Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00098/24.6BEVIS |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 10/11/2024 |
Tribunal: | TAF de Viseu |
Relator: | RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA |
Descritores: | DEVER DE ADJUDICAÇÃO; CAUSAS DE NÃO ADJUDICAÇÃO; RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL: |
Sumário: | I – Não há lugar à adjudicação nas seguintes situações previstas no n.º 1 do artigo 79.º do CCP, de entre outras, quando circunstâncias supervenientes relativas aos pressupostos da decisão de contratar o justifiquem [alínea d]. II- A lei não faz depender a operacionalidade de tal normação da “não imputabilidade” da ocorrência das circunstâncias supervenientes à Entidade Demandada, exigindo apenas que as mesmas sejam relacionadas com os pressupostos da decisão de contratar e que venham a ocorrer em momento ulterior à abertura concursal. III- Tendo o procedimento concursal visado nos autos sido aberto no pressuposto de enquadramento de financiamento europeu no montante de 1.096.365,26 €, é seguro assumir que a falha deste pressuposto constitui uma circunstância superveniente que contende com a decisão de contratar. IV- Assim sendo, e não se podendo afirmar que, aquando da abertura do procedimento concursal, a Entidade Demandada representasse já a possibilidade da candidatura aos fundos comunitários vir a encerrar antes da adjudicação concursal, inviabilizando, assim, o acesso ao financiamento do Fundo Social Europeu, deve entender-se que se mostra preenchida a previsão contida no artigo 79.º, n.º1, alínea d) do CCP, por existência de circunstâncias supervenientes à decisão de contratar.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Objecto: | Conceder provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos: * * I – RELATÓRIO 1. A COMUNIDADE INTERMUNICIPAL DAS BEIRAS E SERRA DA ESTRELA – CIM - BSE, Ré nos presentes autos de AÇÃO DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL em que é Autora a sociedade comercial [SCom01...], LDA. e Contrainteressadas as sociedades comerciais [SCom02...], LDA. e [SCom03...] - LDA. – MATERIAL EQUIPAMENTO DIDÁCTICO E DE LABORATÓRIO, vem intentar o presente recurso jurisdicional da sentença emanada pelo TAF de Viseu, editada em 03.07.2024, que julgou a presente ação totalmente procedente e, em consequência, anulou o “(…) o despacho do Presidente do Conselho Intermunicipal da Entidade Demandada, datado de 10.01.2024, que decidiu pela não adjudicação e revogou a decisão de contratar procedimento pré-contratual do “Concurso público - aquisição de equipamento informático por lotes inserida na candidatura CENTRO – ...07- 000007 – Capacitação Administração Pública (FSE”), no que respeita ao lote um do concurso (…) [e condenou] a Entidade Demandada retomar o procedimento concursal referido na aliena anterior, no que respeita ao lote um, a partir da fase de audiência prévia dos concorrentes do relatório preliminar do júri em que se encontrava quando foi proferida a decisão de não adjudicação/revogação da decisão de contratar anulada pelo Tribunal (…)”. 2. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) 1. A douta Sentença a quo, salvo o devido respeito, incorre em erro de julgamento e deve ser revogada e substituída por decisão que considere que o acto impugnado foi praticado no estrito respeito pela legalidade. 2. A decisão de não adjudicação / revogação da decisão de contratar colocada em crise nos presentes autos fundamentou-se na impossibilidade, verificada supervenientemente, de obtenção de financiamento da União Europeia para a despesa inerente à execução do contrato em causa. 3. Verificou-se, assim, circunstância superveniente relativa aos pressupostos da decisão de contratar que justificou a não adjudicação (art. 79.º, n.º 1, al. d) do CCP), do lote 1 e do lote 2, e a inerente revogação da decisão de contratar (art. 80.º do CCP). 4. Não se duvida de que o CCP consagra um dever de adjudicação no artigo 76.º, porém, como a Doutrina a Jurisprudência dominantes têm apontado, ele não é absoluto, podendo inclusivamente o interesse público recomendar/impor que as entidades públicas não adjudiquem. 5. Essas hipóteses vêm taxativamente elencadas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 79.º, do CCP, e nesse artigo podem diferenciar-se causas de não adjudicação justificadas por razões de ordem subjetiva, ou seja, que se se prendem com os próprios concorrentes ou com a qualidade das propostas presentadas (cfr. alíneas a), b), e), f) e g) do n.º 1 do art.º79.º do CCP) e causas de não adjudicação justificadas por razões de natureza objetiva, ou seja, determinadas por motivos de interesse público, autónomas dos concorrentes ou da valia técnica e/ou financeira das suas propostas ( cfr. alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 79.º do CCP). 6. Como resulta do Acórdão do TCAN, de 28.06.2019, processo n.º 00744/18.0BECBR, disponível em www.dgsi.pt, a constatação da inexistência de meios financeiros para acudir à despesa gerada pelo contrato, a outorgar na sequência da adjudicação, é fundamento suficiente para, ao abrigo do citado artigo 79.º, n.º 1, al. d), do CCP se decidir (excecionalmente, é certo) pela não realização desta. 7. Nesses casos, por força da inexistência desse financiamento, deve considerar-se que, objectivamente, a entidade adjudicante, e de acordo com o interesse público, perdeu o interesse nas prestações que seriam realizadas ao abrigo do contrato, que, assim, já não será celebrado, dessa forma se protegendo o interesse público. 8. É, pois, inequívoco, no presente caso, o preenchimento da alínea d) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP. 9. O procedimento em apreciação nos autos assentou no pressuposto de que o equipamento a adquirir teria, no que respeito ao seu pagamento, enquadramento para financiamento comunitário, no âmbito da candidatura - ...07 - Capacitação Administração Pública (FSE). 10. Constatou-se, porém, como consta do acto impugnado, que a candidatura havia encerrado no dia 30/09/2023, sem que o procedimento pudesse ter sido concluído até essa data, pelo que as despesas em que a entidade adjudicante iria incorrer, já não seriam passíveis de financiamento. 11. A douta Sentença a quo não deixa de reconhecer que o facto de a Entidade Demandada deixar de contar com verbas externas com que se contava e eram essenciais ao financiamento do projecto pode constituir uma alteração superveniente dos pressupostos da decisão de contratar, nomeadamente quando se demonstre que as mesmas eram essenciais ao financiamento do projecto, indicando o concreto suporte dogmático para essa sua conclusão. 12. Mais reconhece a douta Sentença a quo que, depois de aberto o procedimento e antes de ser praticado o acto de adjudicação, a candidatura aos fundos comunitários veio a encerrar, por ter sido atingida a data de conclusão do projecto. 13. Porém, erradamente, refere a douta Sentença aqui colocada em crise que, considerando os termos conjugados da alínea d) do artigo 3.º e da alínea d) do n.º 7 do artigo 25.º do Decreto-Lei 159/2014 e as disposições da Portaria n.º 60-A/2015, de 2 de Março, o financiamento ainda era possível, no caso de operações financiadas pelo Fundo Social Europeu, pois a data da última factura e a data do último documento que comprova a sua efectiva quitação pode ser apresentada nos 45 dias subsequentes à conclusão da operação. 14. Tal juízo constitui um erro, salvo o devido respeito, pois todas as facturas de despesas a financiar teriam de ser emitidas até ao termo da candidatura, ou seja, até 30/09/2023 (podendo a liquidação, ou seja, o pagamento, este sim, ocorrer 45 dias após essa data). 15. Porém, ainda que fosse possível apresentar a financiamento facturas emitidas após essa data (e dentro dos referidos 45 dias), atendendo ao momento em que se encontrava o procedimento, este prazo de 45 dias jamais seria suficiente para garantir o financiamento, pois não havia condições para celebrar e executar o contrato nesse prazo. 16. Mais refere a douta Sentença a quo que este prazo para apresentação do saldo final era ainda prorrogável para além dos 45 dias subsequentes à data de conclusão da operação caso o promotor formulasse pedido nesse sentido e junto da Autoridade de Gestão. 17. Ora, essa prorrogação, caso pudesse ser pedida, nunca estaria garantida, dependendo de decisão discricionária da Autoridade de Gestão, pelo que, mesmo que o pedido de prorrogação fosse formulado, mais uma vez, o financiamento não estava assegurado. 18. Porém, a verdade é que, no caso vertente, nenhuma prorrogação adicional era possível. 19. No caso concreto, a Autoridade de Gestão já havia decidido que data final de encerramento da candidatura era, derradeiramente, o dia 30/09/2024. 20. Entendeu, assim, erradamente, salvo o devido respeito, a douta Sentença a quo que o pressuposto de facto invocado pela Entidade Demandada para a decisão de não adjudicação – o facto de deixar de ter acesso ao financiamento do FSE para a aquisição do equipamento – não tem verificação na prática, porquanto, no seu entendimento, o encerramento da candidatura não determina a conclusão financeira do operação, sendo que a Entidade Demandada poderia continuar a apresentar referente à despesa realizada no âmbito da candidatura até 45 dias após essa data, prazo esse ainda prorrogável a pedido da Entidade Demandada. 21. A Entidade Demandante praticou o acto impugnado quando percebeu que era impossível cumprir os referidos prazos, concretamente, por se ter criado uma probabilidade objectiva de a contratação em causa não poder beneficiar do financiamento comunitário. 22. Acresce que as considerações da douta Sentença a quo a propósito da suposta possibilidade de aceder ao financiamento em causa 45 dias após o encerramento da candidatura e acerca da forma como a Entidade Demandada conduziu o procedimento são, salvo o devido respeito, manifestamente violadoras dos espaços de valoração próprios da actividade administrativa e, portanto, ilegais. 23. A Entidade Demanda jamais tinha condições para tramitar o procedimento em apreciação nos autos de forma diferente daquela que seguiu. 24. Só a Entidade Demanda, e não o Tribunal (salvo o devido respeito), e sob pena de odiosa dupla administração, estava em condições de avaliar se, mesmo no período de 45 dias contados do encerramento da candidatura, poderia concluir o procedimento e executar o contrato, e se deveria solicitar prorrogações de prazo, que, aliás, diga-se, nunca seriam automáticas, estando dependente de decisão casuística e discricionária da autoridade competente. 25. Ao continuar temerariamente com o procedimento, a Entidade Demandada estaria a cometer grave ilicitude, que, entre outras, poderia dar causa à responsabilização dos decisores públicos, designadamente, em sede penal e, também, no plano da responsabilidade sancionatória e reintegratória junto do Tribunal de Contas. 26. Ao decidir como o fez, alias tecendo considerações sem qualquer suporte factual nos autos, e apenas assentes em presunções, a douta Sentença a quo invadiu a zona de decisão própria da Entidade Demandada. 27. A douta Sentença a quo coloca em causa, salvo o devido respeito, o fundamental princípio da separação de poderes, pois resulta do n.º 1 do art. 3.º do CPTA, preceito que tem por epígrafe «poderes dos tribunais administrativos», que no “… respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua actuação …”. 28. O princípio da separação e interdependência de poderes, que vem enunciado nos arts. 2.º e 111.º da CRP, constitui-se e enuncia-se como referência e limite aos poderes de cognição dos tribunais no exercício da sua função no seio do Estado de Direito (cfr. arts. 202.º, n.º 2 e 203.º da CRP). 29. No caso vertente, a salvaguarda do interesse público competia à Administração, estando o Tribunal impedido, pela Constituição, de intervir. 30. A douta Sentença a quo, salvo o devido respeito, ao não respeitar o acabado de expor, violou o princípio da separação de poderes precipitando o caso vertente para um exemplo de odiosa dupla administração. Normas violadas: alínea d) do n.º 1 do artigo 79º do Código dos Contratos Públicos; n.º 1 do art. 3.º do CPTA; arts. 2.º, 111.º, 202.º, n.º 2 e 203.º da CRP. (…)”. * * 3. Notificada que foi para o efeito, a Recorrida contra-alegou, tendo apresentando para o efeito as seguintes conclusões: “(…) 1. Com a presente ação, a [SCom01...], aqui Recorrida, requereu a anulação do ato administrativo de revogação da decisão de contratar, proferido no Lote 1 do procedimento pré-contratual para “Concurso Público – “Aquisição de equipamento informático, por lotes” que lhe foi notificado no passado dia 24 de janeiro de 2024 (cf. doc. 1 junto com a PI). 2. Em consequência, importa apreciar se, conforme invocou a Recorrida e entendeu o Tribunal a quo, a referida decisão deve ser anulada por não se mostrarem preenchidos os pressupostos legais da alínea d) do n.º 1 do artigo 79º do Código dos Contratos Públicos. 3. A Recorrente determinou a abertura do concurso público tendente à Aquisição de equipamento informático, por lotes, inserida na candidatura - ...07 - Capacitação Administração Pública (FSE) (cf. doc. ínsito no PA a juntar pela Recorrente). 4. O anúncio do procedimento foi publicado em Diário da República, Série II, N.º 132, no dia 22.05.2023 (cf. doc. ínsito no PA junto pela Recorrente). O concurso tinha por objeto a aquisição de equipamento informático, tendo sido dividido em dois Lotes: a) Lote 1 – Equipamento GPS com software de campo e software e gabinete (do tipo ou equivalente) com um preço base de € 92.907,00 (noventa e dois mil novecentos e sete euros); b) Lote 2 – Router 4G Hotspot N150 (do tipo ou equivalente) com um preço base de €838,60 (oitocentos e trinta e oito euros e sessenta cêntimos). 5. A [SCom01...] apresentou, tempestivamente, para o que ora releva, a sua proposta ao LOTE 1, no dia 03.06.2023 (cf. p.a.). 6. No dia 22 de agosto de 2023, foi publicado na plataforma eletrónica o Relatório Preliminar do concurso público melhor identificado em epígrafe (cf. doc. ínsito no PA a juntar pela Recorrente). 7. Inconformada, a [SCom01...] apresentou, no dia 28 de agosto de 2023, a sua pronúncia ao abrigo do direito de audiência prévia, na qual evidenciou que a proposta da [SCom02...], ordenada em 1.º lugar, deveria ter sido excluída por violar “os termos e condições” do procedimento concursal (os equipamentos que propunha fornecer não cumpriam com as especificações técnicas pretendidas e exigidas no CE) e, em consequência, pugnou pela adjudicação da sua proposta, ordenada em 2.º lugar (cf. doc. ínsito no PA). 8. Contudo, e para espanto da Autora, foi esta, no dia 16 de outubro de 2023 (quase dois meses depois da sua audiência prévia) notificada da intenção da Recorrente revogar a decisão de contratar do procedimento précontratual em causa, nos seguintes termos: “O presente procedimento “Aquisição de equipamento informático, por lotes” foi aberto no pressuposto do seu enquadramento para financiamento comunitário, no âmbito da candidatura ...07 – Capacitação Administração Pública (FSE). Constata-se, porém, que a referida candidatura encerrou no dia 30.09.2023, pelo que a aquisição de equipamento ora em questão já não pode beneficiar do referido financiamento. Sem esse financiamento da União Europeia, a entidade adjudicante carece de fundos que permitam proceder aos pagamentos que terão de ocorrer no âmbito da execução do contrato. Verifica-se, assim, circunstância superveniente relativa aos pressupostos da de decisão de contratar que justifica a não adjudicação (artigo 79.º, n.º 1, alínea d) do CCP) do lote 1 e do lote 2.” (cf. doc. ínsito no PA a juntar pela Recorrente). 9. Novamente, inconformada, a [SCom01...] pronunciou-se, no passado dia 23 de outubro de 2023, opondo-se à intenção de revogação da decisão de contratar, por entender (conforme também se demonstrará de seguida) que não se encontravam preenchidos os pressupostos, previstos no artigo 79.º, n.º 1, alínea d) do CCP, que tornassem legal essa decisão (cf. doc. ínsito no PA). 10. Não obstante, e para seu espanto, no passado dia 24 janeiro de 2024, a Recorrente proferiu decisão de revogação da decisão de contratar, decisão com a qual a [SCom01...] não pode concordar e que justifica a proposição da presente ação (doc. 1 anexo à PI). 11. Nos termos do artigo 76.º do CCP, a externalização da decisão de contratar acarreta a constituição de um verdadeiro dever de adjudicação, isto é, o dever de a Entidade Adjudicante praticar os atos necessários a que o procedimento aberto termine com a realização do objetivo a que se propôs – a adjudicação e celebração do contrato. 12. Ora, porque as exigências de unidade e coerência do ordenamento jurídico impõem que os elementos da interpretação sejam empregues de forma harmoniosa, não se pode interpretar a alínea d) do n.º 1 do artigo 79.º, do CCP, à luz da ideia de que, na prática do ato de decisão de não adjudicação, os entes públicos dispõem de consideráveis poderes discricionários. 13. De facto, como veremos, interpretando o preceito em causa e analisando toda a matéria de facto dentro do devido enquadramento, dúvidas não existem de que a decisão de não adjudicação consubstancia um ato excecional e de que, nessa lógica, a interpretação dos preceitos que preveem, de forma taxativa, as causas de não adjudicação jamais podem ser lidos à luz da ideia de que as entidades adjudicantes tomam este tipo de decisão de acordo com critérios não apenas de discricionariedade administrativa, mas também de natureza gestionária. 14. Já que, tal ampla discricionariedade, apenas existe no momento da tomada da decisão de contratar. Ao invés, a partir desse momento, à Entidade Adjudicante resta uma margem de livre apreciação convocada pelos conceitos indeterminados “circunstâncias supervenientes”, mas sempre tendo o dever de adjudicar como “pano de fundo”. 15. Aliás, importa recordar que a decisão de contratar configura um verdadeiro ato constitutivo de direitos e, por isso, à luz dos princípios que inspiram o artigo 167.º do CPA, a sua revogação não pode deixar de estar sujeita a apertados requisitos e não é, por isso, justificada por uma mera reponderação do interesse público (designadamente, das circunstâncias que presidiram à tomada da decisão). 16. Assim sendo, não se pode permitir que, através de meras margens de livre apreciação, a Administração tenha a possibilidade de revogar e encetar procedimentos à luz de uma mera reponderação da forma de prosseguir o interesse público. Caso contrário, estar-se-ia a fazer tábua rasa do elenco taxativo de causas de não adjudicação, das exigências do princípio da legalidade, da tutela da confiança e da boa-fé. 17. No caso sub judice, a Recorrente vem fundamentar a decisão de não adjudicação e, consequentemente, a revogação da decisão de contratar com base na alínea d) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP. 18. No despacho homologado pela Recorrente, podem ler-se os motivos que fundamentam esta decisão; contudo tais justificações não são válidas nem tem cabimento no âmbito de aplicação objetivo da norma supra citada. Vejamos. 19. De facto, a presente norma só pode ser invocada e aplicada em casos em que, por razões supervenientes e objetivas, deixa de fazer sentido que a entidade adjudicante celebre o contrato, “em razão de uma insusceptibilidade superveniente do negócio projetado para satisfação da necessidade coletiva que inicialmente justificou a decisão de contratar”. 20. Por isso, a lei é particularmente exigente relativamente às razões admitidas para a não adjudicação das propostas, com fundamento na alínea d). 21. Na verdade, essa perda do interesse em contratar só pode ser justificada por uma verdadeira alteração dos pressupostos que haviam justificado a decisão de contratar, sendo ilegal qualquer revogação da decisão de contratar que assente numa “mera reavaliação subjetiva das suas [da Entidade Adjudicante] prioridades ou necessidades – por outras palavras, não pode resultar de uma simples mudança de opinião quanto à bondade de celebrar o contrato”. 22. Estamos assim a falar de situações em que por circunstâncias supervenientes passa a ser objetivamente inútil àquela Entidade Adjudicante celebrar aquele contrato, por exemplo, o facto de ter anunciado a intenção de celebrar um contrato de empreitada para obras de beneficiação de um edifício não pode obrigar uma Entidade Adjudicante a celebrar o contrato, se entretanto o edifício ruiu por efeito de um terramoto; da mesma forma, a Entidade Adjudicante não será obrigada a celebrar um contrato de prestação de serviços de manutenção de um elevador se o elevador pereceu devido a um incêndio. 23. Ora no caso em concreto, não se verificou nenhuma situação objetiva superveniente que tenha alterado a necessidade e o interesse da Recorrente em celebrar o presente contrato, por vários motivos. 24. Em primeiro lugar porque, a ser como a Recorrente alega, quando lançou o presente procedimento précontratual, já tinha plena consciência de que o concurso público precisava de terminar antes da referida data de 30 de setembro, sob pena de perda de acesso aos fundos comunitários – o que foi devidamente relevado pelo Tribunal a quo. 25. Ou seja, se a Recorrente lançou o presente procedimento, tendo em vista o seu pagamento através de fundos comunitários (o que nem sequer se pode retirar com certeza da decisão de contratar, conforme infra explicaremos), então daí só pode concluir-se que, nessa data, esta bem sabia dos trâmites e prazos inerentes à sua candidatura, não podendo, desde logo por aí, apresentar essa justificação como sendo constitutiva de um “facto superveniente” - aliás, isso mesmo decorre da decisão de contratar. 26. O mesmo significa dizer que, desde o momento em que promoveu o presente concurso público, a Demandada conhecia “as regras do jogo”, ou seja, já sabia que se queria adquirir equipamento informático com recurso a financiamento comunitário proveniente daquela candidatura, então teria de ter o procedimento concluso até ao término dessa candidatura, ou seja, até 30 de setembro de 2023 (e, caso isso não fosse possível, sempre teria de delinear outras hipóteses, como, por exemplo, pedir a prorrogação do prazo ou arranjar financiamento próprio). 27. Em consequência, não foi apenas mais tarde que a Demandada se apercebeu do quadro fáctico supra descrito, o mesmo é dizer que não houve qualquer alteração superveniente aos pressupostos que haviam justificado a decisão de contratar – não existindo nenhum facto superveniente que possa justificar a não adjudicação e a revogação da decisão de contratar proferidas e que ora se impugnam. 28. Ao que acresce referir que o presente procedimento decorreu já da anulação de um procedimento anterior ilegal, a 21 de novembro de 2022 e que, apesar de estarem conscientes dos prazos que tinham de cumprir para poder obter financiamento comunitário, a Demandada apenas a 22 de maio de 2023 lançou este novo procedimento, ou seja, despendeu mais de 6 meses para o fazer! 29. Para além disso, mesmo após o lançamento do procedimento, a Demandada não atuou com a diligência devida, mormente não conduziu de forma célere o presente procedimento, pois, as propostas foram entregues no início de junho e, só em finais de agosto, foi proferido relatório preliminar (tendo demorado o júri do procedimento praticamente 2 meses a analisar 5 propostas, três relativas ao Lote 1 e duas relativas ao Lote 2!!). 30. Da mesma forma que, apresentadas as pronúncias em sede de audiência prévia, o júri demorou mais de 1 mês e meio para tomar a referida decisão de não adjudicação e de revogação da decisão de contratar. 31. Em consequência, a demora na condução do procedimento (e a eventual perda de financiamento comunitário), deve-se à conduta negligente da Recorrente (e do júri do procedimento), pela qual os concorrentes deste concurso público nunca poderiam ter vindo (nem podem) ser prejudicados – o que, mais uma vez, foi reconhecido na sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo. 32. E, importa ainda referir que, mesmo ciente de toda esta demora, a Recorrente não procurou, junto da entidade europeia, prorrogar o prazo de financiamento, nem sequer arranjar uma solução alternativa que pudesse mitigar a sua conduta. 33. De facto, da análise da documentação disponibilizada pela Recorrente facilmente se pode concluir que esta dispunha, efetivamente, de possibilidade de prorrogar o financiamento comunitário requerido. 34. Veja-se como, inicialmente, a sua candidatura foi aprovada em maio de 2021, com uma duração prevista de 24 meses (cfr. doc. 2 junto com a PI). 35. E, como, em janeiro de 2023, a Recorrente solicitou a reprogramação financeira e temporal da sua candidatura, tendo o prazo da mesma sido estendido até ao dia 30 de setembro de 2023 (cfr. doc. 3 junto com a PI), ou seja, por mais 4 meses (perfazendo um total de 28 meses, ao invés dos 24 iniciais). 36. Contudo, do mesmo documento se pode ler que, na verdade, o período de prorrogação do financiamento comunitário podia ir até (mas sem ultrapassar) aos 36 meses. 37. O mesmo significa dizer que a Recorrente poderia ter solicitado uma prorrogação do financiamento comunitário que lhe havia sido atribuído e que o mesmo poderia estender-se, até ao limite de 36 meses a contar da aprovação da sua candidatura, ou seja, até abril de 2024!! 38. Período que seria mais do que razoável para que a Recorrente pudesse concluir o presente procedimento e adjudicar a proposta da aqui Autora. 39. Contudo e apesar de lhe incumbir essa obrigação de o fazer (conforme já dissemos decorrer, nomeadamente do artigo 36.º do CCP), a Recorrente nada fez, tendo optado, ao invés, por revogar ilegalmente o presente procedimento, decisão que ora se impugna. 40. E, ao contrário do que a Recorrente afirma e tenta provar com o documento ora junto ao recurso interposto, daí não resulta a impossibilidade de ser pedida a prorrogação de prazo do financiamento comunitário. Pelo contrário, do documento resulta que, excecionalmente, o financiamento comunitário concedido pode ser prorrogado até ao prazo de 36 meses: 41. Acresce que, não conseguindo, a referida prorrogação do prazo, como bem se explica na sentença proferida pelo Tribunal a quo, decorre do artigo 10.º da Portaria 60-A/2015, de 2 de março, aplicável às operações apoiadas pelo FSE - Fundo Social Europeu (como é o caso do financiamento subjacente a estes autos) que “Sem prejuízo dos períodos de elegibilidade fixados nos n.ºs 4, 5, 6 e 8 do artigo 15.º Decreto-Lei n.º 159/2014, de 27 de outubro, no caso das operações co-financiadas pelo FSE, o período de elegibilidade das despesas está compreendido entre os 60 dias úteis anteriores à data da apresentação da candidatura e os 45 dias úteis subsequentes à data da conclusão da operação que constituem a data limite para apresentação do saldo final”. 42. O que quer dizer que, no caso de operações financiadas pelo Fundo Social Europeu – como era o caso da candidatura em causa – a data da última fatura e a data do último documento que comprova a sua efetiva quitação pode ser apresentada nos 45 dias subsequentes à conclusão da operação. 43. Ou seja, no caso das operações financiadas pelo FSE, o termo financeiro do investimento não coincide com a data de conclusão da operação, sendo que o beneficiário poderá apresentar despesas pagas pelo beneficiário nos 45 dias úteis subsequentes após a conclusão física da operação (mediante a apresentação da factura e respectivo recibo de quitação). 44. Mais, este prazo para apresentação do saldo final é ainda prorrogável para além dos 45 dias subsequentes à data de conclusão da operação caso o promotor formule pedido nesse sentido e junto da Autoridade de Gestão, o que implica que sejam elegíveis a despesa realizada e paga até nova data fixada para a apresentação do saldo final, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 10º da Portaria n.º 60-A/2015, de 2 de março. 45. Dito de outro modo, e ao contrário do alegado pela Recorrente, com a conclusão da operação que se verificou a 30.09.2023, esta não perdeu o acesso ao financiamento do FSE, dado que poderia continuar a apresentar as facturas correspondentes às despesas realizadas nos 45 dias posteriores à conclusão da candidatura, continuando a ser elegíveis e a merecer o financiamento comunitário. 46. Daí se conclui que o pressuposto de facto invocado pela Recorrente para a decisão de não adjudicação – o facto de deixar de ter acesso ao financiamento do FSE para a aquisição do equipamento – não tem verificação na prática, porquanto o encerramento da candidatura não determina a conclusão financeira do operação, sendo que esta poderia continuar a apresentar referente à despesa realizada no âmbito da candidatura até 45 dias após essa data, prazo esse ainda prorrogável a pedido da Entidade Demandada. 47. E, portanto, a Recorrente não pode dizer que esta hipótese não era viável, pois atento o objeto do contrato e a sua duração (30 dias), bem que teria sido possível executar o contrato. 48. Aliás, é a própria Recorrente que transcreve o ponto 16 do Aviso, onde se pode ler, precisamente que: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] 49. Em consequência, a própria argumentação da Recorrente, constante das suas alegações de recurso, é incoerente – pois num primeiro momento diz que não seria possível apresentar as despesas resultantes da operação em questão, após a data de término do financiamento; contudo, logo a seguir, vem transcrever a ideia exatamente contrária – corroborando aquilo que foi, e bem, explicado pelo Tribunal a quo. 50. Ainda assim, caso isso não fosse efetivamente possível, reitera-se o anteriormente dito: essa impossibilidade de execução contratual deve-se à conduta demorada e negligente da Recorrente e nunca a factos supervenientes objetivos. 51. De facto, e independentemente da viabilidade das hipóteses lançadas pela Recorrida e pelo próprio Tribunal a quo, a verdade é que o objeto da presente ação é mais restrito do que isso: visa avaliar a legalidade da revogação da decisão de contratar, mormente se os pressupostos constantes da alínea d), do n.º 1 do artigo 79.º do CCP estavam verificados – o que, como resulta sobejamente dos factos provados e da sentença proferida pelo Tribunal a quo, não se verifica. 52. E, por fim, acresce ainda referir que, apesar do fundamento alegado pela Recorrente para a prolação das decisões de não adjudicação e de revogação da decisão de contratar radicar na falta de financiamento comunitário para pagamento dos bens a adquirir, a bem da verdade, isso nem sequer decorre literalmente assim dos pressupostos da decisão de contratar. 53. De facto, e da análise da decisão de contratar resulta: (i) que a presente despesa já tinha sido cabimentada no orçamento da Entidade Adjudicante e que (ii) a presente despesa teria de ser efetuada durante o ano de 2023 e não apenas até 30.09.2023: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] 54. Acresce que, apesar de se referir a uma candidatura, a Recorrente não faz referência direta aos fundos comunitários, antes afirma que (a própria) dispõe de fundos para pagar a despesa inerente a este procedimento: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] 55. Pelo que, da análise da decisão de contratar, torna-se ainda mais incompreensivel o argumento avançado pela Recorrente, nomeadamente da necessidade de revogação do presente procedimento pela inexistência de fundos comunitários para o suportar (que, pelos vistos e como a própria afirmou, nem sequer eram estritamente necessários). 56. Em consequência, nunca os pressupostos supra referidos pelo Tribunal se poderiam verificar no caso sub judice, pois: a. A Recorrente já sabia, de antemão, os prazos de execução do financiamento comunitário que lhe tinham sido fixados e que tinha de cumprir; b. A Recorrente já sabia, de antemão, que podia solicitar a prorrogação desses prazos, até ao limite de 36 meses (o que não o fez); c. A Recorrente provavelmente nem o fez porque, como também afirmou na decisão de contratar, tinha recursos próprios que lhe permitiam suportar os custos com o presente procedimento pré-contratual. 57. Assim, perante tudo o que foi supra exposto, só pode concluir-se que inexistem quaisquer alterações objetivas nos pressupostos da decisão de contratar que justificam a sua revogação, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 79.º - o que determina a ilegalidade da revogação da decisão de contratar que aqui se impugna. 58. E, por fim, sempre se diga que, ao tomar esta posição, o Tribunal a quo não violou o princípio da separação de poderes – pois, o mesmo limitou-se a averiguar se estavam ou não preenchidos os pressupostos legais, constantes da alínea d) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP, para a Recorrente revogar a decisão de contratar. Ou seja, se existiam ou não circunstâncias objetivas e supervenientes que pudessem sustentar a legalidade da decisão tomada pela Recorrente – e, até se diga, de forma grosseira, não pode senão concluir-se que esses pressupostos, no caso sub judice, não estavam preenchidos – pois, reitera-se, a Recorrente sabia desde 2021 (!!!) da data de término do financiamento comunitário inerente a este procedimento. 59. Em consequência, de modo algum, a possibilidade de perda do referido financiamento era desconhecida da Recorrente – que tendo, aliás, plena consciência disso mesmo, deveria ter acautelado essa situação (de perda de financiamento comunitário), ao invés de a negligenciar. 60. De facto, o Tribunal a quo não entrou na zona de discricionariedade da Recorrente, pois, conforme a própria reconheceu nas suas alegações, a decisão de contratar constitui as Entidades Adjudicantes no dever de conduzirem os procedimentos pré-contratuais até ao fim – e, neste caso, o Tribunal a quo limitou-se a analisar, objetivamente, se os pressupostos legais para o não cumprimento desse dever, previstos na alínea d) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP, se encontravam ou não preenchidos. 61. De facto, em casos como o presente, conforme já referido, a discricionariedade apenas existe no momento da tomada da decisão de contratar. Ao invés, a partir desse momento, à Entidade Adjudicante resta uma margem de livre apreciação convocada pelos conceitos indeterminados “circunstâncias supervenientes”, mas sempre tendo o dever de adjudicar como “pano de fundo”. 62. No mais, as considerações trazidas pela Recorrente nas suas alegações (ser uma microestrutura, dispor de poucos recursos humanos,…) são irrelevantes – pois, também, a Recorrente já estava ciente dessas mesmas condições, quando lançou a referida decisão de contratar – não sendo as mesmas supervenientes, para efeitos de revogação da decisão de contratar. 63. Aliás, na verdade, a Recorrente nunca alegou semelhantes argumentos para justificar a revogação da decisão de contratar deste procedimento (porque bem sabe, no fundo, que em nada justificam a ilegalidade cometida), não podendo vir agora, em sede de alegações de recurso, trazer novos argumentos que, em momento algum (inclusive, na própria decisão de revogação), invocou ou sequer comprovou – sob pena de violação do princípio do dispositivo. 64. Por fim, e ao contrário do que a Recorrente vem alegar, veja-se que o Tribunal a quo não interveio na relação da Recorrente com as entidade financiadoras, nem proferiu qualquer decisão (nem o poderia fazer, naturalmente) sobre se a Recorrente devia ou não ter pedido a prorrogação do prazo de execução de candidaturas. 65. Reitera-se: o Tribunal a quo limitou-se a apreciar a verificação dos pressupostos legais para a revogação da decisão de contratar que, neste caso, não se encontram preenchidos, pois em momento algum surgiu, ao longo deste procedimento, um facto superveniente e objetivo que o pudesse justificar – o que implica a ilegalidade da decisão aqui impugnada e a procedência da presente ação. (…)”. * 4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida. * 5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no n.º1 do artigo 146.º do C.P.T.A. *
* 6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta. * * II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR 7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA. 8. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir consiste em saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente aresto, incorreu em erro de julgamento de direito, por violação da normação contida na “(…) alínea d) do n.º 1 do artigo 79º do Código dos Contratos Públicos; n.º 1 do art. 3.º do CPTA; arts. 2.º, 111.º, 202.º, n.º 2 e 203.º da CRP (…)” 9. É na resolução de tal questão que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar. * * III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 10. A matéria de facto pertinente é a dada como provada na sentença «sub censura», a qual aqui damos por integralmente reproduzida, como decorre do art.º 663.º, n.º 6, do CPC. * * * * IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO 11. A Autora intentou a presente ação de contencioso pré-contratual, peticionando o provimento do presente meio processual por forma a: “(…) a) Ser anulado o ato administrativo praticado pelo Presidente do Conselho Intermunicipal da Entidade Demandada notificado a 24.01.2024 que revogou a decisão de contratar do procedimento “Concurso Público – “Aquisição de equipamento informático, por lotes”, por o mesmo ser ilegal e não preencher os pressupostos inerentes à alínea d), do n.º 1 do artigo 79.º do CCP; e, em consequência, b) Ser a Entidade Demandada condenada a retomar o procedimento pré-contratual e a ser proferido novo relatório preliminar e, em especial, novo ato de adjudicação que preveja a exclusão da proposta da Contrainteressada [SCom02...] e a adjudicação da proposta da aqui Autora, por ser a economicamente mais vantajosa; e c) Ser fixado um prazo razoável para o cumprimento das determinações contidas na sentença (…)”. 12. Estribou a formulação de tais pretensões jurisdicionais no entendimento de que o ato impugnado - despacho do Presidente do Conselho Intermunicipal da Entidade Demandada notificado a 24.01.2024 que revogou a decisão de contratar do procedimento “Concurso Público – “Aquisição de equipamento informático, por lotes” - violava a disciplina jurídica contida na alínea d) do nº.1 do artigo 79º do CCP, impondo-se, por isso, a sua desintegração jurídica e, dessa sorte, a condenação da Entidade a retomar o procedimento concursal com todas as consequências processuais. 13. O T.A.F. de Viseu, como se sabe, validou este entendimento, tendo julgado totalmente procedente a presente ação. 14. Retenhamos o sentido da decisão do T.A.F. de Viseu expresso nos seguintes excertos: ”(…) Nos presentes autos está em causa a despacho do Presidente do Conselho Intermunicipal, datado de 10.01.2024, mediante o qual a Entidade Demandada decidiu que não haveria lugar à adjudicação e revogou a decisão de contratar proferida, invocando para tanto a ocorrência de alteração superveniente dos pressupostos da decisão de contratar, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 79º do Código dos Contratos Públicos. Compulsado o acto impugnado (transcrito na alínea m) do probatório) para fundamentar a decisão de não adjudicação invoca que o procedimento foi aberto no pressuposto do seu enquadramento comunitário no âmbito da candidatura ...07-000007Capacitação Administração Pública (FSE). Acontece, porém, que a candidatura encerrou a 30.09.2023, pelo que já não pode beneficiar do referido financiamento, sem o qual a Entidade Demandada carece de fundos que permitam proceder aos pagamentos que terão de ocorrer no âmbito da execução do contrato. Ora, a Autora considera que tal circunstância não pode ser considerada uma circunstância supervenientes relativa aos pressupostos de contratar que justiça a não adjudicação à luz da alínea d) do n.º 1 do artigo 79º do Código dos Contratos Públicos. Como resulta da alínea a) do probatório, a decisão de contratar foi tomada tendo em vista a aquisição de equipamento informático inserida no âmbito da candidatura “...07-Capacitação Administração Pública”, no qual estava incluída despesa no valor total elegível de € 1.289.841,48, no qual está incluída uma rubrica para aquisição de bens móveis e equipamentos no montante € 233.634,32 (rubrica 14). A candidatura tinha por objectivo dar aos Municípios que integram a Entidade Demandada as condições mínimas necessárias de modernidade e capacidade técnica, para que os proprietários identifiquem e registem os seus prédios através do sistema de informação cadastral simplificado e do procedimento de representação gráfica georeferenciada. É indubitável que os equipamentos a adquirir pela Entidade Demandada inseridos no lote 1 - equipamento GPS com software de campo e software de gabinete –destinam-se precisamente a auxiliar a execução dos objectivos da candidatura, nomeadamente para permitir a georreferenciação dos prédios e inscrição do sistema de informação cadastral O financiamento do Fundo Social Europeu representa 85% do valor elegível, o que quer dizer que a contribuição do fundo representa o montante total de € 1.096.365,26 sendo que só o restante - no montante de € 193.476,22 – constitui contrapartida nacional a suportar pelo orçamento da própria Entidade Demandada. Ora, estando a aquisição do equipamento do procedimento em causa nos autos inserido em tal candidatura, a conclusão que podemos retirar é que a aquisição dos equipamentos iria ser suportada por fundos comunitários em 85% do respectivo valor, sendo o restante um encargo da própria entidade. Ora, a Entidade Demandada alega que a candidatura encerrou a 30.09.2023, sendo que a aquisição do equipamento deixou de poder beneficiar do referido financiamento e, nessa medida deixou de ter à sua disposição os fundos necessários para proceder aos pagamentos que irão ocorrer no âmbito da execução do contrato- o que no seu entendimento constitui uma alteração superveniente dos pressupostos da decisão de contratar. Ou seja, o pressuposto financeiro em que baseava a decisão de contratar - nomeadamente o acesso aos fundos comunitários, com base numa candidatura previamente aprovada e que financiava em grande medida a aquisição daqueles equipamentos –deixou de se verificar posteriormente a abertura do procedimento e apresentação das propostas por parte dos concorrentes. A doutrina vem reconhecendo que o facto de a Entidade Demandada deixar de contar com verbas externas com que se contava e eram essenciais ao financiamento do projecto pode constituir uma alteração superveniente dos pressupostos da decisão de contratar, nomeadamente quando se demonstre que as mesmas eram essenciais ao financiamento do projecto (cfr. nesse sentido, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira in Concursos e Outros procedimentos de Contratação Pública, Almedina, Coimbra, 2011, pag. 1049 e seguintes). Veja-se ainda no mesmo sentido João Amaral e Almeida e Pedro Fernández Sánchez (in Abertura do procedimento pré-contratual e dever de adjudicação in Temas da Contratação Pública, I, Coimbra Editora, 2011, pag. 275), os quais referem que: Uma entidade adjudicante, apesar de não ter meios próprios suficientes para financiar a execução de um dado contrato, dá início ao procedimento para a sua formação por estar segura de que a execução desse contrato será sustentada [na maioria] pelo exterior, só que antes da adjudicação, é informada da perda do financiamento - O legislador ao prever esta situação pretendeu nas palavras de “habilitar a entidade adjudicante a reponderar e, se necessário, a reformular a sua decisão perante a eventual alteração dos pressupostos que justificaram a prévia decisão de contratar”. Na mesma linha “desde que, à partida, no momento da avaliação dos interesses públicos que subjazem à prática do acto propulsivo do procedimento se verificasse efectivamente o pressuposto de que a execução do contrato seria (pelo menos parcialmente) objecto de financiamento externo (…) constituirá uma circunstância superveniente que colidirá com os pressupostos da decisão de contratar (…) constituindo uma causa de não adjudicação (…) implicando reflexa e implicitamente uma decisão de revogar a decisão de contratar” É certo que depois de aberto o procedimento e antes de ser praticado o acto de adjudicação, a candidatura aos fundos comunitários veio a encerrar, por ter sido atingida a data de conclusão do projecto. No entanto, ao contrário do que alega a Entidade Demandada, o facto de se ter atingido a data de conclusão do projecto, não implica e a perda do financiamento associado à candidatura. No que respeita às operação financiadas pelo Fundo Social Europeu, como é o caso da candidatura em causa nos autos, a duração da operação é estabelecida pela data de início físico da primeira acção ou actividade prevista no respectivo cronograma de execução da operação e a data de conclusão da operação que consta do cronograma aprovado como data final para a realização da sua última acção, conforme resulta, respectivamente, dos termos conjugados da alínea d) do artigo 3.º e da alínea d) do n.º 7 do artigo 25.º do Decreto-Lei 159/2014, diploma que estabelece as regras gerais de aplicação dos programas operacionais e dos programas de desenvolvimento rural financiados pelos fundos europeus estruturais e de investimento, para o período de programação 2014-2020. São ainda aplicáveis as disposições da Portaria n.º 60-A/2015, de 2 de Março, que estabelece o regime jurídico específico do Fundo Social Europeu (FSE) aplicável às operações apoiadas por este fundo em matéria de elegibilidade de despesas e custos máximos, bem como regras de funcionamento das respectivas candidaturas, em execução do Decreto-Lei n.º 159/2014, de 27 de Outubro. Decorre do artigo 10º desta Portaria que “Sem prejuízo dos períodos de elegibilidade fixados nos n.os 4, 5, 6 e 8 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 159/2014, de 27 de Outubro, no caso das operações co-financiadas pelo FSE, o período de elegibilidade das despesas está compreendido entre os 60 dias úteis anteriores à data da apresentação da candidatura e os 45 dias úteis subsequentes à data de conclusão da operação que constituem a data limite para a apresentação do saldo final, em conformidade com a alínea d) do n.º 7 do artigo 25.º do mesmo diploma.” O que quer dizer que, no caso de operações financiadas pelo Fundo Social Europeu – como era o caso da candidatura em causa – a data da última factura e a data do último documento que comprova a sua efectiva quitação pode ser apresentada nos 45 dias subsequentes à conclusão da operação. Ou seja, no caso das operações financiadas pelo FSE, o termo financeiro do investimento não coincide com a data de conclusão da operação, sendo que o beneficiário poderá apresentar despesas pagas pelo beneficiário nos 45 dias úteis subsequentes após a conclusão física da operação (mediante a apresentação da factura e respectivo recibo de quitação). Mais, este prazo para apresentação do saldo final é ainda prorrogável para além dos 45 dias subsequentes à data de conclusão da operação caso o promotor formule pedido nesse sentido e junto da Autoridade de Gestão, o que implica que sejam elegíveis a despesa realizada e paga até nova data fixada para a apresentação do saldo final, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 10º da Portaria n.º 60-A/2015, de 2 de Março Dito de outro modo, e ao contrário do alegado pela Entidade Demandada, com a conclusão da operação que se verificou a 30.09.2023, a Entidade Demandada não perdeu o acesso ao financiamento do FSE, dado que poderia continuar a apresentar as facturas correspondentes às despesas realizadas nos 45 dias posteriores à conclusão da candidatura, continuando a ser elegíveis e a merecer o financiamento comunitário. Daí se conclui que o pressuposto de facto invocado pela Entidade Demandada para a decisão de não adjudicação – o facto de deixar de ter acesso ao financiamento do FSE para a aquisição do equipamento – não tem verificação na prática, porquanto o encerramento da candidatura não determina a conclusão financeira do operação, sendo que a Entidade Demandada poderia continuar a apresentar referente à despesa realizada no âmbito da candidatura até 45 dias após essa data, prazo esse ainda prorrogável a pedido da Entidade Demandada. Assim sendo, nada impedia a Entidade Demandada de praticar o acto de adjudicação sem que daí resultasse a perda de financiamento associado à candidatura, pelo que haverá que considerar que os fundamentos invocados pela Entidade Demandada para a decisão de não adjudicação não se verificam na realidade, o que determina a anulação do acto por vício de violação da alínea d) do n.º 1 do artigo 79º do Código dos Contratos Públicos, por erro nos pressupostos de facto. Acrescente também, tal como alega a Autora, o encerramento da operação era uma circunstância previsível e do conhecimento da Entidade Demandada quando lançou o procedimento de contratação aqui em causam, não tendo em causa um facto verdadeiramente superveniente. Note-se que a aprovação da operação pela Autoridade de Gestão ocorreu a 04.05.2021, e iniciou a sua execução – ou seja, mais de dois anos antes da decisão de abertura do procedimento, e já nessa data era conhecida por parte da Entidade Demandada a data em que deveria ocorrer o encerramento da operação. No entanto, embora sabedora desse prazo, a Entidade Demandada só lançou o procedimento em 22.05.2023 e não obstante as propostas terem sido entregues no início de Junho só em finais de Agosto foi proferido um relatório preliminar – tudo isto depois de ter apresentado perante a Entidade Demandada um pedido de alteração à candidatura tendo em vista prorrogar a data final da operação para 30.09.2023. Também é de assinalar que o termo de aceitação foi assinado pelo Entidade Demandada a 6.05.2021, pelo que há muito há muito que a Entidade Demandada sabia da necessidade de lançar o procedimento para a aquisição dos equipamentos incluídos na mesma e estava ciente da data de encerramento da operação. Não obstante, só curou abrir o concurso público tendo em vista a aquisição dos equipamentos já em data próxima da data de conclusão da operação, o que representa uma atitude temerária e negligente, tanto mais que é sabido que os procedimentos de contratação pública nem sempre são lineares e são sujeitos a incidentes que podem prolongar a respectiva duração. Ora, apesar de ser do seu conhecimento a data de encerramento (físico) da operação aquando a abertura do procedimento de concurso público, não actuou com a diligência devida, por não ter conduzido de forma célere o presente procedimento, pelo que a “perda de financiamento” que alega na decisão só a si é imputável não podendo os concorrentes serem prejudicados por esse facto. Daqui se retira a conclusão que, caso o encerramento da operação determinava o fim de acesso aos fundos comunitários (que como vimos supra nem sequer é o caso) tal constituía um acto certo e previsível por parte da Entidade Demandada, pelo que perda de financiamento só a si seria imputável por não ter dado o devido andamento ao procedimento de contratação pública na janela temporal de mais de dois anos que dispunha para o fazer. Dito de outro modo, esta circunstância da existência de um prazo de conclusão da candidatura é uma circunstância que iria acontecer com (absoluta) certeza– por ser inerente às próprias regras da candidatura – pelo que na verdade não está em causa uma alteração superveniente com a qual a entidade adjudicante não poderia contar, mas sim circunstância que iria verificar-se com elevado grau de certeza e de que era do seu conhecimento à data em que tomou a decisão de contratar. Deste modo, não é sequer aplicável a alínea d) do n.º 1 do artigo 79º do Código dos Contratos Públicos, porquanto esta não abrange as circunstâncias que iriam certamente verificar-se ou que a probabilidade de verificação era elevada. Nestes termos, ocorre o vício de violação da lei por erro nos pressupostos de factos, o que acarreta a anulação da decisão de não adjudicação ora impugnada no que respeita ao lote 1, que foi o único a que a Autora apresentou proposta. Prossegue a Autora pedindo que deve ser Entidade Demandada condenada a prosseguir o procedimento e proferir o acto no sentido de adjudicação da proposta da Autora por considerar que a proposta da Contra-interessada “[SCom02...]” deve ser excluída por apresentar termos e condições que violam aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência, designadamente no que se refere às características do equipamento a fornecer. Contudo não pode o tribunal praticar um acto com a amplitude pretendida pela Autora. Estabelece o artigo 71º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos que quando esteja em causa a condenação à prática do acto devido, o Tribunal não se deve limitar a devolver a questão ao órgão competente, mas deve pronunciar-se sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do acto devido. No entanto, como decorre do n.º 2 do artigo 71º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos “Quando a emissão do acto pretendido envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa e a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas uma solução como possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo do acto a praticar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do acto devido”. A avaliação das propostas é matéria que se inclui no âmbito da discricionariedade técnica da Administração, não podendo o Tribunal substituir a Entidade Demandada na tarefa de avaliar e graduar a proposta apresentada pela Autora de acordo com o critério de adjudicação (sem prejuízo do seu posterior controlo pelo Tribunal). Do mesmo modo, é à Entidade Demandada, nomeadamente ao júri do procedimento, que cabe proceder à análise das propostas e excluir aquelas cuja análise revele a existência de qualquer causa de exclusão previstas no Código dos Contratos Públicos, não podendo o Tribunal substituir-se ao júri na execução dessa tarefa. É que a decisão de não adjudicação foi proferida após o júri ter elaborado o relatório preliminar (no qual foi proposta a adjudicação do lote 1 à proposta apresentada pela Contra-Interessada [SCom02...] atendendo o critério de adjudicação fixado no procedimento) e notificadas as concorrentes para se pronunciarem em sede de audiência prévia, tendo em sido emitida pronúncia pela Autora na qual esta pediu a exclusão da proposta da Contra-Interessada [SCom02...]. Após tal momento, a entidade adjudicante elaborou proposta de decisão de não adjudicação ao abrigo das alíneas d) do nº 1 do artigo 79º do Código dos Contratos Públicos, e a consequente revogação da decisão de contratar nos termos do artigo 80º do mesmo Código, a qual foi sujeito à audiência dos interessados, findo o qual foi proferida a decisão de não adjudicação e revogação da decisão de contratar. O que vale por dizer que no procedimento não havia sido praticado qualquer acto de exclusão ou de admissão de propostas, havendo apenas uma proposta do júri, constante do relatório preliminar, que deliberou admitir todas as propostas e procedeu à respectiva ordenação segundo o critério de adjudicação, nos termos do artigo 146º do Código dos Contratos Públicos. Ademais, depois de cumprida a audiência prévia relativamente ao relatório preliminar cabe ainda ao júri elaborar um relatório final fundamentado, no qual “…pondera as observações dos concorrentes efectuadas ao abrigo do direito de audiência prévia, mantendo ou modificando o teor e as conclusões do relatório preliminar, podendo ainda propor a exclusão de qualquer proposta se verificar, nesta fase, a ocorrência de qualquer dos motivos previstos no n.º 2 do artigo 146º” (cfr. artigo 148º nº 1 do Código dos Contratos Públicos). Sendo que sempre seja de propor, com base nas pronúncias entretanto emitidas em sede de audiência prévia, seja a exclusão de uma outra proposta ou a alteração da ordenação das propostas, deve o júri proceder a nova audiência prévia (cfr. n.º 2 do artigo 148º do Código dos Contratos Públicos). Cabendo a palavra final ao órgão competente para a decisão de contratar, que é a quem cabe decidir sobre a aprovação de todas as propostas contidas no relatório final, nomeadamente para efeitos de adjudicação (cfr. artigo n.º 3 e 4 do artigo 148º do Código dos Contratos Públicos). Tratando-se, como se trata, de um procedimento pré-contratual de concurso público, a procedência do pedido impugnatório formulado na acção, com anulação daquela decisão administrativa, que fez extinguir, sem causa justificativa, o procedimento, apenas podia ter como consequência que deva ser retomado o procedimento a partir do ponto em que se encontrava, dado que o Tribunal não se pode substituir ao júri na tarefa de análise e avaliação de propostas por envolver formulações próprias da actividade administrativa- Assim, cabe condenar apenas a Entidade Demandada a retomar o procedimento concursal a partir da fase de audiência prévia dos concorrentes em que se encontrava quando foi proferida a decisão de não adjudicação, o que o Tribunal determinará a final (veja-se nesse sentido o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 28.06.2019, processo n.º 00744/18.0BECBR, que aqui se segue de muito perto) (…)”. 15. Examinado o horizonte argumentativo que se vem de transcrever, é, para nós, absolutamente cristalino que o Tribunal a quo escorou a procedência da pretensão impugnatória formulada nos autos no entendimento nuclear que o ato impugnado incorreu em vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, porquanto (i) o “(…) pressuposto de facto invocado pela Entidade Demandada para a decisão de não adjudicação – o facto de deixar de ter acesso ao financiamento do FSE para a aquisição do equipamento – não tem verificação na prática, porquanto o encerramento da candidatura não determina a conclusão financeira do operação, sendo que a Entidade Demandada poderia continuar a apresentar referente à despesa realizada no âmbito da candidatura até 45 dias após essa data, prazo esse ainda prorrogável a pedido da Entidade Demandada (…)” e ainda porque (ii) “(…) o encerramento da operação era uma circunstância previsível e do conhecimento da Entidade Demandada quando lançou o procedimento de contratação aqui em causam, não tendo em causa um facto verdadeiramente superveniente (…)”. 16. Já quanto à pretensão condenatória, aflora com insofismável nitidez que o Tribunal a quo estribou-se na ponderação de que “(…) a procedência do pedido impugnatório formulado na acção, com anulação daquela decisão administrativa, que fez extinguir, sem causa justificativa, o procedimento, apenas podia ter como consequência que deva ser retomado o procedimento a partir do ponto em que se encontrava, dado que o Tribunal não se pode substituir ao júri na tarefa de análise e avaliação de propostas por envolver formulações próprias da actividade administrativa 17. Vem agora a Recorrente, por intermédio do recurso sub juditio, colocar em crise a decisão judicial assim promanada, impetrando-lhe erro julgamento de direito, por violação da normação contida na “(…) alínea d) do n.º 1 do artigo 79º do Código dos Contratos Públicos; n.º 1 do art. 3.º do CPTA; arts. 2.º, 111.º, 202.º, n.º 2 e 203.º da CRP (…)” 18. Realmente, a Recorrente clama que o Tribunal a quo errou ao considerar que “(…) o encerramento da candidatura não determina a conclusão financeira do operação, sendo que a Entidade Demandada poderia continuar a apresentar referente à despesa realizada no âmbito da candidatura até 45 dias após essa data, prazo esse ainda prorrogável a pedido da Entidade Demandada (…)”, já que, no seu entender, todas as faturas de despesas a financiar teriam de ser emitidas até ao termo da candidatura, ou seja, até 30.09.2023, podendo a liquidação, ou seja, o pagamento, este sim, ocorrer 45 dias após essa data, sendo certo que, ainda que assim não fosse, este prazo de 45 dias jamais seria suficiente para garantir o financiamento, pois não havia condições para celebrar e executar o contrato nesse prazo. 19. Outrossim, clama ainda que “(…) as considerações da douta Sentença a quo a propósito da suposta possibilidade de aceder ao financiamento em causa 45 dias após o encerramento da candidatura e acerca da forma como a Entidade Demandada conduziu o procedimento são, salvo o devido respeito, manifestamente violadoras dos espaços de valoração próprios da actividade administrativa e, portanto, ilegais (…)”, colocando em causa “(…) o fundamental princípio da separação de poderes (…)”. 20. Espraiadas as considerações pertinentes da constelação argumentativa da Recorrente, adiante-se, desde já, que o presente recurso irá vingar, desde logo, por falta de certeza jurídica das premissas em que se baseia a sentença recorrida. 21. De facto, não oferece controvérsia que a Entidade Demandada abriu procedimento concursal com vista à aquisição de equipamento informático, no qual estava incluída despesa no valor total elegível de 1.289.841,48 €, sendo 85% desse valor, ou seja, o montante de 1.096.365,26 €, a cargo de financiamento do Fundo Social Europeu. 22. Emerge, outrossim, como pacífico que, depois de aberto o procedimento e antes de ser praticado o ato de adjudicação, a candidatura aos fundos comunitários veio a encerrar, por ter sido atingida a data de conclusão do projeto, o que motivou e fundamentou a desistência da adjudicação pela Entidade Demandada nos termos do disposto na alínea d) do n.º1 do artigo 79.º do CCP. 23. Perante o circunstancialismo assim externado, não sentimos hesitação em assumir que se mostra plenamente justificada a decisão impugnada. 24. Na verdade, é claro o artigo 79.º do CCP quando dispõe que: “(…) 1 - Não há lugar a adjudicação, extinguindo-se o procedimento, quando: (…) d) Circunstâncias supervenientes relativas aos pressupostos da decisão de contratar o justifiquem; (…)”. 25. Por “circunstâncias supervenientes” devem entender-se todas as situações relacionadas com a decisão de contratar que a entidade adjudicante não estava preparada ou não contava e que se efetivaram em momento posterior à data de abertura concursal. 26. No caso em apreço, não se pode afirmar que, aquando da abertura do procedimento concursal, a Entidade Demandada representasse já a possibilidade da candidatura aos fundos comunitários vir a encerrar antes da adjudicação concursal, inviabilizando, assim, o acesso ao financiamento do Fundo Social Europeu. 27. Não se ignora que a atuação da Entidade Demandada, de menor impulso e diligência procedimental, possa ter contribuído para esse desfecho. 28. Contudo, a lei não faz depender a operacionalidade da normação em análise da “não imputabilidade” da ocorrência das circunstâncias supervenientes à Entidade Demandada, exigindo apenas que as mesmas sejam relacionadas com os pressupostos da decisão de contratar e que venham a efetivar-se em momento ulterior à abertura concursal. 29. E isso, como supra mencionado, é plenamente verificável no caso em apreço. 30. Realmente, tendo o procedimento concursal visado nos autos sido aberto no pressuposto de enquadramento de financiamento europeu no montante de 1.096.365,26 €, é seguro assumir que a falha deste pressuposto constitui uma circunstância superveniente que contende com a decisão de contratar e que legitima a decisão de não adjudicar. 31. E não se argumente que o encerramento da candidatura não inviabiliza o acesso ao financiamento com fundamento na representação de que o beneficiário poderá apresentar despesas pagas pelo beneficiário nos 45 dias úteis subsequentes após a conclusão física da operação mediante a apresentação da fatura e respetivo recibo de quitação. 32. É que a realização de despesas com a aquisição de equipamento informático pressupõe, como não podia deixar de ser, a existência de uma decisão prévia de adjudicação concursal. 33. De facto, a Administração não pode contrair despesas não estando procedimentalmente legitimada para o efeito, o que só é atingível, in casu, com a existência de uma decisão adjudicatória prévia. 34. Falecendo a demonstração desta realidade, inelutavelmente, “cai por terra” a tese perfilhada pelo Tribunal a quo em torno da possibilidade de acesso ao financiamento europeu depois do encerramento da candidatura ao mesmo. 35. Por tudo o quanto se vem de expor, concluímos que os fundamentos subjacentes à decisão de não adjudicação, porque relacionados com pressupostos da decisão de contratar e ocorridos após a abertura do procedimento concursal, são plenamente enquadráveis na alínea d) do n.º 1 do art.º 79.º do CCP. 36. A sentença recorrida, ao assim não o entender, interpretou mal o regime jurídico aplicável, não podendo, por isso, manter-se em juízo, o que determina a prejudicialidade do conhecimento do remanescente fundamento de recurso, atinente à invocada violação do princípio da separação de poderes. 37. Em tais termos, impõe-se conceder provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida, e julgar improcedente a presente ação. 38. Assim se decidirá. * * V – DISPOSITIVO Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da C.R.P., em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional em análise, revogar a sentença recorrida, e julgar improcedente a presente ação. Custas da ação e do recurso pela Recorrida. Registe e Notifique-se. * * Porto, 11 de outubro de 2024, Ricardo de Oliveira e Sousa Clara Ambrósio Tiago Afonso Lopes de Miranda |