Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00504/15.0BEMDL |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 06/06/2019 |
Tribunal: | TAF de Mirandela |
Relator: | Pedro Vergueiro |
Descritores: | OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL. REVERSÃO. ILEGITIMIDADE DO REVERTIDO. ÓNUS DA PROVA. |
Sumário: | I) Quanto às dívidas tributárias cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício (mas em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança) o administrador ou gerente é responsável se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento. O ónus da prova da culpa recai, no entanto, sobre a Fazenda Pública. II) Com efeito, neste domínio, impunha-se que a reversão da execução fiscal efectuada ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 24º da LGT fosse acompanhada da prova (pela administração tributária) de factos demonstrativos da destruição ou danificação do património social, da ocultação e dissimulação do activo social, da criação ou agravamento artificial de activos ou passivos, do uso do crédito da sociedade para satisfazer interesses de terceiros, entre outros factos-índice de uma gestão danosa do património da sociedade originariamente devedora. III) Não é, pois a mera falta de mérito ou habilidade na gestão da sociedade que pode fundamentar a decisão de reversão, mas uma gestão que se traduza em factos ilícitos e violadores de normas concretas de protecção dos credores sociais, sendo que os elementos presentes nos autos não fornecem qualquer contributo no sentido de se poder dizer que a AT alegou e/ou invocou a culpa do ora Recorrente pela insuficiência do património. * * Sumário elaborado pelo relator |
Recorrente: | NRA |
Recorrido 1: | Autoridade Tributária e Aduaneira |
Votação: | Unanimidade |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso Revogar a sentença recorrida Julgar procedente a oposição |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer pronunciando-se pela improcedência do presente recurso |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO NRA, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 18-04-2018, que julgou improcedente a pretensão deduzida pelo mesmo na presente instância de OPOSIÇÃO com referência à execução fiscal n.º 2496201401061186, originariamente instaurada contra a sociedade “ES, Lda”, e contra si revertida, por dividas de IRC de 2009 e 2010, no valor “da execução” Formulou as respectivas alegações (cfr. fls. … ), nas quais enuncia as seguintes conclusões: “(…) I. O Recorrente não se pode conformar com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela quanto às matérias enunciadas sob as alíneas b) e d) a g) do artigo 11.º deste recurso, designadamente que: existe responsabilidade tributária do Recorrente, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, em resultado da ausência da alegação de factos concretos susceptíveis de excluir a culpa daquele; existe erro na forma de processo, dado que a oposição à execução apenas pode ter como fundamento as circunstâncias previstas no artigo 204.º do CPPT; não se poderia convolar a oposição à execução em impugnação, em razão da litispendência com os autos de impugnação judicial em que a impugnante é a Executada, que correm sob o n.º 569/14.2BEMDL; mesmo que se operasse a convolação, a impugnação convolada seria extemporânea, em face do estabelecido no artigo 102.º do CPPT; o processo convolado em impugnação seria sempre nulo, uma vez que às causas de pedir em apreço nestes autos correspondem forma de processo distintas, nos termos do artigo 186.º, n.ºs 2, alínea c), e 4 do CPC. II. A culpa relevante nos termos e para efeitos do disposto no artigo 24.º da LGT não é a que respeite somente à diminuição do património da pessoa colectiva ou de entes fiscalmente equiparados, nem a que respeite apenas ao incumprimento da obrigação de pagamento de imposto – mas só aquela que se reporte substantivamente ao incumprimento da obrigação das disposições legais destinadas à protecção dos credores, quando desse incumprimento resulte, em nexo de causalidade adequada, a insuficiência do património da sociedade para satisfação dos créditos fiscais. III. Nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública – alínea a) do artigo 24.º da LGT. IV. Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gestor: é ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (“o gestor continua obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório”, o que redunda, “frequentes vezes, numa prova diabólica” - Sérgio Vasques, in A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária, Fiscalidade – Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 1, Janeiro de 2000, págs. 50 e 58). V. Entende o Meritíssimo Juiz a quo que existe responsabilidade tributária do Recorrente tendo por base a aplicação do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, já que é seu entendimento que o mesmo se presume culpado pela situação de falta de pagamento e não foram invocados quaisquer factos concretos susceptíveis de excluir tal culpa. VI. Todavia, esta decisão é incorrecta porque o prazo de pagamento terminou após o Recorrente ter cessado as suas funções como gerente, já que as liquidações adicionais de IRC, relativas aos anos de 2009 e 2010, ocorreram apenas em 2014, e foram obtidas pela aplicação de métodos de avaliação indirecta, tendo os respectivos prazos para pagamento terminado apenas em 7 e 10 de Abril de 2014, respectivamente. VII. Resulta da certidão comercial junta aos autos com a notificação da reversão contra o Recorrente que a Executada e devedora principal foi dissolvida em 13 de Novembro de 2012, altura em que, na pior das hipóteses, o Recorrente deixou de exercer as funções de gerente; e, por outro lado, o tribunal recorrido considerou como provado que o Recorrente exerceu as funções de gerente apenas até ao início do ano de 2011. VIII. Efectuando a subsunção jurídica desta factualidade à previsão normativa, conclui-se que o tribunal recorrido efectuou uma incorrecta interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, pois, atendendo aos factos sub judice, não era de aplicar a alínea b) de tal normativo, já que a respectiva fattispecie alude, tão-somente, a dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo de gerente. IX. Aplicável ao caso dos autos será, outrossim, a hipótese normativa contida na alínea a) do n.º 1 do referido artigo 24.º, uma vez que as dívidas tributárias em causa tiveram origem num facto constitutivo que se verificou no período de exercício do cargo de gerente e/ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega terminou depois do exercício dessa gerência, sendo certo que a Administração Tributária não conseguiu demonstrar, como era sua obrigação probatória, que o património da Executada se tornou insuficiente para a satisfação dessas dívidas fiscais por culpa do Recorrente. X. Por outro lado, não se pode ficcionar que o prazo de pagamento das liquidações em causa terminou em 2009 e 2010, nem faz sentido imputar ao Recorrente culpa por não pagar os impostos ou assegurar o pagamento pela Executada, quando as liquidações surgiram em 2014. Não seria exigível ao Recorrente, enquanto gestor criterioso, esperar uma liquidação adicional de impostos sobre rendimentos com eficácia retroactiva, sendo certo que entregou e pagou os impostos sobre os rendimentos da Executada, que realmente foram obtidos pelo exercício da sua real actividade, nos referidos anos de 2009 e 2010. Sem prescindir, XI. Mesmo que se entenda ser de aplicar, no caso vertente, a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º para fundamentar a responsabilidade tributária do Recorrente, a verdade é que não foi conferida a este a possibilidade de ilidir a presunção de culpa contida nesse normativo legal, pois, ainda que, por despacho, o Meritíssimo Juiz a quo tenha solicitado ao Recorrente a indicação dos factos sobre que deveria incidir a prova testemunhal, e o Recorrente tenha indicado os mesmos, o tribunal recorrido optou, a posteriori, por não proceder à inquirição das testemunhas quanto aos factos que permitiriam a exclusão da aludida presunção. XII. Contrariamente ao que refere o Meritíssimo Juiz a quo na sentença recorrida, o Recorrente alegou, em sede de oposição à execução fiscal, diversos factos susceptíveis de conduzir à exclusão da respectiva culpa, nos artigos da petição inicial que o Recorrente optou por intitular “Da inexistência da dívida revertida”, designadamente os artigos 20.º a 38.º e 50.º a 146.º desse articulado. XIII. O que se pretendeu demonstrar, na parte da petição inicial intitulada “Da inexistência da dívida revertida”, foi que a Executada não exerceu, nos anos relativos às dívidas fiscais em causa, a actividade de prestação de serviços de construção civil; à semelhança, aliás, do que foi decidido nos autos de impugnação judicial n.º 569/14.2BEMDL, quanto à matéria de facto dada como provada: “Por outro lado comprovou-se que a Impugnante não tem, nem nunca teve, qualquer estrutura organizacional que lhe permitisse prestar serviços na área de execução de obras a terceiros; nunca teve ao seu serviço qualquer trabalhador que exercesse funções de construção civil, fosse enquanto assalariado, fosse como prestador de serviços; não é, nem nunca foi, proprietária, usufrutuária, locatária ou possuidora de qualquer maquinaria ou equipamentos de construção civil; A existência de compras de bens e materiais ligados à construção civil, facturados em nome da Impugnante, deve-se ao facto de os mesmos se destinarem a ser incorporados nas obras levadas a efeito pelos empreiteiros e subempreiteiros respectivos, que prestavam serviços de construção civil nas obras pertencentes à Impugnante e por esta destinados à venda a terceiros; que muitas vezes, os materiais aplicados em obra pelos empreiteiros eram facturados em nome da Impugnante; e que apenas tinha, e sempre teve ao seu serviço uma funcionária administrativa, de nome TRSA, e um funcionário responsável pela realização de contratos e pelas compras, chamado LHFC – a AT errou nos pressupostos de facto e, consequentemente, nos pressupostos de direito, que fundamentaram a tributação por métodos indirectos. Assim, se a Impugnante não exerceu actividade de construção civil e se, concomitantemente, não liquidou IVA por conta dessa actividade, também não tinha de entregar ao Estado o IVA que não liquidou – cfr. à contrário, artigos 1.º, n.º 1 a), 7.º, n.º 1,al. a) do CIVA.” (cfr. Documento n.º 1 – sentença proferida no Processo n.º 569/14.2BEMDL, em 13 de Abril de 2018, razão pela qual apenas neste momento se afigura possível a sua junção aos autos). XIV. Não tendo a Executada, de facto, um rendimento tributável, não era exigível ao Recorrente, enquanto gerente, segundo um critério de razoabilidade ou de gestor criterioso: entregar declarações de IRC quanto aos rendimentos que não possui; munir a empresa de meios financeiros para pagar dívidas fiscais que não podiam ser cobradas por falta de facto tributário, constitutivo da obrigação de pagar imposto; adivinhar que a Administração Tributária iria ficcionar, após a sua cessação de funções como gerente, factos tributários e proceder a liquidações adicionais sobre rendimentos inexistentes. XV. Estes eram os factos que, alegados nos artigos 50.º a 146.º da petição inicial, permitiriam ao Recorrente demonstrar que inexistiu culpa da sua parte no não pagamento dos tributos em causa, resultando abundantemente dos mesmos não ser possível formular um juízo de censurabilidade da conduta daquele quanto ao não pagamento dos impostos. XVI. E este é o ónus da “prova diabólica” que o Recorrente se propôs fazer naquela parte do seu articulado, que erroneamente foi considerado pelo Meritíssimo Juiz a quo co-mo uma impugnação judicial. XVII. Realizando o julgamento e ouvindo a prova, como devia, o Meritíssimo Juiz a quo logo concluiria pela falta de culpa do Recorrente no não pagamento das dívidas fiscais em causa, incorrendo a decisão recorrida na violação do direito de defesa daquele, bem como do princípio do contraditório, estabelecido no artigo 3.º, n.º 3, do CPC. XVIII. A interpretação do título usado pelo Recorrente como mero fundamento de impugnação judicial e não de oposição à execução, sem atender aos concretos factos ali invocados e sem se fazer um esforço para determinar se os mesmos serviriam para excluir ou afastar a culpa do Recorrente – como é convicção deste que aconteceu –, revela uma aplicação totalmente literal e despreocupada com a substância, fazendo do contencioso tributário um jogo de formalismos processuais, que não foi pretendido pelo legislador quando, no artigo 268.º, n.º 4, da CRP, consagrou o princípio da tutela jurisdicional efectiva. XIX. É consabido que o tribunal não deve ater-se à qualificação jurídica dos factos operada pelas partes, sendo certo que a inexistência de dívida revertida é apenas um nomen juris que teria sempre de ser densificado. XX. Por outro lado, não se aceita, tal como vertido na sentença, que é insuficiente para explicar a falta de património da devedora principal a crise nos mercados financeiros que atingiu o mercado imobiliário. Em razão dessa crise é que a Executada se viu forçada, em 2012, à sua dissolução. Além disso, a crise no sector financeiro e imobiliário é um facto notório que o tribunal não pode simplesmente ignorar. E não há maior indício, no caso dos autos, das consequências de tal crise, do que o facto de a Executada ter entrado em liquidação em 2012. XXI. Mas, mesmo que se entenda que os factos alegados pelo Recorrente são insuficientes para afastar a presunção de culpa, sempre deveria o tribunal recorrido ter ordenado a notificação do Recorrente, ao abrigo do disposto nos artigos 590.º, n.ºs 2, alínea b), e 4 do CPC, e 98.º, n.º 5, do CPPT; e, ao não promover o suprimento das pressupostas insuficiências fácticas, que densificariam os “conceitos abstractos” que o Recorrente alegadamente utilizou, fundamentando a sentença nessa insuficiência, cometeu o tribunal recorrido uma nulidade que ora se invoca, com todas as consequências legais. XXII. Quanto à possibilidade de convolação, entendeu o tribunal recorrido que a matéria factual contida na parte da petição inicial denominada “Inexistência da dívida revertida” redundaria em matéria apenas utilizável em sede de impugnação judicial, mas que seria impossível converter o processado (quanto a essa matéria de facto) em impugnação, seja porque envolveria uma situação de litispendência, seja porque a impugnação convolada seria intempestiva. XXIII. Contudo, não há litispendência, nos termos do artigo 581.º, n.os 1 e 2, do CPC, já que, nos autos de impugnação judicial n.º 569/14.2BEMDL, a impugnante é a devedora principal e não o Recorrente; e, por outro lado, o que está ali em causa não é a liquidação de IRC dos anos de 2009 e 2010, mas antes a liquidação de IVA, pelo que não há identidade de causa de pedir, nem do pedido, naqueles outros autos e nos presentes autos – artigo 581.º, n.os 1, 3 e 4, do CPC. XXIV. Também não se poderia considerar que, em caso de convolação, a impugnação judicial pelo Recorrente fosse extemporânea, porque se teria de considerar que foi pro-posta no mesmo dia em que a oposição à execução foi interposta. E esta foi interposta no prazo de trinta dias, sendo que a impugnação teria de ser interposta no prazo de três meses. XXV. Por último, a convolação não consubstanciaria erro na forma do processo, atendendo à causa de pedir e pedidos formulados, nem determinaria a anulação do processado, podendo e devendo ser aproveitados os actos praticados. XXVI. Antes de mais considerações, convém esclarecer que, do último artigo da petição inicial, consta a anulação das liquidações – que corresponde, nada mais, nada menos, ao pedido subjacente ao processo de impugnação judicial. XXVII. Por outro lado, a causa de pedir quanto aos factos em causa em nada diverge das causas de pedir típicas do processo de impugnação. De facto, se atentarmos na causa de pedir no processo de impugnação judicial que corre sob o n.º 569/14.2BEMDL, nos quais foi a impugnação julgada totalmente procedente, os factos ou causa de pedir são exactamente os mesmos que estão em causa na parte da petição inicial da presente oposição à execução intitulada “Inexistência da dívida recorrida”. XXVIII. Em termos de tramitação processual, o processo de oposição à execução e o de impugnação judicial não divergem de maneira a que a mesma seja inconciliável. XXIX. Não existe, no entendimento do Recorrente, qualquer obstáculo à convolação da matéria de facto em causa em impugnação judicial. Por isso, resulta dos artigos 97.º, n.º 3, da LGT, e 98.º, n.º 4, do CPPT, que o tribunal deveria, em nome do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, operar a convolação. XXX. Atendendo a quanto se retira do artigo 198.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, ocorre a nulidade insanável do processo quando a petição inicial é inepta. XXXI. Decorre da sentença recorrida que a convolação da matéria de facto em causa em impugnação judicial degeneraria numa ineptidão da petição inicial, que determinaria a nulidade do processado. XXXII. E o articulado de oposição à execução seria inepto, enquanto articulado de impugnação judicial, porque, de acordo com a decisão recorrida, se verificaria a hipótese normativa contida na alínea c) do n.º 1 do artigo 186.º do CPC: a cumulação de causa de pedir e de pedidos substancialmente incompatíveis. XXXIII. Todavia, não ocorreria qualquer incompatibilidade entre a causa de pedir - inexistência de facto tributária subjacente à liquidação adicional de IRC - e o pedido de anulação de liquidação vertido no último artigo da petição inicial. XXXIV. E, sendo reconhecida, legal e jurisprudencialmente, ao Recorrente a possibilidade de deduzir oposição à execução e de impugnar judicialmente o acto de liquidação, seria descabido que, em casos como o dos autos, fosse exigível ao Autor apresentar dois articulados distintos, quando a tramitação processual entre um e outro processo é substancialmente igual, sendo certo que a matéria de facto a apreciar num e noutro processo é incindível. XXXV. Donde não existe qualquer obstáculo, formal ou material, à convolação daquela parte do articulado do Recorrente em impugnação judicial, devendo a mesma ser ordenada. XXXVI. A sentença recorrida viola o disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 97.º, n.º 3, da LGT, 98.º, n.ºs 4 e 5, 102.º, 198.º, n.º 1, alínea a), e 204.º do CPPT, 3.º, n.º 3, 186.º, n.ºs 2, alínea c), e 4, 581.º, n.ºs 1 a 4, e 590.º, n.ºs 2, alínea b), e 4 do CPC, e 268.º, n.º 4, da CRP. XXXVII. Em suma: a) Deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra em que se julgue procedente a oposição à execução, tendo por base a aplicação exclusiva da alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT e a falta de demonstração, pela Recorrida, da culpa do Recorrente na diminuição do património da Executada; b) Caso assim não se entenda e se considere aplicável a hipótese prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, deverá ser considerado que na petição inicial foram alegados factos suficientes para demonstrar a ausência ou exclusão da culpa do Recorrente, devendo, em consequência, a decisão recorrida ser anulada e ordenada a produção de prova dos factos alegados nos artigos 20.º a 38.º e 50.º a 146.º da petição inicial, sem prejuízo de ser formulado o convite ao Recorrente para aperfeiçoamento do seu articulado; c) Deverá ser determinada a convolação da parte do articulado intitulada "Da inexistência da dívida revertida" em impugnação judicial, para os devidos e legais efeitos. Nestes termos e nos demais de Direito, na procedência da argumentação supra aduzida, deve ser dado provimento ao presente recurso, assim se fazendo a costumada Justiça!” * Não foram produzidas contra-alegações.* O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se pela procedência do presente recurso.Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIARCumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em analisar a violação do direito de audição bem como a ilegitimidade do revertido e ainda apreciar a caducidade do direito à liquidação, o erro na forma do processo, sem possibilidade da sua convolação em processo de impugnação judicial, sem olvidar a matéria da anulação do processado quanto à causa de pedir “Da inexistência da dívida revertida”.3. FUNDAMENTOS 3.1. DE FACTO Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte: “… 1. A AT instaurou execução fiscal n.º 2496201401061186 contra a sociedade “ES, Lda, Em Liquidação”, NPC 50xxx04 por dívidas de IRC de 2009 e 2010 no valor 14.866,80 € - Fls. 37, 38, 38/V, 59, 60, 61, 61/V, 93, 94 e 94/V do PA; 2. Por ofícios datados de 3/6/2015 e 9/6/2015 o Oponente foi notificado para audiência prévia relativamente à possibilidade de reversão da dívida da inicial executada – docs 4 e 5 da contestação, que aqui se dão por reproduzidos; 3. Em 3/7/2015 o Oponente foi citado – CFr. fls. 92 e 92/V cujo teor se dá aqui por reproduzido; 4. Em 11/6/2013 a devedora originária foi notificada da ordem de serviço relativa ao início de inspecção tributária que sobre a sua contabilidade incidiu – doc 1 da contestação; 5. O Oponente foi gerente de direito, e gerente de facto nos anos a que as dividas dizem respeito, e, até pelo menos, início de 2011 – Cfr. fls. 54 e 55 do PA, e docs 6 a 10 da PI, onde se encontram comprovativos de levantamentos de cheques; contrato de mútuo com hipoteca que o Oponente celebrou em 2009 em representação da Sociedade inicial executada; e auto de declarações do Oponente de 26/9/2013; e é o que resulta da conjugação dos artigos 14.º, 17.º, 23, 55.º a 133.º da PI, onde o Oponente demonstra que esteve bem por dentro dos assuntos da sociedade e controlava o seu destino. Ao abrigo do disposto no art. 662º nº 1 do C. Proc. Civil, adita-se ao probatório o seguinte: 6. As dívidas referidas em 1. respeitam a IRC e juros compensatórios dos anos de 2009 e 2010 cuja data limite de pagamento terminou em 07-04-2014 (2009) e 10-04-2014 (2010), respectivamente – fls. 60 e 61 do PAT apenso. * 3.2. DE DIREITO A partir daqui, assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da essência do recurso jurisdicional “sub judice”, o que significa indagar da ilegitimidade do Recorrente no âmbito da presente execução. Para recusar conceder abrigo à pretensão do ora Recorrente, a decisão recorrida ponderou que: “… Em matéria de responsabilidade subsidiária dos membros de corpos sociais, estabelece-se no número 1 do artigo 24.º da LGT o seguinte: 1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.” Daqui decorre a existência de dois requisitos substantivos para se concluir pela responsabilidade subsidiária: a gerência de facto e a culpa. Decorre também do artigo transcrito a existência de dois diferentes regimes de responsabilidade, no que concerne ao segundo requisito, tendo em conta a conexão temporal que se estabelece entre os tributos, o património da pessoa colectiva como garantia de satisfação daqueles e o período de exercício do cargo de administração, direcção ou gestão. Em relação à responsabilidade da alínea a) caberá à Administração Tributária provar a culpa do administrador, director ou gerente na insuficiência do património da pessoa colectiva para satisfação dos créditos fiscais. Já na situação da alínea b) os administradores, directores e gerentes presumem-se culpados pela situação de não pagamento, pois que sobre eles recai o ónus de provar não lhes ser imputável a falta de pagamento das dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período em que exerciam o cargo de administração, direcção ou gestão do ente colectivo. Comprovou-se que o Oponente foi gerente de direito, e foi gerente de facto da inicial executada até, pelo menos, início de 2011, como demonstram quer os documentos relativos a levantamentos de cheques e pela representação da inicial executada em celebração de contratos de empreitada, quer pelas declarações do próprio Oponente efectuadas em Setembro de 2013. Portanto, aludindo simplesmente a considerações abstractas de “colapso dos mercados financeiros”, ou património da sociedade “consumido pela crise” o Oponente não invocou factos concretos sobre os quais pudesse fazer prova de exclusão de culpa. Improcede o pedido fundado nesta causa de pedir. …”. Nas suas alegações, o Recorrente defende que a culpa relevante nos termos e para efeitos do disposto no artigo 24.º da LGT não é a que respeite somente à diminuição do património da pessoa colectiva ou de entes fiscalmente equiparados, nem a que respeite apenas ao incumprimento da obrigação de pagamento de imposto – mas só aquela que se reporte substantivamente ao incumprimento da obrigação das disposições legais destinadas à protecção dos credores, quando desse incumprimento resulte, em nexo de causalidade adequada, a insuficiência do património da sociedade para satisfação dos créditos fiscais e nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública – alínea a) do artigo 24.º da LGT, sendo que, no caso presente o prazo de pagamento terminou após o Recorrente ter cessado as suas funções como gerente, já que as liquidações adicionais de IRC, relativas aos anos de 2009 e 2010, ocorreram apenas em 2014, e foram obtidas pela aplicação de métodos de avaliação indirecta, tendo os respectivos prazos para pagamento terminado apenas em 7 e 10 de Abril de 2014, respectivamente, verificando-se que o tribunal recorrido considerou como provado que o Recorrente exerceu as funções de gerente apenas até ao início do ano de 2011, pelo que, aplicável ao caso dos autos será, outrossim, a hipótese normativa contida na alínea a) do n.º 1 do referido artigo 24.º, uma vez que as dívidas tributárias em causa tiveram origem num facto constitutivo que se verificou no período de exercício do cargo de gerente e/ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega terminou depois do exercício dessa gerência, sendo certo que a Administração Tributária não conseguiu demonstrar, como era sua obrigação probatória, que o património da Executada se tornou insuficiente para a satisfação dessas dívidas fiscais por culpa do Recorrente. No que concerne às dívidas de IRC de 2009 e 2010, e na medida em que tal responsabilidade é aferida pela lei vigente ao tempo do nascimento das dívidas, no caso, deparamos com a aplicação do disposto no art. 24º nº 1 da LGT, o qual estabelece que: 1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. Quando ao âmbito de aplicação das referidas alíneas contidas citado no artigo 24º da LGT, o Ac. do S.T.A. de 14-02-2013, Proc. nº 642/12, www.dgsi.pt refere que: “[a] alínea a) do nº 1 do art. 24º abrange apenas as situações em que o gerente à data da constituição das dívidas já não o era na altura em que estas deviam ter sido pagas (razão por que só responderá se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para esse posterior pagamento, competindo à FP o ónus da prova dessa culpa), e que a alínea b) abrange a responsabilidade dos gerentes que exerceram o cargo à data do pagamento das dívidas, independentemente de o terem exercido ou não no período da constituição da dívida (razão por que lhe caberá provar que não lhe é imputável essa falta de pagamento) (Esta diferença no regime do ónus da prova compreende-se quando se atenta que no caso da alínea a) o gerente não pode ser responsabilizado pela falta de pagamento, dado que enquanto exerceu o cargo a dívida não fora posta a pagamento, pelo que só poderá ser responsabilizado caso a exequente prove que ele teve culpa na insuficiência do património societário. E, no caso da alínea b), quando se atenta que o pagamento da prestação tributária constitui uma obrigação do gerente, pelo que tem de ser este a provar que não lhe é imputável a falta de pagamento das dívidas vencidas durante o período do exercício do cargo, designadamente pela demonstração de que foram os gerentes que exerceram o cargo durante o período do nascimento da dívida que praticaram os actos lesivos do património da executada impeditivos do pagamento das dívidas posteriormente postas à cobrança.) (…)” Na situação dos autos, o despacho de reversão enquadra a situação no art. 24º nº 1 al. b) da LGT, referindo que a gerência da executada e devedora originária, ao tempo da ocorrência dos factos geradores da dívida bem como do seu pagamento era exercida pelo aqui Recorrente. No entanto, o probatório informa que o Oponente foi gerente de direito, e gerente de facto nos anos a que as dividas dizem respeito, e, até pelo menos, início de 2011 – Cfr. fls. 54 e 55 do PA, e docs 6 a 10 da PI, onde se encontram comprovativos de levantamentos de cheques; contrato de mútuo com hipoteca que o Oponente celebrou em 2009 em representação da Sociedade inicial executada; e auto de declarações do Oponente de 26/9/2013; e é o que resulta da conjugação dos artigos 14.º, 17.º, 23, 55.º a 133.º da PI, onde o Oponente demonstra que esteve bem por dentro dos assuntos da sociedade e controlava o seu destino. Nesta medida, cremos que a análise desta matéria terá de tomar outro rumo relativamente ao exposto na decisão recorrida, onde se volta a afirmar que o Oponente foi gerente de direito, e foi gerente de facto da inicial executada até, pelo menos, início de 2011, como demonstram quer os documentos relativos a levantamentos de cheques e pela representação da inicial executada em celebração de contratos de empreitada, quer pelas declarações do próprio Oponente efectuadas em Setembro de 2013, sem extrair quaisquer consequências do que ficou definido no probatório. Pois bem, quanto às dívidas tributárias cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício (mas em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança) o administrador ou gerente é responsável se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento. O ónus da prova da culpa recai, no entanto, sobre a Fazenda Pública. Com efeito, neste domínio, impunha-se que a reversão da execução fiscal efectuada ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 24º da LGT fosse acompanhada da prova (pela administração tributária) de factos demonstrativos da destruição ou danificação do património social, da ocultação e dissimulação do activo social, da criação ou agravamento artificial de activos ou passivos, do uso do crédito da sociedade para satisfazer interesses de terceiros, entre outros factos-índice de uma gestão danosa do património da sociedade originariamente devedora. Não é, pois a mera falta de mérito ou habilidade na gestão da sociedade que pode fundamentar a decisão de reversão, mas uma gestão que se traduza em factos ilícitos e violadores de normas concretas de protecção dos credores sociais - António Lima Guerreiro, LGT anotada, pág. 141. Nesta sequência, resulta claro que os elementos presentes nos autos não fornecem qualquer contributo no sentido de se poder dizer que a AT alegou e/ou invocou a culpa do ora Recorrente pela insuficiência do património, o que equivale a dizer que não foi demonstrada a culpa deste neste âmbito, o que significa que tem de proceder a alegação do Recorrente nesta sede, não podendo manter-se a decisão recorrido no que concerne às dívidas apontadas nos autos, com a natural procedência do recurso, ficando prejudicado o conhecimento do mais suscitado nos autos. *** 4. DECISÃONestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, e nesta sequência, julgar procedente a presente oposição, determinando-se a extinção da execução em relação às dívidas apontadas nos autos (IRC e juros compensatórios de 2009 e 2010). Custas pela Recorrida, em ambas as Instâncias; nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou. Notifique-se. D.N.. Porto, 06 de Junho de 2019 Ass. Pedro Vergueiro Ass. Ana Patrocínio Ass. Cristina Bento |