Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
[SCom01...] LDA, com sede na rua ..., freguesia ..., concelho ..., instaurou ação administrativa contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP, com sede na rua ..., ... ..., peticionando o seguinte:
TERMOS EM QUE Deve:
A) - Ser anulado o acto do ISS emanado pela Directora do Núcleo de Prestações de Desemprego por despacho de 06.03.2023 que cria o débito de 14.945,38 € imputável à A;
E,
B) - Ser o ISS condenado à prática de acto devido, que é a emissão de decisão em que apenas se exija à A. o valor das prestações de desemprego efectivamente recebidas pelo trabalhador «AA» decorrentes da cessação do contrato de trabalho com a A. a 23.07.2020, sejam os 3.410,60 € indicados, ou outro valor concreto a apurar.
Com as legais consequências.
Por decisão proferida pelo TAF de Penafiel foi anulado o acto impugnado.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Entidade Demandada formulou as seguintes conclusões:
1 - A sentença recorrida faz uma errada interpretação e aplicação do art. 10-A do Decreto-Lei 220/2006, ao exigir, para além da constatação da infracção, a notificação da ACT, a interpelação da ACT à EE, e a notificação do parecer desta à SS, que só depois poderá praticar o acto de criação de débito.
2 - Na verdade, quando o R. constata uma violação objectiva e indiscutível do art. 10-A, pode de imediato notificar a EE para a audiência prévia de criação do débito por violação do art. 10-A, sem necessidade dos procedimentos de comunicação à ACT previstos no nº 3, já que tal exigência iria frustrar o fim da norma e seria de inaplicabilidade pratica
3 - Uma vez constatada a violação, e o direito a pedir a restituição das importâncias devidas a título de desemprego, nada impede que a restituição seja pela totalidade do valor que possa ser pago, independentemente do facto do trabalhador as ter recebido ou não.
4 - Na verdade, além de constar expressamente da letra da lei, do art. 10-A, tal disposição legal não foi alterada pela ultima revisão do diploma em Novembro de 2023, sendo certo que esta revisão alterou o art. 63, aplicável às violações do art. 10, mas deixou intocável o teor do art. 10-A, que continua a prever a obrigatoriedade da devolução da totalidade do período.
5 - E, portanto, sendo esta situação do art. 10-A uma situação que exige dolo e integra claramente uma sanção, nenhuma razão existe para fazer uma equiparação ao art. 63, e “perdoar” essa obrigação de devolução da totalidade do período como previsto no diploma.
Assim, deverá ser revogada a sentença recorrida, absolvendo o R. do pedido, assim se fazendo justiça.
Não foram juntas contra-alegações.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. Em 23.07.2020, a Autora celebrou com o então seu trabalhador «AA», um acordo de revogação de contrato de trabalho ao abrigo do n.° 1, do artigo 10.°-A do DI, 220/2006, de 3/11 - cf. doc. n.° 2 anexo à petição inicial (doravante PI), constante de fls. 27-43 do SITAF.
2. Em 23.07.2020, a Autora remeteu à Entidade Demandada a declaração de situação de desemprego de «AA» - cf. doc. n.° 3 anexo à PI, constante de fls. 27-43 do SITAF.
3. Em 07.08.2020, a Entidade Demandada emitiu uma comunicação dirigida à Autora com o assunto «Notificação de pagamento de prestações de desemprego», referente ao beneficiário «AA» - cf. fls. 2 do PA, constante de fls. 72-82 do SITAF.
4. Na comunicação mencionada no ponto anterior colhe-se, além do mais, o seguinte teor:
«....
Notifica-se de que vai ser exigido o pagamento de 14.945,38 EUR (....), correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego reconhecido ao beneficiário acima identificado se, no prazo de 5 dias úteis a contar da data de receção do ofício, não der entrada nestes serviços, resposta por escrito, da qual constem elementos que possam obstar a esta decisão, juntando meios de prova se for caso disso.
Os fundamentos para a exigência do pagamento das prestações de desemprego são os a seguir indicados:
Ter sido deferido o pagamento das prestações de desemprego no montante diário de 19,16 EUR por um período de 780 dias, por ter havido cessação do contrato de trabalho por acordo e ter sido criada no trabalhador, acima identificado, a convicção de que se encontrava dentro do limite de quotas estabelecido para acesso às prestações de desemprego, conforme consta na declaração de situação de desemprego entregue ao trabalhador, e tal não se verificou (n.º 4 do artigo 10.º e artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 220/2006)
(...)» - cf. fls. 2 do PA, constante de fls. 72-82 do SITAF.
5. Em 25.11.2020, a Entidade Demandada dirigiu à Autora uma comunicação com a referência nota de reposição n.º ...82, tendo em vista a restituição de prestações indevidamente pagas, no montante de 14.945,38€, referentes ao trabalhador «AA» - cf. doc. n.º 5 anexo à PI, constante de fls. 27-43 do SITAF.
6. Em 03.12.2020, a Autora pronunciou-se quanto à comunicação mencionada no ponto precedente, solicitando a “anulação da nota de reposição de pagamento de prestações de desemprego, uma vez que até houve aumento do número de postos de trabalho e foram celebrados apenas 4 acordos de revogação de contrato de trabalho por acordo neste triénio...”. - cf. doc. n.º 6 anexo à PI, constante de fls. 27-43 do SITAF.
7. Em 06.03.2023, os serviços da Entidade Demandada emitiram uma informação da qual se colhe, além do mais, o seguinte teor:
«(...
Verificou-se que a Entidade Empregadora [SCom01...], NISS ...60, procedeu à cessação de contrato de trabalho com o beneficiário NISS ...88 «AA» em 2020/07/23, com o motivo “Acordo de revogação sem redução de nível emprego, para reforço da qualificação técnica da empresa”.
Sobre este assunto, importa esclarecer a questão, aludindo ao artigo 10.° A, números 1 e 2 do Decreto -Lei 220/2006:
“1 - Para além das situações referidas no artigo anterior, considera-se, ainda, desemprego involuntário, para efeitos da alínea d) do n.° 1 do artigo 9.°, as situações de cessação de contrato de trabalho por acordo que visem o reforço da qualificação e da capacidade técnica das empresas e não determinem a diminuição do nivel de emprego.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a manutenção do nível de emprego tem de se verificar até ao final do mês seguinte ao da cessação do contrato de trabalho e considera-se assegurada por meio de contratação de novo trabalhador mediante contrato sem termo a tempo completo, para posto de trabalho a que corresponda o exercício de atividade de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponha uma especial qualificação.”
A Entidade veio responder à Audiência prévia, mas não alega nenhum facto relevante capaz de alterar a decisão.
Contudo, a empresa não logrou provar que tenha cumprido o preceito legal acima explanado, ou seja, não provou que procedeu à contratação de novo trabalhador, pelo que se verificará a redução do nível de emprego é real e efectiva. Assim a consequência do não cumprimento do exposto, implica a imputação de dívida correspondente ao montante total da prestação deferida.
Na verdade, conforma resulta de abundante jurisprudência, é perfeitamente válido o acto que pede, adiantadamente, a totalidade das prestações susceptíveis de poderem vir a ser pagas, ainda que o trabalhador não as tenha ainda recebido, e ainda que a prestação esteja temporariamente suspensa.
Pelo que é agora praticado o acto de criação do débito no montante de 14.945,38€, reportando-se ao deferimento das prestações de desemprego, pelo Centro Distrital de Segurança Social do Porto, do beneficiário ...88 «AA» sem que a EE e tenha procedido à contratação de novo trabalhador nos termos e condições legais.
Mais se propõe a notificação da EE, nos termos e para os efeitos do art.° 114° do CPA.
(...)»
- cf. doc. n.° 8 anexo à PI, constante de fls. 27-43 do SITAF, e fls. 8-11 do PA. constante de fls. 72-82 do SITAF.
8. A informação mencionada no ponto precedente mereceu despacho concordante da Diretora de Núcleo de Prestações de Desemprego da Segurança Social, datado de 06.03.2023 - cf. doc. n.° 8 anexo à PI, constante de fls. 27-43 do SITAF.
9. Em 06.03.2023, a Entidade Demandada emitiu o ofício n.º UP-...-2.ª Equipa, tendo em vista comunicar à Autora o despacho mencionado no ponto precedente - cf. doc. n.° 8 anexo à PI, constante de fls. 27-43 do SITAF.
DE DIREITO
É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, com consagração nos artigos 635.º, n.º(s) 4 e 5, 639.º, n.º(s) 1 e 2 e artigos 1.º, 140.º, n.º 3 e 146.º, n.º 4 do CPTA que o objeto do recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, pelo respetivo recorrente, o que se traduz no impedimento do tribunal ad quem de conhecer de matéria que aí não tiver sido invocada, exceto as situações de conhecimento oficioso, seja de mérito ou de natureza adjetiva.
Assim,
Ao contrário do defendido pela Entidade Apelante, a decisão recorrida não merece censura.
Com efeito, da sentença consta o seguinte:
(…)
Informa o probatório que a Autora, em 23.07.2020, celebrou com o então seu trabalhador «AA», um acordo de revogação de contrato de trabalho ao abrigo do n.° 1, do artigo 10.°-A do DI, 220/2006, de 3/11, comunicando à Entidade Demandada a declaração de situação de desemprego no mesmo dia (pontos 1 e 2 dos factos provados).
Em 07.08.2020, a Entidade Demandada comunicou à Autora que lhe seria exigido o montante de 14.945,38€, correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego reconhecido ao beneficiário «AA» se, no prazo de 5 dias úteis a contar da data de receção dessa comunicação, não desse entrada nos serviços, resposta por escrito, da qual constassem elementos que pudessem obstar à decisão (ponto 3 e 4 dos factos provados).
Em 06.03.2023, por despacho da Diretora de Núcleo de Prestações de Desemprego da Segurança Social, foi criado o débito no montante de 14.945,38€, relativo ao deferimento das prestações de desemprego do beneficiário «AA», referindo-se nessa decisão que a Entidade Empregadora não procedeu à contratação de novo trabalhador nos termos e condições legais (pontos 7 e 8 dos factos provados).
Todavia, compulsado o probatório e os autos, não há notícia de que a Entidade Demandada tenha informado o serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral de que detetou ou que suspeitava do incumprimento do disposto nos n.°s 1 e 2 do artigo 10.°-A, do DL 220/2006, de 3/11, de modo a que esse serviço notificasse a Autora para que, no prazo máximo de 30 dias após a notificação, assegurasse a manutenção do nível de emprego (cf. n.° 3, do artigo 10.°-A, do DL 220/2006, de 3/11).
Consequentemente, não se mostra comprovada a violação do disposto no n.° 3, do artigo 10.°-A, do DL 220/2006, de 03/11, dado que, e desde logo, não está demonstrado que a Autora foi notificada pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral para que, no prazo máximo de 30 dias após a notificação, assegurasse a manutenção do nível de emprego.
Assim sendo, não podia haver lugar à responsabilidade da Autora perante a Entidade Demandada pelo pagamento a que se reporta o preceituado no n.° 6, do artigo 10.°-A, do DL 220/2006, de 3/11.
Por conseguinte, a criação do débito em nome da Autora no montante de 14.945,38€, resultante do ato emanado pela Diretora de Núcleo de Prestações de Desemprego da Segurança Social, datado de 06.03.2023, aqui impugnado, enferma de vício de violação de lei, o que gera a sua anulabilidade (cf. artigo 163.°, n.° 1, do Código do Procedimento Administrativo).
Face à solução alcançada, e considerando que não está comprovado a violação do o disposto no n.° 3, do artigo 10.°-A, do DL 220/2006, de 03/11, não há qualquer valor que possa ser exigido pela Entidade Demandada à Autora sem que se mostre cumprido o procedimento instituído nesse normativo legal, pelo que fica prejudicado o conhecimento do demais peticionado.
Face ao que antecede, impõe-se a anulação o ato proferido pela Diretora de Núcleo de Prestações de Desemprego da Segurança Social, datado de 06.03.2023, que criou o débito de 14.945,38€, imputável à Autora, aqui impugnado, o que se provirá em sede de dispositivo.
(…)
De resto, mesmo que assim não fosse entendido, sempre o acto impugnado teria de ser anulado.
Na verdade, esta questão já foi resolvida pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, proferido pelo Pleno do STA, em 25 de março de 2021, no âmbito do processo n.º 02550/17.2BEBRG, nos seguintes termos:
“A responsabilidade do empregador pelo pagamento das prestações de desemprego estabelecida pelo art.º 63.º, do DL n.º 220/2006, de 3/11, na redacção resultante do DL n.º 64/2012, de 15/3, abrange apenas o reembolso à Segurança Social das prestações de desemprego efectivamente pagas ao trabalhador e não daquelas que corresponderiam à totalidade do período de concessão. Ou seja, dúvidas não restam de que a Entidade Demandada apenas poderia exigir à Recorrida o montante que efetivamente pagou ao(s) trabalhador(es) envolvido(s) e não qualquer outra.
Verifica-se que a sentença proferida nos autos se encontra devidamente fundamentada em termos que acompanhamos.
Não merece qualquer reparo, antes se impondo a sua confirmação.
Em suma,
De salientar que o probatório não vem posto em causa;
Então, atente-se:
Artigo 10.º-A
Cessação por acordo para reforço da qualificação e capacidade técnica das empresas
1 - Para além das situações referidas no artigo anterior, considera-se, ainda, desemprego involuntário, para efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º, as situações de cessação de contrato de trabalho por acordo que visem o reforço da qualificação e da capacidade técnica das empresas e não determinem a diminuição do nível de emprego.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a manutenção do nível de emprego tem de se verificar até ao final do mês seguinte ao da cessação do contrato de trabalho e considera-se assegurada por meio de contratação de novo trabalhador mediante contrato sem termo a tempo completo, para posto de trabalho a que corresponda o exercício de atividade de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponha uma especial qualificação.
3 - ...
4 -...
5 -....
6 - Nas situações de cessação do contrato de trabalho por acordo, em violação dolosa do disposto nos nºs 1, 2 e 3, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a segurança social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego.
Assim, verificada a violação do disposto nos nºs 1 e 2, o nº 6 do artº 10º-A
do DL 220/2006 estipula a responsabilidade do empregador perante o R. pelo pagamento das prestações de desemprego, exactamente nos mesmos termos definidos no artº 63º do mesmo diploma legal.
Ora, toda a argumentação legal e doutrinária que serviu de base à decisão do referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência aplica-se igualmente a esta situação, por analogia;
Assim, quanto à delimitação da concreta responsabilidade da Autora perante o Réu, pelos mesmos fundamentos legais e doutrinárias do citado acórdão e adaptando a redação aí vertida, tem de considerar-se que a responsabilidade do empregador pelo pagamento das prestações de desemprego estabelecida pelo nº 6 do artº 10º-A do DL n.º 220/2006, de 3/11, na redação resultante do DL n.º 13/2013, de 05/01, abrange apenas o reembolso à Segurança Social das prestações de desemprego efectivamente pagas ao trabalhador e não daquelas que corresponderiam à totalidade do período de concessão.
Acresce a isto o facto de que, na data em que o ISS pratica este acto - a 06.03.2023 -, já tem efectivo conhecimento de que só pagou ao PCM um valor de 3.410,60 € indicados, (ou outro valor concreto a apurar), pelos 181 em que este beneficiário esteve em situação de desemprego e a receber as devidas prestações, mas não os 14,945,38 € que agora exige à Autora.
Donde, em 2023, o ISS tinha perfeita consciência de que a exigência que agora criou / o débito que cria da responsabilidade da A. de 14.945,38 €, não corresponde à totalidade das prestações de desemprego que pagou a esse beneficiário, decorrentes da cessação do contrato de trabalho daquele com a A., desde o momento em que requereu o seu pagamento e até esse beneficiário ter deixado de beneficiar das mesmas, por ter sido contratado por outra entidade empregadora.
Donde, a argumentação vertida na decisão / informação que a antecede, de que é possível pedir adiantadamente a totalidade das prestações suscetíveis de virem a ser pagas não tem fundamento; pois o ISS iniciou em 03.08.2020 e cessou a 31.01.2021, o pagamento das prestações de desemprego a PCM, decorrentes da cessação desse beneficiário com a A., não havendo “adiantamentos”, apenas valores justos e legalmente fundamentados a serem exigidos pelo período de pagamento - 181 dias - ocorrido;
Sendo, neste cenário, aplicável a este caso toda a fundamentação legal e doutrinária do referido Acórdão do STA.
Em consequência do exposto tinha de ser anulado o acto do ISS emanado pela Directora do Núcleo de Prestações de Desemprego por despacho de 06.03.2023; e,
Com efeito, o ISS tem de ser condenado à prática de acto devido, que é a emissão de decisão em que apenas exija à A. o valor das prestações de desemprego efectivamente recebidas pelo trabalhador «AA» decorrentes da cessação do contrato de trabalho com a A., sejam os 3.410,60 € indicados, (ou, repete-se, outro valor concreto a apurar).
Improcedem as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 11/10/2024
Fernanda Brandão
Rogério Martins
Paulo Ferreira de Magalhães |