Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00418/16.7BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/24/2025
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:TIAGO MIRANDA
Descritores:CONTRATO DE SERVIÇOS DE RADIODIFUSÃO ENTRE MUNICÍPIO E UMA RÁDIO LOCAL; RESOLUÇÃO DO CONTRATO;
Sumário:
I – Considerando o artigo 4º nº 1 alª d) do CCP e os artigos 200º 202º do CPA actual ex vi artigo 12º nº 2 do CC, não há razões para se considerar como contrato administrativo, de maneia a ser aplicável à sua execução a parte III do CCP, o contrato de serviços de radiodifusão entre Município e uma radio local. Trata-se de um contrato da mesma natureza do que qualquer pessoa colectiva privada poderia outorgar para promoção dos seus fins sociais, não há para qualquer poder “exorbitante” do contratante público ou de qualquer assimetria entre as obrigações contratuais; e a própria formação do contrato não se presta à concorrência, atenta a natureza de radio local do co-contratante.

II – A resolução do contrato é um negócio jurídico pelo qual, mediante declaração receptícia, uma parte dispõe unilateral e potestativamente a erradicação, da ordem jurídica, em regra com eficácia retroactiva, das obrigações com fonte num determinado contrato que outorgou, invocando como fundamento vinculante, para tanto, seja a lei, seja a eventual previsão no próprio contrato.

III - Da natureza potestativa deste negócio resulta que, uma vez declarada a resolução, deixam de poder ser objecto de discussão as obrigações emergentes do contrato, para passar outrossim a poder ser reclamada tão só a indemnização dos danos causados à contraparte pela eventual falta de fundamento legal ou contratual para a resolução, para além da repetição do que tiver sido prestado e disso for susceptível.

IV - Conforme o artigo 434º nºs 1 e 2 do CC, a resolução tem eficácia retroactiva, mas, em regra, não afecta, nos contratos de execução continuada ou periódica, as prestações já efectuadas. Portanto, na resolução de contratos de tal natureza, o pagamento das prestações de serviço já efectuadas continua a ser devido com fundamento no contrato.

V - Podia, o Réu, ter invocado o inadimplemento ou o cumprimento defeituoso, como fundamento para não pagar parte das ou todas as quantias facturadas desde Junho de 2013, mas não o fez: invocou apenas uma resolução cronologicamente ineficaz, atento o nº 2 do artigo 434º do CC, pelo que a acção devia ter sido julgada totalmente procedente. Porém, a proscrição da reformatio in pejus (artigo 635º nº 5 do CPC) impõe que o Réu vá condenado apenas nos parciais termos em que o vinha na 1ª instância.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - Relatório
Município ..., pessoa colectiva nº ...84 interpôs o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 14 de Outubro de 2021 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que, julgando parcialmente procedente a acção administrativa movida por [SCom01...] - CRL, pessoa colectiva nº ...30, com sede na Avenida ..., na cidade ..., o condenou a “pagar à Autora a quantia de 4.117,64€ (quatro mil cento e dezassete euros e sessenta e quatro cêntimos), acrescida dos juros moratórios, à taxa legal, computados desde a data de vencimento de cada uma das facturas em dívida até ao efectivo e integral pagamento”.


Rematou a sua alegação com as seguintes conclusões:
«1ª O presente recurso jurisdicional foi interposto contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela em 14 de Outubro p.p., que julgou parcialmente procedente a acção e, por recurso à equidade, condenou o Município a pagar a quantia de 4.117,64€ pelos serviços que alegadamente teriam sido prestados pela A. ao abrigo do contrato de prestação de serviços entre ambos celebrado e já resolvido pelo Município.

2ª Salvo o devido respeito, o aresto em recurso começa por incorrer em inúmeras contradições factuais e jurídicas, dificilmente explicáveis e seguramente não aceitáveis do ponto de vista da justiça e da correcta aplicação do direito.

3ª Na verdade, é dificilmente compreensível que um tribunal tanto afirme que não se provou que “...autora tenha faltado culposamente ao cumprimento do contrato...” (v. fls 13 da sentença) e que “...não se pode concluir pelo incumprimento do contrato...” (v. fls 15 da sentença) como, logo em seguida, já reconheça que "...a autora deixou de respeitar os horários acordados para a emissão da agenda cultural...” (v. fls 15 da sentença), que “...é de aceitar que a Entidade Demandada tenha justa causa para resolver o contrato...” (v. fls 17 da sentença) e que “...quando a Autora comunicou à Entidade Demandada a rescisão do contrato este já havia sido validamente resolvido../' (v. fls. 17 da sentença).

4ª Para além disso, também do ponto de vista jurídico é absolutamente incoerente que se reconheça que um contrato foi validamente resolvido e depois se condene quem resolveu validamente tal contrato a pagar prestações contratuais cujo incumprimento foi o motivo da resolução.
Em qualquer dos casos,

5ª O aresto em recurso enferma da nulidade prevista na alínea c) do n° 1 do art.° 615° do CPC, uma vez que não só há uma contradição absoluta entre os fundamentos de facto e a decisão alcançada, como também é por demais notória a própria contradição insanável entre os fundamentos de direito.

6ª Na verdade, é inegável haver uma contradição absoluta entre os fundamentos de facto e os fundamentos de direito e a decisão alcançada pelo Tribunal a quo, pois enquanto os primeiros comprovam o incumprimento contratual, os segundos consideram não haver qualquer incumprimento e decidem como se ele não existisse, o que determina a nulidade do aresto em recurso.

7ª Para além de haver uma contradição entre os fundamentos de facto e de direito, a verdade é que há igualmente uma absoluta contradição entre os próprios fundamentos de direito, uma vez que ao mesmo tempo que se afirma que não se pode concluir pelo incumprimento do contrato pela A. (v. fls 15 da sentença), também se deixa bem claro que a A. deixou de respeitar os horários acordados para a emissão da agenda cultural (v. fls 15 da sentença) e que tinha justa causa para resolver o contrato e que o fez validamente (v. fls 17 da sentença).
Para além disso,

8ª O aresto em recurso enferma de notório erro de julgamento por condenar o Município a pagar o valor de determinadas facturas quando ficou provado que a A. não cumprira duas das três obrigações contratualmente assumidas - não passou a agenda cultural às 9.30 e às 17.30 (v. pontos 3 e 9 da factologia assente) e não realizou a emissão em directo (v. pontos 4 e 15 da factologia assente) e que o contrato foi resolvido pelo Município por incumprimento contratual, (v. ponto 16 da matéria de facto).

9ª Na verdade, não sendo suscitada por nenhuma das partes a questão da invalidade da resolução do contrato, não poderia o Tribunal a quo condenar o Município a cumprir a sua obrigação contratual - pagar o preço acordado pelos serviços contratados - quando estava comprovado que a A. não cumprira as obrigações que eram a contrapartida desse mesmo preço, seja por força da eficácia retroactiva da resolução (v. n° 1 do art.° 434° do Código Civil), seja por força da Exceptio Non Adimpleti Contractus, que legitimava que o Município não tivesse de cumprir a sua prestação enquanto a A. não cumprisse integralmente as suas obrigações (v. art.° 428° do CCivil),

10ª O aresto em recurso enferma ainda de erro de julgamento ao ter fixado o montante das facturas devidas à A. através do recurso à equidade, seja por no caso sub judice não estarem preenchidos os pressupostos do recurso à equidade, seja por o montante das facturas que o Município foi condenado a pagar ser totalmente contrário às mais elementares regras da equidade, representando uma inversão de tudo o que é equitativo.
Com efeito,

11ª Resulta claramente do n.° 3 do art.° 566° do CC que o recurso à equidade tem uma natureza excepcional, só a ele podendo haver lugar quando esteja em causa o ressarcimento de danos, e o montante desses prejuízos seja indefinido (v. entre outros, os Ac°s do STJ de 16 de Setembro de 2008, Proc. n.° 08A2094, de 10-12-2019, Proc. n° 1087/14.4T8CHV.G1 .si ede25/5/2021, Proc. n° 1060/17), pelo que não estando em causa uma acção de indemnização onde houvesse que apurar o montante dos danos e estes fossem indefinidos - mas antes uma acção de condenação ao pagamento do valor constante de determinadas facturas - estava vedado ao Tribunal a quo recorrer à equidade para determinar o montante das facturas que deveria ser pago.
Por fim,

12ª Ainda que por mera hipótese este douto Tribunal entenda que o montante das facturas devidas poderia ser apurado através de um juízo de equidade, sempre se teria de concluir que o montante em que o Município foi condenado - 4.117,64€ - era totalmente contrário à equidade, uma vez que estava provado que a A. só cumprira 33% das suas obrigações - isto é só cumprira uma das três obrigações contratualmente assumidas, e por força da condenação acaba por ter direito a receber 63% do montante total das facturas peticionado, o que é totalmente contrário às mais elementares regras de justiça e equidade e sempre determinaria a redução do valor a pagar pelo Município para 2.170€.
Nestes termos,
Deve ser concedido provimento ao recurso jurisdicional, e em consequência revogada a sentença em recurso, com as legais consequências.»

Notificada, a Recorrida respondeu à alegação.
Concluiu nos seguintes termos:
«Conclusões
1. Por sentença proferida em 14.10.2021, o Tribunal a quo julgou parcialmente procedente a presente acção, condenando a Recorrente a pagar a quantia de 4.117,64 €, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, computados desde a data de vencimento de cada uma das facturas até efectivo e integral pagamento, fazendo o Mmo. Juiz a quo fez uma correcta interpretação da matéria de facto e de prova produzida em audiência de julgamento, bem como aplicou de forma correcta o direito ao caso sub judice.
2. A Recorrente sustenta que a sentença é nula, nos termos do artigo 615°, n° 1, c) CPCivil por alegadamente os fundamentos da mesma estarem em oposição com a decisão final, fazendo uma selecção parcial e descontextualizada da matéria de facto dada como provada e da fundamentação de direito com o propósito de confundir o Tribunal.
3. Quanto ao ponto 3 da matéria de facto, a Recorrente omitiu propositadamente a data da celebração do contrato de prestação de serviços (1 de Julho de 2009), bem como o ponto 7 da mesma, que são essenciais na análise da mesma, nem impugnou a mesma.
4. No que respeita ao ponto 4 e 15 da matéria dada como provada, a Recorrente também não fez a análise correcta da mesma e em consonância com fundamentação de direito da decisão recorrida (fls 12, 13 e fls 15), limitando-se a extrair pequenos extractos da mesma para sustentar uma contradição inexistente entre os fundamentos de facto e os fundamentos de direito constantes da decisão recorrida.
5. Quando ao alegado pela Recorrente sob o título “erro do julgamento”, a validade e/ou invalidade da resolução não foi suscitada nos presentes autos, estando assente que a Recorrida:
- Até Maio de 2013 (inclusive), cumpriu obrigações de emitir a agenda cultural no horário estipulado, difundiu os spots diários e a emissão em directo (já que competiria à recorrente proceder ao agendamento e definição do seu conteúdo, nunca o tendo feito);
- De Junho de 2013 até à cessação do contrato, não emitiu a agenda cultural, no horário contratualmente previsto (mas em outro), cumprindo as outras duas obrigações contratuais.
6. A Recorrente resolveu o contrato de prestação de serviços com a Recorrida com efeitos em 28/01/2021, nos termos do artigo 436°, n° 1 do Código Civil (cfr. ponto 16 e 17 da matéria de facto dada como provada).
7. Conforme dispõe o art. 434°, n° 2 do Código Civil, esta resolução não tem efeitos retroactivos, sendo expresso que nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas, o que não se coloca na situação em apreço.
8. No que concerne à invocada excepção do não cumprimento é inequívoca a sua inaplicabilidade à situação discutida nos presentes autos, atendendo que o incumprimento do contrato foi iniciado pela própria Recorrente quando entrou em mora, desde Dezembro de 2012, no pagamento das facturas devidas pela prestação de serviços contratualizada com a Recorrida, não estando nessa data em causa qualquer incumprimento contratual que pudesse ser imputado à Recorrida.
9. A invocação por parte da Recorrente de tal excepção constitui até a violação do princípio geral da boa fé consagrado nos artigos 227° e 762°, n°2 do Código Civil.
10. Tendo por base matéria de facto assente - que não foi impugnada pela Recorrente - e a fundamentação de direito da sentença recorrida torna-se claro e evidente que o recurso à equidade é o único critério que tem em conta o equilíbrio e a proporcionalidade em que assentam os contratos bilaterais, sendo acertada a decisão de reduzir proporcionalmente em 1/5 o valor da prestação mensal devida pela Recorrente à Recorrida entre Junho de 2013 e Janeiro de 2014.
11. Em conformidade, a decisão proferida deverá ser mantida e, em consequência, manter a condenação da Recorrente nos seus precisos termos
TERMOS EM QUE, julgando improcedente o presente recurso, e confirmando a douta sentença, V.as Ex.as Venerandos Juízes Desembargadores, farão a tão habituada JUSTIÇA!.»

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II- Delimitação do objecto do recurso
A - Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações, interpretadas em função daquilo que se pretende sintetizar, isto é, o corpo das alegações.

Posto isto, as questões que cumpre apreciar em apelação são as seguintes:

1ª Questão
A sentença recorrida é nula, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC, por encerrar quer uma contradição nos fundamentos de direito entre si, quer uma contradição entre a fundamentação de facto e de direito, por um lado, e a decisão, por outro?

2ª Questão
A sentença recorrida, sem conceder, padece de erro de julgamento de direito, pois apesar de laborar no pressuposto, incontestado pela Autora, da validade da resolução do contrato, condena o Réu a pagar uma quantia com fundamento no mesmo contrato, com o que viola o artigo 434º nº 1 do CC, que confere eficácia retroactiva à resolução do contrato, e numa quantia arbitrada com recuso à equidade, sendo certo que esta vem prevista na lei apenas para a responsabilidade extracontratual, com o que também se viola artigo 562º do CC?

3ª Questão
Se não, sem conceder, sempre padece, a sentença recorrida, de erro de julgamento de direito, violando precisamente a equidade, ao condenar numa quantia que equivale a 63% do valor das facturas quando os factos provados correspondiam a pelo menos 2/3 de incumprimento?


III - Apreciação do objecto do recurso
A fundamentação do acórdão recorrido em matéria de facto é a seguinte
«Com relevância para a decisão da presente acção, considero provados os seguintes factos:
1. A Autora dedica-se com regularidade e por conta própria ao exercício da actividade de radiodifusão sonora, sendo titular de uma licença para o exercício de radiodifusão sonora no concelho ..., frequência 89.20 MHz, disponibilizando um serviço de programas generalista, de âmbito local (cfr. fls. 80 e depoimentos das testemunhas «AA» e «BB»).

2. Com data de 1 de Julho de 2009, a Autora celebrou com a Entidade Demandada um contrato de prestação de serviços, pelo período mínimo de um ano, renovável por igual período de tempo, pelo valor mensal de 270,00€, acrescido de IVA, à taxa legal (cf. fls. 7 verso e 8 do suporte físico do processo).

3. Mediante o referido contrato, a Autora comprometeu-se a prestar serviços na área da divulgação de todos os eventos em que a Entidade Demandada estivesse envolvida, criando para o efeito dois espaços diários de segunda a sexta-feira, na sua grelha de programação, intitulados "agenda cultural” (9.30h e 17.30h), e inserindo ainda três spots diários (segunda a sexta-feira), para divulgação de mensagens de utilidade pública que a Entidade Demandada tivesse por convenientes para os munícipes (cfr. fls. 7 verso e 8 do suporte físico do processo).

4. A Autora comprometeu-se ainda a realizar uma emissão em directo com o tempo de uma hora (sábado ou domingo), a designar com a antecedência mínima de 30 dias, para dar a conhecer as potencialidades do concelho nas mais diversas vertentes, com convidados para o efeito, das respectivas áreas (cfr. fls. 7 verso e 8 do suporte físico do processo).

5. Por sua vez, a Entidade Demandada obrigou-se a informar a Autora em tempo útil (nunca inferior a 48 horas) dos eventos a promover e/ou divulgar (cfr. fls. 7 verso e 8 do suporte físico do processo).
6. No período que mediou entre Julho de 2009 e Novembro de 2012, a Autora prestou os serviços contratados à Entidade Demandada e emitiu as respectivas facturas, que foram pagas por esta (cfr. depoimento da testemunha «AA»).

7. No período compreendido entre Dezembro de 2012 e Maio de 2013, a Autora inseriu na agenda cultural diária a informação prestada pela Entidade Demandada e emitiu os spots diários solicitados por esta (cfr. declarações de parte do legal representante da Autora e depoimento da testemunha «BB»).

8. Em 28 de Maio de 2013, a Autora apresentou à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERCS) a modificação do projecto que lhe havia sido licenciado, no que se refere à alteração da classificação quanto ao conteúdo da programação do serviço de programas, de generalista para temático musical, bem como a consequente alteração da denominação para M80 Bragança, em virtude de uma parceria com o serviço de programas M80, desenvolvido pela [SCom02...], S.A. (cfr. declarações de parte do legal representante da Autora e fls. 27 a 30 do suporte físico do processo).

9. A partir de Junho de 2013, a Autora passou a retransmitir dezasseis horas diárias da emissão do serviço de programas M80 e manteve oito horas diárias de programação própria, entre as 11h e as 17h e as 20h e as 22h, em dias úteis, e entre as 7h e as 10h e as 18h e as 22h, ao fim de semana, dirigida especificamente ao interior norte do país (cfr. fls. 25 a 26 verso do suporte físico do processo, declarações de parte do legal representante da Autora e depoimento da testemunha «BB»).

10. A Autora manteve um período de programação própria, no qual procede à divulgação de informação de interesse para a audiência da respectiva área de cobertura, tendo efectuado a divulgação da agenda cultural da Entidade Demandada nesse período (cfr. declarações de parte do legal representante da Autora e depoimento da testemunha «BB»).

11. A Autora não notificou a Entidade Demandada da alteração da sua grelha de programação (cfr. declarações de parte do legal representante da Autora).

12. No segundo semestre de 2013, a Entidade Demandada tentou contactar aquele meio de comunicação social para aferir do cumprimento do contrato e este não respondeu (cfr. depoimentos das testemunhas «CC» e «DD»).

13. Por carta de 02/12/2013, a Entidade Demandada procedeu à devolução das facturas adiante identificadas, nos seguintes termos:
Por incumprimento do contrato de prestação de serviços celebrado por este Município e a [SCom01...], em 1 de Junho de 2009, junto se devolvem as facturas a seguir identificadas:
- Factura n° 198 de 31/12/2012, no montante de 332,10€ (trezentos e trinta e dois euros e dez cêntimos);
- Factura n° 20130004 de 31/01/2013, no montante de 332,10€ (trezentos e trinta e dois euros e dez cêntimos);
- Factura n° 20130012 de 28/02/2013, no montante de 332,10€ (trezentos e trinta e dois euros e dez cêntimos);
- Factura n° 20130017 de 28/03/2013, no montante de 332,10€ (trezentos e trinta e dois euros e dez cêntimos);
- Factura n° 20130023 de 30/04/2013, no montante de 332,10€ (trezentos e trinta e dois euros e dez cêntimos);
- Factura n° 20130029 de 31/05/2013, no montante de 332,10€ (trezentos e trinta e dois euros e dez cêntimos);
- Factura n° 20130038 de 28/06/2013, no montante de 332,10€ (trezentos e trinta e dois euros e dez cêntimos);
- Factura n° 20130044 de 31/07/2013, no montante de 332,10€ (trezentos e trinta e dois euros e dez cêntimos);
- Factura n° 20130049 de 30/08/2013, no montante de 332,10€ (trezentos e trinta e dois euros e dez cêntimos);
- Factura n° 20130056 de 30/09/2013, no montante de 332,10€ (trezentos e trinta e dois euros e dez cêntimos);
- Factura n° 20130063 de 31/10/2013, no montante de 332,10€ (trezentos e trinta e dois euros e dez cêntimos)" (cfr. fls. 9 verso e ss. do suporte físico do processo).

14. em 19/12/2013, a Autora procedeu novamente à remessa das facturas em débito à Entidade Demandada, tendo ficado a aguardar o seu pagamento (cfr. fls. 9 verso do suporte físico do processo e declarações de parte do legal representante da Autora).

15. nos anos de 2012 e 2013, a Autora não realizou a emissão em directo num fim de semana, com a duração de uma hora, prevista no contrato (cfr. declarações de parte do legal representante da Autora e depoimentos das testemunhas «BB», «CC» e «DD»).

16. por carta registada com aviso de recepção datada de 03/01/2014, a Entidade Demandada comunicou à Autora a rescisão com justa causa do contrato de prestação de serviços de 1 de Junho de 2009, nos seguintes termos:
O Município ..., com sede na Praça ..., ... ..., vem comunicar a Rescisão do Contrato de Prestação de Serviços, celebrado em 1 de Junho de 2009 com V. Exas. e que se junta em anexo, por incumprimento das condições estabelecidas nas cláusulas 3, 4, 5 e 6 do identificado contrato, já que têm sido enviadas para V. Exas. e em respeito pela cláusula 2, notícias e informações dos eventos a divulgar, as quais não têm sido difundidas conforme competiria em razão do contratualizado.
Nestes termos e considerando que a Cedência da Frequência em que operava a [SCom01...], ao Grupo Grupo 1 ..., para difusão da Estação de Rádio M80, perdendo desta forma a [SCom01...], o cariz regional que serviu de fundamento à celebração do Contrato de Prestação de Serviços com este Município, assiste assim justa causa para Rescisão ao Município ..., o que, com a presente missiva o faz e comunica.
Encontrando-se a [SCom01...] em incumprimento com o estabelecido contratualmente, procedeu o Município ... à devolução das facturas por missiva com a data de 02/12/2013, já que não foram os competentes serviços prestados.
Sendo que, face às razões aduzidas, assiste ao Município ... o direito de rescisão com base no incumprimento das obrigações emergentes do Contrato de Prestação de Serviços firmado" (cfr. fls. 49 do suporte físico do processo).

17. essa carta foi devolvida ao remetente, pelo que foi a mesma enviada por telecópia para a Autora em 15/01/2014, sem êxito, e por correio electrónico em 28/01/2014, tendo sido acusada a sua recepção nesta data (cfr. fls. 51-53 do suporte físico do processo).

18. em 15 de Janeiro de 2014, a ERCS, através da deliberação ...14 (AUT-R), autorizou a alteração do projecto radiofónico licenciado à Autora, nos termos por esta requeridos (cfr. fls. 27 a 30 do suporte físico do processo).

19. por carta datada de 31/03/2014, a Autora comunicou à Entidade Demandada a não renovação do contrato de prestação de serviços e o cancelamento dos respectivos espaços reservados na sua grelha de programação, tendo enviado também a factura do mês de Março desse ano e interpelado a mesma para pagar as facturas vencidas no prazo de quinze dias (cfr. fls. 15 verso do suporte físico do processo).

Com interesse para a decisão da causa, não se provaram os seguintes factos:

a) A [SCom01...] deixou de existir no ano de 2013, porque foi "absorvida” por uma das grandes rádios a nível nacional, revelando, portanto, uma impossibilidade total do cumprimento do Protocolo celebrado entre a aqui A. e o aqui R.
b) As frequências utilizadas pela antiga [SCom01...] a saber: 89,2 + 90,0 ... + 93,1 ..., passaram a transmitir a Rádio M80, dedicada tão só aos sucessos dos anos 80, e claro está sem qualquer publicidade relativa ao Município ....»

Posto isto, apreciemos o recurso:

1ª Questão
A sentença recorrida é nula, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC, por encerrar, quer uma contradição nos fundamentos de direito entre si, quer uma contradição entre a fundamentação de facto e de direito, por um lado, e a decisão, por outro?

Segundo a Recorrente, a contradição na fundamentação residiria em, a um tempo, se dizer que não se pode concluir pelo incumprimento do contrato por parte da Autora - fls. 15 da sentença – e se convir em que a Autora deixou de respeitar os horários acordados para a emissão da agenda cultural (fls 15) e que a Ré tinha justa causa para resolver validamente o contrato (fls 17).
Mesmo em abstracto, tais proposições não são forçosamente incompatíveis. Com efeito, entre o cumprimento e o incumprimento contratual há o cumprimento defeituoso, também carente de sanção contratual ou legal, mas não forçosamente o da resolução, porventura prevista na lei ou no contrato.
Porém, lidas no seu contexto, mais evidente é a congruência entre si das afirmações alegadamente contraditórias.
Assim, quando afirma que “não se pode concluir pelo incumprimento do contrato por parte da primeira”, a Mª juiz está ainda a referir-se, como vem fazendo desde fs. 12 in fine, a ao período de execução integrado pelos “meses de Dezembro de 2012 a Maio de 2013 (inclusive)”, período em que, “não se provou que (…) a Autora tenha faltado culposamente ao cumprimento do contrato” – cf. fls 13 – atentas as razões expostas, que a recorrente não põe em crise.
Ora o cumprimento e o incumprimento absolutos de um contrato de execução sucessiva ou periódica, são logicamente compatíveis, posto que ocorridos diacronicamente – como entendeu ser o caso, o Mº Juiz a quo.
Esta compatibilidade diacrónica também basta para ser meramente aparente a contradição entre cumprimento, por um lado, e justa causa baseada em incumprimento, por outro. Aliás, retira-se sem lugar a dúvidas, do teor de páginas 16 a 17 da sentença recorrida que a Mª Juiz, quando faz tal afirmação, se refere ao parcial incumprimento que entendeu ter ocorrido a partir de Junho de 2013, inclusive, até à resolução pelo Réu em 28/1/2014.
Já a contradição entre a fundamentação e a decisão, essa, residiria, segundo a Recorrente, em se ter reconhecido que o contrato foi validamente resolvido e, depois, se ter condenado quem resolveu validamente tal contrato a pagar prestações contratuais cujo incumprimento fora o motivo da resolução.
Em abstracto, não há qualquer incompatibilidade lógica entre se reconhecer a validade de uma resolução contratual de um contrato de execução continuada ou periódica e a condenação da parte, com fundamento no contrato, a pagar o preço das prestações passadas e não abrangidas pela resolução, seja por nessa parte não haver fundamento convencional ou legal para a resolução, seja por estar legalmente excluída, quanto a tal espécie de contratos, a eficácia retroactiva da resolução.
Em concreto, a sentença recorrida invoca o artigo 434º nº 2 do CC para excluir, da eficácia da resolução, todo o tempo de execução do contrato anterior à data daquela (28 de Janeiro 2014) o que é coerente com uma condenação do Réu a pagar, com fundamento no contrato, quaisquer obrigações nascidas até á data da comunicação da resolução.
Porém, lida e relida a fundamentação de direito da sentença recorrida, é forçoso reconhecer que ela enferma de duas contradições ou pelo menos obscuridades na relação entre a fundamentação e a decisão, que a inquinam de nulidade.
Assim:
A páginas 12 afirma-se que “atenta a prova produzida e ponderadas as regras de repartição do ónus da prova (cfr. artigos 342° do Código Civil e 414° do Código de Processo Civil), não se vislumbra que a Entidade Demandada tenha qualquer razão para se eximir ao pagamento das facturas respeitantes aos meses de Dezembro de 2012 a Maio de 2013 (inclusive), uma vez que não se provou que, nesse período, a Autora tenha faltado culposamente ao cumprimento do contrato.”
E nos parágrafos seguintes até ao segundo parágrafo de paginas 15, o Mº Juiz a quo esforça-se e logra fazê-lo convincente e coerentemente, por demonstrar este juízo.
Consequência lógico-jurídica deste julgamento, a todos os títulos expectável, seria a condenação do Réu a pagar, quanto a essas facturas relativas aos meses de Dezembro de 2012 a Maio de 2013, o seu valor integral acrescido de juros de mora nos termos decididos. Porém surpreendentemente, o Mª juiz a quo acaba por aplicar a todas as facturas uma dedução equitativa de 1/5, como se também quanto ao objecto daquelas ocorresse incumprimento parcial.
Além disso:
Depois de expor e concluir que o Réu não gozava, sequer, do direito à modificação do contrato segundo juízos de equidade com fundamente no artigo 437º nº 1 do CC, o que faria esperar uma decisão de não absolvição da parte do pedido proporcional ao incumprimento meramente parcial e apenas ocorrido desde Junho de 2013, acaba por decidir uma redução de 1/5 a toda a facturação, invocando, sem mais, a equidade ante um cumprimento meramente parcial, sem aduzir qualquer fundamento alternativo ao citado artigo 437º, para isso.
Assim, nesta dupla medida e nestes termos, é positiva a resposta à presente questão.
Estas contradições afectam insuprivelmente a fundamentação de direito e o dispositivo da sentença recorrida, mas não a decisão em matéria de facto, pelo que cumpre declarar a sentença nula apenas parcialmente, nessa medida.
Nestes termos, o recurso procede.

2ª Questão e 3ª Questões
Estas questões ficam prejudicadas pela nulidade da sentença.

Julgamento da causa (artigo 149º nº 1 do CPTA)
Dispõe, o artigo 149º nº 1 do CPTA, que “ainda que declare nula a sentença, o tribunal de recurso não deixa de decidir o objecto da causa (…)”.
É o que passamos a fazer, com base na decisão recorrida em matéria de facto, intacta, e reciclando, onde tal for possível, a própria fundamentação de direito na medida em que disso for susceptível e por nós for assumível.
Assim:
Em suma, está em discussão saber se e em que medida a resolução do contrato de prestação de serviços de radiodifusão celebrado entre o Réu, como cliente, e a Autora, como prestadora, operada mediante a correspondente comunicação do Réu à Autora em 28 de Janeiro de 2014, exonerou o Réu da obrigação de pagar pontualmente os serviços prestados, objecto das facturas elencadas no facto 13 da especificação dos factos provados.
Considerando o artigo 4º nº 1 alª d) do CCP e os artigos 200º 202º do CPA actual, ex vi artigo 12º nº 2 do CC, não vemos razões para considerar como contrato administrativo o contrato sub juditio, de maneia a ser aplicável à sua execução a parte III do CCP. Na verdade, trata-se de um contrato da mesma natureza do que qualquer pessoa colectiva privada poderia fazer para promoção dos seus fins sociais, não há fumo nem objecto para qualquer poder exorbitante do contratante público ou de qualquer assimetria entre as obrigações contratuais. A própria formação do contrato não se presta à concorrência, atenta a natureza de radio local do co-contratante (ao tempo do contrato).
Assim, sem prejuízo do disposto nas citadas normas do CPA, as normas do código civil aplicam-se-lhe directamente, designadamente as que compõem o instituto da resolução dos contrato.
À falta de uma definição legal da resolução do contrato importa respigar essa definição do regime legal deste negócio jurídico, primeiro nas regras gerais, que se encontram nos artigos 432 a 436º do CC, depois, nas definições que a própria Lei concebe para os termo e condição resolutivos dos contratos, nos artigos 270º a 279º do CC; por fim, nos casos previstos no mesmo código, do direito a resolver o contrato, ou sejam, o direito a resolver os contratos em geral, por alteração das circunstâncias (437º a 439º), a resolução dos contratos em geral, pelo credor, por impossibilidade não-culposa parcial do cumprimento pelo devedor (793.º/2) e por impossibilidade superveniente culposa (801.º/2), incluindo a parcial (802.º/1).
Atentos aquele regime geral, aquelas definições e regime e aquelas ocorrências, cremos poder dizer que a resolução do contrato é um negócio jurídico pelo qual, mediante declaração receptícia, uma parte dispõe unilateral e potestativamente a erradicação, da ordem jurídica, em regra com eficácia retroactiva, das obrigações com fonte num determinado contrato que outorgou, invocando como fundamento vinculante, para tanto, seja a lei, seja a eventual previsão no próprio contrato.
Da natureza potestativa deste negócio resulta que, uma vez declarada a resolução, deixam de poder ser objecto da discussão as obrigações emergentes do contrato, para passar outrossim a poder ser reclamada tão só a indemnização dos danos causados à contraparte pela eventual falta de fundamento legal ou contratual para a resolução, para além da repetição do que tiver sido prestado e disso for susceptível.
Conforme o artigo 434º nºs 1 e 2 do CC, a resolução tem eficácia retroactiva, mas, em regra, não afecta, ainda que legal, nos contratos de execução continuada ou periódica, as prestações já efectuadas. Portanto, na resolução de contratos de tal natureza, o pagamento das prestações de serviço já efectuadas continua a ser devido com fundamento no contrato e não a título de indemnização, sem prejuízo de lhe poderem ser excepcionadas outras causas impeditivas ou extintivas.
Como assim, sem prejuízo de poder ser excepcionado o incumprimento parcial como causa extintiva ou modificativa do direito objecto das facturas sub juditio, designadamente dessas que se reportam ao período de Junho de 2013 a Janeiro de 2014, a resolução do contrato operada pelo Réu, por muito potestativa que seja, não tem quaisquer efeitos relativamente aos serviços objecto das quaisquer das facturas, já que a última delas é de Novembro de 2013.
Podia, o Réu, ter invocado o inadimplemento como fundamento para não pagar parte das ou todas as quantias facturadas desde Junho de 2013, mas não o fez: invocou apenas uma resolução cronologicamente ineficaz.
Pelo exposto, a acção devia ter sido julgada totalmente procedente, inclusivamente quanto ao pedido juros de mora.
Porém, a proscrição da reformatio in pejus, inerente ao disposto no artigo 635º nº 5 do CPC, obsta a que de tal julgamento se retire consequências pelo que haverá, o Réu, de ir condenado nos precisos termos em que o vinha na 1ª instância.

Conclusão
Do exposto resulta que o recurso merece provimento parcial, nos sobreditos termos, e que a acção é procedente, com presente fundamentação.

Custas:
Conforme decorre do artigo 527 do CPC, as custas do recurso ficam a cargo da recorrida e as da acção a cargo da Recorrente.

Dispositivo
Assim, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal em:
- Conceder provimento ao recurso, declarando nula a sentença recorrida, quanto à fundamentação de direito e ao dispositivo.
- Julgar a acção parcialmente procedente e, consequentemente, com a sobredita fundamentação, condenar o Réu e Recorrente nos preciso termos em que o havia sido na primeira instância.
Custas conforme supra: artigo 527º do CPC.
Porto, 24/4/2025

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Maria Clara Alves Ambrósio
Ricardo Jorge Pinho Mourinho de Oliveira e Sousa