Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00391/23.5BEMDL |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 05/29/2025 |
| Tribunal: | TAF de Mirandela |
| Relator: | VITOR SALAZAR UNAS |
| Descritores: | CONTRAORDENAÇÃO; ELEMENTO OBJETIVO; DEDUÇÃO INDEVIDA; CRÉDITO DE IMPOSTO; |
| Sumário: | I – Nos termos do artigo 2.° do RGIT, constitui infração tributária todo o facto típico, ilícito e culposo declarado punível por lei tributária anterior. II – Não se subsume na previsão da norma punitiva gizada no art. 114.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT, as situações de dedução indevida de IVA que não impliquem entrega de imposto, como sejam, por exemplo, as situações em que após as correções do imposto indevidamente deduzido, o sujeito passivo ainda mantenha crédito de imposto, já que nestas situações, o erário público não foi afetado.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte: I – Relatório: A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, nos termos da qual foi julgado procedente o presente Recurso de Contraordenação, apresentado pelo MUNICÍPIO ..., contra a decisão de fixação de coima única no valor de € 7.477,38, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças ..., no procedimento por contraordenação n.º ...49, por falta de entrega de imposto exigível conjuntamente com a respetiva declaração periódica do mês 2016-12, em infração ao disposto nos artigos 19.º, n.ºs 1 e 2, do Código do IVA, conduta prevista e punida pelo artigo 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: «(…). 1.ª - A Administração Tributária discorda – sempre com o devido respeito – com decisão de total procedência do recurso judicial de fixação de coima. Na sentença considera - se que, inexiste o ilícito previsto no art.º 114.º, n.º 1 e n.º 5, al. f) do RGIT, porque não há uma prestação a entregar nos Cofres do Estado, mas antes um crédito de imposto, reembolso que se mantem – ainda que em menor valor – mesmo após a correção d o IVA indevidamente deduzido. Sucede que, o artigo 114º do RGIT não faz depender a punição da conduta, no caso de dedução de IVA, com inobservância dos termos legais, do fato do infrator estar, ou não, em crédito de imposto! 2.ª – Na verdade, o artigo 114º do RGIT é totalmente omisso relativamente às possibilidades e virtualidades da existência de crédito de imposto. Mas, por exemplo, já no n° 3 deste artigo 114º é estabelecido: “considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela". Mais, também a alínea a) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, na atual redação, introduzida pela Lei n.º 64 - A/2008, de 31de dezembro, teve por manifesto escopo o alargamento da previsão legal, de modo a abarcar todas as condutas omissivas da obrigação tributária, independentemente da situação tributária em que o contribuinte se encontre - designadamente, a de crédito de imposto - como sucedeu no caso em análise. 3ª - pelo que, para a AT a infração prevista no n.º 5 do artigo 114.º do RGIT considera - se praticada aquando da dedução indevida de IVA, por força da violação ao disposto nos artigos 19.º a 25.º do Código do IVA ou aquando da retificação de IVA, em caso de inobservância dos requisitos legais estabelecidos no artigo 78.º do mesmo diploma. 4ª - E, a infração existe independentemente da situação de crédito de imposto da infratora. Uma vez que, a dedução de imposto consubstancia um crédito sobre o Estado, pelo que, ainda que a situação de crédito se mantenha, será necessariamente menor se essa dedução não for considerada, ou seja, o contribuinte sem esta dedução terá um imposto menor a receber. Daí, a equiparação da indevida dedução à falta de liquidação ou entrega de imposto, operada no artigo 114.º do RGIT. 5 ª - pelo que – e sempre com o devido respeito – a Douta Sentença não efetuou o melhor enquadramento dos fatos, incorrendo em erro de julgamento, por incorreta interpretação do artigo 114º do RGIT. 6 ª – De igual modo, para a Autoridade Tributária também não é legalmente admissível a possibilidade de aplicação da dispensa da pena, prevista artigo 29 º do RGIT, para as infrações previstas no artigo 114º do RGIT. 7ª - Pois, a doutrina, referida na própria sentença (Jorge de Sousa e Simas Santos, in RGIT anotado, 3ª edição, pág. 317), elenca apenas as infrações que não estão diretamente conexionadas com o pagamento de prestação tributária - sem menção do artigo 114º do RGIT (norma que equipara a dedução indevida do imposto à falta de liquidação ou entrega de imposto) - como habilitadas à possibilidade da dispensa da pena do artigo 29 º do mesmo código. 8ª - De resto, o n.º 3 do artigo 29º do RGIT, na redação em vigor por força da Lei 7/2021, de 26 de fevereiro, afasta expressamente a possibilidade desta dispensa da pena, quando esteja em causa a falta de entrega de prestação tributária, tipo de infrações previstas no artigo 114º do RGIT, como é o caso dos autos. Nestes termos, e nos melhores de Direito, que serão por V.Exas Doutamente supridos, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, declarar - se a validade e manutenção da coima fixada, com todas as consequências legais.» A Digna Procuradora da República junto do TAF de Mirandela apresentou resposta, concluindo nos seguintes termos: «1.º De acordo com o provado na douta sentença que não foi impugnado: a) A infratora solicitou o reembolso de IVA no valor de 71.479,65€, na declaração periódica de IVA referente a dezembro de 2022. b) Este reembolso foi auditado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ..., no âmbito da ordem de serviço n.º O12.....16 e constatou-se que foi deduzido IVA indevidamente no montante de 47.984,76€. c) Assim, a infratora deixou de ter um reembolso de IVA de 71.479,65€ e passou a ter apenas um reembolso de 47.984,76€. 2.º No caso não há falta de entrega de prestação mas antes tem o arguido o direito a reembolso de menos montante de IVA. 3.º Se não ocorrer a efetiva lesão do interesse protegido pela norma incriminadora, a infração não se verifica, e, não se verificando infração, não pode haver punição. 4.º reconhecendo - se a aproximação do conceito de infração contraordenacional ao conceito de crime (cf., designadamente, JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, “Regime Geral das Infracções Tributárias anotado”, 3.ª Edição, 2008, Áreas Editora, Colecção Direito, p. 30), e sendo certo que a punibilidade, no sentido de desnecessidade preventiva de punição ou carência de tutela, é um dos elementos constitutivos do crime (cf. JORGE DEFIGUEIREDO DIAS, “Direito Penal. Parte Geral. Tomo I. Questões Fundamentais. A Doutrina geral do crime”, Coimbra Editora, 2004, p. 617 e seguintes), a sanção contraordenacional deve assentar, também, na verificação de pressupostos de punibilidade e no caso sub judice, inexiste qualquer necessidade de punição efetiva. 6 .º Não se atingem os limiares mínimos de exigência preventiva de punibilidade, nem existe qualquer conduta que ainda seja digna de sanção. 7 .º Com efeito, esta é uma situação cujas circunstâncias de facto não apontam nenhuma necessidade de prevenção, nem de repressão, do comportamento do contribuinte. 8 .º pelo que a sentença recorrida não violou, por conseguinte, qualquer preceito legal e constitucional, antes tendo feito uma correta aplicação do direito aos factos, revelando - se estes corretamente apreendidos, valorado-se juridicamente enquadrados, donde resulta que o recurso não merece provimento e, consequentemente, deve aquela sentença ser integralmente mantida.» A Digna Procuradora Geral Adjunta junto deste TCAN emitiu parecer concluindo pelo provimento do recurso. * Dispensam-se os vistos nos termos das disposições conjugadas do art.º 419.º do Código de Processo Penal e, supletivamente, do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi alínea b) do art.º 3.º do RGIT e n.º 4 do art.º 74.º do RGCO, sendo o processo submetido à conferência para julgamento. * II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAr No artigo 75.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGCO) estabelece-se que a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72.º-A do mesmo diploma. Não obstante, o objeto do recurso é delimitado pelas respetivas conclusões (cfr. artigo 412.°, n.º 1, do Código de Processo Penal ex vi artigo 74.°, n.º 4 do RGCO), exceto quanto aos vícios de conhecimento oficioso. Assim, a este tribunal cabe aquilatar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter absolvido o arguido da prática das contraordenações que lhe foram imputadas. * III – FUNDAMENTAÇÃO: III.1 – MATÉRIA DE FACTO No despacho decisório prolatado em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz: «Factos provados: 1. Em 20 de Fevereiro de 2023, procedeu o Arguido à submissão da Declaração Periódica de IVA relativa a Dezembro de 2022, da qual resultou um pedido de reembolso do IVA, no valor de € 71.479,65 (Documento 2 anexo à defesa administrativa do processo de aplicação de coima); 2. Subsequentemente, o reembolso solicitado veio a ser objecto de fiscalização por parte dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ... no âmbito da ordem de serviço n.º O12.....16 – Fls. 65 e ss do segmento 2-216 SITAF; 3. No seguimento da fiscalização em apreço, foram propostas correcções ao montante de IVA deduzido, no valor de € 23.494.89 - Fls. 65 e ss do segmento 2- 216 SITAF, principalmente fls. 83; 4. Embora o Arguido tenha solicitado um reembolso de IVA, no valor de € 71.479,65, este pedido de reembolso foi objecto de fiscalização e correcção, apenas tendo sido pago ao Arguido o montante parcialmente deferido, no valor de €47.984,76€ (Documento 3 anexo à defesa administrativa do processo de aplicação de coima; Fls. 15 do suporte físico do processo). 5. Nesta sequência o Arguido foi notificado para pagar uma coima no valor global de 7.477,38€, de acordo com a decisão datada de 21/9/2023, que aqui se reproduz, com o seguinte destaque: “(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…).” * III.2 – DE DIREITO: A Recorrente veio insurgir-se contra a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgando procedente a impugnação absolveu o MUNICÍPIO ... da prática da contraordenação que lhe foi imputada, por falta de entrega de imposto (prestação tributária de IVA), exigível conjuntamente com a respetiva declaração, em infração ao disposto no artigo 19.º, n.ºs 1 e 2, do Código do IVA, conduta prevista e punida pelo artigo 114.º, n.º 2, do RGIT, com respeito pelos limites impostos pelo artigo 26.º do mesmo diploma legal. Alega a Recorrente, para o efeito e em suma, que «a infração existe independentemente da situação de crédito de imposto da infratora. Uma vez que, a dedução de imposto consubstancia um crédito sobre o Estado, pelo que, ainda que a situação de crédito se mantenha, será necessariamente menor se essa dedução não for considerada, ou seja, o contribuinte sem esta dedução terá um imposto menor a receber. Daí, a equiparação da indevida dedução à falta de liquidação ou entrega de imposto, operada no artigo 114.º do RGIT». Concluindo pela «concretização do facto constitutivo do ilícito previsto e punido na parte final da alínea a) do n.º 5 do aludido artigo 114.º do RGIT, reconduzida à dedução ou retificação de IVA sem observância dos termos legais, o que para efeitos contraordenacionais é punível como falta de entrega da prestação tributária». E, subsidiariamente, que «não é legalmente - admissível a possibilidade de aplicação da dispensa da pena, prevista artigo 29º do RGIT, para as infrações previstas no artigo 114º do RGIT». Vejamos. A sentença recorrida, para concluir pela absolvição do Município, desenvolveu o seguinte discurso fundamentador: «Perante os factos temos de considerar ainda que a AT tenha proposto uma regularização ao montante de reembolso inicialmente solicitado, no valor de € 71.479,65, o Estado Português nunca se viu efectivamente privado desse valor, na medida em que, incorporando essas correcções, subsistia nesse período um montante a reembolsar ao Arguido no valor de 47.984,76€; O acórdão do STA 085/10, de em 21/4, considerou que “No âmbito do IVA fala-se de dedução de imposto relativamente ao imposto que o sujeito passivo tem a receber, nos termos dos arts. 19.°a 25.° do CIVA, não se referindo qualquer situação em que o sujeito passivo tenha de entregar imposto que tenha deduzido. De facto, no âmbito do referido direito à dedução, os sujeitos passivos não têm de entregar à administração tributária a prestação tributária que deduziram [o imposto que deduziram, à face da definição dada na alínea a) do art. 11.º do RGIT], mas, antes pelo contrário, apenas têm de fazer entrega do imposto na medida em que excede o IVA a cuja dedução têm direito, isto é, do imposto que não deduziram”. Ora, assim sendo, inexiste norma punitiva, porque a medida da coima só pode variar entre o valor da prestação em falta e o seu dobro; ou, se a conduta prevista for imputável a titulo de negligência (como parece que a AT a considerou) entre 15% e metade do imposto em falta, apesar destes limites mínimo e máximo serem elevados para o dobro sempre que sejam aplicadas a pessoa colectiva – art.ºs 114.º, n.ºs 1, 2 e 5, al. f) e art.º 26.º, n.º 4 do RGIT. Portanto, não se pode considerar que tivesse havido o ilícito previsto no art.º 114.º, n.º 1 e n.º 5, al. f) do RGIT, porque, precisamente, não estamos perante uma não entrega, total ou parcial, ao credor tributário, mas sim perante um reembolso a haver embora menor ao peticionado. A AT refere que as normas infringidas são os n.ºs 1 e 2 do art.º 19.º do CIVA. Dizem-nos estes preceitos, aliás extensos, que: “1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram: a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos; b) O imposto devido pela importação de bens; c) O imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços abrangidos pelas alíneas e), h), i), j), l), m) e n) do n.º 1 do artigo 2.º d) O imposto pago como destinatário de operações tributáveis efectuadas por sujeitos passivos estabelecidos no estrangeiro, quando estes não tenham no território nacional um representante legalmente acreditado e não tenham facturado o imposto; e) O imposto pago pelo sujeito passivo à saída dos bens de um regime de entreposto não aduaneiro, de acordo com o n.º 6 do artigo 15.º 2 - Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo: a) Em facturas passadas na forma legal; b) No recibo de pagamento do IVA que faz parte das declarações de importação, bem como em documentos emitidos por via electrónica pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nos quais constem o número e a data do movimento de caixa. c) Nos recibos emitidos a sujeitos passivos enquadrados no «regime de IVA de caixa», passados na forma legal prevista neste regime.” Ora, e com todo o respeito, não se consegue inferir da decisão de aplicação de coima, designadamente a subsunção da “Descrição sumária dos factos”, à infracção do disposto ao art.º 19.º, n.ºs 1 e 2 do CIVA. Mas mesmo que assim não se entendesse, sempre o Recorrente teria de ser dispensado de coima. Nos termos do art.º 29.º, n.º 2 do RGIT, na versão actualmente em vigor por força da L 7/2021, pode não ser aplicada uma coima desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias: a) a prática da infracção não ocasione prejuízo à receita tributária; b) estar regularizada a falta cometida ( uma vez que não ficou demonstrado que o Município tivesse sido condenado por decisão transitada em julgado, em processo de contra-ordenação ou de crime por infracções tributárias; ou beneficiado de dispensa ou de pagamento de coima com redução nos termos do presente artigo ou do artigo 30.º - art.º 29.º, n.º 1 do RGIT). No dizer de Jorge de Sousa e Simas Santos, in RGIT anotado, 3ª edição, pág. 317 “a exigência cumulativa de que a prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária não terá em vista referenciar os casos em que a regularização veio a ocorrer, com pagamento integral da quantia em dívida, mas sim, reportar-se às situações em que não chegou a produzir-se prejuízo, antes de ocorrer a regularização. Assim, é condição da dispensa de coima que não tenha sido ocasionado prejuízo, não sendo relevante para preenchimento dessa condição o eventual ressarcimento do prejuízo provocado pela conduta que constitui contra-ordenação.// Ter-se-ão em vista, assim, primacialmente, contra-ordenações não estão directamente conexionadas com o pagamento de prestação tributária, de que são exemplos os casos de violação de segredo fiscal por negligência (art . 115.°-), falta ou atraso na apresentação de declarações que não tenham por fim permitir à Ora, no presente caso, mesmo que tivesse havido infracção ao disposto no art.º 19.º, n.ºs 1 e 2 do CIVA, (e se esquecêssemos a inexistência de norma punitiva) sempre o Recorrente teria de ser dispensado de coima porque o prejuízo não se produziu e a falta está regularizada.» Discorda a Recorrente do julgamento realizado, sem atacar esta concreta fundamentação, mas no entendimento de que com a sua conduta o arguido consumou o facto ilícito tipificado «na parte final da alínea a) do n.º 5 do aludido artigo 114.º do RGIT, reconduzida à dedução ou retificação de IVA sem observância dos termos legais, o que para efeitos contraordenacionais é punível como falta de entrega da prestação tributária.» Neste conspecto, cumpre assentar que a fundamentação consolidou-se na ordem jurídica por falta de impugnação, por decorrência do disposto no art. 635.º, n.º 5, do CPC. No entanto, no sentido da pacificação das partes, não deixamos de dizer que a sentença fez um correto juízo subsuntivo dos factos ao direito, pois os factos apurados não se subsumem ao ilícito tipificado no art. 114.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT. Na verdade, do n.º 1 do art. 114.º do RGIT resulta expressamente uma descrição típica “a não entrega total ou parcial por um período de 90 dias ou superior da prestação tributária deduzida nos termos da lei”, ou seja, a prévia dedução da prestação tributária não entregue constitui elemento essencial do tipo legal de contraordenação em causa. E, da factualidade provada resulta claramente que na situação sub judice não há prestação tributária a ser entregue, pois, como irrepreensivelmente, se menciona na sentença, «ainda que a AT tenha proposto uma regularização ao montante de reembolso inicialmente solicitado, no valor de € 71.479,65, o Estado Português nunca se viu efectivamente privado desse valor, na medida em que, incorporando essas correcções, subsistia nesse período um montante a reembolsar ao Arguido no valor de 47.984,76.», logo, não há lugar a entrega de qualquer prestação tributária por parte do contribuinte, havendo, sim, direito a reembolso, ainda que menor ao inicialmente pretendido. Como se afirmou, no acórdão recente deste TCA de 27.03.2025, proc. n.º 582/22.6BEAVR, com intervenção na mesma qualidade do ora relator e da primeira adjunta desta formação, «não pode proceder o recurso, designadamente por o preenchimento do elemento objetivo do tipo contraordenacional – “falta de entrega da prestação” – não se mostrar preenchido, no caso como o presente, em que foram efetuadas correções ao imposto deduzido que não tiveram como resultado material a entrega de imposto, mas apenas a diminuição do crédito de imposto». E, assim sendo, não tendo com a sua conduta preenchido o elemento objetivo do ilícito que lhe foi imputado, tem a arguida de ser absolvida da prática da respetiva contraordenação e, em consequência, ser anulada a decisão de aplicação de coima, conforme decidido na primeira instância. Considerando que no instrumento recursivo a Recorrente alega que os factos imputados se subsumem no tipo sancionatório da alínea a) do n.º 5 do art. 114.º do RGIT, que se encontram verificados, não deixaremos de emitir pronúncia sobre esta concreta questão. Relembramos que prescreve este preceito legal o seguinte: «5 - Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária: a) A falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais.» Sem cuidarmos, por ora, de averiguar se a conduta do arguido se integra no tipo de ilícito, o que se constata é que não foi essa a norma punitiva que se fez constar nas decisões de aplicação da coima, mas sim a norma do n.º 2 do art. 114.º que remete na sua previsão para o antecedente n.º 1. Como se refere no acórdão do TCAS de 14.02.2019, disponível para consulta «se a ATA entendia, como agora propugna em sede recursiva, que os factos descritos preenchiam o tipo de ilícito da alínea a) do n.º 5 do art.º114.º do RGIT, então deveria ter mencionado de forma expressa na decisão de fixação da coima essa norma, o que não fez.» Concluindo que «o juízo de adequação do facto à norma formulado pelo tribunal apenas poderia ser feito, como foi, por referência à norma indicada do n.º 1 e 2 do art.º114.º do RGIT e não merece qualquer censura, pois que o facto descrito não é subsumível naqueles preceitos, pelas razões que a sentença explica e que se prendem com a não verificação do elemento objectivo do tipo que é a falta de entrega da prestação tributária ao credor, o que a própria Recorrente parece admitir.» Nesta linha de fundamentação, o juízo de adequação dos factos à norma só pode ser formulado pelo tribunal por referência à norma punitiva indicada nas decisões de fixação da coima, pelo que não tendo sido indicada como norma punitiva o n.º 5 do art. 114.º, do RGIT na decisão recorrida, não pode vir agora a Recorrente pretender proceder a um novo enquadramento dos factos praticados pelo arguido. [neste exato entendimento, vide o acórdão deste TCA de 27.03.2025, acima citado. No entanto, sem prejudicar a conclusão extraída, dizemos, ainda que estivesse em causa a imputação ao arguido da conduta prevista na alínea a) do n.º 5 do art. 114.º do RGIT, a ilação sempre seria a mesma, ou seja, a da sua absolvição. O acórdão do STA de 18.11.2020, proferido no processo n.º 0595/16.7BELRS, consultável em www.dgsi.pt, espelha judiciosa fundamentação, na qual no revemos, cuja jurisprudência, quanto ao preenchimento do tipo legal previsto no n.º 1 do art. 114.º, do RGIT, é aplicável ao caso concreto, nos seguintes termos: «(…). Por isso, a questão de direito que vem colocada é apenas a de saber se a dedução indevida de imposto constitui infração prevista e punida pelo artigo 114.º, n.º 5, alínea a), do Regime Geral das Infrações Tributárias, mesmo quando da mesma não tenha resultado a falta de entrega de prestação tributária. (…). Ora, a essa questão respondemos que a ação ou conduta ali sancionada é conduta de que resulte a falta do cumprimento da obrigação material de pagar ou entregar o tributo e não a irregularidade cometida nas declarações periódicas. E por duas razões essenciais: Em primeiro lugar, porque a coima é fixada em função da «prestação em falta» - ver o n.º 1 daquele artigo 114.º. Ora, sendo a «prestação tributária» para os efeitos do Regime Geral das Infrações Tributárias o tributo a cobrar [ver o artigo 11.º, alínea a), do Regime Geral das Infrações Tributárias], não pode constituir prestação em falta para este efeito a que é devida pelo sujeito passivo no quadro da relação fiscal formal (isto é, a que se traduza na falta do cumprimento de obrigações acessórias nos termos da lei), mas a que lhe é devida por força da relação fiscal material (isto é, a que se traduz na falta do cumprimento da obrigação material de pagar ou entregar o tributo). Em segundo lugar, porque as inexatidões relativas à situação tributária do sujeito passivo, praticadas nas declarações periódicas, integram outro tipo de ilícito, previsto e punido pelo artigo 119.º do Regime Geral das Infrações Tributárias. Assim quando o legislador alude, na alínea a) do n.º 5 do artigo 114.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, à «dedução (…) sem observância dos termos legais» tem em vista a falta de entrega do imposto que seria devido se o operador tivesse efetuado a dedução nos termos legais. Da questão de saber se a infração que seja integrada, simultaneamente, pela falta de entrega de prestação tributária e pela menção indevida de imposto a deduzir na declaração periódica gera um concurso real ou aparente de infrações não importa tratar aqui, por estar assente que não houve falta de entrega de prestação tributária. Da questão de saber se por falta de entrega de imposto devido também se entende o reembolso indevido de imposto e em que circunstâncias, também não importa tratar aqui. Além do mais, por não resultar dos autos que tal tenha sucedido.» Replicando para o caso concreto estas considerações, dizemos, ainda que estivesse em causa a imputação ao arguido da conduta prevista na alínea a) do n.º 5 do art. 114.º do RGIT, a ilação sempre seria a mesma, ou seja, a da sua absolvição. Ora, nos termos do artigo 2.° do RGIT, constitui infração tributária todo o facto típico, ilícito e culposo declarado punível por lei tributária anterior. Não se encontrando preenchido um dos elementos objetivos do ilícito contraordenacional, como supra deixamos dito, previsto no art. 114.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT, só resta concluir pela absolvição do arguido, tal como corretamente ajuizou o tribunal a quo. Nesta conformidade, mostra-se prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nesta sede recursiva. * pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar total provimento ao presente recurso e, nessa conformidade, manter a sentença na ordem jurídica. * Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, formula-se o seguinte SUMÁRIO: I – Nos termos do artigo 2.° do RGIT, constitui infração tributária todo o facto típico, ilícito e culposo declarado punível por lei tributária anterior. II – Não se subsume na previsão da norma punitiva gizada no art. 114.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT, as situações de dedução indevida de IVA que não impliquem entrega de imposto, como sejam, por exemplo, as situações em que após as correções do imposto indevidamente deduzido, o sujeito passivo ainda mantenha crédito de imposto, já que nestas situações, o erário público não foi afetado. * IV – DECISÃO: pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar total provimento ao presente recurso e, nessa conformidade, manter a sentença. Sem custas. Notifique. Porto, 29 de maio de 2025 Vítor Salazar Unas Maria do Rosário Pais Ana Paula Santos |