Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
1.1. AA (Recorrente), notificado da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., pela qual foi julgada totalmente improcedente a impugnação judicial contra a liquidação adicional de IVA e respetivos juros compensatórios, respeitante ao ano de 2003, no valor global de € 9.062,96, inconformado vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou improcedente a impugnação judicial atempadamente deduzida, contra a liquidação adicional de IRS.
II. Aquela liquidação resultara de um procedimento inspetivo de que resultou a quantificação da sua matéria tributável pela via indireta.
III. Do procedimento de revisão que lhe sucedeu o impugnante reconheceu estarem reunidos os pressupostos para a determinação da matéria tributável pela via indireta mas não resultou acordo no que concerne à quantificação que ali reportou ser excessiva, tendo a matéria tributável sido fixada de acordo com os fundamentos do relatório da IT.
IV. Tampouco os procedimentos de reclamação graciosa e recurso hierárquico que lhe sucederam lograram alcançar qualquer resultado prático.
V. Com todo respeito pela sentença recorrenda, esta não terá acolhido a melhor decisão pois o meritíssimo juiz incorreu em erro de julgamento ao fixar a matéria ali dada como não provada sem a fundamentar com a identificação dos factos instrumentais indicando as ilações deles retiradas e especificando os demais fundamentos que contribuíram de forma decisiva para a formação da sua convicção conforme prescreve o n.º 4 do artigo 607.º do Código do Processo Civil.
VI. Os factos ali dados como não provados e não fundamentados na sentença têm carater absolutamente conclusivo quanto à idoneidade do método de quantificação adotado e à inexistência de excesso na mesma quantificação.
VII. Uma análise acurada da metodologia adotada e que consta do relatório da IT ínsito no processo administrativo, prova aceite por ambas as partes, permite verificar que aquele método enferma de um erro lógico dedutivo.
VIII. De correção do erro verifica-se que a matéria tributável (IVA – liquidado) foi quantificada em excesso e que este excesso não é despiciendo.
IX – Tal como já havia sido alegado na Petição Inicial.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser considerado procedente por provado, revogando-se a decisão ora posta em crise, e substituindo-a por outra que reconheça o erro metodológico no processo de quantificação e que deste resultou um manifesto excesso em prejuízo do impugnante, assim se fazendo inteira: JUSTIÇA.»
1.2. A Fazenda Pública (Recorrida), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 428 SITAF, no sentido da improcedência do recurso, nos seguintes termos:
«1 – Nos presentes autos, o Ministério Público já teve oportunidade de se pronunciar, em primeira instância, acerca do mérito da causa ( fls. 352 e ss. - digital), num parecer em que examinou de forma detalhada os factos e o direito aplicáveis e se pronunciou pela legalidade da liquidação e pela improcedência da presente impugnação, posição que encontrou acolhimento na decisão judicial recorrida.
2 –Após a leitura dos autos e seus apensos, e porque nos revemos no teor do referido parecer do Ministério Público já entregue nos autos, reafirmamos aqui essa linha de argumentação, dado que, salvo melhor opinião, nenhuma questão nova relevante é suscitada na alegação de recurso.
3 – Nesta conformidade, e por entendermos que o mencionado parecer do Ministério Público mantém inteira validade e actualidade, agora para a decisão do recurso interposto para este Tribunal Central Administrativo do Norte, limitamo-nos, por razões de celeridade e de economia processual, a renovar o seu conteúdo, para onde remetemos, data venia, bem assim como para o teor da douta sentença recorrida, a qual é igualmente merecedora da nossa geral concordância.
TERMOS EM QUE,
Somos de parecer que o presente recurso não merece provimento.»
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes:
Se a sentença enferma de erro de julgamento por não cumprir com o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do Código do Processo Civil (CPC), designadamente, por a matéria de facto dada como não provada não ter sido fundamentada mediante análise critica das provas documentais constante do processo administrativo aceite por ambas as partes;
Se a sentença enferma de erro de julgamento ao não ter considerado que a liquidação impugnada enferma de erro lógico de que decorre excesso que quantificação.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«3.1. Com interesse para a decisão a proferir, julgam-se provados os seguintes factos:
1. O impugnante, à data dos factos, encontrava-se registado para o exercício da atividade “Restaurantes com lugares ao balcão (Snack Bars)” (CAE 0043), encontrando-se enquadrado, para efeitos de IRS, no regime de contabilidade organizada e, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral. – cfr. fls. 2 do relatório de inspeção tributária.
2. Em 17.12.2003, a entidade Q..., pertença do aqui impugnante, emitiu a fatura n.º 1.459, com a descrição “Serviços de Casamento”, no valor de 10.710,00 €, não constando desta a indicação do destinatário ou qualquer outra referência. – cfr. fls. 127 do suporte físico dos autos.
3. Pelo ofício n.º 8421539, de 02.12.2005, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., dirigiram ao impugnante um “pedido de elementos”, solicitando a remessa da identificação de todos os eventos (casamentos, comunhões, batizados, etc.) efetuados no decurso dos exercícios de 2002 a 2005. – cfr. fls. 90 do suporte físico dos autos.
4. Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2...958, de 11.04.2006, os sujeitos passivos AA e BB foram objeto de inspeção tributária, de âmbito parcial, incidente sobre IRS e IVA, por referência aos exercícios de 2002 e 2003. – cfr. fls. 1 do relatório de inspeção tributária.
5. Em 17.10.2006, no âmbito do procedimento inspetivo, foi lavrado “auto de declarações” contendo as seguintes declarações do Impugnante, por referência ao exercício de 2003:
“1. Que as receitas declaradas e contabilizadas não correspondem aos apuros efectivamente obtidos no ano de 2003;
2. Que de igual modo, não registou algumas compras e alguns custos operacionais;
3. Aceita que o lucro tributável do exercício de 2003 seja determinado por avaliação indirecta e quantificado no montante de 62.198,31 €;
4. Aceita também que a diferença entre o valor dos serviços prestados totais estimados e o declarado seja também determinado por avaliação indirecta e quantificado, no valor de 67.000,00€.”.
(cfr. fls. 261 do suporte físico dos autos).
6. Pelo ofício n.º 8413965, de 16.11.2006, foi comunicado ao impugnante o teor do projeto de relatório, para efeitos de exercício do direito de audição. – cfr. fls. 292/294 do suporte físico dos autos.
7. Em 06.12.2006, o impugnante exerceu o correspetivo direito de audição prévia, nos seguintes termos:
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
8. Em 14.12.2006, foi elaborado o Relatório Final de Inspeção Tributária, homologado pelo Chefe de Divisão em 20.12.2006. – cfr. fls. 72/86 do suporte físico dos autos.
9. Do teor Relatório Final de inspeção tributária consta, no ponto “IV.1. Motivo e exposição dos factos que implicaram o recurso a métodos indiretos”, o seguinte:
“[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
10. Do teor do Relatório Final de inspeção tributária consta, no ponto “IV.2.1. Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a avaliação indirecta”, o seguinte:
“[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
11. Do teor Relatório Final de inspeção tributária consta, no ponto “VII. Direito de Audição – Fundamentação”, o seguinte:
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
12. Por correio registado de 28.12.2006, foi expedido em nome do impugnante o ofício n.º 8415174, contendo o Relatório Final de inspeção tributária, documento de valor liquidado em IVA e a indicação de que poderia reagir, no prazo de 30 dias, solicitando a revisão da matéria tributável. – cfr. fls. 295/302 do suporte físico dos autos.
13. O impugnante foi notificado do ofício referido no ponto anterior em 02.01.2007 – cfr. assinatura aposta no aviso de receção de fls. 298 do suporte físico dos autos.
14. Em 12.01.2007, o impugnante apresentou, junto do Serviço de Finanças de ..., requerimento a solicitar a revisão da matéria tributável, ao abrigo do artigo 91.º da L.G.T. – cfr. fls. 307/308 do suporte físico dos autos.
15. Em 05.03.2007, no âmbito do procedimento de revisão, os peritos da Administração Tributária e indicado pelo impugnante reuniram nas instalações da Direção de Finanças de ... para efeitos de debate contraditório, donde resultou, entre o mais, o seguinte:
“[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
16. O procedimento de revisão foi concluído sem que tenha havido acordo dos peritos, seguindo os tramites subsequentes.
17. A posição do perito da Administração Tributária ficou registada na própria ata do procedimento de revisão, tendo manifestado a sua posição tendo por base nas seguintes considerações:
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
18. A posição do perito designado pelo contribuinte ficou expressa em laudo anexo à ata respeitante ao procedimento de revisão, no qual expôs as razões da sua discordância, nos seguintes termos:
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
19. Por decisão do Diretor de Finanças, de 18.07.2007, em concordância com parecer do técnico responsável, foi decidido manter os valores das correções fixadas no procedimento de inspeção tributária e ainda aplicar um agravamento à coleta reclamada, a título de custas, no valor de 1.132,00 €. – cfr. fls. 309 do suporte físico dos autos.
20. No parecer subjacente à decisão final do procedimento de revisão da matéria tributável referida no ponto anterior é feita uma descrição sumária das posições assumidas pelos peritos em debate contraditório, a apreciação da matéria objeto de revisão e das posições daqueles, seguida do entendimento perfilhado, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
(...)
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
(...)
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
(...)
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
(...)
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
21. Pelo Ofício n.º 1705, de 20.08.2007, sob o assunto “Cobrança de agravamento”, foi o impugnante notificado para efeitos de proceder ao pagamento da importância de 1.132,00 €, relativa ao agravamento determinado na decisão final do procedimento de revisão da matéria tributável;
22. Em 04.08.2004, a Administração Tributária emitiu as seguintes liquidações de IVA e de juros compensatórios:
a) n.º ...77, de IVA, do período de 0303T, no montante de 2.010,00 €.
b) n.º ...78, de CC, do período de 0303T, no montante de 286,58 €.
c) n.º ...79 de IVA, do período de 0306T, no montante de 2.010,00 €.
d) n.º ...80, de CC, do período de 0306T, no montante de 265,65 €.
e) n.º ...81, de IVA, do período de 0312T, no montante de 2.010,00 €.
f) n.º ...82, de CC, do período de 0312T, no montante de 225,12 €.
g) n.º ...97, de IVA, do período de 0309T, no montante de 2.010,00 €.
h) n.º ...98, de CC, do período de 0309T, no montante de 245,61 €.
(cfr. fls. 7 do processo administrativo apenso).
23. Em 09.01.2008, o impugnante apresentou Reclamação Graciosa contra as liquidações m.i. no ponto que antecede, à qual foi atribuída o n.º de processo 004...048 – cfr. fls. 1 do processo administrativo apenso.
24. Pelo ofício n.º 202 685, de 27.11.2008, foi o impugnante notificado do projeto de decisão da Reclamação Graciosa para efeitos de exercício do direito de audição – cfr. fls. 17/21 do processo administrativo apenso aos autos.
25. O impugnante exerceu o correspondente direito de audição – cfr. fls. 25/26 do processo administrativo apenso aos autos
26. Em 14.01.2009, por despacho de concordância do Diretor de Finanças, por delegação, foi determinada a conversão do projeto de decisão da Reclamação Graciosa, indeferindo totalmente o pedido, da qual consta o seguinte:
«Perante os factos expostos, após análise do direito de audição exercido pelo sujeito passivo, somos de parecer que será de decidir de harmonia com a proposta inicialmente referida, já notificada ao sujeito passivo, no sentido do indeferimento total, mantendo-se os valores inicialmente propostos pela IT.”.
(cfr. fls. 28 verso do processo administrativo apenso aos autos).
27. Pelo ofício n.º 200 135, de 16.01.2009, foi o impugnante notificado da decisão de indeferimento total da Reclamação Graciosa n.º 004...048. – cfr. fls. 29/31 do processo administrativo apenso aos autos;
28. O impugnante apresentou Recurso Hierárquico da decisão de indeferimento total proferida relativamente à Reclamação Graciosa n.º 004...048. – cfr. fls. 33/36 do processo administrativo apenso;
29. Por despacho do Subdirector-Geral, de 03.02.2010, foi negado provimento ao Recurso Hierárquico apresentado – cfr. fls. 41/55 do processo administrativo apenso aos autos.
30. Por correio postal registado, foi expedido o ofício n.º 200 230, de 10.02.2010, dirigido ao impugnante, contendo a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico – cfr. fls. 56/57 do processo administrativo apenso;
31. O impugnante foi notificado da decisão referida no ponto anterior em 17.02.2010. – cfr. fls 58 do processo administrativo apenso.
3.2. Factos não provados:
Para além dos factos referidos, não foram provados outros com relevância para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto dada como provada:
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou dos elementos especificamente identificados em cada um dos pontos do probatório, resultando essencialmente da análise crítica dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso.»
2.2. De direito
2.2.1. Falta de fundamentação da decisão da matéria de facto “Não provada”
Diz o Recorrente, em síntese, que a sentença enferma de erro de julgamento ao não dar cumprimento ao disposto no n.º 4 do artigo 607.º do Código do Processo Civil (CPC) designadamente por falta de fundamentação mediante análise critica das provas documentais constante do processo administrativo aceite por ambas as partes, da matéria de facto dada como não provada, se bem entendemos as conclusões de recurso apresentadas.
E, referimos, se bem percebemos, porque desde já se diga que o aludido nas conclusões V. “(…) ao fixar a matéria ali dada como não provada (…)” e, na VI. “Os factos ali dados como não provados e não fundamentados na sentença têm carater absolutamente conclusivo quanto à idoneidade do método de quantificação adotado e à inexistência de excesso na mesma quantificação.”, só por lapso e distracção se aceita a sua menção, atento o teor do que consta sob a menção “Factos não provados”, a saber “Para além dos factos referidos, não foram provados outros com relevância para a decisão da causa.”, em suma, não temos factos não provados concretizados contrariamente ao alegado em sede de recurso.
Apesar da incongruência descrita, vejamos da alegada falta de fundamentação.
Uma coisa é o julgamento da matéria de facto, no qual o juiz deve decidir quais os factos que considera provados e quais os que considera não provados e, realidade distinta, é a motivação desse julgamento, na qual o juiz, relativamente aos factos que considera provados e não provados, deve analisar “criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.” [artigo 607º, nº 4, do CPC].
Cumpre referir que o artigo 615º, nº 1, al. b), reporta-se à omissão do julgamento da matéria de facto e não já à sua motivação, sendo que, em relação a esta, rege o artigo 662º, nºs 2, al. d), e 3, als. b) e d) do CPC, nos termos dos quais o tribunal ad quem deve ainda, mesmo oficiosamente: “d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.” [nº 2]; “b) Se a decisão for anulada e for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz, procede-se à repetição da prova na parte em que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições.” [nº 3]; e “d) Se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção de prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão dessa impossibilidade.” [nº 3].
Ou seja, a omissão ou incorreção da fundamentação da decisão da matéria de facto dará lugar à baixa dos autos à 1ª instância com vista à referida fundamentação nos termos referidos nos preceitos transcritos.
O Recorrente não requereu a baixa do processo à 1ª instância com vista à fundamentação da decisão da matéria de facto; todavia, constituindo isso questão que, atualmente, é de conhecimento oficioso, impõe-se dela conhecer ao aferir da falta de fundamentação imputada.
Consistindo, então, prática e entendimento habituais que a fundamentação dos factos provados se bastaria com formulações genéricas relativas aos meios de prova em que a convicção do julgador assentava e pretendendo-se aprofundar os termos da imposição da motivação da decisão da matéria, quer como consequência do princípio da transparência na administração da justiça, quer com o intuito de levar a uma mais cuidada e a profundada apreciação crítica e conjugada da prova e de facilitar o seu reexame por tribunal superior (que, então, passou também a ser admitida), foi por via do Decreto Lei n.º 329-A/95 alterada a redação do então nº 2 do artigo 653º do CPC – na redacção de 1961, o qual passou a dispor que a decisão proferida quanto à matéria de facto “declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.”
E, por sua vez, passou a dispor o nº 5 do artigo 712º do CPC, na redação introduzida também ela pelo citado diploma que “Se a decisão proferida sobre algum facto essencial para julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode a Relação, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados ou repetindo a produção da prova, quando necessário; sendo impossível obter a fundamentação com os mesmos juízes ou repetir a produção da prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.”.
Ou seja, desde 1995 passou o juiz de 1ª instância a ter o dever de explicitar e fundamentar o raciocínio lógico que, no processo de formação da sua convicção, efetuou quanto aos concretos pontos da matéria de facto em discussão, indicando os concretos meios probatórios em que se fundou e, analisando-os critica e conjugadamente, esclarecendo a razão por que neles fundou a sua convicção.
Não se exigindo, como não se exige, a transcrição dos depoimentos prestados, no caso de estes existirem, mostra-se, no entanto, necessário que se entenda, em relação a cada um dos factos em concreto, qual (ais), em concreto, a(s) testemunha(s) em cujo(s) depoimento(s) as respostas assentaram, por que a ele(s) se atendeu e, perante a (eventual) existência de depoimentos divergentes, a razão da prevalência/preterição dos depoimentos, o que não é o caso dos autos, pois não foi no mesmo, produzida prova oral.
Por outro lado, não se impondo uma fundamentação ponto por ponto da matéria de facto, impõe-se, no entanto, que a fundamentação conjunta se reporte a um conjunto de factos relacionados ou sobre os quais tenham incidido os mesmos meios de prova.
Em suma, é, pois, necessário que, dessa fundamentação, se alcance, nos termos já referidos, a razão de ser das respostas dadas. Como refere Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, Coimbra Editora, a pág. 629, “(…) está ultrapassada a discussão acerca da admissibilidade duma fundamentação em bloco, reportada a todos os factos objecto da prova, mediante mera indicação dos meios de prova relevantes para a formação da convicção judicial.”.
No caso, importa referir, que a insuficiente motivação, a falta de análise critica imputada à sentença sob recurso se limita aos “factos não provados”, mais concretamente à afirmação de que “Para além dos factos referidos, não foram provados outros com relevância para a decisão da causa.”, sem mais.
A par desta constatação uma outra, se impõe, é que o Recorrente apesar de atacar a sentença no seu julgamento ao não dar como provado qualquer outro facto, por falta de análise critica, não concretiza, nem especifica, quais os factos que a seu ver deveriam ter sido dados como “não provados” ou mesmo “provados” a carecerem de apreciação critica mediante as provas documentais constantes dos autos.
Atenhamo-nos, pois, à motivação existente, de que não foram reconduzidos factos aos “factos não provados”, por não existirem mais factos com relevância para a decisão, sendo que a convicção do “… Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou dos elementos especificamente identificados em cada um dos pontos do probatório, resultando essencialmente da análise crítica dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso.”
O tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, claro, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. O tribunal deve, por isso, examinar toda a matéria de facto alegada e todos os pedidos formulados pelas partes, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tenha tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta dada a outras questões. Razão pela qual se mostra ferida de nulidade a decisão que deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ou seja, quando se verifique uma omissão de pronúncia (artigo 615º nº 1 d), 1ª parte, do CPC).
No caso em apreço, só se consegue alcançar o alegado pelo recorrente, na vertente de falta de fundamentação da não inclusão de mais factos e da convicção do tribunal, ou seja, o que pretende é retirar da prova produzida (documental por acordo), ou não produzida, ilações distintas das que o tribunal a quo percepcionou e explicitou na respectiva motivação, que não existirem mais factos relevantes.
Sendo que in casu, foi expressamente consignado que para além dos factos provados, não existe nenhum outro facto com relevância para a decisão.
Uma leitura ainda que meramente oblíqua da petição inicial e da sentença mostram que o tribunal a quo tornou evidentes, com a suficiência exigível, as razões que foram decisivas para a sua convicção sobre a suficiência dos factos levados ao probatório para a resolução das questões que lhe foram colocadas pelo recorrente e que decorre da inexistência de factos controvertidos, pois que a prova decorre tão só dos Procedimentos de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, projecto de relatório de inspecção tributária e respectivos anexos, pedido de revisão da matéria tributável e actas da comissão de revisão, em consonância com a formulação das questões apresentadas em sede de petição. Veja-se a este propósito a falta de indicação de qualquer meio de prova pelo Recorrente e a formulação de afirmações claramente conclusivas tais como «O critério de quantificação é bastante confuso e de legalidade duvidosa…; » e «… está ferida de nulidade a decisão do órgão competente para a fixação da matéria colectável…”, no seu discurso ao pretender alegar que a correção promovida pelos serviços de inspeção tributária ocorreu em erro ou manifesto excesso na determinação da matéria tributável quantificada, pelo que não podemos deixar de concordar com a correcção e bondade da decisão do tribunal a quo ao considerar não ocorrerem mais factos com relevância para a decisão da causa.
Aliás, mais se diga, que se a Recorrente considera, pois só assim se perceba que invoque a sua falta de análise critica da motivação, que deviam ser levados factos como “não provados” ou se pelo contrário, deviam ser levados à matéria de facto “provada” deveria ter indicado quais os factos em falta, daqueles que alegou em sede de petição, pois só assim poderia permitir a este tribunal ad quem entender a sua pretensão.
Somos, por todo o exposto, obrigados a concluir que a acusação da falta de fundamentação da decisão da matéria de facto é, a um tempo, injusta e infundada. Improcedendo o recurso nesta parte.
2.2.2. Erro de julgamento de direito
O Recorrente insurge-se ainda contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de ... que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada contra as liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios, respeitantes ao ano de 2003, transcrevendo por com ela concordar integralmente a decisão proferida no âmbito da impugnação judicial n.º 1...4/...0.8BEAVR.
Nas conclusões VII e VIII, o Recorrente alega que «Uma análise acurada da metodologia adotada e que consta do relatório da IT ínsito no processo administrativo, prova aceite por ambas as partes, permite verificar que aquele método enferma de um erro lógico dedutivo.», sendo que «De correção do erro verifica-se que a matéria tributável foi quantificada em excesso e que este excesso não é despiciendo.».
Contudo, antes de entrarmos na apreciação das questões a tratar, importa referir que a acção de inspecção realizada pelos Serviços de Inspecção Tributária foram ainda efectuadas correcções com recurso aos métodos indirectos à matéria coletável da qual resultaram liquidações de IRS do exercício de 2003, no valor igualmente de € 9.062,96.
Ora, no que respeita às mencionadas liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios, suportadas no mesmo procedimento e relatório final de inspecção, o Impugnante, ora Recorrente, apresentou a competente impugnação judicial, relativamente à qual já se pronunciou este Tribunal Central Administrativo Norte, por Acórdão de 06 de outubro de 2022, proferido no Processo nº 1...4/...0.8BEAVR , no qual intervimos na qualidade de adjunta, negando provimento ao recurso interposto da sentença proferida naqueles autos, de teor absolutamente idêntico ao da sentença aqui recorrida [no que respeita à factualidade considerada provada e sua motivação, fundamentação, divergindo, apenas, no imposto em causa, aliás como já se referiu nos presentes autos o tribunal a quo transcreveu e aderiu integralmente à fundamentação da sentença proferida naqueles autos] desatendendo a pretensão recursiva do Recorrente, assente em alegações de recurso inalteráveis às apresentadas nos presentes autos, nas quais as questões enunciadas são rigorosamente as mesmas, apesar do alegado erro de julgamento, de facto ter sido tratado autonomamente por divergir daquele, por aqui não terem sido elencados factos não provados.
Atendendo ao exposto, a apreciação levada a efeito naquele processo, quanto a questão de direito, do erro de julgamento imputado à sentença recorrida na apreciação do erro assacado pelo Impugnante/Recorrente à quantificação da matéria coletável e consequente excesso, apresenta-se como sendo inteiramente válida e transponível para os presentes autos, pelo que, considerando o comando constante do nº 3 do artigo 8º do Código Civil - que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito - acolhemos o decidido naquele Acórdão, aderindo integralmente ao seu discurso fundamentador, aqui aplicável, com as necessárias adaptações, ou seja, onde ali, por exemplo, se refere liquidação de IRC, deve aqui entender-se como se reportando ao IVA.
Desta forma, ponderou-se no referido Acórdão: (inicio de transcrição)
«Segundo o Recorrente, o apontado erro lógico decorre dos factos de a AT, em primeiro lugar, ter separado os proveitos declarados entre vendas a dinheiro (clientes correntes - 201.179,96 euros) e serviços de eventos (faturas - 59.248,40 euros), para, de seguida, coligir e somar os valores das bebidas insertas nas vendas a dinheiro (46.891,94 euros)8 e apurado um peso deste (valor das bebidas insertas nas vendas a dinheiro) naquelas (vendas a dinheiro) de 23%.
Prossegue dizendo que, depois, a AT calculou, através da fórmula «Existências inicias + Compras – Existências finais» o valor do total, produto a produto, das bebidas que deveriam ter sido faturadas e, por aplicação das margens praticadas nas vendas a dinheiro, calculou o valor total de venda destas bebidas (85.708,61 euros). Posteriormente, por subtração a este valor total de venda de bebidas do valor das bebidas insertas nas vendas a dinheiro apurou-se o valor teórico das bebidas consumidas em eventos, constatando-se que o peso deste valor teórico das bebidas consumidas em eventos (38.816,67 euros) no total das faturas de eventos (59.248,40 euros) é de cerca de 65,5 %. Conclui, pois, o Recorrente que «Por uma amostragem (de metodologia controversa) foi apurado o peso médio do valor das bebidas em duas faturas de eventos (faturas n.ºs 1205 e 1211) de 40%, pelo qual extrapolando-o para o total das faturas de eventos, se concluiu que os 65,5% (referidos no ponto anterior) se mostravam manifestamente exagerados (face a estes 40%) e que esse exagero resultava da omissão de proveitos.».
Embora o Recorrente admita nada ter a apontar aos critérios adotados, a partir deste ponto, não acompanha o raciocínio da AT, porquanto «A presunção é feita a partir da consideração que o total dos 38.816,67 euros, a que foram deduzidas quebras de 5% no valor de 1.944,12 euros, assim computadas em 36.872,55 euros. // Presumiu-se que estes 36.872,55 euros dizem respeito a proveitos omitidos e que (critério exógeno não fundamentado) seriam de repartir em partes iguais (50% - 50%) entre vendas a dinheiro e faturas. // É pelo menos o que resulta da passagem do relatório ínsita na fls. 7 (…) segundo a qual: «Ao dividir o valor de € 36.872,55 em duas parcelas (cada uma € 18.436,28) e aplicando a cada uma delas a proporção de 23% e 40%, estamos a considerar que a omissão de proveitos ocorreu de igual forma no serviço da restauração e na realização de eventos.» // Ora tal não é verdade, os 38.816,67 euros dizem respeito às bebidas não incluídas nas vendas a dinheiro, mas que (pelo menos a maior parte) estavam incluídas nas faturas de eventos pelo que há (haveria) a considerar que as faturas de eventos contabilizadas num total de 59.248,40 euros continham 40% de bebidas (i.e. 23.699.36 euros) //Resulta do exposto que os consumos de bebidas omitidos à contabilidade ascendem a 15.117,31 euros (38.816,67 - 23.699.36) em lugar dos 38.816,67 euros considerados. // A que, de acordo com o errado critério do relatório (vide nota de pé de página 11) haveria ainda de retirar 5% para quebras computadas em 855,87 euros perfazendo 13.261,45 euros.» - o realçado a negro é da nossa autoria.
Sobre esta questão, a Meritíssima Juiz a quo considerou o seguinte:
«Alega o Impugnante que a quantificação da matéria tributável obtida por métodos indiretos é excessiva, referindo que o máximo presumível de rendimentos obtidos não poderia exceder os €32.932,98, avançando, assim, com um «montante máximo das omissões» a considerar.
Note-se que não coloca em causa o Impugnante a legitimidade de recurso a métodos indiretos para avaliação da matéria tributável, mas somente a quantificação que daquela é feita, pelo que se não discute nos presentes autos se a Administração Tributária logrou demonstrar que a contabilidade do contribuinte não espelha a sua verdadeira situação tributária e a impossibilidade de conhecer a realidade fiscal daquele por método direto, ou seja, de que estão reunidos os pressupostos que legitimam a determinação da matéria tributável através de métodos indiretos, exigências que decorrem dos artigos 74.º, n.º 3, e 77.º, n.º 4, ambos da LGT.
Posto isto, apreciando.
Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo, porém, ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação, conforme expressamente previsto no artigo 74.º, n.º 3 da LGT.
Por sua vez, estatui o n.º 4 do artigo 77.º da LGT que «a decisão da tributação pelos métodos indirectos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade de base científica ou fará a descrição dos bens cuja propriedade ou fruição a lei considerar manifestações de fortuna relevantes, ou indicará a sequência de prejuízos fiscais relevantes, e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável.».
Assim sendo, a Fazenda Pública, para além de demonstrar, fundamentando, a necessidade de determinação pelos métodos indiretos da matéria tributável, ao nível dos seus pressupostos, tem ainda que fundamentar os critérios utilizados na quantificação do valor tributável.
Nessa medida, incumbe à Administração Tributária fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, fazendo assentar o volume da matéria coletável presumida em dados objetivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suposições.
Por conseguinte, têm os serviços inspetivos de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, por forma a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua atividade ou que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.
Uma vez cumprido esse ónus – o que não foi posto em causa nos presentes autos –, caberá, então, àquele a quem o método é oposto o ónus probandi de que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização dos critérios adotados, passando então a recair sobre o Impugnante o ónus de demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria coletável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão.
Desta feita, por forma a demonstrar o excesso na quantificação realizada pela Administração Tributária, impõe-se que o contribuinte prove que o(s) critério(s) de que se socorreram os serviços inspetivos conduziram a resultados injustos, porquanto se revelam alheios à realidade fáctica e contabilística do sujeito passivo ou desrazoavelmente excessivos.
Ora, da explicitação e fundamentação expendidas no teor da petição inicial (ponto 4.º do articulado), não é possível extrair fundamento comprovado de que os critérios adotados se revelam desadequados e/ou inadmissíveis para a atividade em causa ou que houve erro ou manifesto excesso na determinação da matéria tributável quantificada [pontos a) e b) do probatório], não tendo o Impugnante logrado provar em que medida as correções efetuadas à matéria tributável de IRS se encontram feridas de ilegalidade.
Pelo que, se julga igualmente improcedente o fundamento em presença.».
Analisemos, então, se a sentença enferma de erro por ocorrer o arguido erro lógico - os 38.816,67 euros dizem respeito às bebidas não incluídas nas vendas a dinheiro, mas que (pelo menos a maior parte) estavam incluídas nas faturas de eventos pelo que há (haveria) a considerar que as faturas de eventos contabilizadas num total de 59.248,40 euros continham 40% de bebidas (i.e. 23.699.36 euros).
Para tanto, tenhamos presente que, segundo o Relatório da Inspeção Tributária:
«No sentido de validar se realmente o consumo de bebidas excedente consta da faturação, aplicou-se ao custo destas bebidas a margem encontrada nas vendas a dinheiro, isto produto a produto, perfazendo assim o total das vendas destas bebidas o valor de € 38.816,67. Como o valor da facturação é de € 59.248,40, significaria que por cada € 10,00 facturados € 6,55 se referem só a bebidas e o restante, ou seja € 3,45 se referiam aos restantes produtos normalmente servidos nas refeições (entradas, sopa, prato principal e sobremesas). Ora, mesmo considerando que só seria consumido o prato principal, o valor médio dos pratos servidos pelo SP é seguramente superior ao dobro deste valor, pelo que se constata um excessivo peso das bebidas no valor total das faturas o que significa que existe uma clara omissão de serviços prestados.».
Tal significa que a AT desconsiderou o valor correspondente às bebidas que resultava das faturas, por evidenciar um peso excessivo das bebidas; como tal, nunca seria possível “considerar que as faturas de eventos contabilizadas num total de 59.248,40 euros continham 40% de bebidas (i.e. 23.699.36 euros)”, por ser inverosímil o valor das refeições que daí resultaria, sendo este, aliás, o pressuposto que serviu de base à conclusão da existência de omissões de serviços prestados.
De resto, não faz sentido o que consta dos pontos 32 e 33 das alegações (32. Atente-se nas linhas 2 e 5 no que respeita às vendas a dinheiro, sendo que da linha 2 consta o valor das vendas a dinheiro declaradas na contabilidade num total de 201.179,96 euros e na linha 5 o valor das vendas a dinheiro presumidas de 80.157,74 euros o que perfaz um total de 221.337,70 euros de proveitos resultantes de vendas a dinheiro que concorreram para o total de proveitos presumidos. // 33. Atente-se igualmente nas linhas 5 e 7 no que respeita a faturas de eventos, sendo que da linha 7 consta o valor das faturas declaradas na contabilidade num total de 59.248,40 euros e na linha 5 o valor das faturas presumidas de 46.090,70 euros, sendo que ao contrário do efetuado relativamente às vendas a dinheiro o total das faturas contabilizadas foi subtraído e não adicionado, para se computar o total dos proveitos presumidos (o que significa que na linha 4 foram colocados lado a lado um acréscimo ou adicional de proveitos presumidos em vendas a dinheiro e um valor presumido absoluto faturação de eventos).). Com efeito, o que consta da linha 2, assim como da linha 1 do Quadro 2 do Relatório da Inspeção Tributária, são, respetivamente, o valor total das vendas a dinheiro (linha 2 – €201.179,96) e os valores corrigidos das bebidas nas vendas a dinheiro (linha 1 – €46.891,94) que foram considerados, apenas, para apuramento das proporções de 23% e 40%.
Ademais, não se percebe como é que o Recorrente concluiu que «o valor das vendas a dinheiro declaradas na contabilidade num total de 201.179,96 euros e na linha 5 o valor das vendas a dinheiro presumidas de 80.157,74 euros o que perfaz um total de 221.337,70 euros de proveitos resultantes de vendas a dinheiro».
Para além disso, considerando que a AT apenas apurou (por métodos indiretos) o valor das bebidas que não constavam das vendas a dinheiro (linha 4 do quadro 2) só poderia deduzir, no apuramento das vendas omitidas o que, a seu ver, erradamente, já constava da contabilidade (€ 59.248,40) como valor das bebidas faturadas (e não incluídas nas vendas a dinheiro).
Está, ainda, equivocado o Recorrente quando sustenta que o principal pressuposto para a aplicação de métodos indiretos foi a não contabilização de duas faturas de casamento. É que, conforme se pode ler na página 8 do Relatório da Inspeção Tributária, sob o título “Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos”, os factos elencados foram: «- Omissão de proveitos, já que o sujeito passivo não procedeu ao registo na contabilidade de serviços prestados efectivamente ocorridos relativos a casamentos, sendo impossível quantificar o valor efectivo dos serviços prestados; // - Consumo de matérias primas (bebidas) que não se encontram reflectidas nas prestações de serviços; // - Margens de lucro irreais e índices de rentabilidade fiscal (LT/VND) muito baixos, o que, no sector de actividade onde se encontra inserido o SP, tal não é possível; // - Deficiente valorimetria das existências físicas em 31 de Dezembro de 2003.».
Ora, como vem sendo uniformemente entendido, à AT cumpre o ónus da demonstrar a legitimidade da sua atuação o que, no âmbito da determinação da matéria coletável por métodos indiretos, significa que, relativamente à quantificação dos rendimentos, tem de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável, por forma a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua atividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada, e também para permitir o adequado controle jurisdicional do posterior ato de liquidação.
Ao contribuinte compete demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria coletável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão.
No caso presente, o Recorrente não demonstrou o erro lógico na quantificação que alegou, nem o respetivo excesso, deixando por cumprir o ónus probatório que sobre si impendia.
Consequentemente, a sentença recorrida não merece censura, pois aplicou corretamente o direito aos factos apurados, pelo que o presente recurso está votado ao insucesso. (fim de citação)
Não podemos deixar de concordar com o assim decidido, negando provimento ao recurso.
2.3. Conclusões
I. Nos termos do artigo 5º, nº1, Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir. Apenas a factualidade relevante à decisão da causa, que emerge da discussão da causa com a consistência suficiente e necessária para o conhecimento da mesma pode ser reconduzida ao probatório.
II. Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 20 de outubro de 2022
Irene Isabel das Neves
Paula Moura Teixeira
Margarida ReiS |