Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00049/22.2BEMDL |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 09/27/2024 |
Tribunal: | TAF de Mirandela |
Relator: | PAULO FERREIRA DE MAGALHÃES |
Descritores: | PROCESSO DISCIPLINAR; INFRACÇÃO DISCIPLINAR; PENA DISCIPLINAR DE SUSPENSÃO CUMPRIDA; APLICABILIDADE DA LEI N.º 38-A/2023, DE 02 DE AGOSTO; PRAZO; INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE; EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA |
Sumário: | 1 - Conforme se extrai do corpo da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de Agosto, e em torno da amnistia de infracções disciplinares, o legislador dispôs que a mesma deve ser aplicada se as infracções disciplinares, em suma, tiverem sido praticadas até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, se não constituírem simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela Lei, e caso a sanção aplicável não seja superior a suspensão [Cfr. artigos 2.º, n.º 2, alínea b), 6.º e 7.º do referido diploma legal]. 2 - Errou o Tribunal a quo quando julgou pela aplicabilidade do artigo 11.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, ou seja, de que assiste ao arguido de procedimento disciplinar o direito [e de que o deve fazer em prazo certo] de recusar a aplicação da amnistia. 3 - Da amnistia de infrações disciplinares prevista na Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, decorre o efeito essencial e típico de qualquer amnistia – impedir que o agente agraciado sofra a sanção que lhe poderia vir a ser [ou que já lhe foi] aplicada pela prática de uma infração –, pelo que a conformação concreta dos respetivos efeitos fica dependente das regras estatuídas no regime jurídico disciplinar aplicável, enquanto legislação subsidiária ou complementar. 4 - Dada a superveniência de um diploma legal que por si é determinante da amnistia da pena disciplinar aplicada, extinguiu-se a responsabilidade disciplinar do arguido [o Autor ora Recorrente], o que reveste aptidão para que, em face do patenteado nos autos e na Lei, ser declarada a amnistia da infracção, sem dependência de um prazo de impulso por parte do beneficiário, tornando-se assim inútil, nessa parte, a continuação da lide, não sendo já, porém, fundamento que seja determinante da extinção da instância. 5 - Quando o Tribunal se confronte com uma pena disciplinar que deva ser amnistiada, deve então ponderar, em obediência ao disposto no artigo 130.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, atinente ao princípio da limitação dos actos [segundo o qual não é lícito realizar no processo actos inúteis], por que termos e pressupostos é que se justifica a continuação da sua instrução, no sentido de ser conhecido do mérito do pedido, pois que, convém lembrar, justaposta à aplicação da pena disciplinar está todo um repositório jurídico e factual em que se apoiou o autor do acto sancionatório para efeitos da sua decisão, quanto ao qual o visado não concorda, sendo seu [do Autor] o impulso de vir a Tribunal impugnar a sua validade, e sua pretensão, pelo menos, a sua anulação, fundada em ocorrência de nulidade ou em erro nos pressupostos de facto e/ou de direito. 6 - Enquanto arguido no processo disciplinar, e também enquanto demandante, assiste ao Recorrente o direito a que a pretensão por si deduzida na impugnação judicial da decisão punitiva seja apreciada no seu mérito potencial, quando subjacente à sua motivação para efeitos de entender não dever/poder ser declarada a extinção da instância, estiver o pressuposto de que não praticou qualquer ilícito de natureza disciplinar.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO «AA» [devidamente identificado nos autos] Autor na acção que intentou contra o Ministério da Administração Interna [também devidamente identificado nos autos], inconformado com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, pela qual, a final e entre o mais, foi julgada verificada a inutilidade superveniente da lide, em razão da extinção da sua responsabilidade disciplinar por ocorrência da amnistia concedida pela Lei, n.º 38A/2023, de 02 de agosto e consequentemente, a extinção da instância, veio interpor recurso de Apelação. * No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “[…] III - CONCLUSÕES 1.º O presente recurso jurisdicional foi interposto contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela em 4 de Janeiro p.p. que extinguiu a instância por inutilidade superveniente da lide por entender que, operando a amnistia prevista na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto ex vi legis e sendo de considerar amnistiada a infracção disciplinar que originou o acto punitivo impugnado, não pode o processo prosseguir para conhecimento dos vícios assacados ao mesmo. 2.º A questão fundamental em apreço nos presentes autos consiste em saber se, em caso de amnistia da sanção disciplinar já cumprida, essa amnistia torna a inútil a lide ou se, pelo contrário, o amnistiado tem direito a que o processo prossiga para eliminação da sanção e dos efeitos por ela produzidos. 3.º Salvo o devido respeito, o aresto em recurso começa por incorrer em manifesto erro por entender que a recusa pelo Recorrente da aplicação da amnistia era conditio sine qua non para prosseguimento dos autos com vista ao conhecimento dos vícios imputados ao acto punitivo e consequente eliminação dos efeitos já produzidos pela sanção de 150 dias de suspensão aplicada e integralmente cumprida pelo Recorrente, 4.º O Tribunal a quo incorre em manifesto erro não só porque não há lugar a qualquer aplicação analógica nesta matéria, mas igualmente por considerar que estava na disposição do Recorrente recusar a aplicação da amnistia, nos termos do art.º 1 1 da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, quando, na verdade, tal recusa está reservada aos arguidos por infrações previstas no art.º 4.º do mesmo diploma, tendo fundamentado a sua decisão em jurisprudência do Tribunal Constitucional proferida ao abrigo de uma Lei de Amnistia anterior (v. Lei n.º 29/99, de 12 de Maio) em que o legislador pretendeu distinguir o regime aplicável aos arguidos por infrações penais dos arguidos perseguidos disciplinarmente, como claramente distinguiu através da Lei n.º 38-A/2023. 5.º Por Outro lado, o Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento por considerar a extinção da instância por inutilidade da lide como uma espécie de efeito automático da amnistia, quando, na verdade, continuam por acautelar os efeitos já produzidos pela aplicação da sanção disciplinar.[Imagem que aqui se dá por reproduzida] 6. Ora, é pacífico na nossa jurisprudência que a lide se torna inútil (...) quando ocorre um facto ou circunstância, ulterior à sua instauração, que torna desnecessário que sobre ela recaia Pronúncia judicial, nomeadamente porque o pedido formulado já foi atingido por outro meio. " (v. Acórdão do STA de 28 de Setembro de 2017, Proc. n.º 049/17, disponível em www.dgsi.pt) ou quando “(…) por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de ter todo o interesse e utilidade, conduzindo, por isso, à extinção da instância (art.º 2870, al. e), do Código de Processo Civil) (v. Acórdão do STA de 9 de Janeiro de 2013, Proc. n.º 01208/125 disponível em www.dgsi.pt). 7.º Salvo o devido respeito, é notório o erro em que incorre o Tribunal a quo ao extinguir a instância por inutilidade superveniente da lide justamente porque a lei da amnistia não veio satisfazer a sua pretensão ou sequer trazer uma solucão para o concreto litígio, mas apenas eliminar os efeitos para o futuro da sanção disciplinar, deixando em aberto se a infraccão foi ou não praticada e ficando reqistada no seu registo disciplinar, razão pela qual é inequívoco não só que o Recorrente mantém todo o interesse no prosseguimento dos presentes autos, mas também que a sua procedência lhe poderá ter ainda alguma utilidade. 8.º Por fim, o Tribunal a quo erra ao interpretar o n.º 2 do art.º 65.º do CPTA em sentido materialmente inconstitucional, na medida em que violou o direito do Recorrente à tutela jurisdicional efectiva que assegura aos administrados o acesso à justiça e o direito a formular e a ver conhecida pelo Tribunal uma pretensão. 9.ª Na verdade, ao requerer que a amnistia lhe fosse aplicada e, em simultâneo, a continuação do processo para a eliminação dos efeitos já produzidos, o que o Recorrente fez foi um pedido de modificação da instância que tem acolhimento no n.º 2 do art.º 65.º do CPTA e que determina que o processo deva prosseguir em relação aos efeitos já produzidos, pelo que, ao julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, o Tribunal a quo vedou ao Recorrente a oportunidade de ver conhecidas as ilegalidades assacadas ao acto punitivo e a consequente eliminação dos efeitos produzidos pelo mesmo que, por força da lei da amnistia, viu esgotada a sua produção de efeitos. 10.ª O Tribunal a quo, ao decidir pela extinção da instância obrigou o Recorrente a suportar a lesão do seu direito fundamental ao exercício da profissão e de receber a respectiva remuneração, ao passo que lhe coartou o direito de fazer uso dos meios de tutela constitucionalmente garantidos para reagir contra a actividade da administração, sendo manifesta a violação do direito à tutela jurisdicional efectiva constitucional e legalmente consagrado nos art.sº 20.º e n.º 4 do art.º 268.º da CRP e no art.º 2.º do CPTA. Nestes termos, Deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença em recurso e julgada totalmente procedente por provada a acção e os pedidos nela formulados pela A. Assim será cumprido o Direito e feita JUSTIÇA. […]” ** O Recorrido Ministério da Administração Interna não apresentou Contra alegações. * O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos. ** O Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, em suma, no sentido da negação de provimento, assim se mantendo a Sentença recorrida. *** Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir. *** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas. ** III - FUNDAMENTOS IIIi - DE FACTO No âmbito da factualidade considerada pelo Tribunal recorrido, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue: “[…] Com relevo para a questão a dilucidar, consideram-se provados os seguintes factos: 1) O Autor é Agente Principal da Polícia de Segurança Pública, detendo a matrícula n.º ...54 - Cf. documento 02 junto com a petição inicial; 2) Em 04-08-2017, foi instaurado, por despacho do Comandante Metropolitano do Porto, contra o Autor, o procedimento disciplinar n.º ...12..., por atos por si praticados em 02-08-2017 - Cf. informação inserta no documento 03 junto com a petição inicial; despacho e informação/proposta insertos a fls. 03 do P.A.; 3) Em 25-06-2019, foi elaborado o relatório final do procedimento disciplinar mencionado no ponto anterior, tendo, aí, sido proposta a aplicação ao Autor da “[…] pena disciplinar de SUSPENSÃO, prevista no artº 25.º, n.º 1, alínea e), com referência ao art.º 46.º, conjugada com a sanção acessória prevista no artigo 28.º, todos do referido RD/PSP, aprovado peia Lei nº 7/90, de 20 de Fevereiro […]» - Cf. relatório final, inserto no documento 06 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 4) Em 08-04-2020, o Diretor Nacional-Adjunto da Unidade Orgânica de Operações e Segurança da PSP proferiu despacho de concordância com o teor do relatório final referido no ponto anterior, determinando a aplicação ao Autor da sanção disciplinar de suspensão, pelo período de 150 (cento e cinquenta) dias - Cf. despacho inserto no documento 04, junto com a p.i.; 5) Do teor do despacho referido no ponto antecedente destaca-se, de entre o mais, o seguinte: «[…] 1 - Concordo com o relatório do Sr. Instrutor (cf. fls. 378 a 398) e relatório complementar (cf. fls. 429 e 430) bem como com o despacho do Sr. Comandante do ..., de então (cf. fls. 431) que acolho, com exceção da proposta de sanção acessória, conforme à frente se explanará. 2 - Do processo resultaram provados os factos constantes na acusação e que também se encontram enunciados no relatório final, que, pela sua extensão, se dão aqui, para todos os efeitos, reproduzidos. 3 - Tendo em consideração o disposto no artigo 6.º, n.º 6 da Lei n.º 37/2019, de 30 de maio, e após pronúncia do arguido (cf. fls. 411 a 415), o Sr. Instrutor propôs que no presente processo o regime disciplinar mais favorável ao arguido era o constante no Regulamento Disciplinar aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro (RD/PSP), o que ora se acolhe. 4 - A prática dos factos dados como provados constituem infração disciplinar, nos termos do artigo 49 do RD/PSP, permitindo-se concluir que o arguido cometeu as infrações disciplinares de que foi acusado, sendo que as mesmas consubstanciam a violação do Princípio Fundamental previsto no artigo 6.º, bem como os deveres de zelo, previsto no artigo 9.º, n.º 2, alínea e), obediência, previsto no artigo 10.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), lealdade, previsto no artigo ll.º, n.ºl e o dever de aprumo, previsto no artigo 16.º, n.º 1 e n.º 2, alínea f), todos do mesmo RD/PSP. 5 - O arguido não beneficia de nenhuma das circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar previstas no artigo 51.º do RD/PSP. 6 - O arguido beneficia das circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar previstas na alínea b) (O bom comportamento anterior), g) (O facto de ter louvor ou outras recompensas) e h) (A boa informação de serviço do superior de que depende), do n.º 1 do artigo 52.º do RD/PSP. 7 - O arguido tem como circunstâncias agravantes da responsabilidade disciplinar as constantes nas alíneas d) (O facto de a infração ser cometida em ato de serviço ou por motivo do mesmo, na presença de outros, especialmente subordinados do infrator, ou ainda em público ou em local aberto ao público), e) (ser a infração cometida em conluio com outros), f) (ser a infração comprometedora do brio, do decoro profissional ou prejudicial à ordem ou ao serviço) e g) (a persistência na prática da infração, nomeadamente depois de reprovada por superior hierárquico...), do n.º 1 do artigo 53.º do RD/PSP. 8 - Tendo em conta o disposto no artigo 43.º do RD/PSP onde são enunciados os critérios para a aplicação e graduação concreta das penas disciplinares, temos a considerar os seguintes fatores: a) A natureza e gravidade da infração - A infração é grave porque o comportamento afeta não só o prestígio da própria Instituição, com prejuízo manifesto para o serviço e para a disciplina, dado o arguido ter desobedecido a determinações e ordens superiores, sobre assuntos de serviço, refletindo-se negativamente no serviço policial, na disciplina e na sua imagem e da PSP; bem como do próprio bem como o espirito de camaradagem e confiança que deve existir entre todos os elementos policiais, demonstrando acentuado desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais, afetando gravemente a dignidade e o prestígio pessoal e da função; b) A sua categoria - Sendo Agente policial com cerca de 17 anos de serviço à data da prática dos factos, erra-lhe exigível um comportamento diverso, devendo ser conhecedor das consequências da sua conduta; c) O seu grau de culpa - O comportamento do arguido encerra um grau de desvalor tal que a sua prática afeta o prestígio da Corporação; ' d) A personalidade - Com a sua conduta, demonstrou má compreensão dos deveres que se exigem face às regras da ética e deontologia funcional na PSP afetando gravemente a dignidade e o prestígio da função; e) O seu nível cultural - 12.º Ano - As suas habilitações não pressupõem maior ou menor discernimento para o afastar do cometimento das infrações; f) Todas as circunstâncias que militem contra ou a favor - Tem as referidas nos números 6 e 7 do presente despacho. 9 - Face ao exposto, e considerando que as infrações são reveladoras de afetar a dignidade e o prestígio pessoal ou da função, tendo o arguido atuado com dolo e acentuado desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais, é de aplicar ao arguido a pena de suspensão, nos termos da alínea e), do n.º 1 do artigo 25.º e artigo 46.º, conjugado com a sanção acessória prevista no artigo 28s, todos do RD/PSP. 10 - Tudo ponderado, e contabilizadas as atenuantes e as agravantes da responsabilidade disciplinar, a pena justa a aplicar será a de 150 (cento e cinquenta) dias de suspensão. 11 - No que diz respeito à proposta de aplicação de sanção acessória de transferência do arguido, prevista no artigo 28.º do RD/PSP, entendo não ser de aplicar aquela sanção acessória, uma vez que: a) O arguido é tido como um bom profissional; b) Os superiores e colegas de serviço do arguido reconhecem boas qualidades à sua personalidade; c) O arguido não tem antecedentes disciplinares nem lhe são conhecidos novos desvios nesta área; d) O arguido foi merecedor de 1 (um) louvor; e) O arguido, entre os anos de 2013 e 2016, foi avaliado de forma positiva, tendo sido avaliado com a avaliação qualitativa de bom no ano de 2013 e de muito bom nos anos de 2014 e 2016; f) As circunstâncias que estiveram na origem da infração já se encontram dirimidas, tendo o arguido permanecido no meio em que se encontra, cumprindo com as suas funções, com o prestígio correspondente à função intato, não se mostrando incompatibilizado com esse meio; g) A aplicação da sanção acessória trará prejuízos sérios para o serviço; h) Não se afigura como necessário do ponto de vista de prevenção geral ou especial, concretizar a punição disciplinar para que os objetivos ali consagrados sejam atingidos; i) A aplicação da sanção se revela suficiente para prosseguir os objetivos da prevenção geral e especial que se pretende atingir com a mesma. 12 - Pelo exposto, aplico ao Agente Principal ...54, «AA», da .../.../..., arguido no processo disciplinar ...12...; a pena disciplinar de 150 (cento e cinquenta) dias de suspensão, prevista nos artigos 25.º, n.º 1, alínea e) e 46.º, ambos do RD/PSP […]». - Cf. despacho inserto no documento 04, junto com a p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 6) Em 20-04-2020, o Autor tomou conhecimento pessoal do teor do despacho referido no ponto “4)” - Cf. ofício de notificação pessoal, de fls. 443 do P.A.; 7) Em 18-05-2020, deu entrada, por via eletrónica, no Núcleo de Deontologia e Disciplina do Comando Metropolitano do Porto da PSP, o recurso hierárquico da decisão mencionada no ponto “4)”, interposto pelo aqui Autor - Cf. documentação inserta a fls. 447 a 463 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 8) Por despacho, com a data de 03-11-2021, o Ministro da Administração Interna, aderindo aos fundamentos expendidos no parecer n.º 526....1, de 18 de agosto, da Direção de Serviços de Assessoria Jurídica, Contencioso e Política Legislativa da Secretaria Geral do MAI, negou provimento ao recurso hierárquico a que se alude no ponto anterior - Cf. despacho e parecer insertos a fls. 470 a 480 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 9) Em 09-11-2021, o Autor tomou conhecimento pessoal do teor do despacho referido no ponto que antecede - Cf. ofício de notificação pessoal, de fls. 484 do P.A.; 10) Em 07-02-2022, deu entrada, neste Tribunal Administrativo e Fiscal, a petição inicial referente à presente ação administrativa - Cf. comprovativo de entrega de articulado, inserto com a ref.ª 004455888-SITAF. * * Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como assentes, com interesse para a questão a dilucidar. * * A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada por assente estribou-se, em geral, na apreciação crítica do teor dos documentos insertos no procedimento administrativo (“P.A.”) e juntos aos autos, concatenados com a posição manifestada pelo Autor e pela Entidade Demandada nos respetivos articulados e requerimentos subsequentes, particularmente no que tange aos factos relativamente aos quais as partes não se encontram em contrariedade [factos esses que ficaram expressamente assinalados no elenco da factualidade provada]. Foi, com efeito, a apreciação crítica e articulada de toda a prova carreada para os autos, conjugada com as regras da experiência comum, que sedimentou a nossa convicção quanto à matéria assente, tudo conforme ficou descrito e patenteado supra (artigos 362.º e seguintes do Código Civil, e 94.º, n.ºs 3 e 4 do CPTA). […]” *** IIIii - DE DIREITO Está em causa a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que precedendo a audiência prévia do Autor [e do Réu], e tendo subjacente a Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, veio a julgar verificada a extinção da sua responsabilidade disciplinar [do Autor], e consequentemente declarado extinto o Processo Disciplinar n.º ...12... contra si instaurado, tendo julgado a final extinta a instância, em razão da verificação de inutilidade superveniente da lide, com fundamento em que já no decurso da presente ação administrativa, o Autor encontrou satisfação da sua pretensão, em virtude de ter sido amnistiada a infração disciplinar por que foi condenado através da decisão administrativa impugnada, tornando-se assim a presente lide inútil, quanto ao que o Autor ora Recorrente não se conforma. Como assim deflui da Sentença recorrida, tendo o Autor sido condenado por via de acto administrativo, na sanção disciplinar de suspensão, por factos praticados em data anterior a 19 de junho de 2023, que não configuram, simultaneamente, a prática de um crime, e que a esses factos não é aplicável, em abstrato, uma sanção disciplinar superior à suspensão, o Autor está abrangido pela amnistia da infração disciplinar por que foi condenado, à luz do disposto no artigo 6.º da Lei n.º 38A/2023, e que no caso vertente, com a amnistia da infração disciplinar, extinguiu-se o procedimento disciplinar em sede do qual foi prolatado o despacho impugnado. Apreciou e decidiu ainda o Tribunal a quo, que em face do disposto o artigo 11.º Lei n.º 38-A/2023, que tendo o legislador possibilitado aos arguidos a recusa da amnistia quando estejam em causa ilícitos criminais, que não se vislumbram quaisquer razões legais ou principiológicas que justifiquem que aos trabalhadores sancionados em procedimentos disciplinares seja coartada a possibilidade de se recusarem a beneficiar da amnistia concedida pela referida Lei, conquanto o façam dentro dos condicionalismos ali consignados, e que no caso vertente, tendo sido ouvido o Autor, o mesmo referiu que pretendia ver considerada amnistiada a infração disciplinar por que foi condenado através do acto impugnado, mas solicitava todavia que a ação prosseguisse os seus termos para a “anulação dos efeitos” produzidos por esse mesmo acto desde a data da sua prolação e até à entrada em vigor da Lei n.º 38A/2023. Neste conspecto, julgou o Tribunal a quo que esse pedido não tem cabimento legal, por não ter o Autor, dentro das condicionantes previstas no artigo 11.º da Lei n.º 38A/2023, informado expressamente os autos de que pretendia não lhe ver ser aplicada a amnistia estabelecida por esse diploma legal, com o prosseguimento dos autos [que poderiam culminar com a procedência ou a improcedência da ação, e correspondentes efeitos] ou, não o fazendo [como não fez], teriam de ser extraídas as legais consequências da amnistia concedida pela Assembleia da República. Mais decidiu o Tribunal a quo que por efeito da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, já no decurso da presente ação administrativa, tendo o Autor encontrado satisfação da sua pretensão, em virtude de ter sido amnistiada a infração disciplinar por que foi condenado através da decisão administrativa impugnada, tornou-se a presente lide inútil e que deve ser determinada a extinção da instância. Neste conspecto, para aqui extraímos a essencialidade da fundamentação de direito aportada pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida, como segue: Início da transcrição “[…] Em 01-09-2023, entrou em vigor a Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, da Assembleia da República, através da qual foi estabelecido um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização, em Portugal, da Jornada Mundial da Juventude (artigos 1.º e 15.º). De acordo com o artigo 2.º, n.º 2, a), estão, entre o mais, abrangidas pela Lei n.º 38A/2023 as sanções relativas a infrações disciplinares praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6.º. Neste último artigo, prevê-se que são amnistiadas as infrações disciplinares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela Lei n.º 38A/2023, e cuja sanção aplicável não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar. Vejamos. Os denominados atos de graça abrangem a amnistia, o perdão genérico, e o perdão individual / particular (indulto e comutação), consoante o ato respeite ao facto praticado ou à pena concretamente aplicada, e abranja um caso concreto, ou um grupo de situações, em função das caraterísticas do facto praticado, ou do seu agente (a este respeito, vejam-se os artigos 134.º, f) e 161.º, f) da CRP). Em particular, a amnistia é uma instituição de clemência da competência constitucionalmente consagrada (cf. artigo 161.º, f) da CRP) - da Assembleia da República, que pode resultar na extinção do processo penal (amnistia em sentido próprio) ou na extinção da pena e dos seus efeitos (amnistia em sentido impróprio). De facto, no caso de amnistia abranger infrações pelas quais já existam sanções aplicadas, ela impedirá a sua execução na eventualidade do respetivo cumprimento não se ter ainda iniciado, ou estar em curso, mas não destrói os efeitos já produzidos pela aplicação da mesma, independentemente de a amnistia dever ser averbada no competente processo individual do arguido (neste caso, fala-se, então, em amnistia imprópria – cf., entre outros, o Acórdão do TCA-Sul, de 11-04-2002, proc. n.º 3752/99, acessível em www.dgsi.pt). Deve, no entanto, atender-se a que estes efeitos impróprios se justificam, no caso do Direito Penal, pelo facto de, contrariamente ao que sucede no domínio disciplinar, as penas (de multa e prisão) apenas poderem ser executadas após o trânsito em julgado das respetivas decisões condenatórias (cf. os artigos 477.º e 489.º do CPP). É que, no domínio do Direito disciplinar, a sanção é aplicada por ato administrativo que, por regra, produzirá os seus efeitos com a notificação ao interessado, ainda que este possa, depois disso, discutir a legalidade da decisão em Tribunal, por via impugnatória, havendo, nesse caso, a possibilidade de obter a expurgação dos efeitos de tal ato, caso a ação seja julgada procedente. Entende, por isso, este Tribunal que a não destruição efeitos já produzidos pela aplicação / execução da sanção, depois de concedida uma amnistia, só tem razão de ser nos casos em que a execução dessa sanção resulte de uma decisão consolidada na ordem jurídica, o que não sucede nos casos em que um trabalhador punido disciplinarmente impugne, dentro do prazo, perante um tribunal, o ato administrativo de aplicação da pena disciplinar [ainda que a execução da sanção já tenha iniciado, ou até terminado], mas sucede já no domínio do Direito penal, pelo facto de, como se disse, as penas de prisão e de multa só poderem ser executadas depois de transitadas em julgado as decisões condenatórias respetivas [identicamente, cf. o Aresto do STJ, de 21-12-2021, proc. n.º 11/21.2YFLSB, disponível em www.dgsi.pt]. [...] Compulsado o teor da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, nos artigos supra transcritos, temos que o legislador amnistiou as infrações disciplinares (i) que não constituam ilícitos penais não amnistiados; (ii) a que sejam aplicáveis sanções iguais ou inferiores à suspensão; (iii) e que tenham subjacente a prática de factos praticados até às 00h00 do dia 19-06-2023. Sobrevoado o teor das disposições legais contidas nos artigos 2.º, n.º 2, b) e 6.º da Lei n.º 38-A/2023, temos que, no que respeita ao domínio disciplinar, o que se consagrou foi a amnistia de certas infrações disciplinares, a saber, aquelas a que, abstratamente, seja aplicável sanção não superior a suspensão. No caso vertente, e conforme se fez notar no probatório, o Autor foi, através de ato administrativo, condenado na sanção disciplinar de suspensão, por factos praticados em data anterior a 19-06-2023 [que não configuram, simultaneamente, a prática de um crime], sendo certo que, aos mesmos, não é aplicável, em abstrato, uma sanção disciplinar superior à suspensão. Pelo que, ao abrigo dos normativos atrás citados, cujas previsões legais estão preenchidas, o Autor está abrangido pela amnistia da infração disciplinar por que foi condenado, à luz do disposto no artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023. De notar, ainda, que nos termos do artigo 47.º, e) do Estatuto Disciplinar da Polícia de Segurança Pública [aprovado pela Lei n.º 37/2019, de 30 de maio], a responsabilidade disciplinar extingue-se pela amnistia, perdão genérico ou indulto, os quais têm os efeitos previstos na lei penal (artigo 54.º do mesmo diploma). Com base no n.º 2 do artigo 128.º do CP, a amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos, como da medida de segurança. Donde, no caso vertente, com a amnistia da infração disciplinar, extinguiu-se o procedimento disciplinar em sede do qual foi prolatado o despacho impugnado. Atenda-se, ainda, ao seguinte. Compulsado o teor da Lei n.º 38-A/2023, mormente o disposto no seu artigo 11.º, vemos que o legislador possibilitou, aos arguidos, a recusa da amnistia. De acordo com tal normativo, “[i]ndependentemente da aplicação imediata da presente lei, os arguidos por infrações previstas no artigo 4.º podem requerer, no prazo de 10 dias a contar da sua entrada em vigor, que a amnistia não lhes seja aplicada, ficando sem efeito o despacho que a tenha decretado”, sendo certo que tal declaração é tida como irretratável. Ainda que o normativo em questão se refira, em concreto, às infrações previstas no artigo 4.º, isto é, às infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 01 ano de prisão ou a 120 dias de multa, não se vislumbram quaisquer razões legais ou principiológicas que justifiquem que aos trabalhadores sancionados em procedimentos disciplinares seja coartada essa mesma possibilidade de se recusarem a beneficiar da amnistia concedida pela Lei n.º 38A/2023, conquanto o façam dentro dos condicionalismos ali consignados. Sucede que, no caso vertente, ouvido o Autor, foi por este referido, expressamente, que pretendia ver considerada amnistiada a infração disciplinar por que foi condenado através do ato impugnado. Solicitava, no entanto, que a ação prosseguisse os seus termos para a “anulação dos efeitos” produzidos por esse mesmo ato desde a data da sua prolação e até à entrada em vigor da Lei n.º 38-A/2023. A sua pretensão quanto ao prosseguimento da presente ação administrativa não tem, no entanto, cabimento legal. Ou bem que o Autor, dentro das condicionantes previstas no artigo 11.º da Lei n.º 38A/2023, informava expressamente os autos de que pretendia não lhe ver ser aplicada a amnistia estabelecida por esse diploma legal, com o prosseguimento dos autos [que poderiam culminar com a procedência ou a improcedência da ação, e correspondentes efeitos] ou, não o fazendo [como não fez], teriam de ser extraídas as legais consequências da amnistia concedida pela Assembleia da República. É que – importa reter -, decorridos 10 dias após a entrada em vigor da Lei n.º 38A/2023, o Autor nada veio dizer aos autos no sentido de não pretender ver ser-lhe aplicada a amnistia concedida ao abrigo desse diploma. Veja-se que a consagração de normativos com conteúdo semelhante ao artigo 11.º da Lei n.º 38-A/2023 não é inédita no ordenamento jurídico português, sendo disso exemplo a disposição legal contida no artigo 9.º da Lei n.º Lei 16/86, de 11 de junho [amnistia diversas infracções e concede perdões de penas] ou a extraída do artigo 10.º da Lei n.º 29/99, de 12 de maio [perdão genérico e amnistia de pequenas infracções]. [...] Nos termos do artigo 277.º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide. A respeito da inutilidade e da impossibilidade superveniente da lide escrevem JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE que a mesma ocorre quando “[p]or facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio” (cf., dos autores, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2014, p. 546). A lide torna-se impossível quando sobrevêm circunstâncias que inviabilizam o pedido, não em termos de procedência/mérito, mas por razões conectadas com o mesmo já ter sido atingido por outro meio, ou de já não poder sê-lo na causa pendente (neste sentido, o Acórdão do STJ, de 15-03-2012, proc. n.º 501/10.2TVLSB.S1, disponível em www.dgsi.pt). Torna-se a lide inútil, por outro lado, se ocorrer um facto ou circunstância, ulterior à sua instauração, que venha tornar desnecessário que sobre ela recaia pronúncia jurisdicional, nomeadamente porque o pedido formulado já foi atingido por outro meio (vide, o Acórdão do STA, de 28-09-2017, proc. n.º 049/17, acessível em www.dgsi.pt). Com efeito, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide efetiva-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, em virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo ou, por outro lado, porque encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Considerando que, por efeito da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, já no decurso da presente ação administrativa, o Autor encontrou satisfação da sua pretensão, em virtude de ter sido amnistiada a infração disciplinar por que foi condenado através da decisão administrativa impugnada, tornou-se a presente lide inútil. Resulta, assim, cristalino que, por força de ocorrências posteriores à propositura da presente ação, a pretensão de tutela do A. foi satisfeita fora do esquema jurisdicional, sendo, nessa conformidade, de dar por verificada a inutilidade superveniente da presente lide, e, consequentemente, determinar a extinção da instância, nos termos do artigo 277.º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA. [...] DECISÃO Nos termos e com os fundamentos fático-jurídicos acima expostos, e com esteio nos poderes confiados pelo artigo 202.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa: - Julgo a presente instância extinta, em razão da verificação de inutilidade superveniente da lide; [...]“ Fim da transcrição Aqui chegados. Apreciou e decidiu o Tribunal a quo que a sanção disciplinar em apreço nos autos, de suspensão por 150 dias, e que foi cumprida pelo Autor ora Recorrente está a coberto da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, em face do disposto nos seus artigos 2.º, n.º 2, alínea b), e 6.º, e que é assim passível de ser amnistiada por ter sido cometida até às 00,00 horas de 19 de junho de 2023. Porém, em face do que apreciamos tendo por referência as conclusões das Alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, julgamos que os autos deviam ter continuado os seus termos no TAF de Mirandela, ou seja, que errou o Tribunal a quo ao julgar pela extinção da instância. Vejamos. Em torno da continuação dos autos para efeitos de ver apreciada a legalidade do acto que aplicou ao Autor a pena disciplinar, no sentido de poder ver reconstituída a sua situação hipotética, assiste razão ao Recorrente, pois que, como assim julgamos, a perda de remuneração durante esses 150 dias não pode ser compaginada como um efeito da pena disciplinar, que tendo sido amnistiada, tenha de manter-se, pese embora o Autor ora Recorrente também não ter prestado a sua função a favor do Réu, mas não por vontade sua. Atenta a posição vertida nas conclusões das suas Alegações de recurso, julgamos que o Autor ora Recorrente é titular de um concreto interesse em agir, e que passa pela continuação dos autos tendo em vista a apreciação da/s invalidade/s que vêm por si apontadas ao acto administrativo sob impugnação. Neste patamar. Por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui convocamos o recente Acórdão do STA, datado de 29 de fevereiro de 2024, proferido no Processo n.º 03008/14.5BELSB. Nesses autos estava em apreço a apreciação da invalidade de todos os actos de instrução e de decisão, incluindo os despachos do Director Nacional da Polícia de Segurança Pública e do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, que a final derivaram na conclusão de que o arguido, também um agente policial da PSP, violou deveres que consubstanciavam a prática de infracção disciplinar, sendo que depois de ponderadas as circunstâncias envolventes que rodearam o facto subjacente à referida infração, as circunstâncias atenuantes e agravantes e as exigências sancionatórias, foi aplicada ao arguido a pena de 50 [cinquenta] dias de suspensão. O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TACL] veio a julgar a acção procedente, do que foi interposto recurso de Apelação para o TCA Sul, que por seu Acórdão datado de 19 de maio de 2022 veio a confirmar o julgado em 1.ª instância, do que foi interposto recurso de Revista para o STA, que por seu Acórdão datado de 20 de outubro de 2022 proferido em formação de apreciação preliminar, julgou pela sua admissão, com fundamento, em suma, na necessidade de ser conhecido o termo da contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar na PSP. Já em sede da apreciação do mérito do recurso de Revista, o respectivo relator, com fundamento em que a infração imputada ao agente representado pelo Recorrido ocorrera em 22 de janeiro de 2009, ordenou por seu despacho de 30 de janeiro de 2024, a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem sobre a eventual extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, em consequência da aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, ao abrigo do disposto nos seus artigos 2.º, n.º 2, alínea b), 6.º e 7.º, n.º 1, alíneas j) e k). Tendo as partes emitido pronúncia, o Recorrente Ministério da Administração Interna veio referir, em suma, ver com muito bons olhos a aplicação ao Autor da ação da recente Lei da Amnistia [Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto], mas que se opunha à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, com fundamento em que o objecto do recurso de Revista se mantém incólume após a publicação da referida Lei nº 38-A/2023, por estar em vista, caso não tenha ocorrido a prescrição do procedimento disciplinar, que a Lei da Amnistia, pura e simplesmente, seria inaplicável. Ora, o STA veio a apreciar como devida a precedência do conhecimento da amnistia, sobre a questão da prescrição do procedimento disciplinar [ou mesmo sobre outras questões que se tenham suscitado no âmbito da ação administrativa de impugnação de actos administrativos de aplicação de sanções disciplinares], e que a sua aplicação, podendo conduzir à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, torna irrelevante o conhecimento do momento exacto em que o poder disciplinar se extingue por prescrição, de modo a impedir a aplicação da sanção disciplinar considerada devida, e nesse sentido, que a eventual aplicação da amnistia pode tornar a discussão inútil se, independentemente do momento considerado relevante para efeitos de prescrição, tornar inaplicável a sanção disciplinar. Neste conspecto, para aqui extraímos parte desse Acórdão do STA, como segue: Início da transcrição “[...] 5. Mesmo sem aprofundar a discussão dogmática sobre a autonomização da “amnistia imprópria” face ao “perdão genérico” (num quadro em que a amnistia já é perspetivada como pressuposto negativo da punição, e não como modo de extinção da infração) – sobre o ponto, v., por todos Figueiredo Dias, ob. cit., p. 687 e ss. (conceção ampla de amnistia) e Francisco Aguilar, Amnistia e Constituição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 51 e ss. (conceção restrita de amnistia, em que o seu caráter como amnistia “própria” ou imprópria” «não reside já na sua previsão normativa, mas antes nas situações da vida que aquela irá regular, em função de existir uma decisão condenatória com força de caso julgado») –, certo é que «quer a amnistia de crimes, quer a amnistia de infrações disciplinares estão sujeitas a princípios comuns» (v. o Ac. TC n.º 301/97, n.º 6; itálicos acrescentados): «Constituindo um obstáculo à efetivação da punição, as amnistias são da competência reservada da Assembleia da República (cfr. o artigo 164º, alínea g), da Constituição) e revestem forma de lei. Nessa medida, quaisquer limitações estabelecidas na lei quanto às condições ou aos efeitos da amnistia – como as do nº 4 do artigo 11º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local ou as do artigo 126º do Código Penal de 1982 – valerão apenas na medida em que, por força da lei da amnistia, não sejam afastadas. É que, sendo esta posterior – e especial –, as normas que a compõem sempre prevalecerão sobre as antes estabelecidas em normas de igual hierarquia (cfr. J. Figueiredo Dias, ob. cit., p. 695, que considerava o referido artigo 126º do Código Penal de 1982 "legislação subsidiária"). Neste contexto, poderá perguntar-se: é constitucionalmente admissível à Assembleia da República amnistiar infrações disciplinares sem destruir os efeitos já produzidos pela aplicação da pena – como o determina aquele normativo e, por omissão de expressa previsão noutro sentido, se tem de entender que foi querido pelo legislador da Lei nº 23/91, de 4 de Julho? 7. Tendo em conta a liberdade de conformação reconhecida neste domínio ao legislador (cfr., neste sentido, os Acórdãos deste Tribunal nºs.152/93 e 153/93 […]), não poderá deixar de responder-se afirmativamente àquele quesito, desde que seja salvaguardada a legitimidade material da amnistia, a qual, segundo Eduardo Correia/Taipa de Carvalho (cfr. ob. cit., p. 17), “deve afirmar-se sempre e apenas quando ocorrerem situações em que a defesa da comunidade sócio-política seja melhor realizada através da clemência que não da punição” ou, como refere J. de Sousa e Brito, sempre que a amnistia se reconduzir à “totalidade dos fins do Estado, legítimos num Estado de Direito”, e não apenas “aos fins específicos do aparelho sancionatório do Estado e ainda menos à prevenção dos factos do tipo de infração visado pela norma amnistiante” (cfr. Sobre a amnistia, in Revista Jurídica da AAL, nº 6 (1986), p. 43). Sob o ponto de vista constitucional, a legitimidade das leis de amnistia de infrações punidas por normas de direito público deve ser aferida à luz do princípio do Estado de Direito, donde resulta que os fins das leis de amnistia não podem ser incompatíveis com a realização de um tal princípio.» Estes princípios, que de algum modo, concretizam um conceito constitucional de amnistia, foram corroborados pelo Ac. TC n.º 116/2001, n.º 7: «O Tribunal Constitucional, no mencionado Acórdão nº 301/97, considerou expressamente ser constitucionalmente admissível à Assembleia da República amnistiar infrações disciplinares sem destruir os efeitos já produzidos pela aplicação da pena, desde que seja salvaguardada a legitimidade material da amnistia. […] Ora, decorre da jurisprudência constitucional sumariamente citada que a definição de certas condições de concessão de uma amnistia integra o espaço de liberdade de conformação legislativa, podendo o legislador estabelecer limites aos efeitos da medida de graça, efeitos esses que não têm, desse modo, de significar a destruição de todas as consequências da infração amnistiada. Compreende-se, de resto, que assim seja, uma vez que a concessão da amnistia, consubstanciando uma medida excecional, repercute-se no funcionamento do sistema sancionatório público, impedindo a normal produção de efeitos das normas que o integram. Trata-se, pois, de uma intervenção singular, em ordem a valores específicos e necessariamente legítimos (cf., quanto à natureza e legitimidade de tais valores, os Acórdãos n.º 444/97 e 510/98), cuja concreta extensão assim como as respetivas condições de aplicação não se encontram constitucionalmente pré-definidas. Os limites a tal medida referem-se então aos seus fins (como o Tribunal Constitucional apreciou nos Acórdãos n.ºs 444/97 e 510/98), de forma a que, com a concessão da amnistia, não se afetem princípios fundamentais do Estado de direito. O carácter mais ou menos restrito dos seus efeitos (uma vez assente, sublinhe-se, a legitimidade material e teleológica da medida de graça), ou seja, os efeitos concretos da infração amnistiada que são eliminados, assim como as repercussões processuais da medida também poderão ser livremente conformadas pelo legislador dentro dos assinalados limites. Por outro lado, a aplicação da amnistia não poderá, naturalmente, limitar, ainda que reflexamente, de modo inevitável outros direitos fundamentais do agente beneficiário. Adianta-se, porém, de imediato, que in casu tal não acontece, pois pode ser requerida a não aplicação da amnistia, nos termos do artigo 10º da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio. Em resumo, pode afirmar-se que a amnistia se traduz num benefício concedido pelo Estado, com maior ou menor amplitude, e que, consubstanciando uma valoração excecional e de algum modo acidental da infração, deixa intocados os direitos e as garantias fundamentais do agente, caso possa, por opção livre do potencial beneficiário, não ser aplicado.» Nesta linha de entendimento, também se afirma na jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo: «[a]mnistia própria ou imprópria, já não pode hoje conceber-se, o instituto, como no passado, como uma forma de esquecimento ou apagamento dos factos e da ilicitude, deles, mas simplesmente como um ato de renúncia do Estado ao seu direito de os punir ou de prosseguir na execução da punição já decretada» (v. o Ac. STA, de 22.04.1997, P. 39538, publicado no Apêndice ao Diário da República, 2.ª série, de 23.03.2001). 6. De todo o modo, e sem prejuízo do enquadramento dogmático da amnistia na doutrina da consequência jurídica do crime enquanto pressuposto negativo da punição, sujeito na sua configuração concreta ao poder de conformação do legislador democrático, e das consequências daí advenientes para a amnistia de infrações disciplinares, importa não esquecer, por um lado, que a responsabilidade criminal – mas o mesmo vale mutatis mutandis para a responsabilidade disciplinar – só se efetiva através do procedimento criminal: ou seja, não há que considerar efeitos punitivos da prática de dado facto previsto como crime que não decorram de uma condenação definitiva (transitada em julgado) pela prática do crime (facto punível e juízo de censurabilidade). Nessa medida, compreende-se a “imagem” frequentemente associada à amnistia própria – ou seja, aquela que, por ser anterior à condenação com trânsito em julgado, extingue o procedimento criminal (cfr. o artigo 128.º, n.º 2, do Código Penal) – de “apagamento” ou “esquecimento” da própria infração criminal em causa. Expressas em termos dogmaticamente menos rigorosos, é frequente deparar com afirmações como: «a amnistia atinge a punibilidade dos atos definidos como crime; atua em função dos crimes, deixando os atos praticados até ao momento histórico-jurídico considerado de poderem ser enquadrados nos tipos legais amnistiados»; ou «amnistia, enquanto medida de graça de caráter geral e pressuposto negativo da punição, é aplicada em função do tipo de ilícito, considerando abstratamente as infrações (i.e., “apagando” a natureza criminal do facto)» (assim, por exemplo, v. o Ac. TRL, de 23.01.2024, P. 1161/20.8PBSNT-D.L1-5; itálicos acrescentados). Por outro lado, cumpre igualmente ter presente que a ausência de condenação penal não “apaga” a ação ou os factos na sua materialidade, os quais poderão relevar como pressupostos de facto de efeitos não penais (ou não disciplinares). 7. A Lei n.º 38-A/2023 é muito parca na caracterização da amnistia de infrações disciplinares praticadas por membros das forças policiais, limitando-se a uma delimitação positiva e negativa daquelas que pretende abranger: – Infrações disciplinares: i) praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023; e ii) cuja sanção aplicável não seja superior a suspensão; desde que, – Tais infrações: i) não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela mesma Lei n.º 38-A/2023; ii) se praticadas no exercício de funções, não constituam violação de direitos, liberdades e garantias pessoais dos cidadãos, e iii) não sejam praticadas por reincidentes. É entendimento comum da jurisprudência dos tribunais superiores, que, enquanto providências de exceção, as leis de amnistia devem interpretar-se e aplicar-se nos seus precisos termos, sem ampliações ou restrições que nelas não venham expressas, não admitindo, por isso, e em via de princípio, interpretação extensiva, restritiva ou analógica (cfr. o Ac. TRL, de 24.01.2024, P. 778/23.3T8PDL-A.L1-4, com amplas referências jurisprudenciais). Significa isto que o legislador deixou um amplo espaço para a aplicação daquilo a que Figueiredo Dias designa de legislação subsidiária: preceitos da lei ordinária que prevêem consequências determinadas de uma amnistia, mas que, dado o valor legal da norma amnistiante, só são aplicáveis na medida em que não sejam expressamente afastadas pela lei da amnistia (v. Autor cit., ob. cit, p. 695; em sentido substancialmente idêntico, v. também Maia Gonçalves, Código Penal Português – Anotado e Comentado e Legislação Complementar, 12.ª ed., Almedina Coimbra, 1998, anot 4 ao art. 128.º, p. 410). 8. In casu, o agente representado pelo recorrido foi punido disciplinarmente por factos praticados em relação a agentes da GNR, em 22.01.2009, e que foram avaliados como representando a violação dos deveres de zelo, correção e aprumo, previstos no Regulamento Disciplinar da Polícia Segurança Pública, aprovado pela Lei n.º 7/90 de 20 de fevereiro (“RDPSP”; cfr. supra o n.º 2). Por tais factos, foi aplicada ao agente da PSP, por despacho do Comandante do ..., de 23.07.2010, uma pena de 50 dias de suspensão, «nos termos do art.º 25.º, n.º 1, alínea d), Art.º 27.º n. 3, Art.º 29. n.º 1, alínea b) conjugado com os Artigos 43.º e 46.º, todos do RD/PSP» (cfr. ibidem). Na sequência de recursos administrativos, foi proposta uma ação administrativa especial em que, além do mais, foi pedida a anulação da aplicação daquela sanção disciplinar (cfr. supra o n.º 1). Tal ação, de que emerge o presente recurso de revista, ainda se encontra pendente, pelo que a decisão sancionatória objeto da mesma também ainda não se tornou definitiva. Verifica-se, pelo exposto, que a amnistia decretada pela Lei n.º 38-A/2023 é plenamente aplicável no caso sub iudicio. 9. Do enunciado dos artigos 2.º, n.º 2, alínea a), e 6.º da Lei n.º 38-A/2023 apenas resulta, com interesse para os presentes autos, que são amnistiadas as infrações disciplinares cometidas até à 00:00 horas de 19.06.2023 cuja sanção aplicável não seja superior a suspensão. Deste modo, vale o conceito constitucional de amnistia – «um obstáculo à efetivação da punição» (Ac. TC n.º 301/97, n.º 6); «impedir-se que o agente agraciado sofra a sanção a que poderia vir a ser (ou a que já foi) condenado» (Ac. TC n.º 510/98, n.º 3) –, o qual, como referido, «descreve apenas o principal efeito jurídico da amnistia, deixando em aberto os efeitos jurídicos que podem separar a amnistia do perdão, como o da restituição dos direitos de que a condenação privou o criminoso ou de aproveitar aos reincidentes e criminosos por tendência, ou o do apagamento da sanção no registo, por exemplo. Mas mesmo que o regime destes últimos efeitos seja idêntico na amnistia e no perdão, tal não é uma necessidade conceptual, mas uma proposta de política legislativa que pode ser ou não seguida pelo legislador ordinário» (assim, v. ibidem, o Ac. TC n.º 510/98). Ora, como referido, no caso da amnistia prevista nos artigos 2.º, n.º 2, alínea b), e 6.º da Lei n.º 38-A/2023, não existem outros efeitos legalmente previstos, pelo que a amnistia das infrações disciplinares abrangidas por aquelas normas se limita ao efeito principal, ou seja, o de neutralizar os efeitos da sanção aplicável à infração disciplinar que deixa de poder ser punida. Todavia, na ausência de outras determinações, a conformação concreta de tais efeitos decorre das regras estatuídos no regime jurídico disciplinar aplicável, enquanto legislação subsidiária ou complementar. No caso dos autos, vale o disposto nos artigos 38.º, n.º 5, 54.º, alínea e) e 59.º do RDPSP, regime jurídico em vigor à data da prática da infração. Em especial, o citado artigo 59.º, n.º 1, estatui que a amnistia faz cessar a execução da pena, se ainda estiver a decorrer, mas não anula os efeitos já produzidos pela sua aplicação, mantendo-se o respetivo registo unicamente para os efeitos expressos no mesmo Regulamento. Quanto à pena de suspensão, prevê o respetivo artigo 27.º, n.º 3, que a mesma se traduz no afastamento completo do serviço durante o período de cumprimento da pena e na perda, para efeitos de remuneração, antiguidade e aposentação, de tantos dias quantos tenham durado a suspensão. Recorde-se que a pena de 50 dias de suspensão foi aplicada ao agente representado pelo recorrido, nos termos dos artigos 25.º, n.º 1, alínea d), 27.º n. 3, e 29.º n.º 1, alínea b), todos do RDPSP, por despacho datado de 23.07.2010 e executada em 2014 (cfr. supra o n.º 2). 10. Entre os efeitos que prima facie se podem ter como já produzidos pela execução de tal pena de suspensão, contam-se o afastamento do serviço durante o período de 50 dias e a perda da correspondente remuneração (artigo 27.º, n.º 3, do RDPSP), assim como as perdas de oportunidade relativamente à promoção ou acesso durante o período de um ano (v. ibidem, o artigo 29.º, n.º 1, alínea b)). Porém, a perda de 50 dias para efeitos de antiguidade e de aposentação ainda não se consumaram e são, por conseguinte, neutralizados pela amnistia. Cumpre, por isso, indagar se, tendo em conta os efeitos já produzidos pela aplicação da sanção ao representado pelo ora recorrido, subsiste algum interesse na ação de impugnação de que emerge o presente recurso de revista em determinar se o poder disciplinar prescreveu, ou não, antes do ato que determinou a efetivação da responsabilidade disciplinar – o despacho do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, datado de 12.09.2014 (cfr. supra o n.º 2). 11. No que se refere à perda da remuneração correspondente ao período da suspensão de funções, a mesma não pode, em rigor, ser tida como um efeito já produzido da pena disciplinar. Conforme se refere no Ac. TC n.º 301/97, n.º 8: «[D]o que se trata, no caso, é da aplicação de uma pena disciplinar (de suspensão) que importou uma interrupção bilateral numa relação sinalagmática: o vencimento deixou de ser pago, não tanto por isso constituir um efeito da pena, mas por ter sido deixado de prestar o trabalho que tal vencimento remunerava. Ao apagar a infração disciplinar, o que a amnistia apaga são os efeitos disciplinares – e suas repercussões – não os outros efeitos (salvo disposição legal expressa em contrário). Assim, conforme este Tribunal decidiu no Acórdão nº 107/92 (publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Julho de 1992), “não tendo os interessados exercido as suas funções, não têm eles direito a receber os respetivos vencimentos, que ... representam a contraprestação pelo exercício efetivo do cargo”. Decorrendo do nosso ordenamento jurídico que “o vencimento consiste na remuneração recebida pelo exercício do cargo em que o funcionário esteja provido, salvo nos casos excecionais considerados na lei” […], tal perda de remuneração não é um puro efeito da aplicação da pena, mas de outras normas jurídicas, que mantêm a sua aplicação qualquer que seja o entendimento conferido à extensão dos efeitos das amnistias […].» Por outro lado, e conforme tem sustentado a jurisprudência deste Supremo Tribunal, a eliminação do efeito negativo do não pagamento dos vencimentos em consequência de sanções disciplinares como a suspensão ou a demissão que venham a ser consideradas ilegais não se opera pelo pagamento dos vencimentos relativos ao período de afastamento do funcionário do serviço em sede de execução de sentença, mas através de uma ação de indemnização dos prejuízos concretamente sofridos, em consequência do ato ilegal praticado pela Administração e anulado ou declarado nulo pelo tribunal (teoria da indemnização e não teoria do vencimento) – cfr., entre muitos, os Acs. STA, de 9.02.1999, P. 24711B; de 24.05.2000, P. 45977; de 17.04.2002, P. 32101A; de 19.04.2004, P. 222/04; ou de 28.05.2008, P. 69/08. Trata-se, em qualquer caso, de um ónus do interessado e não de um dever da Administração. Já no tocante à impossibilidade de promoção ou acesso durante o período de um ano previstas no artigo 29.º, n.º 1, alínea b), do RDPSP, as mesmas só se concretizaram como efeito já produzido da pena disciplinar, caso tenham surgido oportunidades de tais promoções ou acessos, o que não é invocado pelo recorrido. Acresce que a reconstituição da carreira, em sede de execução de sentença anulatória, em princípio, só impõe que se levem em conta as promoções que devessem ter ocorrido por antiguidade, mas já não as promoções que dependam de concurso ou escolha. Ou seja, só se pode atribuir relevância a promoções relativamente às quais esteja excluída qualquer dose de aleatoriedade, como acontecerá, designadamente, com promoções exclusivamente dependentes do preenchimento de pré-determinados módulos de tempo de exercício de funções em categoria inferior. 12. A pretensão expressa pelo recorrido de ser aplicada ao seu representado a amnistia decretada pela Lei n.º 38-A/2023, pode, nestes termos, ser interpretada no sentido de que, no caso vertente, e em seu entender, apesar de estar em causa uma amnistia imprópria (aquela que se esgota na eliminação dos efeitos de sanções disciplinares ainda não consumados), não há efeitos da suspensão aplicada já produzidos que careçam de ser eliminados ou destruídos retroativamente, tudo se passando como se de uma amnistia própria se tratasse. Ou seja, na perspetiva do recorrido, a amnistia aplicada in casu fará cessar a responsabilidade disciplinar do arguido seu representado, não tendo este mais interesse em prosseguir com o processo tendente à anulação da pena que lhe foi aplicada: para o passado, não há quaisquer efeitos de tal pena a destruir; e os efeitos da mesma ainda não produzidos, nomeadamente os relativos à antiguidade e aposentação, são neutralizados pela amnistia decretada pela Lei n.º 38-A/2023. Daí poder concluir-se que a eficácia concretamente assumida pela amnistia ora em análise no caso vertente fez desaparecer também, à semelhança do que sucedeu nos recentes acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 16.11.2023, P. 262/12.0BELSB, de 7.12.2023, P. 1618/19.3BELSB, e de 7.12.2023, P. 2460/19.7BELSB, o objeto da ação que visa a declaração de nulidade ou anulação do ato que aplicou a pena disciplinar. E assim sendo, «não subsiste nenhum interesse em determinar se o poder disciplinar prescreveu ou não antes da prática daquele ato, porque não existem outros efeitos jurídicos a extinguir para além daqueles que são extintos pela própria amnistia» (v. os citados acórdãos). [...]“ Fim da transcrição Em conformidade com o julgamento prosseguido pelo STA no Acórdão proferido, em torno de a amnistia prevista na Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, ser de aplicação imediata, e que deve preceder o conhecimento de qualquer outra questão que se tenha suscitado no âmbito da ação administrativa de impugnação de actos administrativos que apliquem sanções disciplinares, e de que a sua aplicação, podendo conduzir à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, torna a discussão inútil se se tornar inaplicável a sanção disciplinar, cumpre aferir se essa jurisprudência é aplicável à situação dos autos. Apreciou o Tribunal a quo, que após a entrada em vigor da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, o Autor não veio aos autos recusar a aplicação da amnistia ao abrigo do disposto no artigo 11.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto. Mais decidiu que caso o tivesse feito, os autos podiam então seguir para conhecimento da invalidade apontada ao acto administrativo impugnado, por via do qual lhe foi aplicada a pena de suspensão por 150 dias, tendo em vista a obtenção dos efeitos inerentes à anulação da decisão condenatória, tendo enfatizado porém [o Tribunal a quo] que só o poderia fazer [o Autor] dentro do prazo de 10 [dez] dias após a entrada em vigor daquela Lei, e que não o fez. Apreciou assim o Tribunal a quo que o Autor não cumpriu um prazo de natureza substantiva, de 10 [dez] dias, para efeitos de se opor à aplicação da Lei da amnistia, tempo em que, se assim o tivesse feito, ela não seria aplicada à sua situação concreta, podendo então, nessa eventualidade, os autos continuar termos para efeitos de conhecimento do seu mérito, em concordância com o princípio da tutela jurisdicional efectiva. Não o tendo feito, tal vem a derivar, a final, na aplicação dessa amnistia e assim na cessação de todos os efeitos da pena disciplinar aplicada, tudo se passando como se a mesma não existisse, ocorrendo assim uma inutilidade superveniente da lide, e a sua consequência extinção da instância. Mas o julgamento prosseguido pelo Tribunal a quo, no que reputamos de essencial para a tomada da decisão não pode manter-se. Vejamos. Desde logo, porque não se pode partir da análise da jurisprudência de tribunais superiores e do Tribunal Constitucional tirada no contexto de outras Leis que aprovaram outras amnistias e perdões a penas disciplinares e a penas criminais, para concluir de igual modo em torno da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, pela razão de que a mens legislatoris é diversa, no tempo e no espaço, com diferentes termos e pressupostos de aprovação. Depois porque sendo uma lei de amnistia considerada uma providência de excepção, deve ser interpretada e aplicada nos seus precisos termos, sem que dela se possam fazer ampliações ou restrições que nela não venham expressas, não sendo admitida por isso o recurso a interpretação extensiva, restritiva ou analógica. Ora, errou o Tribunal a quo quando julgou, desde logo, da aplicabilidade do artigo 11.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, ou seja, de que assiste ao arguido de procedimento disciplinar o direito [e de que o deve fazer em prazo certo] de recusar a aplicação da amnistia. Como se retira, sem esforço interpretativo adicional, do disposto no referido artigo 11.º, a Lei é imediatamente aplicável [Cfr. artigo 14.º], sendo que é quanto às infrações previstas no artigo 4.º do mesmo diploma [infrações de natureza penal cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa] que o legislador veio dispor sobre os termos e pressuposto em que o arguido pode requerer a não aplicação da amnistia. Esse dispositivo legal não é assim aplicável à amnistia das infracções disciplinares, por assim não o ter dito de forma expressa o legislador, o que deriva a final em que, a amnistia de infracções disciplinares, nos termos expressamente fixados pelo legislador é de aplicação imediata [reunidos que sejam os devidos requisitos], sem dependência de manifestação de vontade do visado, o que não significa, de todo o modo, que a lide deixa de ter utilidade e que a instância deva ser extinta. Conforme se extrai do corpo da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de Agosto, e em torno da amnistia de infracções disciplinares, o legislador dispôs que a mesma deve ser aplicada se as infracções disciplinares, em suma, tiverem sido praticadas até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, se não constituírem simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela Lei, e caso a sanção aplicável não seja superior a suspensão [Cfr. artigos 2.º, n.º 2, alínea b), 6.º e 7.º do referido diploma legal]. Como assim apreciou o Tribunal a quo, na situação em apreço nos presentes autos, é claro que atenta a data da pática da infracção, e não estando em causa qualquer situação de exclusão das que estão previstas nos artigos 6.º e 7.º da referida Lei, a amnistia da pena disciplinar deve ser declarada pela instância de julgamento, sem necessidade de audiência contraditória dos intervenientes processuais, porque se trata, a final de uma graça concedida pelo legislador ordinário, por Lei da Assembleia da República. Dada a superveniência de um diploma legal que por si é determinante da amnistia da pena disciplinar aplicada, na situação concreta dos autos extinguiu-se a responsabilidade disciplinar do arguido [o Autor ora Recorrente], o que reveste aptidão para que, em face do patenteado nos autos e na Lei, seja declarada a amnistia da infracção, com todas as consequências legais, designadamente a cessação dos efeitos produzidos. Nessa medida, a pena de suspensão aplicada ao Autor, está efectivamente amnistiada, sem que a essa amnistia o Autor pudesse deduzir alguma oposição, e nessa parte a Sentença recorrida tem de manter-se. Aqui chegados. Situação diversa é a de saber se por ocorrência da amnistia, e assim, se por efeito da cessação de todos os efeitos da pena de suspensão, se a lide deixou de manter utilidade, e se dessa forma a instância deve ser extinta. Nos termos do artigo 202.º da CRP, enquanto órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, incumbe aos Tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, e aos Tribunais Administrativos em particular [Cfr. artigo 212.º também da CRP] cabe efectuar o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes, designadamente, os que decorram das relações jurídicas administrativas, com o âmbito definido pelo artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, para o que ora convocamos a sua competência material para a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas à tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais [Cfr. n.º 1, alínea b)], tudo em ordem a efectivar o direito de acesso à justiça, na busca de uma tutela jurisdicional efectiva, prosseguindo numa interpretação das normas processuais no sentido de promover a emissão de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, quando como é o caso dos autos, assiste ao Autor o direito de ver apreciada a validade do acto administrativo que lhe foi dirigido, nos seus termos e pressupostos, em ordem a obter a sua remoção da ordem jurídica administrativa [o que é alcançável, tendo por pressuposto essencial, a existência de um pedido de anulação ou a declaração de nulidade ou de inexistência de actos administrativos – Cfr. artigo 2.º do CPTA] assim julgando se, independentemente da declarada amnistia, para efeitos da prolação do acto administrativo impugnado - Cfr. artigo 148.º do CPA], se a Administração deu cabal cumprimento às normas e princípios jurídicos que a vinculam. Como assim julgamos, quando o Tribunal se confronte com uma pena disciplinar que deva ser amnistiada, deve então ponderar, em obediência ao disposto no artigo 130.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, atinente ao princípio da limitação dos actos [segundo o qual não é lícito realizar no processo actos inúteis], por que termos e pressupostos é que se justifica a continuação da sua instrução, no sentido de ser conhecido do mérito do pedido, pois que, convém lembrar, justaposta à aplicação da pena disciplinar está todo um repositório jurídico e factual em que se apoiou o autor do acto sancionatório para efeitos da sua decisão, quanto ao qual o visado não concorda, sendo seu [do Autor] o impulso de vir a Tribunal impugnar a sua validade, e sua pretensão, pelo menos, a sua anulação, fundada em ocorrência de nulidade ou em erro nos pressupostos de facto e/ou de direito. Nestas situações, tendo subjacente o disposto no artigo 7.º-A do CPTA [assim como do artigo 3.º, n.º 3 do CPC] justifica-se que o Tribunal a quo ouça as partes, não no domínio a que se reporta o artigo 11.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, antes porém, e principalmente o demandante [pois que é seu o impulso processual da vinda a Tribunal em busca de tutela jurisdicional], a fim se saber por que termos e pressupostos é que ainda entende [o Autor] que a lide se mantém válida e deve prosseguir os seus termos. Na situação dos autos, não ocorre a extinção da instância, porquanto a sua continuação ainda reveste interesse e utilidade para o Autor ora Recorrente, na medida em que há efeitos da pena de suspensão aplicada já produzidos que não são eliminados ou destruídos retroativamente, como é a situação atinente ao período por que durou a suspensão e o Autor não foi remunerado. Esses efeitos foram produzidos na esfera jurídica do Autor, sendo que a declarada amnistia da infracção disciplinar [em termos de tudo se passar como se a mesma nunca tivesse sido cometida] não tem a virtualidade de os repor, nem o Recorrido disse nos autos que tal assim vai ser-lhe [ao Autor] garantido. Numa situação como a dos autos, em que depois de ouvido o Autor ora Recorrente expressou firmemente a sua vontade de o processo continuar termos, pelas razões que invocou, tal não podia deixar de assim acontecer, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva na vertente do acesso aos Tribunais a quem compete, em conformidade com o disposto no artigo 20.º da CRP e 2.º do CPTA, a apreciação de litígios da natureza jurídica, como o que aqui ora está em apreço. Em torno da continuação dos autos para efeitos de ver apreciada a legalidade do acto que aplicou ao Autor a pena disciplinar, embora já amnistiada, essa prossecução ganha acuidade quando o demandante pretende a anulação dos efeitos já produzidos à data da amnistia, apreciação esta que não pode ser retirada dos Tribunais, quando o interessado continua, no fundo, a confirmar o seu interesse em agir, peticionando por uma tutela jurisdicional, que abstractamente considerada, não lhe pode ser recusada, ou cerceada por via da interpretação da lei, de ver julgada a sua pretensão anulatória por um Tribunal. Atenta a posição vertida nas suas Alegações, julgamos que o Autor ora Recorrente continua a ser titular de um concreto interesse em agir, e que passa pela continuação dos autos tendo em vista a apreciação da/s invalidade/s que vêm por si apontadas ao acto administrativo sob impugnação. Em face do que deixamos expendido supra, a amnistia devia ter sido aplicada pela 1.ª instância, como o foi, enquanto instância de julgamento, e assim o consignando em sede do dispositivo, declarando amnistiada a pena disciplinar de suspensão por 150 dias aplicada ao Autor [Cfr. artigo 14.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto], e declarando a inutilidade superveniente da lide [Cfr. artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA], na parte em que a amnistia abarca todos os efeitos da pena aplicada. Ou seja, dada a superveniência de um diploma legal que por si é determinante da amnistia da pena disciplinar aplicada, na situação concreta dos autos, extinguiu-se a responsabilidade disciplinar do arguido [o Autor ora Recorrente], o que revestia aptidão para que, em face do patenteado nos autos e na Lei, ser declarada a amnistia da infracção, sem dependência de um prazo de impulso por parte do beneficiário, tornando-se assim inútil, nessa parte, a continuação da lide, não sendo já, porém, fundamento que seja determinante da extinção da instância. Tendo cessado a responsabilidade disciplinar do Autor, por vontade, ou graça do legislador, e assim também a pena que lhe foi aplicada e que o Autor pretendia ver sindicada judicialmente por via da impugnação judicial do acto administrativo que a fixou, quanto aos efeitos que a mesma atingiria, desde logo a sua inscrição no registo biográfico, esse foi já neutralizado, deixando de ter qualquer valor ou eficácia, impondo-se a reposição da condição jurídica ao tempo em que não lhe tinha sido aplicada a pena, ou melhor, ainda antes de lhe ter sido instaurado o processo disciplinar. A lide já mantém utilidade, e deve prosseguir os seus termos, tendo subjacente a apreciação da ocorrência da invocada invalidade imputada ao acto administrativo, para a final ser formada a convicção [se disso for o caso] de que, não padecendo dessa invalidade, e devendo manter-se o acto nos seus termos e apenas para esse efeito, embora já sem qualquer finalidade ou propósito administrativo, e em sentido inverso, caso seja formada a convicção de que ocorre a invalidade imputada ao acto administrativo, tem o Tribunal a quo que apreciar e decidir em conformidade. Como assim julgamos, assiste ao Autor ora Recorrente, enquanto arguido no processo disciplinar, e também enquanto demandante, o direito a que a pretensão por si deduzida na impugnação judicial da decisão punitiva seja apreciada no seu mérito potencial, quando subjacente à sua motivação para efeitos de entender não lhe dever/pode ser aplicada a amnistia, estiver o pressuposto de que não praticou qualquer ilícito de natureza disciplinar. Determinar a extinção da instância, quando tenha sido requerida a sua continuação, por não se conformar o interessado com a pena disciplinar que lhe foi aplicada, constitui a final uma limitação do direito do Autor e a consagração de uma absoluta impossibilidade de ver revertida essa decisão, ficando sempre a pairar sob a sua figura o véu da eventualidade do cometimento dos factos integradores do ilícito, mas que veio a ser amnistiado. Em face do que assim resulta da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, não constituindo os factos imputados ao arguido, infração disciplinar ou infração disciplinar militar, simultaneamente ilícito penal não amnistiado pela Lei e cuja sanção aplicável, e em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar, e tendo sido impugnada a decisão que aplicou a pena, sempre a infracção deve ser amnistiada pela instância de julgamento, sendo certo que, quando o demandante pretenda a continuação dos autos, seja para efeitos de ser feito julgamento em torno de que não cometeu qualquer infracção passível, seja para efeitos de serem restaurados na sua esfera jurídica os efeitos já produzidos pela pena aplicada [é o caso da pena de suspensão, que implica a perda de vencimento], nessa eventualidade, e assim querendo o interessado, a lide não pode ser extinta por manter a sua utilidade, no que seja remanescente. Enfatizamos porém, que naquelas situações, o cidadão a quem foi aplicada pena disciplinar pode ter por certo que a infracção pode ser amnistiada de forma imediata e se assim for sua vontade, ser determinada a extinção da instância, desaparecendo da ordem jurídica por pressuposto dela, os efeitos que ainda não tenham sido produzidos, e nesse patamar, não mais se sabendo se os termos e os pressupostos em que a Administração se ancorou para lhe imputar o cometimento da infracção disciplinar eram válidos, isto é, se sempre ocorrerem e pelos termos e pressupostos fixados na decisão administrativa condenatória, ou então, pode prosseguir no pedido de apreciação do mérito da impugnação judicial do acto administrativo, como por si impulsionado, sendo certo que, na eventualidade de vir a ser julgada da validade do acto administrativo, e de assim vir a ficar patenteado numa Sentença proferida por um Tribunal, pese embora sempre a infracção disciplinar se ter por amnistiada, passa a ficar certo e firmado em sede da relação jurídica administrativa controvertida, que atenta a ilicitude da actuação assacada ao arguido, que a actuação da Administração se tem por correcta, por isenta de qualquer crítica e a final de invalidade que seja determinante da sua nulidade ou anulação, com as legais consequências, e desde logo, patenteadas em documento público. Como assim julgamos, será sempre uma opção do demandante, que tem de fazer o balanceamento entre os resultados possíveis, e em que medida, um ou outro melhor se compaginam com a sua perspectiva hedonística da realidade. Em face da aplicação positiva da Lei n.º 38-A/2023 de 02 de agosto, e devendo ser declarada amnistiada a infracção disciplinar, o Autor ora Recorrente tem direito a fazer prova da sua inocência tendo por referência a factualidade que lhe foi imputada pela Administração e que esteve na base da aplicação da sanção disciplinar. Em suma, sendo certo que o Tribunal a quo podia aplicar a Lei da Amnistia como assim constante dos artigos 11.º e 14.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, e sempre tendo essa aplicação de ser casuística, com ponderação dos termos e pressupostos de que depende a sua aplicação, na situação em apreço nos autos o Autor ora Recorrente tem interesse na apreciação do mérito do pedido deduzido, e que a final passará por saber se, pese embora a interposta amnistia, o acto administrativo deve ser expurgado da ordem jurídica, por via do conhecimento do mérito do pedido na sua vertente anulatória. A pretensão recursiva do Recorrente tem assim de ser julgada procedente, e estando já declarada a amnistia pela Sentença recorrida, que nessa parte não foi objecto de recurso, devem os autos baixar ao TAF de Mirandela para efeitos de ser conhecido do mérito dos autos, tendo subjacente a causa de pedir imanente ao pedido deduzido a final a Petição inicial, e no fundo, se padece a decisão impugnada de invalidade determinante da sua nulidade/anulabilidade, que a final levasse a que não fosse aplicada a concreta pena disciplinar ao Autor ora Recorrente. * E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO: DESCRITORES: Processo disciplinar; Infracção disciplinar; Pena disciplinar de suspensão cumprida; Aplicabilidade da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto; Prazo; Inutilidade superveniente da lide; Extinção da instância. *** IV – DECISÃO Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência: A) em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso de Apelação deduzido por «AA»; B) em determinar a baixa dos autos ao Tribunal de 1.ª instância, para efeitos de aí serem prosseguidos os termos de processo que se mostrem devidos, em ordem a ser apreciada a invalidade apontada à decisão impugnada atinente ao acto administrativo que aplicou a pena disciplinar de suspensão por 150 dias ao Autor ora Recorrente, se nada mais a tanto obstar. * Custas a cargo do Recorrido, salvo nesta instância por não ter apresentado Contra alegações - Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC. ** Notifique. * Porto, 27 de setembro de 2024. Paulo Ferreira de Magalhães, relator Isabel Costa Maria Fernanda Brandão |