Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00280/21.8BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/23/2024
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:ANA PATROCÍNIO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO, TAXA DE PORTAGEM;
INFRACÇÕES PRATICADAS NO MESMO DIA;
INFRACÇÃO CONTINUADA, UMA ÚNICA CONTRA-ORDENAÇÃO;
Sumário:
I - Os procedimentos de contra-ordenação tributária instaurados por infracções ao disposto no artigo 5.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, conducentes ao preenchimento do mesmo tipo de ilícito várias vezes e que não devam constituir uma única contra-ordenação para os efeitos do n.º 4 do seu artigo 7.º, na redacção introduzida pelo artigo 7.º da Lei n.º 51/2015, de 8 de Junho, não têm que ser reunidos, por essa razão, num único processo nem a falta da sua apensação integra, nesse caso, uma nulidade processual que conduza à declaração de nulidade ou anulação da decisão a final proferida.

II - In casu, as infracções que constituem uma única contra-ordenação para efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 7.º da Lei n.º 26/2006, de 30 de Junho, mostram-se reunidas num único processo de contra-ordenação.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferida em 26/10/2022, que julgou procedente o recurso das decisões de aplicação de coima, anulando-as, interposto por [SCom01...], Lda., contribuinte fiscal n.º ...30, com sede no Centro Empresarial ..., Edifício ..., ..., ... ..., proferidas no âmbito dos processos de contra-ordenação n.º ...60, n.º ...78, n.º ...90, n.º ...52, n.º ...60, n.º ...79 e n.º ...87, pela falta de pagamento de taxas de portagem, em várias datas de 2018 e de 2019 e em 31/10/2017, em violação do disposto nos artigos 5.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, da Lei n.º 25/06, de 30 de junho, infracção considerada punida pelo artigo 7.º do mesmo diploma legal, no valor global de €3.481,80.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1. Por via da sentença sob recurso, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela determinou a anulação da decisão de aplicação de coima;
2. Na situação vertente estamos perante a ocorrência de infrações previstas e punidas nos termos da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho com as alterações introduzidas pela Lei n.º 51/2015, de 8 de junho, diploma legal do qual consta um regime especial de infração continuada;
3. As contraordenações praticadas no âmbito do sistema de cobrança eletrónica ou do sistema de cobrança manual de portagens, previstas nos artigos 5.º e 6.º da Lei n.º 25/2006, 30 de junho são objeto de um regime especial de infração continuada, expressamente definido pelo legislador, que impõe a unificação de eventuais infrações numa só, desde que se verifiquem as condições que elegeu para a sua aplicação, a saber, que sejam praticadas pelo mesmo agente, no mesmo dia, através da utilização do mesmo veículo e que ocorram na mesma infraestrutura rodoviária.
4. Aos processos de contraordenação em causa foi aplicado o regime jurídico previsto na Lei n.º 51/2015, de 8 de junho;
5. Como decorre dos elementos junto aos autos, foi fixada uma coima única por cada conjunto de infrações que respeitem à passagem por portagem, pelo mesmo agente, no mesmo dia, através da utilização do mesmo veículo e que ocorram na mesma infraestrutura rodoviária;
6. No caso em análise, estando em causa contraordenações por omissão de pagamento de taxas de portagem, não há lugar à aplicação do instituto jurídico da infração continuada, uma vez que existe um regime legal específico de unificação das infrações;
7. No sentido vindo de expor, violou a sentença recorrida as disposições conjugadas do artigo 25.º do RGIT e do artigo 7.º da Lei 25/2006, de 30 de junho;
8. Nestes termos, e nos demais de direito que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, deverá ao presente recurso ser concedido integral provimento, revogada a sentença recorrida e, em substituição, julgado totalmente improcedente o presente recurso de contraordenação, assim se fazendo a já acostumada Justiça.”
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O Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela respondeu, pugnando no sentido de o recurso merecer provimento.
A Recorrida não respondeu.
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Tendo os autos sido remetidos ao Ministério Público, nos termos das disposições conjugadas da alínea b) do artigo 3.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), do artigo 74.º, n.º 4 do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS) e do n.º 1 do artigo 416.º do Código de Processo Penal (CPP), o digníssimo Magistrado junto deste Tribunal revelou concordância com a pronúncia do Ministério Público em primeira instância.
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Dispensam-se os vistos nos termos das disposições conjugadas dos artigos 418.º, 419.º e 4.º do Código de Processo Penal e, supletivamente, do artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil ex vi alínea b) do artigo 3.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e n.º 4 do artigo 74.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, sendo o processo submetido à conferência para julgamento.
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Não obstante o recurso ter sido dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo, por despacho judicial proferido em 20/02/2024, o Meritíssimo Juiz “a quo” determinou, bem, a remessa dos autos a este TCA Norte, nos termos do artigo 83.º, n.º 1 do RGIT.
Com efeito, o n.º 2 do artigo 83.º do RGIT, que aludia à competência do Supremo Tribunal Administrativo para conhecer de recursos que visassem somente matéria de direito, foi revogado, salientando-se que esta alteração introduzida pelo artigo 6.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 74-B/2023, de 28 de Agosto, é aplicável aos processos pendentes, conforme determinou o artigo 8.º, alínea b) do mesmo diploma.
Nesta conformidade, o conhecimento do recurso em apreço, da decisão prolatada em primeira instância, é da competência deste TCA Norte (pelo que nada se determinará a propósito da sua interposição para o Supremo Tribunal Administrativo).

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

No artigo 75.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS) estabelece-se que a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72.º-A do mesmo diploma.
Não obstante, o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões (cfr. artigo 412.°, n.º 1, do Código de Processo Penal ex vi artigo 74.°, n.º 4 do RGIMOS), excepto quanto aos vícios de conhecimento oficioso; pelo que este tribunal apreciará e decidirá as questões colocadas pela Recorrente, sendo que importa apreciar o invocado erro de julgamento ao anular as decisões de aplicação de coima, por dever o Serviço de Finanças ter organizado um único processo (ou procedido à apensação dos processos) e proferido apenas uma decisão de aplicação de coima (única), uma vez que não terá sido considerado nem explicitada a cominação única face a todos os factos praticados e discriminados em cada uma das decisões, face aos (novos) limites fixados pela nova lei.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Factos provados:
1. Em 13/1/2021 (proc.s n.ºs ...60 e ...78) 17/1/2021( Proc. n.º ...90,) e 22/1/2021 (Procs. ...52, ...60, ...79 e ...87) a AT aplicou à arguida coimas de 25,50 + 128,52€ + 61,00 + 980,96 + 1.570,30€ + 174,42€ + 25,50€ e custas de 76,50€ em cada um dos processos – Fls. 52 e ss, 74 e ss, 90 e ss, 111 e ss, 140 e ss, 160 e ss e 176 e ss (suporte físico do processo)
2. Aquelas decisões reportam-se a “Taxa(s) de Portagem” que, subentende-se, não teriam sido pagas, relativamente a factos que ocorreram em 2017, 2018 e 2019, às vezes no mesmo dia (Fls. 74, 111, 140 e 160), referente aos veículos nelas identificados, e, para o que interessa relevar, em auto estradas concessionadas à mesma concessionária - Fls. 59 e ss “Brisa”; e 81 e ss “Ascendi”;
3. As cartas dirigidas pelas concessionárias à arguida para pagamento das taxas de portagem e para identificação do condutor dos veículos em causa nas decisões de aplicação de coimas, foram remetidas (com a excepção da que a notificou no processo ...79 para o Centro Empresarial ... ... ... ... VPA, para pagar a taxa de 15,82€, e que correspondeu a coima de 174,42€ - Fls. 151, 153, 160 e 161/V) para a seguinte morada: Rua ..., ..., ... ... – Fls. 40, 42, 44, 62, 64, 66, 83, 103, 130, 133, 169, doc 3 da PI;
4. A Arguida tem sede no Centro Empresarial ..., Ed. ..., ..., Freguesia ..., ... ... – Fls. 7, Docs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 da PI; fls. 35, 49, 52, 74, 90, 111, 140, 160, 176, etc.”

2. O Direito

A Autoridade Tributária e Aduaneira não se conforma com o despacho judicial de anulação das decisões de aplicação de coima nos presentes processos administrativos, não aceitando que o Serviço de Finanças devesse ter organizado um único processo (ou procedido à apensação dos processos) e proferido apenas uma decisão de aplicação de coima, cujo julgamento foi realizado com os seguintes fundamentos:
“(…) Ocorre concurso de contra-ordenações quando o mesmo agente tiver praticado várias contra-ordenações (art. 19.º, n.º 1, do RGCO). O agente, com a sua conduta, não preenche apenas um único ou o mesmo tipo de ilícito, mas preenche antes mais do que um tipo ou o mesmo tipo mais do que uma vez – Cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, in RGIT, anotado, 3ª edição, págs 283 e 284.
Neste caso a Recorrente, com a sua conduta, teria preenchido o mesmo ilícito mais do que uma vez. Ora, de acordo com os acórdãos do STA de 14/10/2015, Proc. 0766/15 e de 4/11/2015, proc. 01042/15, e considerando a redacção da Lei 25/6, de 30/06, dada pela L 51/2015, de 8/6, “porque o artigo 7.º da Lei n.º 50/2015, de 8 de Junho, ao aditar ao artigo 7.º da Lei n.º 25/2006 os seus (novos) números 4 e 5, procedeu à unificação legal das infracções previstas naquela lei praticadas pelo mesmo agente, no mesmo dia, através da utilização do mesmo veículo e que ocorram na mesma infraestrutura rodoviária, entendendo-se como tal as ocorridas em estrada cuja exploração está concessionada ou subconcessionada à mesma entidade, determinando que esta contra-ordenação única seja sancionada com coima cujo valor mínimo a que se refere o n.º 1 é o correspondente ao cúmulo das taxas de portagem. Ora, esta unificação legal a que procedeu a lei nova, porque prescinde da averiguação das circunstâncias de que depende a contra-ordenação continuada, pode revelar-se, em concreto, mais favorável ao agente, daí que, verificados os respectivos pressupostos legais haverá que proceder à respectiva unificação da conduta delituosa e aplicar-lhe a cominação legalmente estabelecida, nos novos limites fixados pela nova lei, o que também necessariamente implica uma nova decisão administrativa de aplicação da coima. (…) //Pelas razões expostas, as decisões administrativas de aplicação das coimas sindicadas nos presentes autos não podem manter-se - desde logo, porque há que graduar as coimas aplicadas dentro dos novos limites legais e eventualmente retirar as legais consequências do pagamento ao abrigo do regime excepcional das taxas de portagem e/ou das coimas -,o que apenas poderá ser feito de modo adequado e eficiente pelos próprios Serviços, que não pelos Tribunais, a quem não cabe substituir-se à Administração nas decisões de aplicação coimas, antes escrutinar, se para tal solicitados, se tais decisões são conformes à Lei e ao Direito.// (…) Impõe-se, em consequência, a baixa dos autos à Autoridade Administrativa para que esta tenha a oportunidade de as rever ou renovar, em conformidade com o novo quadro legal, o que se determina.” (sublinhado nosso)
Portanto, e seguindo também de perto a decisão recorrida de 1ª instância, sobre a qual o acórdão 01042/15 do STA citado se pronunciou, deveria o Serviço de Finanças ter organizado um único processo (ou procedido à apensação dos processos) e proferido apenas uma decisão de aplicação de coima (única) mas apenas naqueles onde tivessem ocorrido aquelas circunstâncias, ou seja nas infracções praticadas pelo mesmo agente, no mesmo dia, através da utilização do mesmo veículo e que ocorram na mesma infraestrutura rodoviária, entendendo-se como tal as ocorridas em estrada cuja exploração está concessionada ou subconcessionada à mesma entidade.
Neste sentido, vejam-se os Acórdãos do S.T.A. de 30/03/2011, processo n.º 0757/10 e de 21/01/2009, processo n.° 0928/08 e ainda o Acórdão do T.C.A. Norte, de 15/02/2013, processo n.° 01 097/08.0BEVIS.
De igual modo, Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos defendem a solução de ser organizado pela autoridade competente um único processo e de ser proferida uma única decisão de aplicação de coima (in “Contra-ordenações: Anotações ao Regime Geral”, Ed. 2011, pág. 307).
Ao não fazê-lo, o Serviço de Finanças, por um lado, onerou a Recorrente que se viu na contingência de apresentar várias acções judiciais relativas a cada uma das decisões de aplicação de coima; e, por outro lado, poderia mesmo ter colocado em causa a coerência e uniformidade de julgamento, uma vez que existia o risco das causas em questão serem objecto de decisões díspares.
Por outro lado, nenhuma das decisões proferidas, às vezes nos mesmos dias ou em dias próximo, procedeu à unificação da conduta delituosa relativa aos factos praticados em 2017, 2018 e 2019, por vezes no mesmo dia, na mesma infra-estrutura rodoviária, uma vez que a exploração está concessionada à mesma entidade, neste caso à “Brisa” e à Ascendi O & M”, e, por vezes, através do mesmo veículo ( art.º 7.º, n.ºs 4 e 5 da Lei n.º 25/2006, de 30/6). Antes pelo contrário, uma vez que, apenas em cada um dos processos administrativos de aplicação de coima, a AT descreve minuciosamente os locais e as horas/minutos em que o arguido teria passado em portagens sem pagar, procedendo apenas à aplicação de coima única em cada um desses processos, mas não considerando nem explicitando a cominação única face a todos os factos praticados, e descriminados em cada uma das decisões, face aos novos limites fixados pela nova lei. Portanto, e salvo o devido e merecido respeito, as decisões administrativas não espelham a aplicação do regime previsto nos diplomas citados.
Finalmente, apenas com a organização de um só processo (ou, pelo menos, com a apensação dos processos) é que a entidade competente - o Serviço de Finanças - poderá aferir se está na presença de uma infracção de carácter continuado, verificando, desde logo, se existiu uma determinação psicológica semelhante no cometimento de cada uma das infracções e se existiu um mesmo quadro externo que diminua consideravelmente a culpa do arguido/Recorrente.
Caso conclua pela inexistência de uma infracção continuada, deverá, então, cumprir o disposto no artigo 25.° do R.G.I.T., sendo de realçar que, embora este normativo preveja a aplicação do cúmulo material, tal não implica que o Serviço de Finanças se possa eximir da obrigação de organizar um processo único (ou de fazer a apensação), pois apenas desse modo é que poderá ter uma “visão de conjunto”, permitindo-lhe apurar, desde logo, qual o verdadeiro grau de culpa do Recorrente, sendo este um dos factores a atender na determinação da coima concreta.
Procede a pretensão da Arguida com fundamento nesta causa de pedir. (…)”
Alertamos que as questões suscitadas no presente recurso coincidem, grosso modo, com as já apresentadas no recurso no âmbito do processo n.º 108/20.6BEMDL, onde as partes são as mesmas, e aí apreciadas por acórdão da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 03/05/2023.
Assim, tendo em vista a aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil) e por economia de meios, transcrevemos, por com ela inteiramente concordarmos, a fundamentação de direito acolhida no mencionado acórdão, com as necessárias adaptações:
“(…) A questão fundamental a decidir é a de saber se o tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento ao anular a decisão de aplicação de coima por não ter sido precedida da apensação de outros processos de contraordenação, referidos no ponto 6 dos factos provados.
Esta questão pode ser analisada em dois planos: no de saber se os processos deveriam ter sido apensados e no de saber se a anulação da decisão é a consequência da falta de apensação.
Tem precedência lógica o primeiro, porque só faz sentido indagar das consequências da falta de apensação depois de se concluir que os processos deveriam ter sido apensados.
Analisemos, então o problema de saber quando é que os processos de contraordenação tributária devem ser apensados.
Nem o Regime Geral das Infrações Tributárias (“RGIT”) nem o Regime Geral das Contraordenações (“RGCO”) contêm uma disposição que preveja os casos de apensação de processos de contraordenação e o respetivo regime, pelo que haverá que recorrer à legislação subsidiária que, no caso, é o Código de Processo Penal (“CPP”) – artigo 41.º do RGCO.
De acordo com o artigo 29.º do CPP, deve proceder-se à apensação de processos quando se reconheça que entre eles existe uma conexão nos termos da lei processual (conexão processual).
Isto sucede porque – como decorre do seu enquadramento sistemático – o instituto de apensação serve fundamentalmente, e no plano processual, para resolver problemas de competência por conexão.
Mas se analisarmos genericamente as situações previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do seu artigo 24.º, verificamos que o legislador relevou como elementos de conexão processual certos indicadores de conexão material entre as infrações imputadas nesses processos.
Isto sucede porque, no plano substantivo, o instituto da apensação também serve para prevenir a necessidade de resolução, a final, de problemas relacionados com o concurso de infrações.
Haverá conexão processual, em primeiro lugar, quando uma pluralidade de infrações for imputada ao mesmo agente através da mesma ação ou omissão e existirem outros elementos que sugerem um nexo de relação entre as infrações, como o facto de terem sido praticadas na mesma ocasião (conexão temporal) ou no mesmo lugar (conexão espacial) ou umas serem causa ou efeito das outras (conexão causal) ou ainda umas sejam destinadas a continuar ou ocultar as outras (conexão de fins). Fala-se, a este propósito, em conexão subjetiva, porque o fator preponderante da conexão é o sujeito processual.
Haverá conexão processual, em segundo lugar, quando uma mesma infração ou várias infrações forem imputadas a uma pluralidade de agentes e existirem outros elementos que sugerem um nexo de relação entre as infrações, como a comparticipação (conexão de fins) a reciprocidade (conexão causal) ou o facto de terem sido praticadas na mesa ocasião (conexão temporal) ou no mesmo lugar (conexão espacial). Fala-se, a este propósito, em conexão objetiva, porque o fator determinante da conexão é o objeto do processo.
No caso dos autos, foi entendido que os processos deveriam ser apensados porque a mesma arguida, «com a sua conduta, teria preenchido o mesmo ilícito mais do que uma vez» [pág. 10 da decisão recorrida].
É notório que, ao referir-se à «conduta» da arguida o Mm.º Juiz a quo tinha em vista a atividade delitual globalmente considerada, isto é, o conjunto de atos que lhe são imputados nos diversos procedimentos contraordenacionais.
É também manifesto que, ao referir-se ao «preenchimento do mesmo ilícito mais do que uma vez», o Mm.º Juiz a quo pretendeu dizer que os atos imputados à arguida configuram o preenchimento do mesmo tipo de ilícito várias vezes.
Assim, o Mm.º Juiz a quo considerou que o Serviço de Finanças deveria ter organizado um só processo (ou, pelo menos, procedido à apensação de processos) porque o mesmo agente incorreu em vários ilícitos contraordenacionais que são enquadráveis no mesmo tipo de ilícito (identidade típica).
Ora, a identidade de tipos legais de ilícitos não integra os elementos de conexão relevados pelo legislador para efeitos processuais e para efeitos de apensação de processos em particular.
E, mesmo que assim não fosse entendido, a conexão processual pressupõe a conjunção e outros elementos que sugerem um nexo de relação entre as infrações (acima referidos) e que no caso, não foram sequer invocados.
Assim sendo, não havia fundamento para imputar à administração a violação da lei processual que determina a apensação de processos, ao menos por aqui.
Acrescenta, no entanto, o Mm.º Juiz a quo que a imputação ao Serviço de Finanças do dever de proceder à apensação de processos nestas circunstâncias está de acordo com a jurisprudência firmada em dois acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo que cita e transcreve parcialmente (acórdãos proferidos em 2015 e tirados nos processos n.ºs 0766/15 e 01042/15).
Há que contrapor desde já que esses dois acórdãos trataram de uma situação específica e que não tem paralelo com o caso dos autos. E que, de qualquer modo, está a montante da questão da apensação.
Com efeito, esses acórdãos apreciaram oficiosamente a questão (prévia) de saber quais as consequências da entrada em vigor da Lei n.º 50/2015, de 8 de junho, sobre decisões de aplicação de coimas por não pagamento de taxas de portagem, tiradas ao abrigo da lei anterior. Ou seja, esses acórdãos pronunciaram-se sobre o problema de saber se o novo regime legal era mais favorável e se, em consequência, deveria ser aplicado retroativamente.
Esse problema não se coloca no caso dos autos, porque todas as infrações em causa nos autos foram praticadas em plena vigência da lei nova. Não se colocando, por isso, nenhum problema de sucessão de leis no tempo, da determinação da lei mais favorável e das suas consequências no plano processual e da apensação em particular.
Por outro lado, esses acórdãos consideraram, além do mais, o facto de a lei nova ter procedido à unificação legal das infrações previstas naquela lei praticadas pelo mesmo agente, no mesmo dia, através da utilização do mesmo veículo e que ocorram na mesma infraestrutura rodoviária.
Ora, esse problema está a montante da questão da apensação porque não conduz a situações em que deve haver conjunção de processos decorrentes da conexão de delitos, mas a situações em que se constata que há um único delito e que, por isso, só deve existir um processo.
O instituto da apensação serviu ali, não como mecanismo de associação de processos, mas como mecanismo de resolução de uma situação – em si mesma anómala – em que o mesmo delito gerou mais do que um processo.
Ou seja: o instituto da apensação foi ali convocado para resolver um problema que não constitui a finalidade normal da apensação, mas que se justifica nessas situações por maioria de razão, tendo em conta as finalidades com que foi instituído.
Do exposto deriva que os referidos arestos, por terem tratado de uma situação que não tem nenhum paralelo com a situação dos autos, também não são adequados para fundamentar a decisão recorrida.
O mesmo se diga dos acórdãos aditados pela Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, na sua resposta (acórdãos de 21 de outubro de 2015 e de 10 de outubro de 2018, tirados nos processos 0983/15 e 0356/15, respetivamente).
Quanto aos restantes acórdãos também referidos pela primeira instância (acórdãos de 30 de março de 2011, processo n.º 0757/10 e de 21 de janeiro de 2009, processo n.º 0928/08), também não têm relação com o caso dos autos.
Para além de não estarem ali em causa coimas aplicadas por não pagamento de taxas de portagem, esses acórdãos analisaram as implicações da alteração do artigo 25.º do Regime Geral das Infrações Tributárias pelo artigo 113.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, que fez suceder à anterior regra do cúmulo material das coimas aplicáveis a regra do cúmulo jurídico. Regra que nas decisões ali recorridas foi considerada mais favorável ao arguido.
Também ali, por isso, o instituto da apensação foi utilizado como meio para assegurar ao arguido um tratamento mais favorável. Problema que também não se coloca no caso, já que todas as infrações foram praticadas já depois de ter sido, novamente, alterada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, repondo o regime do cúmulo material.
Sendo que, como já foi entretanto decidido, a lei não impõe a apensação de processos de contraordenação para assegurar o cúmulo material de sanções nos termos do artigo 25.º do RGIT (redação atual) nem, por conseguinte, a falta de apensação integra uma nulidade processual que conduza à declaração e nulidade ou anulação da decisão a final proferida – cfr., por todos, o acórdão deste Supremo Tribunal de 17 de junho de 2015, processo n.º 0369/15.
Na parte final da douta sentença, o Mm.º Juiz a quo adiciona um último argumento em favor da apensação, discorrendo que só assim é que a entidade competente está em condições de aferir se está em presença de uma infração de caráter continuado.
No entanto, e como também já foi decidido por este Supremo Tribunal, face ao aditamento ao artigo 7.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho os seus (novos) números 4 e 5, pela Lei n.º 51/2015, de 8 de Junho, não existe fundamento legal para que seja aplicado às infrações tributárias previstas na mesma Lei do regime legal da infração continuada previsto na lei geral (neste sentido, podem ver-se os recentes acórdãos de 12 de maio de 2021 e de 7 de dezembro de 2022, tirados nos processos 0356/19.1BEMDL e 0201/18.5BEVIS, e restante jurisprudência ali citada). (…)”
Portanto, os procedimentos de contra-ordenação tributária instaurados por infracções ao disposto no artigo 5.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, conducentes ao preenchimento do mesmo tipo de ilícito várias vezes e que não devam constituir uma única contra-ordenação para os efeitos do n.º 4 do seu artigo 7.º, na redacção introduzida pelo artigo 7.º da Lei n.º 51/2015, de 8 de Junho, não têm que ser reunidos, por essa razão, num único processo nem a falta da sua apensação integra, nesse caso, uma nulidade processual que conduza à declaração de nulidade ou anulação da decisão a final proferida – cfr., no mesmo sentido, o Acórdão deste TCA Norte, de 09/05/2024, proferido no âmbito do processo n.º 74/21.0BEMDL.
In casu, analisando cada um dos processos de contra-ordenação em causa nos presentes autos, verificamos que as infracções que constituem uma única contra-ordenação para efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 7.º da Lei n.º 26/2006, de 30 de Junho, mostram-se reunidas num único processo de contra-ordenação.
Efectivamente, decorre, dos elementos dos autos, que as infracções em apreço já ocorreram (em 31/10/2017, em 2018 e em 2019) na vigência do disposto no artigo 7.º da Lei n.º 50/2015, de 8 de Junho, que aditou a esse artigo 7.º da Lei n.º 25/2006 os seus (novos) números 4 e 5, na redacção aplicável à data (a actual redacção do n.º 4 menciona “no mesmo mês”), tendo sido fixada uma coima única por cada conjunto de infracções que respeitem à passagem por portagem, pelo mesmo agente, no mesmo dia, através da utilização do mesmo veículo e na mesma infra-estrutura rodoviária.
Do exposto deriva que a decisão recorrida não pode manter-se, devendo ser revogada, impondo-se, por isso, conceder provimento ao recurso.

Conclusões/Sumário

I - Os procedimentos de contra-ordenação tributária instaurados por infracções ao disposto no artigo 5.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, conducentes ao preenchimento do mesmo tipo de ilícito várias vezes e que não devam constituir uma única contra-ordenação para os efeitos do n.º 4 do seu artigo 7.º, na redacção introduzida pelo artigo 7.º da Lei n.º 51/2015, de 8 de Junho, não têm que ser reunidos, por essa razão, num único processo nem a falta da sua apensação integra, nesse caso, uma nulidade processual que conduza à declaração de nulidade ou anulação da decisão a final proferida.
II - In casu, as infracções que constituem uma única contra-ordenação para efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 7.º da Lei n.º 26/2006, de 30 de Junho, mostram-se reunidas num único processo de contra-ordenação.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar o recurso judicial de decisões de aplicação de coima improcedente.

Sem custas.

Porto, 23 de Maio de 2024

Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Maria do Rosário Pais