não caduque nem sofra alterações em virtude do resultado da ação principal, cujo efeito útil se não desvanece. XV. Ao ter entendido o contrário, o Tribunal "a quo" violou o disposto no art. 112.º, n.º1 e 124.º do CPTA. XVI. Por outro lado, se o Tribunal "a quo" entendia que a tutela cautelar requerida esgotava o efeito útil da decisão principal, deveria ter promovido a sua substituição por outra que fosse igualmente adequada a salvaguardar os interesses cuja lesão se pretendia evitar. XVII. Não o tendo feito, nem o tendo ponderado, violou o disposto no art. 120.º, n.º 3, do CPTA. * A Entidade Requerida, citada nos termos do artigo 641.º, n.º 7, do CPC, contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões: “Do fumus boni iuris 1.Conforme argumentos mais bem densificados em sede de alegações a (i) decisão das candidaturas é da competência exclusiva do Recorrido, (ii) o parecer das EA é obrigatório, mas não é vinculativo e (ii) a inovação assume um caracter essencial e, por essa razão, é um critério de decisão. Do periculum in mora 2. Nos termos do disposto no artigo 120.º do CPTA, o decretamento de providências cautelares está subordinado à existência de uma situação de perigo, configurada em termos da inutilidade total ou parcial, resultante do decurso do tempo, da pronúncia a obter em sede de processo principal. 3. Ora nada disto se passa para se dar provimento à providência requerida. 4. Com efeito, falta ser demonstrado qual o facto que fica irremediavelmente consumado e que é irreparável ou irreversível. 5. O Requerente convoca as expectativas dos promotores. Ora, com o devido respeito, as expectativas criadas e a razão subjectiva porque foram criadas não pode ser imputada ao Recorrido. Se o cidadão cria a expectativa de deferimento duma candidatura que submeteu à apreciação e análise da Entidade Administrativa e age em conformidade fá-lo por conta e risco pessoal. Com efeito, as meras expetativas fácticas não são juridicamente tuteladas. 6. O que nos parece, sempre com o maior respeito, é um impulso movido por uma ânsia de urgência numa decisão do hoje e do agora. É que, na verdade, se vierem a obter vencimento em sede de acção principal as verbas serão entregues e os projectos executados. 7. E, quiçá, até mais bem ponderados. 8. Pelo que, repita-se à saciedade, não há aqui qualquer situação consumada e irreversível. 9. O Requerente apela para a juventude de alguns dos promotores que vêm no indeferimento da candidatura um delay da sua vida. Ora esses, pelo normal acontecer, ainda gozam de mais tempo para concretizar os seus projectos pelo que o tom de urgência ainda é mais insondável. O não ser agora e já em nada os prejudica. 10. E não haja qualquer dúvida que os promotores bem sabiam da essencialidade da inovação nos projectos. Com efeito, as regras do jogo estavam ab initio divulgadas. O ponto 62 das FAQs (documento esclarecedor de dúvidas frequentes, disponível no sítio electrónico do IEFP, I.P. em ...07 (iefp.pt)) faz referência ao conceito e aplicabilidade do conceito de inovação onde se pode ler, por exemplo, o seguinte: Uma análise detalhada desses documentos, sobretudo do preâmbulo da Portaria, revela que a inovação é considerada em duas dimensões distintas, mas complementares a). Uma dimensão primordial diz respeito à majoração específica, que foca nos projetos que introduzem avanços notáveis em termos de produtos ou processos inovadores, com uma abordagem tecnológica. Isso é evidenciado através de uma grelha, que direciona a avaliação para elementos inovadores concretos que os projetos podem incorporar. Neste contexto, a inovação é um critério primordial para a atribuição da majoração, estando alinhada com a busca de resultados tecnológicos impactantes. b). A segunda dimensão, em concordância com o propósito central da Medida Empreende XXI, é a promoção de "projetos inovadores" como um catalisador (multiplicador) do progresso económico e social no atual contexto económico. Portanto, o critério da inovação vai além da majoração e consiste em reconhecer a importância daqueles projetos que, embora não sejam estritamente inovadores, ainda têm um papel vital na criação de emprego e no dinamismo das comunidades…..(carregado nosso). Da falta de provisoriedade da tutela 11. É indubitável a manifesta falta de provisoriedade. Basta considerar o pedido da providência para, desde logo, se concluir que, afinal, o que se pede é uma resolução definitiva do litígio. Com efeito, e como bem se explica na douta sentença recorrida Apesar de a Requerente não ter indicado a ação de que o processo depende ou irá depender, é possível aferir do teor literal do pedido e fundamentos invocados quanto à probabilidade de procedência da ação principal que a decisão cautelar originaria uma resolução definitiva do litígio, esgotando a utilidade do processo principal. (…) Ou seja, a pretensão da presente ação conduz a uma tutela definitiva do litígio, uma vez que com a satisfação do pedido cautelar nesta sede implicaria a resolução definitiva do mesmo, que se prende com a decisão das candidaturas em obediência à aplicação legal defendida pela Requerente. Mais, 12. A solução propugnada pelo Requerente é de se avançar com as decisões das candidaturas - conforme a interpretação que faz das normas legais que enformam a medida em apreço – e depois, em caso de improcedência na acção principal, ou seja, no caso da sua interpretação afinal não obter vencimento, os promotores devolvem as quantias entretanto entregues por força da providência. 13. Ora, no entendimento do Requerido, essa solução seria a mais danosa para os visados. Com efeito, 14. Relembre-se, que o montante máximo que pode ser atribuído - e que algumas das candidaturas almejam - é de EUR 200.000. 15. Ora, é da maior conveniência ter em consideração que aos créditos de que é titular o Recorrido/IEFP, IP, decorrentes de apoios ao emprego, aplica-se o regime de prescrição vertido nos artigos 309.º, 310.º, 323.º e 327.º do CC, que define o prazo de 20 anos para a dívida e 5 anos quanto aos juros. 16. E que, na falta de pagamento voluntário, o Recorrido tem legitimidade para espoletar a cobrança coerciva, cfr. artigo 179.º do CPA conjugado com o Artigo 148.º, n.º 2, alínea a) do CPPT, através de um processo de execução fiscal. 17. Pelo que, no limite hipotético, até pode determinar a insolvência do Promotor se este não tiver liquidez para devolver a quantia entregue pelo Recorrido e que, entretanto, investiu. 18. Por estes argumentos aduzidos temos que bem andou o douto Tribunal a quo ao desconsiderar esta tutela, conforme engendrada pelo Recorrente. Da falta de convite ao aperfeiçoamento 19. Na verdade, é ónus exclusivo do Requerente a demonstração dos pressupostos da providência cautelar. Com todo o respeito, a transcrição de parte do Artigo da autoria da Exma. Senhora Juíza Desembargadora ANA CELESTE CARVALHO não tem em vista as providências cautelares. 20. Pelo que a arguição inadequada ou insuficiente de factos consubstanciadores de um determinado pressuposto legal reconduz-se ao princípio da autorresponsabilidade das partes não podendo o tribunal, ex officio, convidar o Requerente a “fabricar” factos. Da não ponderação de outras providências ajustadas ao caso sub judice 21. Não se vislumbram quais nem o insigne Recorrente as avança. Da ponderação dos interesses em causa 22. Antes de mais diga-se, sempre com o maior respeito, que padece de erro o Recorrente quando considera que devia ter existido esta ponderação na decisão recorrida. 23. Ora esta ponderação de interesses tem lugar quando preenchidos os pressupostos (periculum in mora e fumus boni iuris) e a ED alega, em sede de Oposição, a necessidade de dar prevalência ao interesse público, conforme termos previstos no artigo 120.º, n.º 2 do CPTA. 24. Ora se o douto tribunal a quo considerou, desde logo, a inexistência do periculum in mora a fase de ponderação dos interesses simplesmente não ocorre. 25. Mas, à cautela, desde já, se antecipe que não temos dúvidas de que os danos que resultariam da adopção das providências requeridas se mostra superior àqueles que podem resultar da sua recusa. 26. Na verdade, canalizar verbas para projectos que não preenchem os requisitos e, por conseguinte, não dão fundamento à entrega dessas verbas potencia dois efeitos perniciosos: O primeiro, é desprovir o Recorrido de verbas para serem entregues a quem efectivamente cumpre com os objectivos políticos5 da norma legal que cria e regula a Medida Empreende XXI. O segundo, é levar, no limite hipotético, à insolvência dos promotores obrigados a devolver as quantias entregues, por força da providência, mas sem que cumprissem o motivo que justificou a sua atribuição. 27. Ambos os efeitos implicam elevados custos para o interesse público e também para o erário público.” * O Ministério Público junto deste Tribunal Central, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº 1 do CPTA, não emitiu parecer. * Sem vistos, atento o disposto nos arts. 36º nºs 1 e 2 e 147º do CPTA, mas com prévia divulgação do projecto de acórdão pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos, o processo vem submetido à Conferência. * II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Atentas as conclusões das alegações do recurso interposto, que delimitam o seu objecto, nos termos dos art.s 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi art. 140º, nº 3 do CPTA, a questão decidenda reside em saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito, ao rejeitar liminarmente a providência cautelar requerida. * III – FUNDAMENTAÇÃO A Requerente, na qualidade de representante dos interesses dos seus associados e em nome de cerca de 2000 pessoas, singulares e colectivas, que apresentaram candidaturas de financiamento à Medida Empreende XXI - demandou o IEFP, IP, pedindo a adopção das seguintes providências cautelares: intimação da entidade requerida a decidir as candidaturas de financiamento à medida Empreende XXI, no mesmo sentido do exposto nos pareceres de viabilidade económico-financeira emitidos pelas Entidades de Acompanhamento ou, subsidiariamente, decidir as candidaturas da Medida deixando de ter em conta a inovação dos projcetos como critério para o deferimento das candidaturas. A medida Empreende XXI, criada e regulada pela Portaria nº 26/2022, consiste num apoio à criação e desenvolvimento de novos projectos empresariais por jovens à procura do primeiro emprego e desempregados inscritos no Instituto do Emprego e da Formação Profissional, I. P. (cfr. art. 1º), que tem como objectivos apoiar a criação de empresas, promover a implementação de projectos em áreas inovadoras e fomentar o desenvolvimento de actividades empreendedoras em ambientes colaborativos (cfr. art. 2º). O Tribunal a quo, nos termos e ao abrigo do artigo 116.º, n.º 2, alínea d), do CPTA, rejeitou liminarmente o requerimento inicial apresentado, por manifesta falta de fundamento da pretensão formulada, em face da (i) a não alegação de factos susceptíveis de preencher o requisito do periculum in mora e (ii) da falta provisoriedade da providência requerida. Principiaremos a nossa análise pela falta de provisoriedade, reputada pelo Tribunal a quo como de mais evidente. Neste tocante, foi esta a fundamentação gizada na decisão em crise: “A providência cautelar é instrumental face à pretensão material objeto do litígio principal, destina-se assim assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal. No presente caso, a Requerente peticiona que o Tribunal adote providência para que a Entidade Requerida seja intimada a decidir as candidaturas do «Empreende XXI» no mesmo sentido dos pareceres de viabilidade económico-financeira emitidos pelas Entidades de Acompanhamento. E subsidiariamente, peticiona ainda que sejam decidas as candidaturas da medida deixando de ter em conta a inovação dos projetos como critério para o deferimento das candidaturas (cf. segmento petitório do requerimento inicial). Apesar de a Requerente não ter indicado a ação de que o processo depende ou irá depender, é possível aferir do teor literal do pedido e fundamentos invocados quanto à probabilidade de procedência da ação principal que a decisão cautelar originaria uma resolução definitiva do litígio, esgotando a utilidade do processo principal. Tal ocorre porque, e como já referido, a Requerente pretende que a Entidade Requerida proceda à decisão das candidaturas conforme os pareceres das Entidades de Acompanhamento, e que tais decisões sejam apreciadas deixando de ter em conta a inovação dos projetos como critério para o seu deferimento. Ou seja, a pretensão da presente ação conduz a uma tutela definitiva do litígio, uma vez que com a satisfação do pedido cautelar nesta sede implicaria a resolução definitiva do mesmo, que se prende com a decisão das candidaturas em obediência à aplicação legal defendida pela Requerente. Verifica-se, portanto, que a pretensão do processo principal com o decretamento da providência cautelar ficaria desprovida de utilidade, o que contraria o objetivo da sentença cautelar, que visa assegurar a utilidade da sentença da ação principal e não a realização imediata da tutela judicial do direito material.” A Recorrente não se conforma com o decidido e argui que o facto da providência requerida ter por efeito a antecipação da tutela definitiva, não significa que esta não caduque nem sofra alterações em virtude do resultado da acção principal, cujo efeito útil se não desvanece; ao ter entendido o contrário, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 112º, nº 1 e 124º do CPTA; se o tribunal entendia que a tutela cautelar requerida esgotava o efeito útil da decisão principal, deveria ter promovido a sua substituição por outra que fosse igualmente adequada a salvaguardar os interesses cuja lesão se pretendia evitar; não o tendo feito, nem o tendo ponderado, violou o disposto no artigo 120º, nº 3 do CPTA. Vejamos. O CPTA, preceitua, no artigo 112º, nº 1, que “Quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adoção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo.” E no artigo 113.º, n.º 1 que «O processo cautelar depende da causa que tem por objeto a decisão sobre o mérito, podendo ser intentado como preliminar ou como incidente do processo respetivo». Os aludidos artigos remetem-nos para dois dos principais traços característicos da tutela cautelar: a instrumentalidade e a provisoriedade. São – juntamente com a sumariedade - requisitos gerais do processo cautelar e, concludentemente, das providências que nele vierem a ser decretadas. E assim é porquanto a razão de ser da tutela cautelar é a de permitir, em concretização do direito a uma tutela judicial efectiva, constitucionalmente consagrado no artigo 268º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, a adopção de medidas cautelares adequadas a precaver os direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados, enquanto não é definitivamente decidida a causa principal. Nas palavras do STA, a “relação de instrumentalidade existente entre a medida cautelar e o processo principal impede que o juiz possa conceder, através de uma medida cautelar positiva, aquilo que o recorrente não consegue obter através de uma eventual sentença favorável sobre a pretensão de fundo. Por sua vez, a provisoriedade impede que o juiz cautelar possa antecipar os eventuais efeitos da decisão principal favorável sobretudo quando tal antecipação se torne irreversível para o futuro.” (cfr. ac. de 1412/13, de 22.05.2014, publicado em www.dgsi.pt). Nesta medida, a tutela cautelar visa (apenas) assegurar o efeito útil da decisão que vier a ser proferida no âmbito da acção principal. Donde, em sede cautelar, seja ela conservatória ou antecipatória, não podem ser apreciados pedidos conducentes à resolução definitiva de um litígio, matéria que se encontra cometida ao processo principal, do qual a tutela cautelar é indissociável. No caso em apreço, a Requerente intenta “intimação para adopção ou abstenção de uma conduta por parte da Administração ou de um particular por alegada violação ou fundado receio de violação do direito administrativo nacional ou do direito da União Europeia”, prevista na al. i) do nº 2 do art. 112º do CPTA. Concretamente pretende a intimação do requerido para decidir as candidaturas do Empreende XXI num determinado sentido (acatando os pareceres de viabilidade económico-financeira emitidos pelas Entidades de Acompanhamento, e, subsidiariamente, deixando de ter em conta a inovação dos projetos como critério para o deferimento das candidaturas). Como decorre da sentença recorrida, sem merecer contestação da Recorrente, transparece do requerimento inicial que, em acção principal a intentar, será formulado idêntico pedido, que mais não é do que a condenação da Entidade Demandada a decidir as candidaturas em obediência à interpretação e aplicação defendida pela Requerente. Argumenta a Recorrente que é possível ao Tribunal intimar provisoriamente a administração a decidir as candidaturas nos termos peticionados, sem que isso signifique que, por decorrência da acção principal, tal tutela cautelar não seja susceptível de alteração. Assim, caso o juiz da acção principal viesse a decidir que as candidaturas não têm que ser decididas em conformidade com o parecer de acompanhamento, caducaria a providência, com todas as consequências. Assim, no entender da Recorrente, independentemente do pedido formulado numa acção cautelar, sempre o mesmo será provisório porquanto proferido numa acção cautelar. Não podemos concordar. A propósito do carácter provisório das providências cautelares, escreve Mário Aroso de Almeida o seguinte: “(…) afirma-se correntemente (…) que o tribunal não pode dar, através de uma providência cautelar, o que só á sentença a proferir no processo principal cumpre proporcionar, se vier a dar provimento às pretensões nele deduzidas no processo pelo requerente (…). Esta afirmação deve ser, porém, entendida com alguma precaução, pelas razões que se passam a enunciar. Em primeiro lugar, importa deixar claro que, com a referida afirmação, não se pretende dizer que uma providência cautelar não pode antecipar, a título provisório, a produção do mesmo efeito que a decisão a proferir no processo principal poderá determinar a título definitivo. Ponto é que essa antecipação tenha, na verdade, lugar a título provisório e, portanto, que ela possa caducar se, no processo principal, o juiz chegar a conclusões que sejam incompatíveis com a manutenção da situação provisoriamente criada. Assim, se o interessado pretende que, no processo principal, lhe seja reconhecido o direito a ser admitido num concurso, o tribunal pode, a título cautelar, determinar a sua admissão provisória, permitindo-lhe, desse modo, participar do concurso em condições precárias, até que, no processo principal, se esclareça se lhe assiste ou não esse direito (cfr. art. 112º, nº 2, alínea b)). O que a providência cautelar não pode fazer é antecipar, a título definitivo, a constituição de situações que só a decisão a proferir no processo principal pode determinar a título definitivo, em tais condições que essa situação já não possa ser alterada se, no processo principal, o juiz chegar, a final, a conclusões que não consintam a sua manutenção”. (cfr. Manual de Processo Administrativo, 2ª ed., 2016, págs. 416 e 417). Refere ainda aquele autor, agora juntamente com Carlos Cadilha, que a provisoriedade da tutela cautelar “impede que o tribunal adopte, como providência cautelar, uma regulação que dê resposta à questão de fundo sobre a qual versa o litígio, desse modo inutilizando o processo em que ele é objecto de discussão.” (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5º ed., 2022, págs. 962). Da mesma opinião partilha Fernanda Maçãs, declarando que “(…) a provisoriedade impede que o juiz cautelar possa antecipar os eventuais efeitos da decisão principal. Em relação a este aspecto, a doutrina tem avançado com entendimentos mais flexíveis desta regra, que vão no sentido de afirmar que não subsiste uma proibição genérica de antecipação por via cautelar do conteúdo de uma eventual sentença favorável, mas apenas quando essa antecipação seja irreversível para o futuro. É o que se passa quando se questiona a outorga de uma licença de construção. Será possível condenar a Administração, ainda que provisoriamente, na emanação de uma licença de construção? A emissão provisória da licença levaria a que, dada a demora na tramitação do processo principal, quando fosse proferida a sentença de fundo, a construção já estivesse edificada, originando uma situação irreversível o que seria complicado no caso de a pretensão principal não ser procedente. Trata-se de um limite interno ao exercício do poder cautelar do juiz administrativo e que decorre da própria natureza provisória das medidas cautelares: uma medida deixa de ser provisória se os efeitos de uma eventual sentença favorável são antecipados de forma irreversível. Haverá, porém, outros actos cuja natureza não se opõe à outorga provisória. É o que se passa no caso de nomeação interina de um funcionário ou nos casos em que a autorização, licença ou concessão requeridas possam ser deferidas sob condição resolutiva ou reserva de revogação. O que tem de se impedir é que a actividade autorizada, concedida ou licenciada se esgote durante o tempo necessário para a resolução do litígio de fundo. Assim sendo, são perfeitamente admissíveis medidas cautelares positivas de carácter antecipatório (…) quando a natureza do acto o permita e não conduza a situações irreversíveis.” (“As Medidas Cautelares” in Reforma do Contencioso Administrativo, I, O Debate Universitário, pags. 457 e 458). Neste sentido, vem decidindo a jurisprudência. Este TCAN, em acórdão, de 03.03.2005 (proc. nº 687/04.5BEVIS), disponível para consulta em www.dgsi.pt, estando em causa um pedido cautelar de condenação do requerido na “emissão de parecer de compatibilidade com o respectivo Plano Municipal de Ordenamento do Território da localização do estabelecimento industrial da requerente de armazenamento temporário de resíduos industriais perigosos”, considerou falharem os requisitos da instrumentalidade e da provisoriedade, constituindo, inclusive, uma infracção ao próprio princípio da separação de poderes, visto tal pedido cautelar implicar que o tribunal vá determinar o conteúdo discricionário do acto impugnado na acção administrativa especial e sentença de fundo a elaborar no mesmo, o que está vedado aos poderes de pronúncia dos tribunais (cfr. arts. 71º, n.º 2 e 95º, n.º 3 do CPTA). Aí se afirma que a pretensão cautelar não preenche o requisito da provisoriedade “dado que o decretamento nos termos peticionados (emissão definitiva do parecer de compatibilidade (…) irá permitir que a requerente venha a apresentar procedimento administrativo (processo de autorização) (…) e que venha obter junto do organismo competente, em termos definitivos, a autorização para operações de armazenagem de resíduos perigosos no local em questão, no que se traduz numa pronúncia antecipatória que, sendo provisória, antecipa irreversivelmente os efeitos duma eventual sentença favorável na acção principal tornando e esgotando a utilidade da pronúncia definitiva.” Em aresto de 17.04.2015, proferido no âmbito do processo nº 01045/14.9BEAVR e publicado em www.dgsi.pt, estando em causa providência cautelar, na qual é solicitada a condenação da recorrida “a marcar a data para a requerente realizar exame da disciplina de Clinica do Trabalho II, a aceitar o relatório de estágio e a marcar a data para a realização da sua defesa”, decidiu este TCAN que “a realização dos três pedidos esgotam-se neles mesmos. Ou seja, se for a recorrida condenada a marcar a data para a recorrente realizar seu exame, nada mais restará para o processo principal. A situação da recorrente fica desde logo definida definitivamente. O mesmo acontece com a condenação da recorrida a aceitar o relatório de estágio e a marcação da sua defesa. Estamos perante actividades que se esgotam nelas próprias. Dito de outro modo, o tribunal ao deferir a presente providência estava a regular de forma definitiva os pedidos da requerente, nada restando para o processo principal. Ou seja, estamos perante pedidos característicos de um processo principal, mas não de uma providência cautelar que pretende que venha a regular provisoriamente uma determinada situação.” Ainda este TCAN, por acórdão de 18.09.2020, no proc. 845/20.5BEBRG, publicado em www.dgsi.pt, apontou a falta de provisoriedade em acção, na qual as providências cautelares requeridas passavam pela prática de actos tendentes à realização das obras, a saber: tomada de posse administrativa do prédio; abertura de concurso público para a adjudicação das obras constantes do auto de vistoria; e execução das obras. Também o TCA Sul, em acórdão de 17.12.2020, proferido no âmbito do processo nº 1203/20.7BELSB e publicado em www.dgsi.pt, secundou entendimento da 1ª instância no sentido de que carece de provisoriedade o pedido de decretamento da providência cautelar de intimação do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., a “proceder à abertura do procedimento concursal (…).” Aí se diz que “para que se pudesse intimar o Recorrido a abrir um procedimento concursal a título provisório e, dessa forma, antecipar os efeitos que poderão vir a decorrer da sentença a proferir no âmbito da acção principal (caso a mesma venha a obter provimento), parece-nos que seria necessário que do decretamento da providência cautelar não resultassem efeitos jurídicos que, por se consolidarem, são depois insusceptíveis de ser alterados pela decisão a proferir no processo principal. Situação essa que facilmente se verificaria no presente caso, uma vez que, na hipótese da acção principal vir a improceder e a ser decidida ao fim de alguns anos e uma vez que a lei determina que se proceda à abertura anual de concursos, podem vir a ocorrer situações de incompatibilidade quanto à ocupação dos postos de trabalho preenchidos durante esse tempo, por nos mesmos se encontrarem a trabalhar funcionários há mais de um ano que, por esse motivo, veriam a sua situação consolidada, conforme parece poder resultar do n.º 4 do art.º 173.º do CPTA. O pressuposto relativo à provisoriedade da providência cautelar impõe que esta, para além de ter uma duração limitada, uma vez que se destina a estabelecer uma composição provisória que salvaguarde os interesses em conflito enquanto estiver pendente a acção principal, não esvazie, ou, pelo menos, não prejudique a eficácia da decisão que vier a ser tomada nesta acção, pois é nesta que se vai conhecer do bem fundado da pretensão do autor (…).” O STA, confrontado com a questão de saber em que medida pode o tribunal, ainda que a título cautelar (provisoriamente) autorizar a colocação do Recorrente no internato de Anestesiologia ou intimar o MDN a solicitar à ACSS, a respectiva cativação de vaga e, caso isso já tenha sido feito, a intimação da ACSS para o colocar provisoriamente na vaga cativa para pessoal militar da especialidade, considerou – para além dos limites decorrentes do princípio da separação de poderes – que a satisfação da pretensão do recorrente em sede cautelar significaria “esgotar o objecto da acção principal ou ir para além do que aí se poderia obter, pondo-se em causa as características da provisoriedade e da instrumentalidade das providências cautelares.” (cfr. ac. de 22.05.2014, proc. 1412/13, disponível para consulta em www.dgsi.pt). Lê-se o seguinte na fundamentação exarada: “A relação de instrumentalidade existente entre a medida cautelar e o processo principal impede que o juiz possa conceder, através de uma medida cautelar positiva, aquilo que o recorrente não consegue obter através de uma eventual sentença favorável sobre a pretensão de fundo. Por sua vez, a provisoriedade impede que o juiz cautelar possa antecipar os eventuais efeitos da decisão principal favorável sobretudo quando tal antecipação se torne irreversível para o futuro. Aplicando o exposto ao caso dos autos, não oferece dúvida que não podemos deixar de acompanhar o Acórdão recorrido quando conclui que a “intimação de alguém a fazer determinada coisa esgota-se em si mesma, sendo insusceptível de haver uma «intimação provisória», para assegurar a utilidade de uma «intimação definitiva». Atentos os ensinamentos explanados, é forçoso concluir que, no caso em apreço, falha efectivamente a característica da provisoriedade. Fazendo uso dos dizeres do STA, o pedido formulado pela Requerente não se coaduna com a finalidade instrumental da tutela cautelar, uma vez que “a intimação de alguém a fazer determinada coisa esgota-se em si mesma, sendo insusceptível de haver uma «intimação provisória», para assegurar a utilidade de uma «intimação definitiva».” A pretensão formulada é estranha à de uma providência cautelar e apenas cabível no âmbito de uma acção administrativa principal. Com a presente acção, a Requerente dá conta de alegadas ilegalidades que o requerido vem cometendo, no âmbito da apreciação de candidaturas apresentadas à medida Empreende XXI, tendo em vista, parece-nos, não as candidaturas já objecto de decisão (de indeferimento) mas as candidaturas (ainda) a apreciar. Donde, pretende a Requerente condicionar decisões a proferir, no âmbito de procedimentos administrativos em curso, nos quais não foi ainda proferida decisão e sem que a acção assente em acto ilegalmente omitido. Afigura-se-nos que tal pretensão estará limitada também pelo princípio da separação de poderes, por não poder o tribunal substituir-se à Administração, nas circunstâncias descritas. Aqui chegados, soçobra a alegada violação do disposto no artigo 112º, nº 1 e 124º do CPTA. A mesma sorte recai sobre a alegada violação do disposto no artigo 120º, nº 3 do CPTA. Recorde-se que arguiu a Recorrente que, se o tribunal entendia que a tutela cautelar requerida esgotava o efeito útil da decisão principal, deveria ter promovido a sua substituição por outra que fosse igualmente adequada a salvaguardar os interesses cuja lesão se pretendia evitar; não o tendo feito, nem o tendo ponderado, violou o disposto no artigo 120º, nº 3 do CPTA. Não encontramos respaldo legal em tal posição. Estatui o nº 3 do artigo 120º do CPTA, norma que regula os critérios de decisão das providências cautelares, que “As providências cautelares a adotar devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente, devendo o tribunal, ouvidas as partes, adotar outra ou outras providências, em cumulação ou em substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente requeridas, quando tal se revele adequado a evitar a lesão desses interesses e seja menos gravoso para os demais interesses públicos ou privados, em presença.” A norma citada é uma concretização do princípio da necessidade, assegurando que a providência cautelar decretada se limite ao necessário para evitar a lesão dos interesses do requerente, e do princípio da proporcionalidade, permitindo ao juiz encontrar a solução mais adequada à justa composição dos interesses envolvidos. Da mesma, não resulta que o Tribunal, diante de uma providência cautelar desprovida do necessário atributo da provisoriedade, pode/deve promover a sua substituição por outra, suprindo, assim, aquela falta. De resto, não estando reunidos os legais pressupostos gerais de que a lei faz depender a adopção da providência cautelar requerida, a que alude o disposto artigo 112.º do CPTA, por falta de instrumentalidade e/ou de provisoriedade da providência decretada, não há que analisar a pretensão requerida, à luz dos requisitos de decretamento previstos no artigo 120.º do CPTA, por tal análise e apreciação ficar prejudicada (cfr. ac. do TCAS, de 21.11.2019, proc. 414/19.2BELLE, publicado em www.dgsi.pt). Serve o dito para concluirmos pelo acerto da decisão do Tribunal a quo quando rejeitou o requerimento inicial por ausência de provisoriedade das providências requeridas. Mais serve para restar prejudicado o conhecimento do apontado erro de julgamento sobre o requisito periculum in mora. * Nesta instância, as custas serão a cargo da Recorrente (cfr. arts. 4.º, n.ºs 1, al. b) e 5 do RCP, 116.º, n.º 2, al. d) do CPTA e 527.º do CPC e acórdão do STA de 09.10.2014, proc. 926/14, publicado em www.dgsi.pt). * IV - DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida. * Custas pela Recorrente. * Registe e notifique. *** Porto, 05 de Julho de 2024 Ana Paula Martins Luís Migueis Garcia Alexandra Alendouro |