Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00191/21.7BEMDL-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/14/2022
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:EMBARGO DE OBRA NOVA. SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
Sumário:I) – O embargo de obra nova supõe existir, já iniciada, uma obra, trabalho ou serviço novo.

II) – A pedida suspensão de eficácia é destituída de periculum in mora, pelo que, sendo este um dos requisitos cumulativos da providência, esta improcede.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:J.
Recorrido 1:MUNICIPIO (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

J. (Rua (…)), F. (Avenida (…)), F. (Vale (…)), A. (Rua (…)), F. (Rua (…)), e M. (Rua (…)), interpõem recurso jurisdicional nos presentes autos de decretamento de providência cautelar de suspensão de eficácia do acto administrativo (consubstanciado na “emissão de alvará de licença de construção Nº 16/2021 de 10 de Março”) e de embargo de obra, que intentaram contra o Município (...) (Jardim (…)), vindo indicada como contra-interessada A., Ldª (Rua (…)).

Sob conclusões discorrem:

A. O objecto do presente recurso é o que segue:
• Ilegitimidade/legitimidade activa (para requerer embargos de obra nova);
• Inexistência/existência de “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou prejuízo de difícil reparação” – periculum in mora
B. No que respeita à legitimidade activa dos recorrentes, com base no interesse difuso e/ou colectivo, o Tribunal recorrido assentou a decisão em duas circunstâncias, a saber: i) primeiro, entendeu que a providencia cautelar “embargo de obra nova” (prevista no artigo 397º nº1 do CPC), teria a sua aplicação “afastada”, por virtude do previsto nos artigo 55º nº 1, alínea a) e nº 2, do CPTA; bem como, não seria susceptível de ser aplicada, por força do artigo 9º nº 2, do CPTA; e, segundo, na perspectiva da sentença “a quo”, cumpriria “notar que os nossos Tribunais Superiores já tiveram, por diversas vezes, oportunidade de se pronunciar justamente sobre esta temática”; e, concretamente, através dos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, Processos nºs 213/05.9BEFUN, 211º/05BEFUN, e, 165/07.0BEFUN, de 14.06.2018, 14.05.2020 e 15.10.2020, respectivamente, sufragaram o entendimento que inexistiria legitimidade activa, para se requerer “embargo de obra nova” sustentada em interesses difusos, do jaez daqueles que os recorrentes visam proteger.
C. A subsunção da factualidade às previsões normativas citadas, pelo Tribunal “a quo”, não se acha convenientemente efectuada.
D. Os Arestos citados não são representativos da Jurisprudência portuguesa; nem as situações de facto vertidas nos aludidos Acórdãos são similares ao caso “sub iudice”.
E. Uma boa interpretação jurídica, da Lei, segundo os cânones interpretativos do artigo 9º do CC, implicará uma conclusão distinta daquela a que chegou o Tribunal “a quo”. Pois, os elementos literal, sistemático e teleológico, das regras hermenêuticas, permitem-nos concluir que os recorrentes podem requerer um embargo de obra nova, fundado em interesse difuso e/ou colectivo.
F. Devemos interpretar o art. 397º, nº 1 do CPC – de forma adaptada – o que implica que se confira legitimidade àqueles que detêm interesse difuso e/ou colectivo e “se julgue ofendido no seu direito” e, reflexamente, no direito que é de todos, e de cada um, em particular; bem como, seja ofendido “na sua posse” e na posse de todos, e de cada um, em especial.
G. Também o art. 112º, n.º 1 al. g) do CPTA permite (não “afasta”), no contencioso administrativo, a adopção de providencias cautelares de embargo de obra nova.
H. Igualmente o art. 55º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do CPTA, não afasta – bem pelo contrário – aa utilização da providência cautelar de embargo de obra nova, na tutela de um interesse difuso e/ou colectivo.
I. E, o art. 9º, n.º 2 do CPTA dispõe que “independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na Lei, em processos principais e cautelares, destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como (…) o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida…”
J. Estranha-se que, o Tribunal “a quo” confira legitimidade activa aos requerentes, “para impugnar o acto suspendendo” (Cfr. pág. 9 da sentença); e, concomitantemente, negue tal legitimidade activa, para “embargar a obra nova”, quando a edificação desta só é permitida, porque munida de uma licença de construção, materializada no acto administrativo que se visa suspender.
K. Não se percebe que o Tribunal recorrido afirme existir legitimidade activa, para suspender o acto administrativo de emissão da licença; e, ao mesmo tempo, seja limitada (seja castrada) a extensão dessa legitimidade activa ao embargo de obra nova (cuja edificação está a ser levada a efeito, pela contra-interessada requerida), quando tal edificação é decorrência e encontra-se sustentada na referida licença suspendenda!...
L. No que tange à jurisprudência citada, pelo Tribunal recorrido, cumpre-nos dizer que – para além de não ser representativa, conforme aludimos supra – os casos nela relatados dizem respeito a requerentes com interesses individuais e egoístas (verdadeiros direitos subjectivos e próprios) que, sob a capa (e disfarçados) de interesses difusos e/ou colectivos, visam alcançar (de forma ínvia) efeitos que a lei não protege.
M. Todos os Acórdão citados dizem respeito a um cidadão singular que afirma – sozinho – querer tutelar interesses difusos, quando as situações de facto relatadas respeitam a direitos subjectivos e individuais.
N. Somos forçados a concluir que a jurisprudência citada na sentença recorrida, não “tem inteira pertinência para o caso em apreço” (cfr., penúltimo parágrafo, da página 11, sentença “a quo”).
O. No que tange à legitimidade popular, na tutela dos interesses difusos, a doutrina portuguesa com maior reconhecimento, neste particular, é a preconizada por Miguel Teixeira de Sousa, nos seus diversos escritos a tal propósito, e dos quais seleccionamos o livro “A Legitimidade Popular na Tutela dos Interesses Difusos”, Edições Lex, 2003.
P. Nos itens 33 a 40 supra, encontra-se expendido o pensamento de Miguel Teixeira de Sousa, que pugnamos seja preconizado por este Douto Tribunal.
Q. Assim decorre inequivocamente que os requerentes alegaram ser titulares do interesse difuso na sua dimensão individual; mas também, reflexamente, na dimensão trans-individual ou supra-individual.
R. os requerentes tutelam interesses que são seus (dimensão individual) e interesses que são de todos os Macedenses, em primeira mão; e, adjacentemente, de forasteiros (dimensão supra-individual).
S. A legitimidade activa resulta do princípio da fungibilidade, com o qual se afere se determinado cidadão é ou não é, titular de um interesse difuso; e, se tem, ou não, legitimidade para a propositura de uma acção popular; e, consequentemente, para requerer o procedimento cautelar.
T. A única conclusão possível, a retirar do alegado supra, traduz-se no seguinte: Os Requerentes detêm legitimidade activa, para requererem – como efectivamente concretizaram – um procedimento cautelar de embargo de obra nova, assente em um direito difuso e/ou colectivo; pelo qual pretendem acautelar a tutela do urbanismo, do ordenamento do território, e da qualidade de vida, conforme permite o artigo 9º nº 2 do CPTA.
U. O Tribunal entendeu – a nosso entender mal – não proceder à produção de prova testemunhal, por entender que da “análise crítica e conjugada dos documentos (…) conjugados com a vontade concordante das partes” (cfr. pag. 17/28, da sentença), tal bastaria para decidir de direito.
V. Pelo menos em duas circunstâncias, constatamos que o Tribunal andou mal com esta decisão (a nosso ver precipitada…porque, por vezes, “a pressa é inimiga da perfeição”); pois, por um lado, deu como provados factos que estavam impugnados; e, por outro, teve de recorrer a factos não provados (meramente alegados) para fundamentar a sua decisão.
W. Nos itens 4º e 7º do rol dos factos provados (pag. 14, 15 e 16/28, da sentença), o Tribunal deu como assente, o ponto 6, de uma informação interna nº261/2020, que havia sido impugnada por não corresponder à verdade material.
X. Esta é questão principal e fundante que mobilizou os Requerentes à propositura deste procedimento cautelar e respectiva Acção; e não se percebe como pode o Tribunal dar como assente tal facto.
Y. A causa de pedir que impulsionou a presente instância é, exactamente, a necessidade de alinhamento dos prédios, de modo a manter a mesma largura da rua. Não se percebe, portanto, como o Tribunal não entendeu isso e deu como assente tal informação!...
Z. Por outro lado, o Tribunal fundamentou a sua decisão com factos não provados (apenas alegados) que careciam de produção de prova testemunhal (cfr. pag. 25/28, da sentença); pois, teve justificar do seguinte modo: “nas palavras da contra-interessada, à data de entrada do presente processo cautelar” …(e, a seguir transcreve o artigo 52º da oposição apresentada por aquela requerida
AA. Para o Tribunal recorrido basta a contra-interessada alegar (!) que a obra estava “em fase avançada de execução” (facto impugnado pelos Requerentes), para justificar que “já estaríamos perante um facto consumado, no momento da apresentação do processo cautelar.
BB. O alegado pela contra-interessada é totalmente falso, porque, na altura da propositura do presente procedimento cautelar, a obra encontrava-se, apenas, com “caboucos”, conforme se pode constatar, pelas fotografias juntas com o RI e Resposta à oposição.
CC. A primeira instância concluiu que “não vêm alegados e demonstrados pelos requerentes factos que permitam ao tribunal vislumbrar o fundado receio da constituição de um facto consumado nem a verificação de prejuízos, a produzir-se durante a pendência da acção principal…” (cfr. pag. 26/28, da sentença).
DD. Admitindo que o julgamento da primeira instância estaria certo quanto à insuficiência de factos; sempre se dirá que, tal ajuizamento implicaria que o Tribunal notificasse os Requerentes, para corrigirem as suas peças processuais, nomeadamente, com a alegação mais precisa e ampliada dos factos necessários à aferição do “periculum in mora”.
EE. O Tribunal de 1ª Instância entendeu existir “parca alegação feita pelos requerentes” (pág. 23/28 da sentença), incumbir-lhe-ia proferir um despacho de aperfeiçoamento, convidando os impetrantes a aperfeiçoar “as insuficiências ou imprecisões”, conforme estatui o referido n.º 4 do art. 590º do CPC.
FF. A consequência para a omissão de tal convite tem tido, pela Doutrina e Jurisprudência, entendimentos diversos; sendo certo que, o entendimento mais sufragado é aquele que é preconizado por TEIXEIRA DE SOUSA: “[…] a omissão do despacho de aperfeiçoamento não constitui, em si mesma, um vício processual: o vício que pode decorrer daquela omissão é apenas circunstancial, dado que só ocorre se a deficiência do articulado for utilizado como fundamento da decisão do tribunal”, isto é, “[…] a omissão do despacho de aperfeiçoamento não origina […] uma nulidade processual, mas antes uma nulidade da decisão se (e apenas se) a deficiência do articulado constituir o fundamento utilizado pelo tribunal para julgar improcedente o pedido formulado pela parte (cf. art. 615.ᵒ, n.ᵒ 1, al. d), CPC)”. Citado in Revista Julgar, online, Janeiro 2020, pág. 5.
GG. A decisão proferida pela 1ª instância é nula porque não procedeu ao convite de aperfeiçoamento e, com base na falta de alegação de factos integradores do requisito periculum in mora, julgou improcedente a pretensão dos requerentes.
HH. A nulidade que acabamos de constatar é susceptível de ser invocada através de recurso, conforme fazemos neste momento, nos termos do art. 615º, n.º 1, al. d), e n.º 4 do CPC, aplicável ex vi n.º 1 do CPTA.
II. A título de exemplo da vasta jurisprudência que tratou a questão decidenda, vide acórdão TRP, no processo 3272/21.3T8PRT.P1, número convencional JTRP000, de 09-09-2021, cujo relator foi Carlos Portela:
“I - No procedimento cautelar comum, o periculum in mora tem que ser analisado e apreciado relativamente ao direito que é invocado pelo requerente, e não já em relação a qualquer outro direito que seja sucedâneo ou substitutivo daquele.
II Apresentando o requerimento inicial insuficiente explicitação dos factos que interessam à procedência do procedimento cautelar, deve o Juiz fazer uso dos princípios da cooperação e da justa composição da lide, para, em despachode aperfeiçoamento, convidar o requerente a suprir essas insuficiências de alegação.”
JJ. A omissão de tal despacho convite tem por consequência a nulidade da sentença – que aqui se arguiu – nos termos do art. 615º, al. d) do CPC, ex vi art. 1º CPTA, uma vez que, o Tribunal de 1ª Instância utilizou, como fundamento decisório para a improcedência da providência cautelar, justamente, a falta de alegação de factos conducentes à demonstração do “fundado receio da constituição de um facto consumado” (Cfr. pág. 26/28 da sentença).
KK. Esta nulidade de sentença pode ser arguida nas presentes alegações de recurso, conforme estatui o art. 615º, n.º 4 do CPC, ex vi art. 1º do CPTA.
LL. O Tribunal a quo não esteve bem no ajuizamento do requisito do periculum in mora; devendo, por isso, a decisão de 1ª Instância ser revogada por outra que determine a emissão de um despacho convite ao aperfeiçoamento, dirigido aos requerentes.

O recorrido Município, contra-alegando, pugna pela manutenção do decidido.
*
A Exmª Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1, do CPTA, emitiu parecer, no qual conclui:
1.º Deve ser revogada a decisão que julgou procedente a exceção da legitimidade passiva para pedir o embargo de obra nova, por erro na aplicação do direito.
2.º Deve ser anulada a sentença que indeferiu a providência cautelar, por a mesma ser omissa quanto aos factos alegados pelos recorrentes, nomeadamente os respeitantes periculum in mora.
3.º- Caso assim se não entenda, deve ser revogada a sentença, por erro na subsunção dos factos ao direito, uma vez que os recorrentes invocaram factos e concluíram pertinentemente pelo fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou prejuízo de difícil reparação” e como tal verifica-se o periculum in mora, ordenando-se a baixa dos autos para conhecimento dos restantes pressupostos.
*
Com legal dispensa de vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.
*
A apelação.
A decisão recorrida ditou:
a) Julgar verificada a excepção dilatória da ilegitimidade activa dos requerentes e absolver a entidade requerida e a contra-interessada da instância, quanto ao pedido de decretamento da providência de embargo de obra nova;
b) Julgar o presente processo cautelar improcedente e, em consequência, recusar o decretamento da providência de suspensão de eficácia do acto de licenciamento da construção sita na Rua (…);
A respeito do embargo.
Temos presentes as circunstâncias com que os requerentes alegaram para lançar mão dos embargos.
O Tribunal “a quo” não esqueceu «a norma contida no artigo 9º, nº 2 do CPTA: “Independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais, assim como para promover a execução das correspondentes decisões jurisdicionais.”.»; nem tão pouco a titularidade do direito de acção popular, segundo prescreve o artigo 2.º da Lei nº 83/95, de 31/08.
Porém, concluiu pela ilegitimidade activa entendendo que «A tutela da legalidade objectiva, invocada pelos requerentes sob a forma de “tutela da harmonia arquitectónica; bem como, o ordenamento do território, maxime, o seu núcleo urbano, urbanizado e urbanizável, é tutelável através do meio processual acção popular, na medida em que se trata de um direito difuso e/ou colectivo” não cabe na previsão contida no artigo 9º, nº 2 do CPTA, justamente por não configurar, na estrita medida exigida pela norma, um “interesse difuso”» (…) sendo que «os interesses difusos não se confundem com o interesse público, cabendo ao autor popular a alegação e prova da titularidade de direitos ou interesses que se enquadrem naquela previsão normativa.».
Os recorrentes rejeitam esta justificação.
Mas não é sob o foco com que os recorrentes impugnam que poderão ter êxito, rebuscando que “Devemos interpretar o art. 397º, nº 1 do CPC – de forma adaptada – o que implica que se confira legitimidade àqueles que detêm interesse difuso e/ou colectivo e “se julgue ofendido no seu direito” e, reflexamente, no direito que é de todos, e de cada um, em particular; bem como, seja ofendido “na sua posse” e na posse de todos, e de cada um, em especial”, serem “titulares do interesse difuso na sua dimensão individual; mas também, reflexamente, na dimensão trans-individual ou supra-individual”.
O art.º 397º, n.º 1, do CPC, não tem de ser, nem deve, ser interpretado assim.
A tutela aí dita é para quem se julgue ofendido na titularidade de direito de “propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse”; é essa a legitimidade que a lei aí define; é essa “a indicação da lei” (art.º 30º, n.º 3, do CPC); e não é assim que os requerentes, no caso, se querem a litigar; não tem nenhum mínimo apoio na letra da lei uma interpretação que aí faça acolher um interesse difuso “na dimensão trans-individual ou supra-individual”, fruto de uma ampliação reflexa de um individual interesse difuso aí também supostamente presente.
.O que acontece é que se junto dos tribunais administrativos pode ser solicitada a adopção de providência cautelar como a do embargo de obra nova (art.º 112º, n.º 2, g), do CPTA), então naturalmente que - e não deixando cair em vazio a tutela - a regra de legitimidade que acompanha é a que o próprio contencioso aporta, nomeadamente, e para o caso, quando prevê que “Independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais, assim como para promover a execução das correspondentes decisões jurisdicionais” (art.º 9º, n.º 2, do CPC).
No entanto, e ainda no caso.
Só é conferida “legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei”.
A escolha dos requerentes é a de uma providência cautelar tipificada, cuja raiz de estrutura, pese a adaptação para o contencioso administrativo, se não perde.
Assim, e com recurso à caracterização presente no Ac. RL, de 19-11-2020, proc. n.º 12889/20.2T8LSB.L1-2 (noutro exemplo, o Ac. RL, de 07-11-2019, proc. n.º 6530/19.3T8LSB.L1-2):
«(...)
O embargo de obra nova é a providência cautelar adequada a evitar a violação ou a continuação da violação dum direito real ou pessoal, de gozo ou da posse duma coisa, por via duma obra em curso.
Na dependência de uma ação que vise alcançar a proibição da continuação da obra, a sua alteração ou a demolição do que já tenha sido efetuado, a providência de embargo de obra nova manda suspender a obra em curso, conservando-se a situação de facto até que na ação se obtenha o resultado pretendido.
A ação de que o embargo depende é normalmente uma ação de condenação (na prestação de facto negativo – não fazer a obra – ou na prestação do facto positivo da reconstituição natural do estado anterior à obra feita). Pode ainda ser uma ação executiva, baseada em título executivo extrajudicial da obrigação (negativa) de não fazer a obra (cf. artigo 876.º, n.º 1, do CPC) ou em sentença proferida anteriormente ao seu início (para prevenção da violação do direito: artigo 10.º, n.º 3, alínea b), do CPC).
A lei não se limita a falar de obra nova, ainda que só esta dê título à providência.
A expressão usada na previsão da norma que a estatui é «
obra, trabalho ou serviço novo». No fundo, afastam-se dúvidas acerca da extensão do conceito de obra, podendo abranger qualquer atuação humana material.
O artigo 2335.º do Código Civil de 1867, depois de o artigo que o antecedia garantir a todo o proprietário o direito de defender a sua propriedade, estatuía que, «se a violação provier de qualquer obra nova, a que alguém dê começo, poderá o ofendido prevenir, e assegurar o seu direito, embargando a obra».
O Código Civil de 1966 não contém preceito idêntico, mas continuou a entender-se que a providência cautelar de embargo de obra nova, consistindo na suspensão ou não continuação dela, pressupõe que a obra se tenha iniciado.
Deste modo, a obtenção da licença de construção e a simples junção no local dos materiais necessários são tidas como atos preparatórios, insuscetíveis de justificar o embargo, diversamente da construção dos alicerces, mas da mesma forma que a terraplanagem que a antecede (cf. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, 3.ª ed., Coimbra: Almedina, p. 164, nota 5).
Por outro lado, a referência à «suspensão» da obra tem o claro significado de limitar o embargo às obras ou trabalhos que não se mostrem ainda concluídos nos seus aspetos elementares. No mais, a providência perderia toda a utilidade, não exercendo, como deveria, a função preventiva que a lei reservou para a generalidade dos procedimentos.
Para que esta providência cautelar possa ser decretada, torna-se necessário o preenchimento cumulativo de cinco requisitos:
1) deve estar em causa uma obra, um trabalho ou um serviço;
2) essa obra, trabalho ou serviço devem estar em curso;
3) essa obra, trabalho ou serviço devem ser novos;
4) da obra, trabalho ou serviço deve resultar a ofensa de um direito real ou pessoal de gozo ou da posse;
5) deve existir um prejuízo ou uma ameaça de prejuízo.
(…)».
A legitimidade respeita às condições impostas ao exercício de uma situação subjectiva em juízo e, na hipótese, só é legalmente permitida a titularidade da relação de onde advém a legitimidade para o embargo “em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo” (art.º 397.º do CPC).
E não é isso que confronta.
Os requerentes não caracterizam nenhum circunstancialismo que justifique lançar mão de embargos, só configurável quando existir, já iniciada, uma obra, trabalho ou serviço novo; não são “sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”, quando essa própria configuração não sustenta essa relação.
No ponto, não vale a pena perpetuar em direcção a um conhecimento de mérito.
A respeito da suspensão de eficácia.
Os factos, fixados como sumariamente provados pelo tribunal “a quo”:
1. Em 05/05/2020, a contra-interessada apresentou na Câmara Municipal (...) pedido de licenciamento de obras de reabilitação e ampliação de edifício destinado a comércio, sito na Rua (…) (cfr. requerimento a fls. 3- do PA, incorporado a fls. 384-506);
2. Em 15/05/2020, após informação no sentido de indeferimento do projecto, foi proferido despacho do seguinte teor: “Solicitar registo fotográfico e envolvente para apreciação” (cfr. despacho e informação a fls. 27-28 do PA incorporado a fls. 547-629);
3. Em resposta ao solicitado pelo despacho antecedente, em 25/05/2020 a contra-interessada apresentou reformulação do projecto de arquitectura (cfr. requerimento de fls. a fls. 30 do PA incorporado a fls. 547-629);
4. Em 05/06/2020 foi emitida Informação interna, sobre a solicitação registada com o nº 261/2020 em 26/05/2020 – Apresentação Projecto de Alterações - Reabilitação e Ampliação de Edifício destinado a comércio – Aprovação do Projecto de Arquitectura, da qual consta, designadamente, o seguinte (cfr. informação a fls. 8-9 do PA, incorporado a fls. 663-737):
“(…)
3 – Esta nova proposta apresentada, em resposta á informação anterior, promove um melhor enquadramento urbanístico e valoriza mesmo a paisagem urbana edificada da zona envolvente.
4 – Está previsto estacionamento no interior do edifício, em cave, e as cargas e descargas são efectuadas lateralmente com área suficiente para não causar qualquer constrangimento na via pública principal.
5 – A demolição do edifício de habitação permite uma implantação no alinhamento do armazém existente e um ganho de área para a via pública que neste caso será ocupado com passeio.
6 – Não se justificaria uma imposição de alinhamento com o edifício de habitação e comércio existente a jusante da rua visto tratar-se de um gaveto de transição entre a Av. (…) e a Rua (…).
(…)
9 - Em face do exposto, sou de parecer não ver inconveniente no deferimento do projecto de arquitectura.”;
5. Em 09/06/2020 foi emitido despacho de deferimento do pedido, em concordância com a informação indicada no ponto antecedente (cfr. despacho a fls. 8-9 do PA, incorporado a fls. 663-737):
6. Em 03/12/2020 a contra-interessada requereu à Câmara Municipal (...) o licenciamento das obras de reabilitação e ampliação de edifício destinado a comércio, sito na Rua (...) (cfr. requerimento a fls. 19 do PA, incorporado a fls. 663-737):
7. Em 14/12/2020 foi emitida Informação interna, sobre a solicitação registada com o nº 744/2020 em 03/12/2020 – Reabilitação e Ampliação de Edifício destinado a comércio, da qual consta, designadamente, o seguinte (cfr. informação a fls. 20-21 do PA, incorporado a fls. 920-999):
“1 -O requerente pretende a aprovação de alterações do projecto de arquitectura relativo às obras de construção de um edifício para comércio/armazém, e consequente licenciamento.
2 - O local situado inere-se em solo urbano de (...), classificado como Zona urbana Consolidada, subzona-6, não sendo objecto de servidão administrativa ou restrição de utilidade pública ou outra qualquer condicionante que obste à edificação.
3 - A pretensão observa o regime de edificabilidade previsto no Regulamento do Plano de Urbanização da Cidade de (...), para o local onde se insere.
4 - As alterações ao projecto de arquitectura resumem-se a pormenores interiores que não alteram os pressupostos que levaram ao deferimento inicial.
5 - Está previsto estacionamento no interior do edifício, em cave, e as cargas e descargas são efectuadas lateralmente com área suficiente para não causar qualquer constrangimento na via pública principal.
6 - A demolição do edifício de habitação permite uma implantação no alinhamento do armazém existente e um ganho de área para a via pública que neste caso será ocupado com passeio.
7 - Não se justificaria uma imposição de alinhamento com o edifício de habitação e comércio existente a jusante da rua visto tratar-se de um gaveto de transição entre a Av. (…) e a Rua (…).
(…)
9 -Em face do exposto, sou de parecer não ver inconveniente no deferimento da solicitação e consequente licenciamento. (…)”;
8. Em 16/12/2020 foi emitido despacho de deferimento do pedido, em concordância com a informação indicada no ponto antecedente (cfr. despacho a fls. 20-21 do PA, incorporado a fls. 920-999);
9. Em 10/03/2021, a Câmara Municipal (...) emitiu, em nome da contra-interessada, o Alvará de licenciamento de obras de construção nº 16/2021, que titula a aprovação das obras que incidem sobre o prédio sito na Rua (...), com as seguintes características (cfr. alvará a fls. 74 do PA, incorporado a fls. 920-999):
“As obras, licenciadas por despacho de 2020/12/16 do Sr.º Presidente da Câmara, respeitam o disposto no Plano de Urbanização, e apresentam as seguintes características:
Licença para: Demolição/ Construção de edifício destinado a comercio, composto por cave e r/ch. Ocupação de via publica com tapumes 8m / 60 dias.
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)
Esta licença é válida pelo prazo de 24 Meses, e termina em 2023/03/10. (…)”;
10. O Alvará referido no ponto antecedente foi afixado no local da obra em 10/03/2021 (facto não controvertido);
11. O requerimento inicial do presente processo foi apresentado, via SITAF, em 13/07/2021 (cfr. comprovativo de entrega, a fls. 1-3).
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Os recorrentes impugnam a matéria de facto assim fixada.
A sua razão de queixa: “Nos itens 4º e 7º do rol dos factos provados (pag. 14, 15 e 16/28, da sentença), o Tribunal deu como assente, o ponto 6, de uma informação interna nº261/2020, que havia sido impugnada por não corresponder à verdade material”.
Mas há uma confusão de planos nesta censura.
Aí, nos referidos itens 4º e 7º, o tribunal “a quo” limitou-se a fixar referência a identificada informação, limitando-se a reproduzir o que “da qual consta”; o que extraiu de força probatória limitou-se à menção narrativa, não à “verdade material” do facto narrado.
E o que se afirma constar está correcto.
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O direito.
Cfr. Acs. do STA, de 13-05-2021, proc. n.º 053/21.8BALSB, e de 01-07-2021, proc. n.º 0229/19.8BESNT:
«Nos termos dos n.ºs 1 e 2 artigo 120º do CPTA, a procedência dos pedidos formulados no presente processo cautelar depende da verificação de três requisitos:
(i) Haver fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que ela visa assegurar no processo principal - periculum in mora;
(ii) Ser provável que a pretensão formulada, ou a formular nesse processo principal, venha a ser julgada procedente - fumus boni juris;
(iii) Não serem os danos que resultariam para os interesses públicos da sua concessão superiores àqueles que podem resultar da sua recusa para os interesses particulares, sem que aqueles danos possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências».
Estes três requisitos – dois positivos e um negativo - são cumulativos e, portanto, indispensáveis para a concessão da providência ou providências cautelares requeridas.
O que significa que a não verificação de um dos requisitos positivos impõe desde logo o indeferimento da providência, e que a análise do requisito negativo apenas se exigirá no caso de se verificarem os outros dois - «periculum in mora» e «fumus boni juris».».
O tribunal “a quo” encarou que «No caso dos autos, alegam os requerentes, no que tange ao requisito do periculum in mora, que “logo que a 2ª requerida teve conhecimento que contra si foi proposta a acção principal da qual depende a presente providência cautelar, os trabalhos em obra intensificaram-se”, do que resulta que “caso não seja, de imediato, embargada a obra, objecto dos presentes autos, os requerentes – bem como toda a comunidade civil com cujos direitos difusos e/ou colectivos se pretende acautelar através da acção principal, da qual depende o presente procedimento cautelar – correm o risco de, na altura em que vier a ser decretada a decisão definitiva, verem o edifício totalmente edificado, e depararem-se com uma inevitabilidade. E, nesse momento, o Tribunal poderá ser confrontado com um facto consumado que implicará necessariamente uma ponderação de valores a proteger; isto é, o Tribunal deparar-se-ia com a obrigação de colocar “nos pratos da balança”; por um lado, o direito difuso e/ou colectivo requerido nos presentes autos (que vislumbramos ser procedente); e, por outro, o direito de propriedade sobre a – entretanto - edificada obra.”.».
Ao que, após desenvolver discurso fundamentador em torno do “periculum in mora”, tirou que «Em conclusão, não vêm alegados e demonstrados pelos requerentes factos que permitam ao Tribunal vislumbrar o fundado receio da constituição de um facto consumado nem a verificação de prejuízos, a produzir-se durante a pendência da acção principal, não integralmente reparáveis com uma eventual procedência desta.».
Portanto, neste juízo, a alegação estaria desprovida dos factos que pudessem mostrar vislumbre desse periculum; sem que, na perspectiva, o fenómeno seja o de uma “insuficiente explicitação dos factos” carecida e merecedora de um convite ao aperfeiçoamento, antes de uma total falta.
O tribunal “a quo” ponderou:
«(…)
Referem os requerentes que, atenta a intensificação dos trabalhos de construção é provável que aquando da prolação da sentença na acção principal a construção se encontre concluída e o Tribunal seja colocado na situação de ponderar os valores a proteger.
Trata-se de mera hipótese que não compete ao Tribunal acautelar, antecipadamente, através da suspensão de qualquer acto, não sendo, em conformidade, atendível para efeitos de tutela cautelar. Na verdade, a procedência dos vícios que a requerente assaca ao acto suspendendo é ainda uma incerteza, tal como, incerta é a conclusão da obra.
Estamos perante uma alegação meramente hipotética, uma vez que tal situação nunca se concretizou, nem se sabe se virá a concretizar-se. Ou seja, não estamos perante um fundado receio de podermos estar perante um facto consumado, mas perante meras conjecturas.
Por outro lado, para estarmos perante um facto consumado, para efeitos de se poder deferir a uma providência cautelar, temos de estar perante uma situação, como já vimos, onde seja impossível restabelecer a situação anterior. Ora não é este o caso.
Na verdade, como refere a entidade requerida, não indiciam ou demonstram os requerentes que haja fundado receio de situação de facto consumado, “ou seja que se tornará impossível objectiva e legalmente, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à restauração natural, no plano dos factos, da situação urbanística conforme a respectiva legalidade. Tal impossibilidade de restauração natural provocada pela situação de facto consumado não existe sequer a nível das operações urbanísticas, já que pelo artigo 102º-A do D.L. nº 555/99, de 16 de Dezembro – Regime Jurídico da Urbanização e Edificação – se prevê a restauração ou reposição da legalidade urbanística, seja por iniciativa particular seja oficiosamente pela entidade licenciadora.”.
Está em causa a construção de um edifício que sempre poderá ser demolido se os requerentes vierem a ter ganho na causa principal, ou seja, não estamos perante uma construção que não possa ser revertida.
Por outro lado, referem os requerentes que, aquando da entrada da presente providência já estavam “edificados os pilares suporte da Lage do pavimento do R/Chão, enchimento da Lage do R/Chão e enchimento dos pilares de suporte do tecto do R/Chão. fornecimento e montagem do ferro da estrutura construída e colocação do betão de enchimento quer da Lage quer dos pilares.” (cfr. artigos 101º e 102º do requerimento inicial).
Ou seja, nas palavras da contra-interessada, à data de entada do presente processo cautelar “a obra relativa à estrutura “esqueleto” está já em fase avançada de execução, com a cave, placa e paredes prontas, correspondente a cerca de 70 / 80 % da obra executada.” (cfr. artigo 52º da oposição), isto é, se não fosse possível reverter a construção também não fazia sentido os requerentes solicitarem o decretamento da presente providência uma vez que já estaríamos perante um facto consumado, no momento da apresentação do processo cautelar.
No mesmo sentido, a alegação dos requerentes de que está em causa o interesse público decorrente da eventual tutela da legalidade urbanística não é passível de vir a constituir um facto consumado, uma vez que, como vimos, caso os requerentes venham a obter ganho na causa principal, sempre a legalidade urbanística que dizem defender, pode vir a ser resposta.
Neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 23/09/2015, processo nº 00470/15.2BEAVR, que sumaria: “5 - Não se verifica uma situação de facto consumado nem de produção de prejuízos de difícil reparação, se os prejuízos invocados, a ocorrerem, forem perfeitamente reparáveis e a expensas do Município, que terá de reconstituir a situação que existiria na esfera jurídica da requerente se não tivesse procedido à construção da obra em causa, indemnizando-a dos prejuízos que a mesma prove ter sofrido em consequência dessa intervenção no denominado MB.”.
E, mais recentemente, o Acórdão do mesmo Tribunal, de 27/09/2019, processo nº 00189/19.5BEPNF-A, e jurisprudência aí citada, em cujo discurso fundamentador, podemos ler: “O tribunal “a quo” viu que: “i) nada se alega no sentido de ser impossível, no plano dos factos, repor a situação que existiria, v. g., através da demolição do que venha a ser construído; (…)(iii) bem como não o sustenta a mera alegação de que, durante o processo principal, permanecerá a alegada violação das disposições urbanísticas aplicáveis.”. (…) Efectivamente, não obstante a prossecução do plano edificativo, mesmo admitindo que as obras possam ser concluídas, isso não significa que o estado de coisas que a acção principal (de que a presente tutela cautelar é instrumental) quer influenciar ganhe ou fique com irreversível estabilidade, que a eficácia reintegratória da decisão principal já não assegure a plena reconstituição da legalidade urbanística. (…)
A “manutenção” de violação das disposições urbanísticas aplicáveis mais não pode – e indiciariamente – que reportar-se ao que aqui obteve sinal no sentido de tal violação, que o julgamento do tribunal “a quo” identificou na “ultrapassagem do índice previsto do RPDM de L... (em concreto, art.º 29.º deste regulamento), e ao incumprimento da previsão dos lugares de estacionamento”. Mas tais desconformidades nomeiam violação de lei, não apontam por si só um “periculum in mora”.
Em conclusão, não vêm alegados e demonstrados pelos requerentes factos que permitam ao Tribunal vislumbrar o fundado receio da constituição de um facto consumado nem a verificação de prejuízos, a produzir-se durante a pendência da acção principal, não integralmente reparáveis com uma eventual procedência desta.
Por se tratar de requisitos de verificação cumulativa, a falta de comprovação do requisito do periculum in mora é suficiente para que a medida cautelar requerida pelos requerentes não seja adoptada, ficando prejudicado o conhecimento dos restantes e, assim, improcedendo totalmente o presente processo cautelar.
(…)».
No ver dos requerentes um juízo decisório - rejeitando deparar-se uma situação de facto -, viciado pelo que, afinal, se poderia aperfeiçoar, e com a apontada nulidade.
Mas apenas afirmação de tese, sem que saia demonstrado onde está o erro de julgamento, pois, tal como o tribunal “a quo” não identificou, também os recorrentes não identificam o que poderia e seria merecedor de aperfeiçoamento!
E, efectivamente, sem respaldo para a nulidade, não está em falta um qualquer convite, quando nenhuma mera imprecisão de causa sustenta, antes a falência de sustento.
Com acerto.
Onde se identifica o “periculum in mora”?
No essencial, o juízo do tribunal “a quo” para decidir a providência solicitada pelos requerentes condensa-se na afirmação de que “a legalidade urbanística que dizem defender, pode vir a ser resposta”; o que se encontra incólume à censura do recurso, sem questionar ausência de facto consumado face à afirmada possibilidade de “reverter a construção”; no plano naturalístico claro que sim, sendo de mera especulação que assim não venha acabar por suceder; recurso que também não põe a descoberto qualquer prejuízo de difícil reparação (e esses sequer se contentam com alegação de alguma ilegalidade urbanística; na premência que interessa ao caso, e para uma recolha de prova, seria necessário dar de sua caracterizada projecção nos interesses difusos ou colectivos).
A atenção dada à alegação do requerido Município de que a obra “está já em fase avançada de execução (…)”, não intentou contrariar o que os requerentes afirmam de ser ainda uma obra “apenas, com “caboucos”, apenas quis enfatizar que mesmo assim fosse não seria impossível reverter a construção; que mesmo obra com mais avançado estádio construtivo não teria peso de facto consumado; apenas uma cogitação, sem que com isso tenha assumido como provado o que não estaria provado.
«Sendo os requisitos de concessão das providências cautelares de verificação cumulativa, basta que não ocorra um deles para que a providência tenha de ser indeferida» - Ac. do STA, de 29-04-2021, proc. n.º 0327/20.5BECBR.
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Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas: unicamente pelos recorrentes, solidariamente entre eles, por metade do valor da acção (noutra metade isentos, conforme art.º 4º, n.º 1, b), do RCP).

Porto, 14 de Janeiro de 2022.

Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre
Isabel Costa