Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00335/21.9BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/15/2024
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:ROGÉRIO PAULO DA COSTA MARTINS
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL; ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO; PROVA A PRODUZIR EM SEDE JUDICIAL;
DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA; ERRO GROSSEIRO; NULIDADE DA SENTENÇA; OMISSÃO DE PRONÚNCIA;
QUESTÕES; A ALÍNEA D) DO N.º1, DO ARTIGO 615º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL;
Sumário:
1. Em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.

2. O tribunal não é uma segunda instância administrativa, nem tem condições, designadamente de recursos humanos, para o ser, mas uma instância jurisdicional que averigua, dito em termos genéricos e a traço grosso, a legalidade da actuação administrativa, bem como avalia, em sede da discricionariedade técnica ou administrativa, a razoabilidade dos juízos emitidos com base nos elementos colhidos em sede administrativa, assim como a eventual omissão ou preterição de formalidades essenciais.

3. No caso concreto o parecer do INR sobre as condições da prestação da prova da Autora, requerido por esta, não é formalidade imposta por lei.

4. E também não se vislumbra erro grosseiro na dispensa desse parecer tendo em conta que em momento prévio à realização da prova de conhecimentos, a Autora reuniu com a jurista do município e com o técnico de informática, no sentido de aferir qual a melhor forma de atender às necessidades especiais da Autora e que na realização da prova de conhecimentos foi permitido à Autora utilizar o seu equipamento pessoal, tendo os serviços informáticos da câmara municipal disponibilizado a documentação de apoio e consulta pela criação de uma pasta no ambiente de trabalho no seu equipamento.

5. A nulidade da sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando a sentença ou acórdão não aprecie questões suscitadas e não argumentos apresentados no âmbito de cada questão, face ao disposto nos artigos 697º e 608º do Código de Processo.

6. Os pareceres juntos pela Autora para afastar ao caso da Contra-Interessada «BB» a aplicação do disposto nos artigos1° e 2° do DL 29/2001, de 03.02, por a incapacidade da Contra-Interessada não caber, no seu entendimento, nessa previsão, de deficiência com um grau de incapacidade igual ou superior a 60%, não são questões em si, mas apenas questão era questão a decidir a violação destes preceitos pelo acto que admitiu ao concurso a referida Contra-Interessada a coberto da dita quota
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel – Unidade Orgânica 1 - , de 22.11.2023 pela qual foi julgada apenas parcialmente procedente a acção que intentou contra o Município ... e em que indicou como Contra-Interessadas «BB» e outras , para anulação do despacho de homologação da lista unitária de ordenação final dos candidatos aprovados no âmbito do procedimento concursal, com a sua substituição por outro que gradue a Autora na vaga reservada para pessoas com deficiência ao abrigo do DL 29/2001, 03.02, e com a consequente exclusão da contrainteressada «BB» do procedimento concursal e bem assim a anulação do vínculo de emprego público adquirido em virtude do indevido enquadramento no regime do diploma citado ou , subsidiariamente, para declaração de várias nulidades invocadas, com as legais consequências.

Invocou para tanto, em síntese, que: verifica-se uma nulidade processual decorrente da preterição de um meio de prova relevante, a emissão de parecer pelo Instituto Nacional para a Reabilitação, I.P.; a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia dado não se ter pronunciado sobre questão suscitada de a Contra-Interessada ter violado o disposto no artigo 6° do DL 29/2001, e não ter dado cumprimento ao ponto 20 do aviso de abertura do procedimento concursal, uma vez que não indicou o tipo de deficiência que possuía; a decisão recorrida é ainda nula pela falta de referência aos pareceres da Direção-Geral da Administração Pública e do Prof. Dr. «CC» na fundamentação da sentença; finalmente, a decisão recorrida errou de facto quanto à alínea M) dos factos provados; errou de direito ao considerar que a Contra-Interessada «BB» foi bem enquadrada na quota reservada para pessoas com deficiência nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos1° e 2° do DL 29/2001, de 03.02; finalmente errou ao não considerar que a prova escrita de conhecimentos realizada não foi adequado à concreta condição da Recorrente, pelo que ficou numa posição de desigualdade em relação aos demais candidatos.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Tribunal a quo proferiu despacho de sustentação.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1ª - O Tribunal a quo andou mal ao considerar que a Contrainteressada «BB» foi bem enquadrada na quota reservada para pessoas com deficiência e, bem assim, na apreciação/decisão quanto aos demais vícios imputados pela Recorrente ao procedimento concursal.

2ª – De acordo com o conceito de deficiência constante quer no art° 2º da Lei 38/2004, de 18 de agosto, quer na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU (aplicável por força do Art° 8° da CRP), pessoa com deficiência é aquela que vê a sua atividade e participação na vida ativa dificultada e/ou limitada por força da interação de uma perda ou anomalia, congénita ou adquirida, com os factores do meio.

3ª - O preenchimento do conceito de deficiência não se basta com uma incapacidade decorrente de limitações físicas, intelectuais e/ou sensoriais, sendo necessário que essas limitações coloquem a pessoa numa situação de desigualdade na sua relação/interação com os fatores do meio, ou seja, o conceito não pode focar-se apenas na pessoa mas sim na sua relação com o meio e na repercussão que a sua perda/anomalia tem nessa interacção;

4ª - O artigo 6° do DL 29/2001, de 03 de fevereiro exige que, no formulário de candidatura, o candidato indique, sob compromisso de honra, o tipo de deficiência e o grau de incapacidade que lhe foi atribuído – requisitos que são cumulativos.

5ª – Da conjugação dos arts. 1° e 2° do DL 29/2001, de 03-02 resulta que a abrangência deste DL pressupõe e exige que a deficiência seja uma das tipificadas no n° 2 do art° 2° e que a incapacidade de 60% (ou mais) decorra dessa concreta deficiência, ou seja, uma deficiência com uma incapacidade inferior a 60% não tem enquadramento e, bem assim, uma incapacidade de 60% ou mais que não decorra de uma das tipificadas deficiências também não o terá.

6ª – A Contrainteressada violou o disposto no art° 6° do DL 29/2001, de 03-02 e não deu cumprimento ao ponto 20 do aviso de abertura do procedimento concursal, uma vez que não indicou o tipo de deficiência que possuía – vide al. F) da matéria assente.

7ª – Quanto ao não cumprimento do art° 6° do DL 29/2001 por parte da Contrainteressada «BB», pese embora o mesmo resulte provado, o Tribunal a quo nada disse quanto a essa relevante questão – omissão de pronúncia que consubstancia nulidade que aqui se invoca.

8ª – Todos os elementos do júri do procedimento concursal, pese embora tenham enquadrado a Contrainteressada na quota reservada para pessoas com deficiência, revelaram total desconhecimento quanto ao tipo de deficiência de que a mesma padece (vejam-se concretas passagens: 00h:47m:52s às 00h:48m:46s; 01h:06m:15s as 01h:06m:54s; 01h:08m:34s às 01h:09m:04s; 03h:16m:41s às 03h:17m:40s).

9ª – O Réu Município, quer previamente à instauração dos presentes autos (vide resposta à reclamação e ao recurso hierárquico), quer na contestação apresentada nos autos, nunca referiu o tipo de deficiência de que padece a Contrainteressada.

10ª – Ou seja, nem o Réu Município nem a contrainteressada, ao longo de todo o processo, e previamente a ele, nunca indicaram o tipo de deficiência de que aquela padece.

11ª – A Exma. Sra. Perita do INML não referiu qual o tipo de deficiência da contrainteressada: nem nos seus (vários) relatórios periciais (vide relatórios de 09-08-2022, 09-03-2023 e 29-05-2023), nem no depoimento prestado em audiência de julgamento (cfr. passagens: 00h:30m:20s às 00h:31m:48s e 00h:39m:13s às 00h:39m:50s supra transcritas), sendo que, ao longo do seu depoimento referiu, várias vezes, as expressões “doença neoplásica, patologia neoplásica”, “patologia de foro oncológico”.

12ª - A Contrainteressada instruiu o seu formulário de candidatura com o “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso”, que o mesmo era temporário (validade de 5 anos) e que do seu conteúdo consta que padecia de incapacidade de 76%, conforme tabela constante do facto provado sob a alínea G).

13ª - Resulta inequivocamente demonstrado que a Contrainteressada teve a infelicidade de ter uma doença oncológica (da qual, felizmente, recuperou com êxito), mais especificamente cancro da mama, que levou a que efectuasse uma mastectomia integral da mama esquerda e foi este o problema que a Contrainteressada teve e que lhe veio a conferir direito a ter um AMIM (provisório).

14ª – Consta dos autos um parecer emitido pela DGAEP, que refere o seguinte: “A doença oncológica não é entendida como um tipo de deficiência pelo que não terá comprovação pelo atestado multiusos, o que sucede nestes casos é a atribuição aos recém-diagnosticados de um grau mínimo de incapacidade de 60 % no período de cinco anos após o diagnóstico, que fundamenta o acesso a certos benefícios sociais, económicos e fiscais. Assim sendo, a doença oncológica só por si não é compreendida como um tipo de deficiência, não impedindo, no entanto, que um doente oncológico não possa vir a ser portador de um qualquer tipo de deficiência em razão da evolução da doença e assim ser abrangido pelo âmbito pessoal de aplicação do n. 1 do artigo 2.º Decreto-Lei n.º 29/2001, de 3 de Fevereiro.– vide Parecer da DGAEP, que se encontra junto aos autos (cfr. ref. SITAF n° ...30 [n° documento], junto em 24.03.2022).

15ª – A DGAEP é uma das entidades a quem compete o acompanhamento da aplicação do DL 229/2001 (vide preâmbulo do DL 29/2001) e, apesar disso, relativamente a este parecer o Tribunal a quo nada disse – omissão de pronúncia que consubstancia nulidade que aqui expressamente se invoca.

16ª - a doença oncológica não é considerada um tipo de deficiência e, assim, os 60% atribuídos a esse título (doença oncológica) não podem ser considerados para efeito da aplicação do n° 1 do art° 2° do DL n° 29/2001, de 03 de fevereiro, uma vez que deste artigo resulta que os 60% de incapacidade a ter em conta para este efeito têm que decorrer, necessariamente, de uma das deficiências elencadas no n° 2 daquele artigo.

17ª - mesmo que se aceitasse, o que não se concede, que a Contrainteressada poderia ser considerada pessoa com deficiência, mesmo e ainda assim, não preenche os dois requisitos cumulativos de, da(s) deficiência(s) com incapacidade superior a 60%, uma vez que, da suposta deficiência orgânica (perda da mama) é lhe atribuída uma incapacidade de 6% e da suposta deficiência mental (psiquiatria) decorre uma incapacidade de 10%. Ou seja, das duas supostas deficiências que a Contrainteressada possui, em conjunto, uma incapacidade somada de apenas 16%!

18ª - Do parecer emitido pelo Professor Doutor «CC» (junto ao autos), consta que: “A incapacidade descrita no atestado multiuso designadamente em 14-12-2015 descreve a existência de doença oncológica estabilizada e sem evidência de actividade que foi considerada num valor de 60%, contudo, tal incapacidade não é nem deve ser considerada uma perda ou anomalia já que a única perda que existiu desde que a Examinada foi operada e até ao presente foi a perda da mama esquerda substituída por prótese e cuja valoração deveria, pelos motivos descritos, ser valorada em, apenas, 5%”.

19ª - O Professor Doutor «CC» (perito em medicina legal, perito de dano corporal, perito da segurança social) emitiu parecer junto aos autos e prestou depoimento em audiência de julgamento; contudo, quanto a estes elementos de prova (parecer e depoimento), o Tribunal a quo, mais uma vez, nada disse – omissão de pronúncia que consubstancia nulidade que aqui se invoca.

20ª – uma adequada conjugação e ponderação dos elementos documentais juntos aos autos com os depoimentos prestados pela Exma. Perita e o Prof. Doutor «CC» (supra transcritos e para cuja transcrição se remete) deveria ter levado o Tribunal a quo a concluir que, partindo do atestado médico de incapacidade multiuso da contrainteressada, do mesmo não resulta que por força da doença oncológica, que teve como consequência uma mastectomia, a mesma tenha passado a ter que enfrentar quaisquer barreiras que a coloquem numa situação de desvantagem/desigualdade com a generalidade das demais pessoas.

21ª - Não queremos, de todo, desvalorizar o problema da contrainteressada, mas, salvo o devido respeito por diferente opinião, mesmo aceitando que as suas capacidades tenham ficado diminuídas em virtude da doença, não conseguimos encontrar as ditas barreiras materiais ou imateriais de que nos fala o preâmbulo do DL n° 29/2001.

22ª - A única candidata que, por força de uma perda (visão), se depara diariamente com barreiras/factores do meio que a impedem (ou pelo menos dificultam significativamente) de participar na sociedade em condições de igualdade com a generalidade das pessoas é a Autora/Recorrente.

23ª – Assim, a contrainteressada não possui deficiência enquadrável no DL 29/2001, de 03-02, tendo sido, por isso, indevidamente enquadrada na quota reservada para pessoas com deficiência.

24ª - É inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 13°, 47° e 71° da CRP, a interpretação que entenda que é correto o enquadramento de qualquer pessoa com um AMIM temporário, com incapacidade superior a 60% decorrente de doença oncológica, no âmbito pessoal de aplicação do DL n° 29/2001 (quota reservada para pessoas com deficiência) mais especificamente nos seus art. 1° e 2° – inconstitucionalidade que desde já se invoca.

25ª - A Autora na sua petição inicial requereu que fosse pedido parecer ao INR quanto às condições em que realizou a prova – cfr. petição inicial) e, por despacho datado de 14.10.2021 (ref. SITAF n° ...59) o Tribunal ordenou que a Autora desse cumprimento ao disposto no art° 475° do CPC.

26ª - A Autora veio responder ao despacho por requerimento datado de 18.10.2021 (ref. SITAF n° ...05), indicando os quesitos a que o INR deveria responder.

27ª- Por despacho datado de 8.03.2021 (ref. SITAF n° ...53) o Tribunal determinou a realização de perícia ao INML sem referir o que quer que fosse quanto ao pedido de parecer ao INR.

28ª - Em audiência de discussão e julgamento, em 27.10.2023, a Autora, que nunca prescindiu do pedido de parecer ao INR, voltou a requerê-lo quanto à adequação ou inadequação da prova escrita.

29ª - O Tribunal indeferiu o requerido, afirmando que os autos já reuniam os elementos necessários para a boa decisão da causa referindo, ainda, que nada teria impedido que a própria autora solicitasse parecer ao INR e o juntasse aos autos.

30ª – Na douta sentença o Tribunal a quo afirmou o seguinte: “no caso presente, nem se afigura que tal fosse necessário. É que, a Entidade Demandada reuniu previamente à realização das provas com a Autora, e atendeu a todas as necessidades especiais que esta transmitiu serem necessárias para a realização da prova, pelo que, não se consegue alcançar qual o tipo de apoio técnico que seria requerido ao Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, nem a Autora o elenca”.

31ª - A necessidade, ou não, de apoio técnico por parte do INR não se afere em função dos pedidos dos candidatos. Se a Autora tivesse conhecimento da extensão da prova, do local e meio envolvente à realização da mesma e, bem assim, à sua formatação, certamente que teria efetuado pedidos adicionais.

32ª - Quanto à formatação da prova da A. e apesar do depoimento do Eng. «DD», que referiu que a prova foi formatada sem tabelas, parece-nos que tal não corresponde à verdade, uma vez que a prova da A. foi impressa imediatamente após a sua conclusão (e posteriormente por si assinada) e constam tabelas na mesma (cfr. prova de conhecimentos que consta a fls. 2466 a 2480 do P.A.).

33ª - Quanto ao facto de o Tribunal a quo vir dizer que a Autora poderia ter junto parecer aos autos por sua iniciativa, tal argumento não é aceitável - isto porque o Tribunal a quo não só não indeferiu tal pedido como, inclusivamente, notificou a Autora para formular quesitos com vista à resposta por parte do INR – o que criou na Recorrente expectativa de que o seu pedido tinha sido deferido.

34ª – O tempo suplementar concedido à Recorrente foi inadequado tendo em consideração a extensão da prova; a formatação não foi adequada, e o local (com bastante ruído) dificultou bastante mais a tarefa da Autora.

35ª - O referido pelo Tribunal a quo quanto ao facto de a Autora usar auriculares, revela um grande desconhecimento quanto às específicas condições em que a Autora realizou a prova e à necessidade de silêncio para compreender o software de leitura do seu computador.

36ª - Os auriculares não são capazes de eliminar o ruído exterior, quando este existe da forma persistente como existiu naquela prova (veja-se depoimento da testemunha «EE»), circunstância que lhe reduz a capacidade de concentração e a obriga a ter que colocar o software a repetir várias vezes o que acabou de ler.

37ª Aquilo que os restantes candidatos conseguiram ler e apreender “à primeira” através da visão, a Autora teve que apreender ouvindo o software de leitura, aguardando que ele lhe lesse a pergunta, que lhe lesse a (avultada) legislação a consultar, que lhe lesse a resposta dada e, por força do contexto em que a prova foi realizada, teve que colocar o software a repetir-lhe, perguntas, respostas, artigos, etc..

38ª - Não compreendemos, nem aceitamos, que numa matéria tão específica como esta, tanto o júri como o Tribunal a quo não tenham dado oportunidade a que o INR, entidade devidamente habilitada e seguramente habituada a prestar apoio técnico nestas situações, tivesse respondido aos quesitos formulados pela aqui Recorrente.

39ª – O apoio técnico do INR teria sido fundamental previamente à realização das provas, mas também para o Tribunal a quo aferir, à posteriori, se as queixas apresentadas pela Autora tinham ou não fundamento.

40ª - O Tribunal tinha o poder-dever de ordenar a emissão de parecer por parte do INR e, não o tendo feito, violou, entre outros, o disposto nos art. 411º do CPC – actuação que consubstancia nulidade que desde já se invoca.

41ª – O facto dado como provado sob a al. M) não corresponde à verdade uma vez que da conjugação do depoimento da testemunha «FF» com o da testemunha «EE» (Cfr. concretas passagens: 02h:47m:33s às 02h:49m:04s e 02h:58m:00s às 02h:58m:12s) deveria ter levado o Tribunal a quo a concluir que, para além do barulho provocado pela campainha e pelos demais candidatos no final da prova, ao longo de toda a prova ouvia-se ruído de fundo provocado pelas crianças que se encontravam no exterior;

42ª – O facto dado como provado sob a al. M) deveria ter tido, face à prova produzida, a seguinte redacção: “M) A prova de conhecimentos realizou-se no refeitório da escola E.B. 2/3 de ... e, numa sala contígua (sala de convívio), estavam crianças que provocavam um ruído de fundo. Também se ouviu barulho do toque da campainha e dos demais colegas ao sair da sala após entregarem os respetivos exames.”.

43ª – Assim, o Tribunal a quo teria que ter concluído que o contexto em que a prova escrita de conhecimentos foi realizada não foi adequado à concreta condição da Recorrente, a qual, tendo prestado a prova nas condições supra descritas, ficou, claramente, numa posição de desigualdade em relação aos demais candidatos.

*
II –Matéria de facto.

Defende a Recorrente a este propósito, nas suas conclusões:

“(…)
41ª – O facto dado como provado sob a al. M) não corresponde à verdade uma vez que da conjugação do depoimento da testemunha «FF» com o da testemunha «EE» (Cfr. concretas passagens: 02h:47m:33s às 02h:49m:04s e 02h:58m:00s às 02h:58m:12s) deveria ter levado o Tribunal a quo a concluir que, para além do barulho provocado pela campainha e pelos demais candidatos no final da prova, ao longo de toda a prova ouvia-se ruído de fundo provocado pelas crianças que se encontravam no exterior;

42ª – O facto dado como provado sob a al. M) deveria ter tido, face à prova produzida, a seguinte redacção: “M) A prova de conhecimentos realizou-se no refeitório da escola E.B. 2/3 de ... e, numa sala contígua (sala de convívio), estavam crianças que provocavam um ruído de fundo. Também se ouviu barulho do toque da campainha e dos demais colegas ao sair da sala após entregarem os respetivos exames.”.
(…)”
Sobre este ponto em concreto do julgamento da matéria de facto, diz-se na decisão recorrida:

“(…)
Para prova dos factos dados como provados nas alíneas H), J), K), M) e N), foi valorada a prova testemunhal produzida que, de forma geral, se revelou espontânea, objetiva, coerente, e, grosso modo, com conhecimento direto dos factos, além de que os depoimentos se afiguraram desprovidos de qualquer interesse na causa, merecendo a credibilidade e valoração do Tribunal (expurgada de conceitos valorativos que, como é natural, variam de pessoa para pessoa).Assim, o Tribunal valorou o depoimento das testemunhas «GG», «HH» e «II», as quais integraram o júri do procedimento concursal objeto dos autos e que estiveram presentes no dia e no local onde se realizou a prova de conhecimentos, o que é demonstrativo do conhecimento direto que têm dos factos, e que de forma praticamente idêntica relataram as condições em que se realizou a referida prova, referindo, nomeadamente, que a prova se realizou no refeitório da escola e que a Autora utilizou o seu equipamento pessoal na realização da mesma, além de ter estado sempre presente um técnico de informática para prestar apoio à Autora, se tal se revelasse necessário; em relação ao barulho que se fazia sentir naquele local, e respetiva intensidade, estas testemunhas apenas apontaram o toque da campainha, negando expressamente que tivessem ouvido barulho do exterior.

É certo que a testemunha «FF», amiga da Autora, e que a acompanhou até à escola no dia da realização da prova, referiu que aguardou pela Autora no átrio da escola e que, ao lado do refeitório, existia uma sala de convívio para as crianças que não estavam em aulas e que se ouvia muito barulho. No entanto, mesmo que assim tenha sucedido, não significa, necessariamente que esse barulho fosse ouvido, pelo menos de forma intensa ou perturbadora, no refeitório. Acresce que, a testemunha «EE», também amiga da Autora e que também realizou a prova de conhecimentos aqui em apreciação, quando questionada sobre se o refeitório se mostrou um local tranquilo para a realização da prova, respondeu: “não, nem para ela (referindo-se à Autora), nem para nós” e, de forma espontânea, nunca se referiu a ruído, e, quando a tal se referiu (a instâncias dos Ilustres Mandatários), indicou o ruído que os concorrentes fizeram a sair do refeitório após a realização da prova; aliás, o depoimento prestado por esta testemunha, em momento algum, revelou incómodo com o ruído, mas sim com o facto de a prova ter sido realizada no refeitório de uma escola, em cadeiras e mesas pequenas para a sua estatura. Esta testemunha corroborou a alegação da Autora na petição inicial de que esta usou auriculares durante a realização da prova de conhecimentos.
(…)”.

Determina o artigo 662º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Na interpretação do equivalente preceito do Código de Processo Civil anterior (o artigo 712º), foi pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.2005, processo n.º 394/05, de 19.11.2008, processo n.º 601/07, de 02.06.2010, processo n.º 0161/10 e de 21.09.2010, processo n.º 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo n.º 00205/07.3 PNF, e de 14.09.2012, processo n.º 00849/05.8 VIS).

Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram directamente percepcionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho.

Como defende Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 657:

“Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar”.

No caso concreto e quanto à questionada matéria de facto da alínea M), não se vislumbra erro, menos ainda grosseiro, na valoração e na concreta análise dos depoimentos citados pela Recorrente, das testemunhas «FF» e «EE».

Do depoimento da «FF», amiga da Autora, não resulta necessariamente que barulho produzido pelas crianças numa sala de convívio ao lado do refeitório onde se realizaram as provas fosse ouvido, pelo menos de forma intensa ou perturbadora, no refeitório. A testemunha «EE», também amiga da Autora e que também realizou a prova de conhecimentos aqui em análise referiu que o ruído provocado pelas crianças na sala de convívio, ao lado, não constituiu perturbação para qualquer dos concorrentes, incluindo a Autora, na prestação de provas no refeitório.

Deveremos assim dar como provados os seguintes factos, constantes da decisão recorrida:

A) A Entidade Demandada abriu um procedimento comum para a contratação de 3 (três) técnicos superiores, para exercerem a função de jurista na Divisão de Assuntos Jurídicos e Fiscalização, da Câmara Municipal ... – facto admitido por acordo e cfr. documento n.º ... junto com a petição inicial, cujo teor, por brevidade, se dá integralmente por reproduzido.

B) No aviso de abertura do referido procedimento consta, nomeadamente, o seguinte:

“12. Métodos de seleção:
12.1 Prova de conhecimentos (PC), Avaliação Psicológica (AP) e Entrevista Profissional de Seleção.
(...).
12.5.1 – Forma, natureza e duração da Prova de Conhecimentos: a prova de conhecimentos será escrita, de natureza teórica, com consulta, efetuada em suporte de papel, podendo ser constituída por um conjunto de questões de resposta de escolha múltipla e/ou de resposta livre, tendo a duração de uma hora e trinta minutos, (...).”
(...).
12.7 – Avaliação Psicológica (AP): visa avaliar aptidões, caraterísticas de personalidade e competências comportamentais dos candidatos, tendo como referência o perfil de competências previamente definido. O perfil de competências definido compreende o planeamento e organização, análise da informação e sentido crítico, iniciativa e autonomia e inovação e qualidade. A avaliação psicológica é valorada através de níveis classificativos de Elevado, Bom, Suficiente, Reduzido e Insuficiente, aos quais correspondem, respetivamente, as classificações de 20, 16, 12, 8 e 4 valores.”.
(...).
14 – A lista dos resultados obtidos em cada método de seleção será afixada no átrio desta Câmara Municipal, sito no Largo ..., ... e divulgada na página eletrónica em ....
(...).
19 – A lista unitária da ordenação final, após homologada, é afixada no átrio desta Câmara Municipal, sito no Largo ..., ... e divulgada na página eletrónica em ..., sendo ainda publicado um aviso na 2.ª série do Diário da República com informação sobre a sua publicitação.
20 – Nos termos do Decreto-Lei n.º 29/2001, de 3 de fevereiro, e para efeitos de admissão a concurso os candidatos com deficiência devem declarar, no requerimento de admissão, sob compromisso de honra, o respetivo grau de incapacidade, o tipo de deficiência e os meios de comunicação/expressão a utilizar no processo de seleção. Em conformidade com o disposto no artigo 3.º do mesmo Decreto-Lei é garantida a reserva de um lugar para candidatos com deficiência igual ou superior a 60%.”

C) A Autora e as Contrainteressadas apresentaram candidatura e foram admitidas ao concurso – facto admitido por acordo e cfr. fls. 1378 a 1382 do procedimento administrativo.

D) A Autora apresentou o formulário de candidatura que consta a fls. 232 a 235 do procedimento administrativo, cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte:

“11 – NECESSIDADES ESPECIAIS
Caso lhe tenha sido reconhecido, legalmente, algum grau de incapacidade indique o respetivo grau e se necessita de meios/condições especiais para a realização de métodos de seleção
Deficiência visual com grau de incapacidade de 95%, reconhecido por Atestado de Incapacidade Multiusos
Prova de conhecimentos em suporte digital e realização da mesma em computador com software de leitura de ecrã
Tempo suplementar, não inferior a 30 minutos, para realização da prova de conhecimentos
Adaptação da forma de realização dos testes de Avaliação Psicológica (AP), por não me ser possível ler em suporte de papel.”

E) A Autora instruiu o formulário de candidatura com “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso” que consta a fls. 277 do procedimento administrativo e cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido, e do qual se extrai, nomeadamente, que a Autora é portadora de deficiência visual que lhe conferiu o grau de incapacidade de 95%.

F) A Contrainteressada «JJ» apresentou o formulário de candidatura que consta a fls. 2987 a 2989 do procedimento administrativo, cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte:

“11 – NECESSIDADES ESPECIAIS
Caso lhe tenha sido reconhecido, legalmente, algum grau de incapacidade indique o respetivo grau e se necessita de meios/condições especiais para a realização de métodos de seleção
Possuo atestado médico de incapacidade multiuso, de 76%, mas não necessito de meios ou condições especiais para a realização de métodos de seleção.”

G) A Contrainteressada «BB» instruiu o formulário de candidatura com “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso” que consta a fls. 2996 do procedimento administrativo e cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido, e do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte:

CapítuloNúmeroAlíneaCoeficienteCapacidade
restante
Desvalorização
XVIIV – 3 0,601,00000,6000
II1.4.2.a)0,150,40000,6000
XGrau III 0,300,34000,1020

H) Em momento prévio à realização da prova de conhecimentos, a Autora reuniu com a jurista da Câmara Municipal ..., Dra. «HH», e com o técnico de informática, «KK», no sentido de aferir qual a melhor forma de atender às necessidades especiais da Autora, elencadas na alínea D) – cfr. prova testemunhal.

I) A Autora realizou a prova de conhecimentos que consta a fls. 2466 a 2480 do procedimento administrativo e, cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido.

J) Aquando da realização da prova de conhecimentos foi permitido à Autora utilizar o seu equipamento pessoal, tendo os serviços informáticos da câmara municipal disponibilizado a documentação de apoio e consulta pela criação de uma pasta no ambiente de trabalho no seu equipamento, e foi-lhe proporcionado o tempo suplementar de 30 minutos para a realização da referida prova – cfr. fls. 2384 do procedimento administrativo e prova testemunhal.

K) Durante a realização da prova de conhecimentos esteve presente o técnico de informático referido na alínea H) – cfr. prova testemunhal.

L) O júri do procedimento concursal concedeu a todos os candidatos que realizaram a prova de conhecimentos, incluindo a Autora, mais 30 minutos do que o tempo que estava estabelecido no aviso de abertura – facto admitido por acordo.

M) A prova de conhecimentos realizou-se no refeitório da escola E.B. 2/3 de ... e, por vezes, ouvia-se barulho proveniente do exterior, nomeadamente com o toque da campainha – cfr. prova testemunhal.

N) A Autora usou auriculares durante a realização da prova de conhecimentos – cfr. prova testemunhal.

O) A 06/03/2020, o júri do concurso reuniu para avaliação da prova de conhecimentos realizada pelos candidatos nos termos que constam da ata n.º ... junta ao procedimento administrativo a fls. 2384 a 2387, e na qual se pode ler o seguinte:

Os candidatos terão conhecimento dos resultados obtidos em cada método de seleção intercalar, por consulta da lista, ordenada alfabeticamente, afixada no átrio do edifício dos Paços do Concelho e disponibilizada na página eletrónica deste Município (...), conforme o disposto do n.9 1 do artigo 25.9 da portaria n.9 125­A/2019, de 3 de abril.”

P) A 04/06/2020, a Entidade Demandada afixou no átrio dos Paços do Concelho uma cópia da “Lista dos Resultados Obtidos na Prova de Conhecimentos”, da qual consta que apenas a Autora estava abrangida pelo ponto 20 do Aviso de Abertura – cfr. fls. 2402 do procedimento administrativo.

Q) A Contrainteressada «BB» apresentou pronúncia em sede de audiência prévia na qual alegou ser portadora de uma incapacidade de 76% e não ter sido enquadrada na condição prevista no ponto 20 do anúncio de abertura do procedimento – cfr fls. 2393 a 2394 do procedimento administrativo.

R) A 30/06/2020, o júri do concurso reuniu para apreciação da exposição da candidata «BB» e deliberou proceder à rectificação da lista de resultados obtida na prova de conhecimentos constante da acta n.º ... – cfr. fls. 2384 do procedimento administrativo.

S) A 15/07/2020, a Entidade Demandada afixou no átrio dos Paços do Concelho uma cópia da “Lista dos Resultados Obtidos na Prova de Conhecimentos (retificação)”, da qual consta que a Contrainteressada «BB» estava abrangida pelo ponto 20 do Aviso de Abertura – cfr. fls. 2379 do procedimento administrativo.

T) A 09/10/2020, a Autora remeteu à Entidade Demandada a comunicação escrita de fls. 2303/2304 do procedimento administrativo, cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido, e no qual requereu a realização do exame de avaliação psicológica de modo oral, com gravação da prova.

U) Em resposta à comunicação antecedente, a Entidade Demandada dirigiu à Autora a comunicação escrita de fls. 2299 do procedimento administrativo, cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido, e do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte:

(...).
Mais se informa que os psicólogos responsáveis por este processo já dispõem de toda a informação necessária para aplicação adaptada das provas psicológicas selecionadas, que inclui a majoração do tempo, de acordo com as normas científicas aprovadas pela Ordem dos Psicólogos Portugueses.

(...). Esta sugestão tem por base a possibilidade, que lhe é concedida, de utilizar o seu computador pessoal para a realização da prova de competências, por considerarmos que a sua utilização poderá colmatar as dificuldades apresentadas por V. Exa na carta enviada.

Relativamente à gravação da prova a mesma não está prevista, uma vez que tal solução implica o consentimento expresso de todos os intervenientes no processo.”

V) A prova psicológica foi efectuada por dois psicólogos, funcionários da Câmara Municipal, e foi constituída por um conjunto de exercícios realizados em computador e um por um conjunto de perguntas que foram efetuadas oralmente e a que a Autora respondeu, também de modo oral, sendo a sua resposta assinalada por um dos psicólogos no enunciado da prova – facto admitido por acordo.

W) A Autora realizou a prova de avaliação psicológica que consta a fls. 3382 a 3395 do procedimento administrativo, cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido, e do qual se extrai, nomeadamente, que a Autora obteve uma pontuação de 4,0 no item “compreensão verbal” e de 20,00 no item “fluência verbal” numa escala de 0 a 20, tendo obtido o resultado final de suficiente - 12 valores – cfr. documento n.º ...4 junto com a petição inicial, cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido.

X) A Autora realizou a prova de entrevista profissional de seleção cujos resultados constam do documento n.º ...9 junto com a petição inicial, cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido, e do qual se extrai, nomeadamente, que a Autora obteve uma pontuação de 20,00 no item “capacidade de expressão e compreensão verbal” numa escala de 0 a 20.

Y) O júri do concurso deliberou aprovar o projeto da lista unitária de ordenação final dos candidatos aprovados ao procedimento concursal e notificada para, querendo, se pronunciar em sede de audiência prévia, a Autora apresentou o instrumento que consta a fls. 3396 a 3406 do procedimento administrativo, cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido.

Z) O júri do concurso reuniu para apreciar a pronúncia da Autora, tendo deliberado improceder todas as questões suscitadas e manter a lista unitária de ordenação final dos candidatos – cfr. fls. 2963 a 2966 e fls. 3216 a 3217 verso do procedimento administrativo, cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido.

AA) Da deliberação referida na alínea anterior consta, nomeadamente, o seguinte:

“3. Falta de notificação da retificação da lista

A outra candidata apresentou formulário de candidatura em 13-08-2019, conforme consta do respetivo processo, tendo-o preenchido, tal como a Reclamante, em termos adequados. Instruiu a sua candidatura, tendo junto designadamente o competente atestado médico de incapacidade.

Submetida, da mesma forma, aos métodos de seleção, foi a prova escrita avaliada de acordo com os critérios previamente fixados e de forma absolutamente igual à avaliação dos demais.

A “Lista dos Resultados obtidos na prova de conhecimentos” foi tornada pública nos termos do disposto no n.°1 do artigo 25.° da Portaria n.° 125-A/2019, de 30 de abril.

A candidata soube, aí, nos termos legais, quais os candidatos excluídos e os que passavam à fase seguinte, e respetivas notas. Com base nelas e na comparação que lhe foi transparentemente possível realizar logo então, conhecendo a sua e todas as notas dos candidatos, poderia ter solicitado a reapreciação da prova, tal como os outros candidatos, o que resulta dos termos gerais e não do especial Decreto-Lei n.° 29/2001, que nenhuma regra "extravagante” estipula quanto a esta matéria específica.

Improcede, pois, a razão invocada.”

BB) Por despacho da Presidente da Câmara Municipal ... de 10/02/2021, foi homologada a lista unitária de ordenação final dos candidatos aprovados no procedimento concursal aprovada pelo júri do procedimento – cfr. fls. 2963 a 2967 do procedimento administrativo.

CC) A Autora dirigiu à Presidente da Câmara Municipal ... exposição escrita que denominou de recurso hierárquico, o qual não obteve procedência, com exceção de permitir à Autora o acesso ao atestado médico de incapacidade multiuso nos termos aí referidos – cfr. fls. 2692 a 2699 e fls. 2730 a 2738 do procedimento administrativo, cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido.

DD) A Entidade Demandada não pediu apoio ao Instituto Nacional para a Reabilitação (INR) para a elaboração das provas a efectuar pela Autora – facto admitido por acordo.

*

III - Enquadramento jurídico.

Este é o teor da decisão recorrida, na parte relevante:

“(…)
2) De direito

Atenta a causa de pedir e a factualidade que resulta dos Factos Provados, importa verificar da legalidade do ato administrativo praticado pela Presidente da Câmara Municipal ..., de 10/02/2021, que homologou a lista unitária de ordenação final dos candidatos no âmbito do procedimento comum para a contratação de 3 (três) técnicos superiores, para exercerem a função de jurista na Divisão de Assuntos Jurídicos e Fiscalização, da Câmara Municipal ....

Vejamos, então, cada um dos vícios apontados pela Autora ao ato ora impugnado.

*
Do vício de violação de lei

A Autora alega que a Entidade Demandada fez uma incorreta interpretação do regime jurídico que consta do D.L. n.º 29/2001, de 03/02, uma vez que a incapacidade de que padece a Contrainteressada não se enquadra no âmbito de aplicação desse diploma legal; sustenta ainda que, a entender-se o contrário, tal interpretação é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 13.º, 47.º e 71.º da CRP.

Vejamos.

O Decreto-Lei n.º 29/2001, de 03/01 veio estabelecer um sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência, com um grau de incapacidade igual ou superior a 60%, nos serviços e organismos da administração central e local, bem como nos institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados do Estado ou de fundos públicos – cfr. artigo 1.º, n.º 1.

Um dos objetivos visados pelo citado diploma legal foi o de permitir que a escolha de profissão e o acesso à função pública, enquanto direitos constitucionalmente garantidos a todos os cidadãos, se faça em condições de igualdade e liberdade, nomeadamente no que tange aos cidadãos com deficiência, através do reconhecimento de que compete ao Estado a responsabilidade de criar e coordenar as regras e as condições que permitam dar cumprimento àquelas atribuições e sensibilizar toda a sociedade para a sua efetivação e a forma encontrada para permitir o acesso a emprego qualificado passa pelo estabelecimento de quotas em todos os concursos externos de ingresso na função pública.

Dispõe o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 29/2001, de 03/02, sob a epígrafe “âmbito pessoal de aplicação”:

“1 – Para efeitos do presente diploma, consideram-se pessoas com deficiência aquelas que, encontrando-se em qualquer uma das circunstâncias e situações descritas no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 9/89, de 2 de maio, possam exercer, sem limitações funcionais, a atividade a que se candidatam ou, apresentando limitações funcionais, estas sejam superáveis através da adequação ou adaptação do posto de trabalho e ou de ajuda técnica.

2 – A deficiência prevista no n.º 1 abrange as áreas de paralisia cerebral, orgânica, motora, visual, auditiva e mental.”

A referência feita ao n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 9/89, de 02/05, numa interpretação atualista, tem que ser entendida como uma referência ao artigo 2.º da Lei n.º 38/2004, de 18/08, diploma legal que revogou a Lei n.º 9/89, de 02/05, o qual dispõe que “considera-se pessoa com deficiência aquela que, por motivo de perda ou anomalia, congénita ou adquirida, de funções ou estruturas do corpo, incluindo, incluindo as funções psicológicas, apresente dificuldades específicas suscetíveis de, em conjugação com os fatores do meio, lhe limitar ou dificultar a atividade e a participação em condições de igualdade com as demais pessoas.”

Como resultou provado, a Contrainteressada «JJ» apresentou o formulário de candidatura ao procedimento concursal aberto pela Entidade Demandada denominado procedimento comum para a contratação de 3 (três) técnicos superiores, para exercerem a função de jurista na Divisão de Assuntos Jurídicos e Fiscalização, da Câmara Municipal ..., no qual referiu o seguinte:

“11 – NECESSIDADES ESPECIAIS

Caso lhe tenha sido reconhecido, legalmente, algum grau de incapacidade indique o respectivo grau e se necessita de meios/condições especiais para a realização de métodos de seleção.

Possuo atestado médico de incapacidade multiuso, de 76%, mas não necessito de meios ou condições especiais para a realização de métodos de seleção.”

Do “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso” apresentado pela Contrainteressada resulta uma incapacidade permanente global de 76%, desdobrado nos seguintes itens: (i) Oncologia, tumores malignos sem metástases e permitindo uma vida de relação, com uma desvalorização de 60%, (ii) Disformias (alterações morfológicas tegumentares ou outras com repercussão funcional e/ou estética), ablação da glândula mamária unilateral, com uma desvalorização de 6%, e (iii) Psiquiatria, perturbações funcionais importantes, com manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal ou profissional, com uma desvalorização de 10% - cfr. Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23/10.

Em linguagem mais simples, e usando a terminologia da Sra. Perita em audiência final, a Contrainteressada efetuou uma mastectomia integral da mama, ou seja, perdeu um órgão endócrino e ficou a padecer de uma limitação funcional em termos psiquiátricos (de humor e de afetividade), que, após avaliação médica, se traduziu numa incapacidade permanente global de 76%.

Assim, a Contrainteressada tem que ser considerada uma pessoa com deficiência para os efeitos previstos no artigo 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 29/2001, de 03/02, já que sofreu a perda (adquirida) de uma função ou estrutura do corpo (a mama), acrescida de perturbações funcionais importantes a nível de psiquiatria, ou seja, foi afetada nas áreas orgânica e mental, e que são suscetíveis de lhe limitar ou dificultar a atividade e a participação em condições de igualdade com as demais pessoas, daí lhe ter sido atribuído o “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso” com incapacidade permanente global de 76%.

Fica, assim, prejudicada a alegada violação do disposto nos artigos 13.º, 47.º e 71.º da CRP, uma vez que a deficiência de que padece a Contrainteressada integra as deficiências elencadas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 29/2001, de 03/02.

Conclui-se, assim, que a Entidade Demandada não violou a lei quando enquadrou a Contrainteressada no âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 29/2001, de 03/02.
*

Da omissão de notificação da lista de resultados da prova de conhecimentos retificada.

A Autora alega que não foi notificada da alteração à lista de resultados da prova de conhecimentos e que tal omissão a impediu de requerer a reapreciação da sua prova.

Vejamos.

O aviso de abertura do procedimento concursal objeto dos autos refere, nomeadamente, o seguinte:

“14 – A lista dos resultados obtidos em cada método de seleção será afixada no átrio desta Câmara Municipal, sito no Largo ..., ... e divulgada na página eletrónica em ....

(...).

19 – A lista unitária da ordenação final, após homologada, é afixada no átrio desta Câmara Municipal, sito no Largo ..., ... e divulgada na página eletrónica em ..., sendo ainda publicado um aviso na 2.ª série do Diário da República com informação sobre a sua publicitação.”

Tais normas visavam adequar ao procedimento concursal o estabelecido na Portaria n.º 125-A/2019, de 30/03 (entretanto revogada pela Portaria n.º 233/2022, de 09/09), que regulamentava a tramitação do procedimento concursal nos termos do n.º 2 do artigo 37.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (LTFP).

O artigo 10.º da referida Portaria, inserido no Capítulo II – Disposições gerais e comuns, preceituava que “as notificações previstas na presente portaria são efetuadas por uma das seguintes formas: a) Correio eletrónico com recibo de entrega da notificação ou por outro meio de transmissão escrita e eletrónica de dados; b) Carta registada; c) Notificação pessoal; d) Aviso publicado na 2.ª série do Diário da República informando da afixação em local visível e público das instalações do empregador público e da disponibilização no seu sítio da Internet.”

Já no que diz respeito ao procedimento concursal comum, como o procedimento concursal objeto dos autos, resulta do disposto no artigo 28.º que à lista unitária de ordenação final dos candidatos é aplicável o disposto no artigo 10.º, ou seja, tem que ser notificada por uma das formas aí previstas; mas tal já não se aplica à publicitação dos resultados dos métodos de seleção, uma vez que o artigo 25.º, n.º 1 da Portaria refere expressamente que “a publicitação dos resultados obtidos em cada método de seleção intercalar é efetuada através de lista, ordenada alfabeticamente, afixada em local visível e público das instalações do empregador público e disponibilizada no seu sítio da Internet.”

Ora, como resultou provado, a 04/06/2020, a Entidade Demandada afixou no átrio dos Paços do Concelho uma cópia da “Lista dos Resultados Obtidos na Prova de Conhecimentos”, da qual constava que apenas a Autora estava abrangida pelo ponto 20 do Aviso de Abertura e, após a Contrainteressada ter apresentado pronúncia em sede de audiência prévia (na qual alegou ser portadora de uma incapacidade de 76% e não ter sido enquadrada na condição prevista no ponto 20 do anúncio de abertura do procedimento), o júri do concurso reuniu para apreciação desta exposição e deliberou proceder à retificação da lista de resultados obtida na prova de conhecimentos, sendo que, a 15/07/2020, a Entidade Demandada afixou no átrio dos Paços do Concelho uma cópia da “Lista dos Resultados Obtidos na Prova de Conhecimentos (retificação)”, da qual constava que a Contrainteressada «BB» estava abrangida pelo ponto 20 do Aviso de Abertura.

Assim, ao contrário do que defende a Autora, a Entidade Demandada notificou-a da “Lista dos Resultados Obtidos na Prova de Conhecimentos (retificação)” pela forma prevista na legislação aplicável para o efeito, ou seja, através de lista, ordenada alfabeticamente, afixada no átrio dos Paços do Concelho, a exemplo do que fizera com a publicitação da lista antes da retificação.

Conclui-se, assim, que o ato impugnado não padece do vício de omissão de notificação.

*
Vício de forma por falta de fundamentação

A Autora defende que o ato impugnado não se mostra fundamentado, uma vez que os fundamentos em que assentou na pronúncia em sede de resposta à reclamação apresentada pela Autora em sede de audiência prévia são incongruentes, não esclarecendo concretamente a motivação do ato.

Vejamos.

O artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) dispõe, desde logo que os atos administrativos “carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.”

No desenvolvimento deste preceito constitucional, o legislador consagrou na legislação ordinária que, salvo exceções expressamente elencadas, os atos administrativos devem ser sempre fundamentados.

Assim, dispõe o artigo 152.º, n.º 1 do CPA:

“Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente:

a) Neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções;
b) Decidam reclamação ou recurso;
c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer,
informação ou proposta oficial;
(...).”

E o artigo 153.º do mesmo Código preceitua o seguinte:

“1 - A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.

2 - Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.
3 – (...).”

A fundamentação consiste num critério relativo, com uma função instrumental, a aferir casuisticamente em função do tipo concreto de ato e as específicas circunstâncias em que o mesmo é praticado – cfr. neste sentido, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 16/12/2010, proc. n.º 00206/08.4BEPNF, disponível em www.dgsi.pt.

Impõe-se ao autor do ato administrativo a exteriorização das razões ou motivos determinantes do sentido da decisão, de modo a habilitar o destinatário a conscientemente se conformar com a mesma ou reagir, devendo o decisor realizar uma ponderação efetiva de interesses, factos e elementos oferecidos pelos interessados e outros que sejam do seu conhecimento.

Esta ponderação deve ser tanto mais exigente quanto maior for o grau de poder discricionário ao dispor da Administração. É que, quando o legislador atribui poderes decisórios à Administração, fá-lo no pressuposto de que esta, estando mais próxima dos elementos variáveis dos casos concretos, está melhor posicionada para realizar uma efetiva ponderação dos interesses de modo a poder optar pela prossecução do interesse público.

Como resulta da factualidade provada, a Autora pronunciou-se em sede de audiência prévia após ter sido notificada do projeto da lista unitária de ordenação final dos candidatos aprovados ao procedimento concursal, tendo defendido, em síntese, que não havia sido notificada da lista dos Resultados Obtidos na Prova de Conhecimentos (retificação), nos termos supramencionados a propósito do vício invocado de omissão de notificação, tendo o júri do concurso deliberado pela improcedência da questão suscitada, referindo o seguinte:

“3. Falta de notificação da retificação da lista.

A outra candidata apresentou formulário de candidatura em 13-08-2019, conforme consta do respetivo processo, tendo-o preenchido, tal como a Reclamante, em termos adequados. Instruiu a sua candidatura, tendo junto designadamente o competente atestado médico de incapacidade.

Submetida, da mesma forma, aos métodos de seleção, foi a prova escrita avaliada de acordo com os critérios previamente fixados e de forma absolutamente igual à avaliação dos demais.

A “Lista dos Resultados obtidos na prova de conhecimentos” foi tornada pública nos termos do disposto no n.°1 do artigo 25.° da Portaria n.° 125-A/2019, de 30 de abril.

A candidata soube, aí, nos termos legais, quais os candidatos excluídos e os que passavam à fase seguinte, e respetivas notas. Com base nelas e na comparação que lhe foi transparentemente possível realizar logo então, conhecendo a sua e todas as notas dos candidatos, poderia ter solicitado a reapreciação da prova, tal como os outros candidatos, o que resulta dos termos gerais e não do especial Decreto-Lei n.° 29/2001, que nenhuma regra "extravagante” estipula quanto a esta matéria específica.

Improcede, pois, a razão invocada.”

Ora, do exposto resulta que a Entidade Demandada fundamentou a sua pronúncia, explicitando que a lista dos resultados obtidos na prova de conhecimentos foi publicitada nos termos previstos no artigo 25.º, n.º 1 da Portaria n.º 125-A/2019, de 30/04 e que a Autora poderia, então, ter reclamado da nota que lhe foi atribuída.

E, dizemos nós, poderia tê-lo feito quer quando foi publicitada a primeira lista, quer quando foi publicitada a lista retificada. É isso que resulta da fundamentação do ato impugnado, sendo que qualquer destinatário colocado na posição da Autora facilmente compreenderia as motivações da decisão.

Assim, é manifesto que não assiste razão à Autora, pois o ato impugnado, nesta parte, mostra-se fundamentado.

*

Inadequação da prova escrita à sua concreta deficiência, em violação do disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 29/2001, de 03/02 e dos artigos 13.º, n.º 2 e 47.º, n.º 2 da CRP.

A Autora alega que a prova de conhecimentos não foi adequada às suas concretas características (invisual) uma vez que (i) continha tabelas e espaço insuficiente entre as possíveis respostas, (ii) o tempo extra concedido era insuficiente, e (iii) a prova realizou-se no refeitório de uma escola preparatória fazendo-se sentir barulho intenso durante toda a prova e que lhe diminuiu significativamente os níveis de concentração.

Defende ainda que deveria ter sido solicitado apoio ao Instituto Nacional para a Reabilitação (INR) por forma a que todo o concurso fosse adaptado à concreta deficiência da Autora.

Vejamos.

O artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 29/2001, de 03/02 dispõe o seguinte:

“1 — O processo de seleção dos candidatos com deficiência deve ser adequado, nas suas diferentes vertentes, às capacidades de comunicação/expressão.

2 — Para efeitos do disposto no número anterior, o Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência é a entidade competente para prestar o apoio técnico que se revele necessário.”

Como resulta da factualidade provada, a Autora é deficiente visual com grau de incapacidade de 95% e, aquando da submissão da sua candidatura, referiu o seguinte:

“11 - NECESSIDADES ESPECIAIS

Caso lhe tenha sido reconhecido, legalmente, algum grau de incapacidade indique o respetivo grau e se necessita de meios/condições especiais para a realização de métodos de seleção Deficiência visual com grau de incapacidade de 95%, reconhecido por Atestado de Incapacidade Multiusos

Prova de conhecimentos em suporte digital e realização da mesma em computador com software de leitura de ecrã.

Tempo suplementar, não inferior a 30 minutos, para realização da prova de conhecimentos Adaptação da forma de realização dos testes de Avaliação Psicológica (AP), por não me ser possível ler em suporte de papel.”.

Ora, da factualidade provada resulta que todas as necessidades que foram identificadas pela Autora, foram satisfeitas; assim, foi permitido à Autora utilizar o seu equipamento pessoal aquando da realização da prova de conhecimentos e foi-lhe disponibilizada a documentação de apoio e consulta pela criação de uma pasta no ambiente de trabalho no seu equipamento, foi-lhe concedido, também, um tempo suplementar de 30 minutos para a realização da prova em relação aos demais candidatos, não ficando demonstrado que esse tempo extra não fosse suficiente.

Acresce que, em momento prévio à realização da prova de conhecimentos, a Autora reuniu com a jurista da Câmara Municipal ... e com um técnico de informática, no sentido de aferir qual a melhor forma de atender às necessidades especiais elencadas no formulário de candidatura e durante a realização da referida prova esteve sempre presente o referido técnico de informática, factos que, por si só, demonstram a preocupação da Entidade Demandada em que a Autora tivesse à sua disposição todos os meios adequados à sua concreta situação pessoal aquando da realização das provas, no sentido de promover a discriminação positiva com vista ao cumprimento do princípio da igualdade no acesso à função pública.

E, na sequência dessa reunião realizada com a jurista da Câmara Municipal ... e com um técnico de informática, foi possível perceber o tipo de formatação da prova adequado às necessidades especiais da Autora e concretizá-lo. A análise da prova de conhecimentos realizada pela Autora permite concluir que não contém linhas, quadrados, nem tabelas, ao contrário das provas realizadas pelos demais candidatos e existe um espaço adequado entre as diferentes respostas – cfr. alínea I) dos factos provados.

Já quanto ao ruído existente no local onde se realizou a prova de conhecimentos resultou provado que foi realizada no refeitório da escola E.B. 2/3 de ... e, por vezes, ouvia-se barulho proveniente do exterior, nomeadamente com o toque da campainha.

Esta factualidade, por si só, não é demonstrativa de que o barulho tivesse condicionado a Autora na realização da prova; acresce que, resultou provado que a Autora usou auriculares durante a realização da prova de conhecimentos. Ora, como é do conhecimento comum, os auriculares têm como finalidade proporcionar uma audição privada, minimizando a interferência de outros sons presentes no mesmo espaço, pelo que, o uso de auriculares pela Autora até a beneficiou em relação aos demais candidatos, pelo efeito “tampão” que lhe proporcionou em relação aos barulhos exteriores ao refeitório.

Por último refira-se que resulta do n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 29/2001, de 03/02 que o Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência é a entidade competente para prestar o apoio técnico que se revele necessário.

Ou seja, não existe uma obrigação de recorrer àquela entidade sempre que se candidatem pessoas com deficiência aos concursos externos de ingresso na função pública, mas apenas uma faculdade quando tal se revele necessário. O que não sucedeu no caso presente, nem se afigura que tal fosse necessário. É que, a Entidade Demandada reuniu previamente à realização das provas com a Autora, e atendeu a todas as necessidades especiais que esta transmitiu serem necessárias para a realização da prova, pelo que, não se consegue alcançar qual o tipo de apoio técnico que seria requerido ao Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, nem a Autora o elenca.

Conclui-se, assim, que o ato impugnado não padece do vício que lhe é apontado.

*
Erro grosseiro na avaliação psicológica

A Autora alega que a avaliação psicológica padece de erro grosseiros atendendo a que obteve a classificação de 4 valores (numa escala de 0 a 20) no parâmetro da compreensão verbal e 20 valores no parâmetro de fluência verbal e em sede de entrevista profissional obteve 20 valores no item “capacidade de expressão e compreensão verbal”, não se compreendendo a discrepância entre itens idênticos, senão iguais, em métodos de seleção diferentes, na avaliação psicológica e na entrevista profissional.

Vejamos.

Como resulta da factualidade provada, no aviso de abertura do procedimento concursal consta que a avaliação Psicológica visa avaliar aptidões, caraterísticas de personalidade e competências comportamentais dos candidatos, tendo como referência o perfil de competências previamente definido, tal como resulta do disposto no artigo 5.º, n.º 1, alínea b) da Portaria n.º 125-A/2019, de 30/04, e o perfil de competências definido compreende o planeamento e organização, análise da informação e sentido crítico, iniciativa e autonomia e inovação e qualidade. A avaliação psicológica é valorada através de níveis classificativos de Elevado, Bom, Suficiente, Reduzido e Insuficiente, aos quais correspondem, respetivamente, as classificações de 20, 16, 12, 8 e 4 valores.
Na avaliação psicológica, a Autora obteve o resultado final de suficiente = 12 valores, pontuação que resultava do facto de ter uma média de 8,9 de comportamentos e aptidões evidenciados, sendo que a pontuação de suficiente era atribuída a quem obtivesse uma média entre 8 a 12 comportamentos evidenciados (como se constata pela ficha individual de avaliação psicológica).

Os comportamentos e aptidões avaliados e que conduziram ao resultado médio de 8,9 foram os seguintes:

- análise da informação e sentido crítico: 8,8;
- planeamento e organização: 10,7;
- iniciativa e autonomia: 4,0;
- inovação e qualidade: 12,00;
- vigilância e abstração: 4,00;
- compreensão verbal: 4,00;
- raciocínio e atenção: 9,3;
- aptidão numérica: 4,00;
- fluência verbal: 20,00;
- autocontrolo: 12,00.

Ora, do exposto extrai-se que a classificação final obtida pela Autora nesta prova resulta da média dos resultados obtidos nos comportamentos e aptidões evidenciados e supramencionados.

Sucede que, o Tribunal não tem informação suficiente para sindicar do alegado erro grosseiro apontado pela Autora à avaliação psicológica, aquele erro manifesto que reflete um evidente e grave desajustamento da decisão administrativa perante a situação concreta.

É que, não obstante ser pacífico na jurisprudência e doutrina que este tipo de exame encerra um juízo pericial complexo, normalmente expresso em linguagem supra sintética, é também indiscutível que a fundamentação destes atos não pode limitar-se a meras e enigmáticas afirmações técnicas, desprovidas de qualquer suporte, ou de tal forma insuficientes e obscuras que não permitam a um destinatário normal, colocado na posição do real destinatário dos atos, compreender minimamente a motivação que subjaz ao raciocínio decisório – cfr. Acórdão do TCAS, de 20/05/2021, processo n.º 1419/18.6BELSB, disponível em www.dgsi.pt

Assim, quem avalia os resultados dos exames psicológicos tem de esclarecer de forma minimamente percetível as razões da apreciação que faz de cada candidato, sob pena do subsequente ato do júri ser carente de fundamentação, ou seja, só ocorre a necessária fundamentação dos exames psicológicos, indispensável para o esclarecimento, pelo júri e pelo candidato, das razões que motivaram o correspondente resultado do exame, se quem avalia aqueles exames psicológicos produzir uma informação minimamente inteligível relativamente à sua apreciação.

Ora, compulsada a ficha individual de avaliação psicológica da Autora fica-se sem saber os fundamentos que determinaram a concreta avaliação que lhe foi atribuída em cada um dos comportamentos e aptidões avaliados, já que apenas é referida a valoração numa escala de 0 a 20, sem que se compreenda, por exemplo, por que é que no item de compreensão verbal obteve a pontuação de 4 e não de 10, ou, por que é que no item de fluência verbal obteve a pontuação de 20 e não de 14, por exemplo.

Entendimento diverso conduziria inevitavelmente à impossibilidade de a Autora defender os seus direitos e interesses legalmente protegidos e à possibilidade abstrata da Entidade Demandada atribuir a pontuação que entendesse sem possibilidade de ser judicialmente sindicada.

Impõe-se, assim, que a Entidade Demandada explicite a pontuação atribuída em cada um dos indicadores avaliados, de uma forma que, qualquer destinatário colocado na posição da Autora facilmente compreenda as motivações da decisão.

Conclui-se, assim, que o ato impugnado padece do vício de falta de fundamentação, o qual é sancionado com a anulabilidade do ato impugnado.

*

Da violação do princípio da transparência e da boa-fé, nomeadamente, violação do direito de pronúncia/defesa pela indisponibilização de documentação constante do processo.

Dispõe o artigo 266.º da CRP, sob a epigrafe “princípios constitucionais”, o seguinte:
“1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.”

Assim, o legislador constitucional consagrou expressamente como princípio fundamental da atividade administrativa o princípio da boa-fé.

Por sua vez, o artigo 10.º do Código do Procedimento Administrativo veio concretizar, na legislação ordinária, a vinculação da administração pública ao princípio da boa-fé no procedimento administrativo.

Um dos corolários do princípio da boa-fé consiste no princípio da proteção da confiança legítima, incorporando a boa-fé o valor ético da confiança.

No entanto, para que se possa, válida e relevantemente, invocar tal princípio é necessária ainda que o interessado em causa não o pretenda alicerçar apenas na sua mera convicção psicológica, antes de impondo a enunciação de sinais exteriores produzidos pela Administração suficientemente concludentes para um destinatário normal e onde seja razoável ancorar a invocada confiança.

Ora, da factualidade alega e provada não se alcança em que medida é que este princípio foi violado pela Entidade Demandada. Mesmo em relação a documentos que inicialmente a Entidade Demandada não forneceu à Autora, o certo é que, fundamentou essa recusa na interpretação que fez da lei (independentemente do acerto da interpretação) e tal questão ficou resolvida no âmbito do processo urgente de intimação para a prestação de informações que correu termos neste Tribunal com o n.º 324/21.3BEPNF, a que a Autora alude no artigo 99.º da petição inicial
.
Conclui-se, assim, que a Entidade Demandada não violou o princípio da boa-fé.

*

E o despacho de sustentação:

“(…)
Nas alegações de recurso, vem a Recorrente imputar à sentença recorrida a nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

Vejamos:

Do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art.º 1 do CPTA, resulta que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Sustenta a Recorrente que a sentença recorrida não se pronuncia sobre três questões:

(i) A falta de indicação do tipo de deficiência de que a Contrainteressada padecia;

(ii) Omissão na fundamentação da sentença dos pareceres da Direção-Geral da
Administração Pública e do Prof. Dr. «CC», e

(iii) Indeferimento da prova requerida de emissão de parecer pelo INR.

Ora, salvo melhor entendimento, afigura-se que não assiste razão à Recorrente nos vícios apontados à sentença.

Compulsada a sentença proferida nos autos, constata-se que o Tribunal apreciou todas as questões suscitadas pelas Partes nos autos, especificando os fundamentos de facto e de direito que justificaram a sua decisão, para as quais se remete e cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido.

A nulidade invocada está diretamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz pelo artigo 608º, nº 2 do CPC, em que se estabelece que o juiz tem de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Resulta, assim, que o julgador não tem que analisar e apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que resolver as questões que lhe tenham sido postas. Por isso, não pode falar-se em omissão de pronúncia quando o tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração um qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da ação, ou quando decide quais os factos dados como provados e não provados e/ou quando entende valorar determinados meios de prova e não outros. O que importa é que o juiz conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, exceto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.

In casu, as questões que foram submetidas à apreciação e decisão do Tribunal foram devidamente analisadas, tendo em consideração os factos dados como provados e o direito aplicável.

Acresce que, quanto à questão elencada em (i), a Autora apresentou articulado superveniente no qual alegou a falta de indicação no formulário pela Contrainteressada do tipo de deficiência de que padecia, o qual não foi admitido por extemporaneidade – cfr. fls. 731/732 dos autos – motivo pelo qual tal factualidade e vício não foram (nem tinha que ser, salvo o devido respeito por opinião contrária) objeto da sentença proferida nos autos. Por outro lado, deste despacho a Autora não recorreu, pelo que já transitou em julgado.

O mesmo se diga em relação à questão elencada em (iii), que não consubstancia qualquer questão a decidir, mas sim um meio de prova, a qual foi objeto de decisão por despacho de fls. 472 e ainda despacho prolatado na audiência final, dos quais a Autora não recorreu, pelo que já transitaram em julgado.

Assim, sem mais considerandos e nos termos e pelos fundamentos expostos, indefiro a arguição das nulidades suscitadas pela Recorrente.

(…)”

A decisão recorrida é de manter na íntegra por se mostrarem válidos e suficientes os seus fundamentos.

Vejamos.

1. A nulidade processual decorrente da preterição de um meio de prova: a emissão de parecer pelo Instituto Nacional para a Reabilitação, I.P. – artigo 411º do Código de Processo Civil (conclusões 25ª a 40ª).

Invoca a Recorrente neste capítulo:

“(…)
25ª - A Autora na sua petição inicial requereu que fosse pedido parecer ao INR quanto às condições em que realizou a prova – cfr. petição inicial) e, por despacho datado de 14.10.2021 (ref. SITAF n° ...59) o Tribunal ordenou que a Autora desse cumprimento ao disposto no art° 475° do CPC.

26ª - A Autora veio responder ao despacho por requerimento datado de 18.10.2021 (ref. SITAF n° ...05), indicando os quesitos a que o INR deveria responder.

27ª- Por despacho datado de 8.03.2021 (ref. SITAF n° ...53) o Tribunal determinou a realização de perícia ao INML sem referir o que quer que fosse quanto ao pedido de parecer ao INR.

28ª - Em audiência de discussão e julgamento, em 27.10.2023, a Autora, que nunca prescindiu do pedido de parecer ao INR, voltou a requerê-lo quanto à adequação ou inadequação da prova escrita.

29ª - O Tribunal indeferiu o requerido, afirmando que os autos já reuniam os elementos necessários para a boa decisão da causa referindo, ainda, que nada teria impedido que a própria autora solicitasse parecer ao INR e o juntasse aos autos.

30ª – Na douta sentença o Tribunal a quo afirmou o seguinte: “no caso presente, nem se afigura que tal fosse necessário. É que, a Entidade Demandada reuniu previamente à realização das provas com a Autora, e atendeu a todas as necessidades especiais que esta transmitiu serem necessárias para a realização da prova, pelo que, não se consegue alcançar qual o tipo de apoio técnico que seria requerido ao Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, nem a Autora o elenca”.

31ª - A necessidade, ou não, de apoio técnico por parte do INR não se afere em função dos pedidos dos candidatos. Se a Autora tivesse conhecimento da extensão da prova, do local e meio envolvente à realização da mesma e, bem assim, à sua formatação, certamente que teria efetuado pedidos adicionais.

32ª - Quanto à formatação da prova da A. e apesar do depoimento do Eng. «DD», que referiu que a prova foi formatada sem tabelas, parece-nos que tal não corresponde à verdade, uma vez que a prova da A. foi impressa imediatamente após a sua conclusão (e posteriormente por si assinada) e constam tabelas na mesma (cfr. prova de conhecimentos que consta a fls. 2466 a 2480 do P.A.).

33ª - Quanto ao facto de o Tribunal a quo vir dizer que a Autora poderia ter junto parecer aos autos por sua iniciativa, tal argumento não é aceitável - isto porque o Tribunal a quo não só não indeferiu tal pedido como, inclusivamente, notificou a Autora para formular quesitos com vista à resposta por parte do INR – o que criou na Recorrente expectativa de que o seu pedido tinha sido deferido.

34ª – O tempo suplementar concedido à Recorrente foi inadequado tendo em consideração a extensão da prova; a formatação não foi adequada, e o local (com bastante ruído) dificultou bastante mais a tarefa da Autora.

35ª - O referido pelo Tribunal a quo quanto ao facto de a Autora usar auriculares, revela um grande desconhecimento quanto às específicas condições em que a Autora realizou a prova e à necessidade de silêncio para compreender o software de leitura do seu computador.

36ª - Os auriculares não são capazes de eliminar o ruído exterior, quando este existe da forma persistente como existiu naquela prova (veja-se depoimento da testemunha «EE»), circunstância que lhe reduz a capacidade de concentração e a obriga a ter que colocar o software a repetir várias vezes o que acabou de ler.

37ª - Aquilo que os restantes candidatos conseguiram ler e apreender “à primeira” através da visão, a Autora teve que apreender ouvindo o software de leitura, aguardando que ele lhe lesse a pergunta, que lhe lesse a (avultada) legislação a consultar, que lhe lesse a resposta dada e, por força do contexto em que a prova foi realizada, teve que colocar o software a repetir-lhe, perguntas, respostas, artigos, etc..

38ª - Não compreendemos, nem aceitamos, que numa matéria tão específica como esta, tanto o júri como o Tribunal a quo não tenham dado oportunidade a que o INR, entidade devidamente habilitada e seguramente habituada a prestar apoio técnico nestas situações, tivesse respondido aos quesitos formulados pela aqui Recorrente.

39ª – O apoio técnico do INR teria sido fundamental previamente à realização das provas, mas também para o Tribunal a quo aferir, à posteriori, se as queixas apresentadas pela Autora tinham ou não fundamento.

40ª - O Tribunal tinha o poder-dever de ordenar a emissão de parecer por parte do INR e, não o tendo feito, violou, entre outros, o disposto nos art. 411º do CPC – actuação que consubstancia nulidade que desde já se invoca.

No despacho de sustentação o Tribunal a quo defende, a este propósito:

“O mesmo se diga em relação à questão elencada em (iii), que não consubstancia qualquer questão a decidir, mas sim um meio de prova, a qual foi objeto de decisão por despacho de fls. 472 e ainda despacho prolatado na audiência final, dos quais a Autora não recorreu, pelo que já transitaram em julgado”.

Na verdade, o que se verifica no caso é uma sequência de duas decisões transitadas em julgado.

A primeira, o despacho de 14.10.202, a deferir o pedido da Autora de produção de parecer do INR quanto às condições em que realizou a prova, notificando-a para apresentar quesitos o que a Autora fez.

A segunda, o despacho de fls. 472, confirmado pelo despacho prolatado na audiência final, a dispensar este meio de prova.

Sobre a existência de casos julgados contraditórios dispõe o artigo 625.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:

“1 - Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.

2 - É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.”

O que significa que no caso deveria prevalecer, à partida, o despacho de 14.10.2021 a deferir o pedido da Autora de produção de parecer do INR quanto às condições em que realizou a prova.

Sucede que este Tribunal de recurso entende que tal prova não deveria ter sido ordenada pelo que não faria sentido, em qualquer caso, anular todo o processado e mandar baixar os autos para a produção desta prova.

O tribunal não é uma segunda instância administrativa, nem tem condições, designadamente de recursos humanos, para o ser, mas uma instância jurisdicional que averigua, dito em termos genéricos e a traço grosso, a legalidade da actuação administrativa, bem como avalia, em sede da discricionariedade técnica ou administrativa, a razoabilidade dos juízos emitidos com base nos elementos colhidos em sede administrativa, assim como a eventual omissão ou preterição de formalidades essenciais.

E no campo da “discricionariedade técnica” é entendimento pacífico o de que a conduta da Administração é insindicável, salvaguardados os casos de erro grosseiro, uso de critérios manifestamente desajustados ou desvio de poder.

Ora no caso concreto o parecer do INR sobre as condições da prestação da prova da Autora não é formalidade imposta por lei.

E também não se vislumbra erro grosseiro na dispensa desse parecer tendo em conta que em momento prévio à realização da prova de conhecimentos, a Autora reuniu com a jurista da Câmara Municipal ..., Dra. «HH», e com o técnico de informática, «KK», no sentido de aferir qual a melhor forma de atender às necessidades especiais da Autora e que na realização da prova de conhecimentos foi permitido à Autora utilizar o seu equipamento pessoal, tendo os serviços informáticos da câmara municipal disponibilizado a documentação de apoio e consulta pela criação de uma pasta no ambiente de trabalho no seu equipamento – factos provados sob as alíneas H) e J).

Tal como, de resto, a preterição deste meio de prova no procedimento administrativo constitui qualquer omissão que afecte a validade do procedimento ou do acto impugnado, como adiante veremos.

Pelo que não se verifica esta invocada nulidade processual.

2. A nulidade por omissão de pronúncia: a falta de indicação do tipo de deficiência de que a Contrainteressada padecia; a falta de referência aos pareceres da Direção-Geral da Administração Pública e do Prof. Dr. «CC» na fundamentação da sentença (conclusões 7ª, 15ª e 19ª).

Quanto à falta de indicação do tipo de deficiência de que a Contrainteressada padecia, como se refere no despacho de sustentação, a Autora apresentou articulado superveniente no qual este vício, articulado que não foi admitido por extemporaneidade – cfr. fls. 731/732 dos autos.

Despacho que transitou em julgado.

Motivo pelo qual tal factualidade e tal vício não foram apreciados nem tinham de ser porque não fazia parte do objecto da acção.

Quanto à falta de referência aos pareceres da Direção-Geral da Administração Pública e do Prof. Dr. «CC» na fundamentação da sentença, não produz esta omissão uma nulidade.

Determina a alínea d) do n.º1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil, que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Este preceito deve ser compaginado com a primeira parte do n.º2, do artigo 608º, do mesmo diploma: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Conforme é entendimento pacífico na nossa jurisprudência e na doutrina, só se verifica nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a que aludem os citados preceitos, quando o juiz se absteve de conhecer de questão suscitada pelas partes e de que devesse conhecer (cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09).

A nulidade só ocorre quando a sentença ou acórdão não aprecie questões suscitadas e não argumentos apresentados no âmbito de cada questão, face ao disposto nos artigos 697º e 608º do Código de Processo.

Efectivamente, o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, mas apenas fundamentar suficientemente em termos de facto e de direito a solução do litígio.

Questões para este efeito são todas as pretensões processuais formuladas pelas partes, que requerem a decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer acto especial, quando realmente debatidos entre as partes (Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 122º, página 112), não podendo confundir-se as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões, argumentos e pressupostos em que fundam a respectiva posição na questão (Alberto dos Reis, obra citada, 143, e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, volume III, 1972, página 228).

No mesmo sentido se orientou a jurisprudência conhecida, em particular os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09.10.2003, processo n.º 03B1816, e de 12.05.2005, processo n.º 05B840; os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.02.2002, processo n.º 034852 (Pleno), de 02.06.2004, processo n.º 046570, e de 10.03.2005, processo n.º 046862.

Os referidos pareceres não são fundamentos do recurso, são argumentos apresentados pela Autora a propósito do vício de violação do disposto nos artigos1° e 2° do DL 29/2001, de 03.02, por a incapacidade da Contra-Interessada «BB» ter sido integrada no procedimento administrativo e no acto impugnado nesta previsão legal, ao contrário do que entende a Autora.

Improcedem, pois, estas arguições de nulidade da sentença recorrida.

3. O acerto da decisão.

3.1. A integração da Contra-Interessada «BB» na quota reservada para pessoas com deficiência nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 1° e 2° do DL 29/2001, de 03.02 (conclusões 5ª, 14ª, 15ª, 16ª, 21ª, 23ª e 24ª).

Como acima se disse, o tribunal não é uma segunda instância administrativa, nem tem condições, designadamente de recursos humanos, para o ser, mas uma instância jurisdicional que averigua, dito em termos genéricos e a traço grosso, a legalidade da actuação administrativa, bem como avalia, em sede da discricionariedade técnica ou administrativa, a razoabilidade dos juízos emitidos com base nos elementos colhidos em sede administrativa, assim como a eventual omissão ou preterição de formalidades essenciais.

E no campo da “discricionariedade técnica” é entendimento pacífico o de que a conduta da Administração é insindicável, salvaguardados os casos de erro grosseiro, uso de critérios manifestamente desajustados ou desvio de poder.

Neste contexto os pareceres juntos à acção de impugnação apenas podem ser considerados como prova dosa eventual erro grosseiro na consideração de que o “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso” apresentado pela Contra-Interessada em sede administrativa vale como prova de que tem uma incapacidade permanente global de 76%, desdobrado nos seguintes itens: (I) Oncologia, tumores malignos sem metástases e permitindo uma vida de relação, com uma desvalorização de 60%, (II) Disformias (alterações morfológicas tegumentares ou outras com repercussão funcional e/ou estética), ablação da glândula mamária unilateral, com uma desvalorização de 6%, e (III) Psiquiatria, perturbações funcionais importantes, com manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal ou profissional, com uma desvalorização de 10% - cfr. Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23/10.

Isto sendo certo que não existe qualquer norma que imponha como meio de prova imperativo dessa incapacidade o parecer da DGAEP ou de um perito de medicina legal, perito de dano corporal e perito da segurança social, como é o caso do Professor Doutor «CC».

Ao não se pode considerar existir erro, menos ainda grosseiro, na consideração, constante do “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso” apresentado pela Contra-Interessada em sede administrativa de que esta tem uma incapacidade permanente global de 76%.

Improcede, tal como decido na sentença recorrida, a arguição deste vício do acto impugnado.

3.2. A desadequação prova escrita de conhecimentos realizada pela Recorrente à sua concreta condição de deficiência; o tratamento desigual em relação aos demais candidatos (conclusões 28ª, 38ª, 39ª e 40ª).

Mais uma vez se repete: o tribunal não é uma segunda instância administrativa, nem tem condições, designadamente de recursos humanos, para o ser, mas uma instância jurisdicional que averigua, dito em termos genéricos e a traço grosso, a legalidade da actuação administrativa, bem como avalia, em sede da discricionariedade técnica ou administrativa, a razoabilidade dos juízos emitidos com base nos elementos colhidos em sede administrativa, assim como a eventual omissão ou preterição de formalidades essenciais.

No caso concreto o parecer do INR sobre as condições da prestação da prova da Autora não é formalidade imposta por lei.

E também não se vislumbra erro grosseiro na dispensa desse parecer tendo em conta que em momento prévio à realização da prova de conhecimentos, a Autora reuniu com a jurista da Câmara Municipal ..., Dra. «HH», e com o técnico de informática, «KK», no sentido de aferir qual a melhor forma de atender às necessidades especiais da Autora e que a da realização da prova de conhecimentos foi permitido à Autora utilizar o seu equipamento pessoal, tendo os serviços informáticos da câmara municipal disponibilizado a documentação de apoio e consulta pela criação de uma pasta no ambiente de trabalho no seu equipamento – factos provados sob as alíneas H) e J).

Pelo que também, tal como decidido, improcede a arguição deste vício.

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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

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Porto, 15.03.2024



Rogério Martins
Paulo Ferreira de Magalhães
Isabel Costa