Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02958/10.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/23/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:ANA PATROCÍNIO
Descritores:REVERSÃO;
GERÊNCIA DE FACTO; CULPA;
IRS, IRC, IVA, COIMAS;
Sumário:
I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.

II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.

III - A actual jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo consolidou-se em termos de não ser «inconstitucional a norma do artigo 8.º, n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas, que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora».

IV – Não estando consagrada no artigo 8.º do RGIT qualquer presunção de culpa, recai sobre a Administração Tributária (autora do despacho de reversão) o ónus de alegar e, em caso de contestação dessa responsabilidade, provar a culpa do gerente pela insuficiência do património social (artigo 74.º da Lei Geral Tributária).

V – No domínio da vigência da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto (artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT).

VI – Haverá que demonstrar que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efectuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.

VII - A dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores, pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o oponente.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 07/01/2020, que julgou procedente a oposição intentada por «AA», contribuinte n.º ...66, na qualidade de revertida, contra o processo de execução fiscal n.º .........854 e apensos, originariamente instaurado, pelo Serviço de Finanças ..., contra a sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, para cobrança de dívidas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares de 2006 e 2007, IVA de 2006 a 2008, Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas de 2007 e Coimas, relativas aos anos de 2006 a 2008, no montante global de €57.714,89.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a oposição deduzida no processo de execução fiscal (PEF) n.º .........854 e apensos, no qual é executada originária a sociedade “[SCom01...], Lda”, instaurado por dívidas relativas a Coimas de 2006 a 2008, IRS de 2006 e 2007, IVA de 2006 a 2008 e IRC de 2007, no valor de € 57.714,89.
B. A douta sentença recorrida, decidiu no sentido da procedência da oposição, por entender que a Fazenda Pública não demonstrou que o oponente tinha exercido a gerência efectiva da executada originária, não considerando que a assinatura de cheques consubstancia actos de gerência de facto.
C. A legitimidade da oponente, resulta do facto de nos períodos a que se reportam as dividas, quem exercia de direito e de facto os destinos da sociedade primitiva executada, era, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, também a oponente, dado tratar-se de sócia com funções de gerência de 12/12/2005 a 15/06/2009, cuja intervenção era imposta para obrigar a sociedade perante terceiros.
D. Uma vez que a oponente era um dos gerentes nomeados, sem a assinatura da qual a sociedade não se podia obrigar, facto aliás dado como provado na douta sentença recorrida nos pontos H), I) e L) em clara contradição com o ponto K), há, segundo as regras da experiência, e seguindo um iter lógico que concluir que, na impossibilidade da sociedade poder funcionar sem a sua assinatura, aquela praticou necessariamente os actos de gerência atinentes ao giro comercial da sociedade, sendo assim, sem dúvida, gerente de facto.
E. Ora, se ocupava esse cargo na sociedade até então, nada mais se pode depreender de que a sua gerência, em conjunto com o outro gerente, era de facto exercida até pelo menos essa mesma data, dado que os actos de gerência perante terceiros tinham que conter a sua assinatura.
F. A oponente efectua a renúncia ao cargo de gerente apenas em 15/06/2009.
G. E fazendo apelo à normalidade da vida de uma sociedade, cogitando o seu relacionamento com entidades bancárias, permitimo-nos afirmar com suficiente segurança, a imposição por estas da verificação de um documento legal que permitisse a sociedade obrigar-se com a assinatura da oponente, constante do registo da conservatória.
H. Pelo que, é difícil, se não impossível, de aceitar como credível que o outro gerente é que praticava actos de gerência de facto e também assinava cheques, quando a assinatura da aqui oponente também era exigida pela sociedade como forma de obrigar a mesma, como aliás, deu como facto provado o Tribunal a quo.
I. É forçoso concluir que esta tinha de exercer, com efectividade, também a gerência, porquanto a sociedade continuou em funcionamento e o exercício da sua actividade impunha, necessária e obrigatoriamente, a intervenção daquela.
J. Não podemos, pois, com o devido respeito, sufragar o entendimento do Tribunal a quo, pelo que, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto com errada valoração da prova.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.”
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A Recorrida não contra-alegou.
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Tendo por base o recurso interposto pela Fazenda Pública, afigurou-se que poderia este tribunal vir a conceder provimento ao mesmo.
Acautelando essa possibilidade e de que haveria que fazer apelo ao disposto no artigo 665.º do CPC, que impõe ao Tribunal Central Administrativo proceder à apreciação das questões que o tribunal recorrido considerou prejudicadas pela solução que encontrou para o litígio, se dispuser dos elementos necessários para tal; tendo em vista conhecer em substituição ao tribunal recorrido, notificou-se cada uma das partes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 665.°, n.º 3 do CPC.
Porém, somente a Recorrente emitiu pronúncia, remetendo para a posição assumida anteriormente nos autos.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que a oponente é parte ilegítima para a execução fiscal, por não ter ficado demonstrada a sua gerência de facto.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“É a seguinte a matéria de facto provada com relevância para a decisão da causa, por ordem lógica e cronológica:
A. No Serviço de Finanças ... corre termos o processo de execução fiscal .........854 e apensos, por dívidas relativas a Coimas de 2006 a 2008, IRS de 2006 e 2007, IVA de 2006 a 2008 e IRC de 2007, no valor de € 57.714,89, contra a sociedade [SCom01...], Lda – cfr. fls. 228 e ss. do processo físico.
B. Em 24.03.2010, pelo Serviço de Finanças ... foi emitida “Informação” no âmbito do processo de execução fiscal em causa com o seguinte teor – cfr. fls. 225 (verso) e ss. do processo físico:
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

C. Em 24.03.2010, no âmbito do processo de execução fiscal em causa, por referência à informação que antecede, foi proferido “Despacho” com o seguinte teor – cfr. fls. 226 (verso) do processo físico:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

D. Em 27.04.2010, pelo Serviço de Finanças ... foi emitida “Informação” no âmbito do processo de execução fiscal em causa com o seguinte teor – cfr. fls. 229 e ss. do processo físico:
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

E. Em 28.04.2010, no âmbito do processo de execução fiscal em causa, por referência à informação que antecede, foi proferido “Despacho” de concordância – cfr. fls. 239 do processo físico.
F. Em 29.04.2010, no âmbito do processo de execução fiscal em causa, foi proferido “Despacho (reversão)” com o seguinte teor – cfr. fls. 251 do processo físico:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

G. Entre 15.02.2006 e 20.08.2008 terminaram os prazos de pagamento voluntário das dívidas em causa – cfr. fls. 251 a 254 do processo físico.
H. A oponente assinou vários cheques em representação da sociedade devedora originária, alguns dos quais em branco – confissão.
I. A oponente assinou, juntamente com o outro sócio da sociedade devedora originária, «BB», em representação da sociedade, cheque emitido à ordem do Serviço de Finanças ... no valor de € 9.910,02 – cfr. fls. 239 do processo físico.
J. Era «BB» quem pagava os salários aos trabalhadores da sociedade devedora originária, os contratava e abria o correio dirigido à sociedade.
K. A oponente não efectuava pagamentos nem celebrava contratos em representação da sociedade devedora originária.
L. A oponente só assinava cheques em representação da sociedade para que a mesma pudesse funcionar.

Não se provaram quaisquer outros factos para além dos referidos com relevância para a decisão da causa, designadamente o seguinte:
1. A oponente apenas acedeu a figurar no registo da sociedade como gerente na condição de o ser apenas nominalmente.

Motivação
A decisão da matéria de facto assentou na análise dos documentos constantes dos autos, conforme indicação em cada ponto do probatório, assim como no acordo das partes, na confissão da oponente efectuada na p.i. e na prova testemunhal.
Os factos J., K. e L. resultaram dos depoimentos prestados pelas testemunhas, as quais se mostraram credíveis e conhecedoras da realidade em discussão, exibindo uma relação próxima da mesma (as duas testemunhas foram trabalhadores do [SCom01...]). Não se detectaram incoerências nos depoimentos que pudessem pôr em causa a veracidade do relatado, pelo que, e considerando a uniformidade do sentido dos mesmos, foram considerados aptos a formar a convicção do Tribunal.
Quanto ao facto não provado, cumpre referir que as testemunhas não o afirmaram, inexistindo qualquer documento nos autos que ateste tal realidade.

2. O Direito

A Recorrente não se conforma com o julgamento realizado pelo tribunal recorrido, que julgou procedente a oposição deduzida pela Recorrida, considerando-a parte ilegítima para as execuções movidas para cobrança coerciva de dívidas de IRS, de 2006 e 2007, IRC de 2007, IVA e Coimas, de 2006 a 2008.
A ora Recorrente não impugna a decisão da matéria de facto, mas entende verificar-se uma errada valoração dos factos constantes do probatório.
Com efeito, na sentença recorrida concluiu-se não ter ficado demonstrado que a oponente tivesse exercido efectivamente a gerência da devedora originária, com os seguintes fundamentos:
“(…) Do exercício de poderes de gerência da sociedade devedora originária por parte da oponente à data do termo do prazo legal de pagamento da dívida
Nos termos do n.º 1 do artigo 23.º da LGT, “A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal.”
São pressupostos da responsabilidade subsidiária:
(i) a inexistência de bens penhoráveis no património do devedor principal e dos responsáveis solidários ou a fundada insuficiência (de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha) dos mesmos para a satisfação da dívida exequenda e acrescido (cfr. artigos 23.º, n.º 2, da LGT, e 153.º, n.º 2, do CPPT) e
(ii) o exercício efectivo do cargo de gerência nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (cfr. artigo 24.º, n.º 1, da LGT).
Nos termos do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, “Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades, cooperativas e empresas públicas são subsidiariamente responsáveis em relação estas e solidariamente entre si: a) pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.
Deste normativo decorre que se o prazo de pagamento voluntário ocorreu no período do exercício do seu cargo, a culpa dos gerentes ou administradores presume-se, quer o facto constitutivo tenha também ocorrido no período do exercício do seu cargo quer não, pelo que a reversão se faz de um modo mais simples no caso a que alude o artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT. Porém, a Administração Tributária tem de alegar e provar a gerência de facto pois não existe presunção legal do exercício efectivo da função uma vez provada a gerência de direito, na ausência de contraprova ou de prova em contrário – neste sentido, cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 28.02.2007, processo n.º 1132/06, e de 02.03.2011, processo n.º 0944/10, face ao Código de Processo Tributário e à LGT, respectivamente. Consignou-se naquele primeiro Acórdão que: «I - No regime do Código de Processo Tributário relativo à responsabilidade subsidiária do gerente pela dívida fiscal da sociedade, a única presunção legal de que beneficia O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. respeita à culpa pela insuficiência do património social. II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário. III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova. IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência. V - Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal». Por conseguinte, é exigível à Administração Tributária coligir elementos susceptíveis de indiciar o efectivo exercício das funções, sob pena de este se não ter por demonstrado. Naturalmente que quem é nomeado para cargos de administração tem o dever de os exercer. Mas é diferente dizer que quem é nomeado para esses cargos exerce-os efectivamente pois a realidade empresarial portuguesa tem demonstrado que são frequentes as situações de gerência ou administração meramente nominal e “de favor”. Todavia, o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não significa que o tribunal não possa utilizar as presunções judiciais - «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos», conforme defende a doutrina civilista - que entender, com base nas regras da experiência comum e concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto se entender que, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido.
Retornemos ao caso em apreço.
Do despacho de reversão resulta que a reversão foi efectuada ao abrigo da alínea b) do artigo 24.º da LGT, pelo que importa aferir se ficou demonstrado o exercício da gerência de facto da sociedade devedora originária por parte da oponente à data do termo do prazo legal de pagamento das dívidas em causa.
Tendo a oponente negado o exercício da gerência de facto em qualquer dos períodos, aquela demonstração não ocorreu. Efectivamente, do despacho de reversão (nem da informação subjacente ao mesmo) não consta a imputação de qualquer facto à oponente denunciador do exercício da gerência de facto, sendo certo que a gerência nominal não corresponde à gerência de facto. Acresce que a Administração Tributária nada refere quanto à actuação da oponente no que respeita ao giro comercial, designadamente quanto ao pagamento de salários aos trabalhadores ou à emissão de ordens aos mesmos.
A Fazenda Pública limitou-se a invocar a assinatura de cheques em nome da sociedade por parte da oponente tendo resultado do probatório que o contexto em que tal actuação decorreu se prende com uma gerência de fachada com assinaturas “de cruz”. Na verdade, resulta do probatório que era «BB» quem pagava os salários aos trabalhadores da sociedade devedora originária, os contratava e abria o correio dirigido à sociedade. Mais resulta que a oponente não efectuava pagamentos nem celebrava contratos em representação da sociedade devedora originária e que só assinava cheques em representação da sociedade para que a mesma pudesse funcionar. Neste contexto, a assinatura de cheques em nome da sociedade por parte da oponente não é apta a concluir pelo exercício efectivo da gerência da sociedade por parte da mesma, resultando da prova testemunhal produzida precisamente o contrário, ou seja, que quem geria, de facto, a sociedade era «BB».
Atento o exposto, não pode a mesma ser responsabilizada, a título subsidiário, pelo pagamento daquelas dívidas ao abrigo do artigo 24.º da LGT, sendo, por isso, nessa parte, parte ilegítima para a execução fiscal. (…)”
A Recorrente sustenta que a oponente, aqui Recorrida, geria, de facto, os destinos da devedora originária entre 12/12/2005 e 15/06/2009, data em que renunciou ao cargo de gerente, pois que, contrariamente ao decidido, ponderando os pontos H, I e L do probatório, em contradição com o ponto K e as regras da experiência, a sua assinatura era absolutamente necessária ao giro comercial da sociedade, sendo que a assumida assinatura de cheques pela oponente consubstancia uma gerência efectiva, devendo, como tal, ser subsidiariamente responsabilizada pelas dívidas em apreço.
Não podemos olvidar o contexto, referido na sentença recorrida, em que tal actuação terá ocorrido, aludindo-se a uma “gerência de fachada”, com “assinaturas de cruz”, salientando, ainda, que era o «BB» quem pagava os salários aos trabalhadores da sociedade, os contratava e abria o correio dirigido à sociedade, afastando a oponente dos pagamentos e celebração de contratos em representação da sociedade.
Para melhor compreensão, recordemos alguma factualidade considerada provada:
H. A oponente assinou vários cheques em representação da sociedade devedora originária, alguns dos quais em branco – confissão.
I. A oponente assinou, juntamente com o outro sócio da sociedade devedora originária, «BB», em representação da sociedade, cheque emitido à ordem do Serviço de Finanças ... no valor de € 9.910,02 – cfr. fls. 239 do processo físico.
J. Era «BB» quem pagava os salários aos trabalhadores da sociedade devedora originária, os contratava e abria o correio dirigido à sociedade.
K. A oponente não efectuava pagamentos nem celebrava contratos em representação da sociedade devedora originária.
L. A oponente só assinava cheques em representação da sociedade para que a mesma pudesse funcionar.”
Por outro lado, não se provou que a oponente apenas acedeu a figurar no registo da sociedade como gerente na condição de o ser apenas nominalmente.
Reconhecemos que o ponto K, na parte relativa à circunstância de a oponente não efectuar pagamentos, encerra matéria contraditória com os factos vertidos nos pontos H e I. Salientamos ter sido a própria Recorrida a confessar que assinava cheques em branco, mas que os cheques assinados tinham o fito de possibilitar o funcionamento da sociedade devedora originária.
É forçoso extrair desta factualidade que, ao assinar cheques, a oponente estava a assumir, também implicitamente, de forma voluntária e consciente, as decisões tomadas sobre o destino das receitas da sociedade, dado que, dessa forma, dava ordens de pagamento em nome e no interesse da devedora originária.
Nada nos autos, designadamente, na decisão da matéria de facto, nos direcciona para uma mera aparência do exercício efectivo dos poderes de gerência, tanto mais que não logrou provar-se que a Recorrida apenas acedeu a figurar no registo da sociedade como gerente na condição de o ser apenas nominalmente.
Com efeito, para responsabilizar subsidiariamente o gerente pelas dívidas tributárias da sociedade, não basta a outorga de poderes «nominais» de gerência, exige-se precisamente o exercício dessas funções, o exercício efectivo dos poderes que recebe, e não apenas a aparência do seu exercício.
A responsabilização subsidiária pressupõe o poder de controlar e determinar a vontade social, definindo o seu rumo e estratégia e tudo o que se relaciona com a sua estabilidade, progresso ou sobrevivência, exteriorizando as suas opções, incluindo as de pagar, ou não pagar, as dívidas tributárias.
A distinção entre o mero gerente nominal do gerente efectivo reside no poder subjacente à realização dos actos. O gerente nominal, ou «meramente de direito», pode praticar actos aparentes de gerência, mas fá-lo desacompanhado dos inerentes poderes, normalmente a «mando» de alguém que na organização societária se resguarda de «assinar» e comprometer-se, mas que ainda assim detém o poder efectivo de controlar os destinos da sociedade incluindo os de «mandar assinar» documentos da sociedade, como gerente, alguém que, de facto, o não é.
Não vislumbramos que in casu estejamos perante uma situação de dependência ou de favor, ou pelo menos, tal não ficou demonstrado. Não logrou provar-se, nem tal foi alegado, que a oponente aceitasse assinar cheques para ocultar ou resguardar o verdadeiro “gerente efectivo” ou para satisfazer um interesse pessoal alheio, ao qual pudesse estar vinculada ou subordinada por razões não estatutárias. Efectivamente, não se provou qualquer fragilidade, manipulação ou dependência de outrem que levasse a Recorrida a assinar cheques, imprescindíveis para o funcionamento da empresa.
Assim, somente observamos a exteriorização, por via da assinatura de cheques, da vontade da sociedade, vinculando-a com a sua assinatura perante terceiros; mesmo assinando cheques em branco, revelava manutenção de confiança no outro sócio, o que permite inferir que se solidarizava com ele nas decisões tomadas na condução dos destinos da sociedade.
Mesmo que a oponente só assinasse cheques em representação da sociedade para que a mesma pudesse funcionar e em face da solicitação do outro sócio, estava, de facto, a gerir a empresa, pois ao anuir em apor a sua assinatura em cheques, dando, assim, ordens de pagamento em nome e no interesse da sociedade, a oponente assumia as decisões que o outro sócio tomava, cooperando e co-responsabilizando-se com ele no exercício de uma função própria de gerência.
Ao praticar actos vinculativos da sociedade devedora principal, a Recorrida está a exercer a gerência de facto, ainda que possa ressaltar uma repartição de tarefas entre os dois gerentes, que, conjuntamente, geriam a empresa, assinando os documentos, os meios de pagamento ou praticando os demais actos típicos necessários para o desenvolvimento normal da actividade da mesma, nomeadamente, omitindo as suas obrigações fiscais.
Não podemos, ainda, esquecer, como emerge da informação que sustenta o despacho de reversão, que a Fazenda Pública colheu parte da sua convicção, quanto ao exercício da gerência pela Recorrida, no auto de interrogatório de arguido, no âmbito do Inquérito n.º....9/09.0T..... relativo ao cheque mencionado no ponto I do probatório, que foi devolvido por falta de provisão, dado que nessa sede a própria oponente esclareceu, à data dos factos (31/03/2009), ser sócia gerente da sociedade e que continua a exercer a sua actividade profissional na mesma sociedade, tendo como rendimento cerca de €400,00. Consta, ainda, da mesma informação que motiva a decisão de reversão que a assinatura da Recorrida se mostra aposta em cheques emitidos à ordem do IGCP, para efectuar pagamentos por conta no processo de execução fiscal em causa. Acrescentando a isso e a corroborar a sua gerência de facto da sociedade em causa, a aqui responsável subsidiária foi denunciada por um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelo art.º 11.º do 454/91, de 28/12, na redacção que lhe foi conferida pelo D.L. n.º 316/97 de 19/11. Destaca-se, também, da fundamentação do despacho de reversão que o cheque em causa foi emitido para regularizar dívidas às finanças (contrariando o alegado quanto à ignorância quanto às dívidas em causa).
Considerando todos os elementos ínsitos nos autos, não podemos refutar o exercício da gerência de facto pela Recorrida, na medida em que esta representou a devedora originária perante terceiros, incluindo a própria AT, dado que assinou cheques necessários ao giro comercial da sociedade, tudo revelando ter consciência do seu comprometimento nos desígnios e destinos da empresa, apesar de a matéria de facto apurada revelar que quem celebraria contratos em representação da sociedade seria o outro sócio gerente. No entanto, nada indica que não houvesse partilha das decisões tomadas, apontando a regra da experiência comum para a co-responsabilização de ambos os sócios gerentes mencionados.
Compulsando o teor do despacho de reversão, verificamos que tem em conta as diligências e as informações de folhas precedentes, reproduzindo a norma do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT (mas existindo também referência anterior à norma do artigo 8.º do RGIT), identificando as dívidas em cobrança coerciva, que incluem coimas, por referência ao elenco que consta em anexo, e mencionando expressamente o exercício efectivo da gerência da sociedade devedora originária no período relevante.
Resulta inequivocamente dos normativos legais referidos que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente/administrador e reportada ao período do respectivo exercício. Ou seja, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.
Portanto, não obstante a oponente ter afirmado que jamais exerceu a gerência de facto da sociedade e de imputar essa gerência efectiva ao outro sócio gerente «BB», é nossa convicção que a AT demonstrou a verificação deste requisito de reversão em relação à Recorrida.
Ao julgar em sentido discrepante, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que não pode manter-se na ordem jurídica.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso, sendo de conceder provimento ao mesmo e revogar a sentença recorrida.

Aqui chegados, importará conhecer, em substituição, os restantes fundamentos da oposição, cuja apreciação a sentença deu por prejudicada em face da solução que encontrou para o litígio.
Tendo em vista conhecer em substituição e uma vez que os autos possuem todos os elementos indispensáveis para tal, foram previamente ouvidas as partes.
Somente a Representação da Fazenda Pública emitiu pronúncia, remetendo para a posição já assumida nos autos.
Como refere a Recorrente, resta conhecer a sobrante questão relativa à alegada ausência de culpa na insuficiência do património da devedora originária.
Quanto a este aspecto, a oponente limita-se a afirmar que, durante o período em que figurou como gerente da sociedade executada, jamais celebrou qualquer negócio ou praticou qualquer acto de gestão do qual tenha resultado diminuição ilícita do património social, não tendo praticado qualquer acto de dissipação ou qualquer contributo nesse sentido, sendo certo não ter sido por culpa sua que o património social se tornou insuficiente para a satisfação dos tributos dados à execução ou que tais tributos não foram pagos, concluindo nenhuma responsabilidade lhe poder ser imputada pela Administração Fiscal, pretensamente fundada na alínea b) do artigo 24.º da LGT. Por outro lado, chamando à colação também a alínea a) do citado artigo 24.º da LGT, remata de igual forma, pois, para que houvesse responsabilidade da oponente seria necessário que tivesse praticado actos dos quais tenha resultado uma diminuição ilícita do património da sociedade primitiva executada e que a AT lhe imputasse, quer objectivamente, que a título de culpa – dolo ou negligência grosseira – factos que originaram a diminuição ou perda das garantias patrimoniais da sociedade, o que nunca poderá ser imputado à oponente – cfr. artigos 23.º a 33.º da petição de oposição.
O artigo 24.º da LGT, referido na sentença recorrida, demarca duas situações, nas duas alíneas do seu n.º 1.
A primeira, correspondente à sua alínea a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efectiva - culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à AT alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.
A segunda, constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. A presunção constante da referida alínea b) do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, deriva da consagração do dever de boa prática tributária, constante do artigo 32.º da LGT, que prevê “(...) um especial dever de diligência no cumprimento dos deveres tributários [das pessoas colectivas] (...) - dever de diligência que se presume violado caso tais deveres tributários não sejam cumpridos” – cfr. Isabel Marques da Silva, «A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais», Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, p. 132. Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir.
Apesar de o despacho de reversão propriamente dito apenas se referir à norma determinante da imputação de responsabilidade constante do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, parecendo olvidar que também estão em causa dívidas provenientes de coimas, informações prévias mencionam o artigo 8.º do RGIT.
Pela sua especificidade, abordaremos o enquadramento legal respeitante à cobrança de dívidas referentes a coimas, uma vez que também estas foram objecto do procedimento de reversão em apreço.
É incontornável que a actual jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo se consolidou no sentido da não inconstitucionalidade do artigo 8º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).
Com efeito, o acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 437/2011, prolatado no processo n.º 206/10, julgou não ser «inconstitucional a norma do artigo 8.º, n.º 1 do RGIT, quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas, que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora». E, na sequência dessa jurisprudência mais qualificada em termos de controlo da constitucionalidade das normas, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sofreu uma inevitável alteração, passando igualmente a acolher essa posição, porque adoptada em formação plenária, conforme se pode ver pela leitura dos acórdãos proferidos em 19/04/2012, no proc. n.º 1216/09, em 21/11/2012, no proc. n.º 1176/11, em 09/01/2013, no proc. n.º 1187/12, em 16/01/2013, no proc. n.º 312/12, em 30/1/2013, no proc. n.º 1036/12, em 26/06/2013, no proc. n.º 554/13.
Importa começar por chamar a atenção que é hoje perfeitamente pacífico que a responsabilidade dos gerentes por dívidas provenientes de coimas, enquanto responsabilidade civilística que é, depende da alegação e prova de factos dos quais possa extrair-se a verificação da culpa do responsável subsidiário pelo não pagamento das coimas por parte da empresa originária devedora, os quais devem, desde logo, constar do despacho de reversão – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 17/03/2016, proferido no âmbito do processo n.º 09122/15.
Efectivamente, no que respeita à responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas provenientes de coimas rege o já citado artigo 8.º, n.º 1 do RGIT que prescreve o seguinte:
«1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:
a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;
b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento».
Tendo presente o teor do artigo 8.º do RGIT, que acima ficou transcrito, deve dizer-se que tal preceito não consagra qualquer presunção de culpa e, portanto, é sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar a culpa do revertido pela insuficiência do património social da originária devedora de que possa prevalecer-se a AT, pelo que lhe cabia alegar, em sede de acto de reversão, a culpa do gerente por essa insuficiência como pressuposto necessário da efectivação da sua responsabilidade subsidiária. (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil) – neste sentido, entre outros, Ac.T.C.A.-2ª.Secção, 19/12/2001, proc.5568/01; Ac.T.C.A.-2ª.Secção, 11/06/2002, proc.6587/02; Ac.T.C.A.-2ª.Secção, 27/01/2004, proc.594/03; Ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/01/2005, proc.304/04, Ac. STA. – 2ª secção, de 16/01/13, proc. 312/12.
Dito de outro modo, e como se enfatiza no acórdão do STA de 09/04/2014 (processo n.º 341/13) “o art. 8.º do RGIT não consagra qualquer presunção de culpa e, por isso, recai sobre o autor do acto de reversão o ónus de alegar a culpa do gerente pela insuficiência do património social, tendo em conta o disposto no preceito, segundo o qual «Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento» (…). E, ainda assim, sempre que essa alegação seja contestada em sede de oposição, recai sobre a Fazenda Pública o ónus de a provar, em conformidade com o disposto no artº 74º nº 1 da LGT, segundo o qual «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque»”.
Começando pelas dívidas revertidas referentes a coimas, desde logo, não vislumbramos qualquer alegação de culpa da revertida pela insuficiência do património social da originária devedora.
Realmente, compulsando o teor do respectivo despacho de reversão, compreendendo toda a fundamentação pelo mesmo aglutinada, verificamos que não se mostra alegada qualquer factualidade que leve a concluir no sentido da culpa da oponente no facto de o património da sociedade se ter tornado insuficiente para o pagamento da dívida de coimas, nem tão-pouco existe, sequer, alusão a essa culpa.
Com efeito, a decisão de reversão alude apenas a uma presunção de culpa, tendo em vista o enquadramento no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT: constituindo o pagamento da prestação tributária uma obrigação do gerente, não sendo aquela satisfeita, cabe a ele provar que a falta de pagamento não lhe é imputável.
Por conseguinte, entendemos que a Administração Tributária, no caso, não alegou no despacho de reversão quaisquer elementos concretos dos quais, provados que fossem, fosse possível extrair qualquer juízo de censura ao comportamento da Oponente; não cumprindo o ónus que sobre si impendia, nada tendo sido alegado quanto à culpa da revertida na insuficiência do património da sociedade devedora ou na falta de pagamento das coimas que constituem a dívida exequenda, o que colocou a Fazenda Pública na impossibilidade de fazer a prova da culpa.
Quer isto dizer que não existiu qualquer acto de verificação da responsabilidade civil relativamente às dívidas exequendas respeitantes a coimas, cuja responsabilidade pelo respectivo pagamento a AT imputa subsidiariamente à Recorrida, sendo certo, repete-se, que este ónus recaía sobre a Administração, inexistindo, a este respeito, como já deixámos assinalado, qualquer presunção de culpa que funcione a favor da AT – cfr Acórdão do TCA Sul, de 10/07/2015, proferido no âmbito do processo n.º 08731/15.
Assim sendo, na medida da suficiência do já exposto quanto às dívidas de coimas, nesta parte, a reversão em crise não poderá manter-se.
Vejamos, então, a reversão das restantes dívidas de IRS de 2006 e 2007, de IRC de 2007 e de IVA de 2006 a 2008.
In casu, como vimos, a reversão concretizou-se nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, o que não se mostra questionado, cabendo, por isso, ao revertido ilidir a presunção legal de culpa na falta de pagamento dos impostos exequendos, demonstrando que essa falta de pagamento não lhe é imputável. Sendo que, se tal prova não tiver sido feita, ou se subsistirem dúvidas quanto à não imputabilidade da falta de pagamento do imposto, a oposição não poderá proceder nesta parte.
Efectivamente, a lei onera com a presunção de culpa, na inexistência ou insuficiência do património da empresa para satisfação dos créditos fiscais, o gerente da devedora original.
Sendo uma presunção legal de culpa, ela só pode ser ilidida mediante a prova do contrário (artigo 350.º, n.º 2 do Código Civil). Não basta a mera contraprova destinada a tornar duvidosa a sua culpa (artigo 346.º do Código Civil) exigindo-se, antes, a demonstração de que a situação de inexistência/insuficiência se ficou a dever exclusivamente a factores exógenos e que, no exercício da gerência, usou da diligência de um bonus pater familiae no sentido de evitar essa situação (cfr., entre outros, os Acórdãos deste TCA Norte, de 09/02/2012 e de 06/04/2006, proferidos no âmbito dos processos n.º 00415/05.8BEBRG e n.º 00021/02 – PORTO, respectivamente).
Para ilidir a presunção legal de culpa, deverá o oponente alegar os factos relevantes e demonstrativos das iniciativas que um gestor diligente sempre empreenderia em circunstâncias adversas de modo a evitar, ou minimizar, o impacto negativo de eventuais factores externos no desenvolvimento da actividade social.
Contudo, para afastar a presunção, não exige a lei o sucesso total dessas diligências em evitar o encerramento da sociedade, ou da constituição das dívidas, pois nem tudo é previsível ou controlável e não cabe aos tribunais avaliar o mérito técnico da gestão desenvolvida pelos gerentes nem as capacidades inatas ou técnicas que cada sujeito é portador.
O que se exige é tão-só o empenho e actividade dedicada do gestor no pagamento dos créditos fiscais e/ou na preservação do património que há-de, a final, garantir o seu pagamento (o património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários – artigos 50.º, n.º 1 LGT e 601.º do Código Civil).
E se, porventura, esse pagamento se tornar impossível, que o gestor demonstre, pelo menos, ter feito tudo o que estava ao seu alcance para que os créditos fiscais não fossem defraudados.
Esta exigência é o que se reputa de «condição mínima» para «desculpabilizar» a falta de pagamento de qualquer imposto, sem distinguir as repercussões e características próprias de cada um – cfr. Acórdão do TCAN, de 18/09/2014, proferido no âmbito do processo n.º 1126/06.2BEBRG.
Como a figura da culpa só tem sentido quando reportada a omissões ou acções específicas (cfr. Sofia de Vasconcelos Casimiro, in “A responsabilidade dos Gerentes, Administradores e Directores pelas Dívidas Tributárias das Sociedade Comerciais”, Almedina, 2000, pp. 129), esses factos têm de passar, necessariamente, pela alegação de medidas concretas que demonstrem a diligência empreendedora do gestor (ainda que infrutífera) em face das (diversas) adversidades a que a actividade ficou exposta.
Em jeito de sinopse, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial do artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais, que lhe impõe o cumprimento de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade – cfr., entre muitos, o Acórdão do TCA Norte, de 23/11/2011, proferido no processo n.º 00972/09.0 BEVIS.
Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que o não pagamento das dívidas tributárias revertidas se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável (cfr., entre outros, Acórdãos do STA, de 12/03/2003, in recurso n.º 1209/02, de 11/07/2012, in recurso n.º 824/11, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e ss. e Isabel Marques da Silva, in A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.121 e seg.).
Objectivamente, o normativo que subjaz à nossa análise faz recair sobre o gestor o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária, pois tal imputabilidade presume-se. Note-se que, embora esta alínea b) se refira meramente a imputação, e não a culpa, a jurisprudência tem vindo a interpretá-la reiteradamente no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor, entendida esta como a inobservância ou violação de uma regra de conduta previamente estabelecida.
Assim, demonstrada que seja a falta de pagamento ou de entrega da dívida tributária por parte da sociedade originária devedora, recairá sobre o gestor o ónus da prova da falta de culpa por tal facto, sendo certo que a lei impõe a quem exerça funções de administração em pessoas colectivas ou entes fiscalmente equiparados «o cumprimento dos deveres tributários das entidades por si representadas» (artigo 32.º da LGT).
Neste contexto, é notória a insuficiência da alegação da oponente na petição de oposição, remetendo-se a meras generalidades e a conclusões relativas à sua ausência de culpa na insuficiência do património para a satisfação dos tributos, afirmando, simplesmente, não ter praticado qualquer acto de dissipação do património social. Atenta esta formulação vaga e genérica, nenhum facto concreto foi apurado, pelo que nada foi levado ao probatório, sendo ostensivo residir o problema na deficiente alegação.
Salientamos que, mesmo alegando a oponente não ter praticado actos de dissipação patrimonial por não ter exercido a gerência de facto (apesar de a demonstração nos autos ter sido a oposta), não deixará, por isso, de ter culpa na falta de pagamento das dívidas exequendas, quanto mais não seja por mera negligência e desinteresse pelos desígnios da sociedade devedora originária da qual era gerente.
A oponente quis fazer crer que assinava cheques em branco, ignorando a que pagamentos se destinavam, mas com tal conduta apenas demonstra ter realizado uma gerência aparentemente negligente e censurável, dadas as consequências que pode ter tido tal comportamento na dissipação de proveitos da sociedade, tornando-se co-responsável pelo destino das receitas da mesma e pela falta de pagamento dos tributos devidos.
Efectivamente, a oponente não alegou nem demonstrou ter desenvolvido esforços no sentido de pagar as dívidas, nem provou a falta de fundos da sociedade originária devedora para efectuar o pagamento ou que tal falta se não deveu a qualquer omissão ou comportamento censuráveis, nem que tenha tomado quaisquer medidas para evitar que o património se tornasse insuficiente.
Além do mais, não podemos olvidar, conforme consta do probatório, estarem também em causa dívidas provenientes de IVA.
Ora, no caso especial do IVA, a falta da sua entrega ganha particular gravidade, na medida em que se trata de imposto que traduz um fluxo monetário na empresa que, ao não ser entregue nos cofres do Estado, está a ser «desviados» do seu destino legal único, em proveito de «objectivos» alheios à sua finalidade.
Como referimos, a Recorrida tinha a seu cargo a ilisão de uma presunção de culpa, sendo que a dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores, pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra a Oponente.
Em face do exposto, impõe-se concluir que a Oponente não logrou demonstrar a falta de culpa da insuficiência de fundos na devedora originária para entrega destes créditos tributários, pelo que a reversão da execução, nesta parte, não merece reparo.
Nesta conformidade, em substituição ao tribunal recorrido, haverá que julgar a oposição parcialmente procedente, apenas na parte relativa às dívidas de coimas.

Conclusões/Sumário

I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.
II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
III - A actual jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo consolidou-se em termos de não ser «inconstitucional a norma do artigo 8.º, n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas, que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora».
IV – Não estando consagrada no artigo 8.º do RGIT qualquer presunção de culpa, recai sobre a Administração Tributária (autora do despacho de reversão) o ónus de alegar e, em caso de contestação dessa responsabilidade, provar a culpa do gerente pela insuficiência do património social (artigo 74.º da Lei Geral Tributária).
V – No domínio da vigência da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto (artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT).
VI – Haverá que demonstrar que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efectuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.
VII - A dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores, pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o oponente.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar, em substituição, a oposição parcialmente procedente, extinguindo em relação à oponente somente os processos de execução fiscal em apreço respeitantes à cobrança de Coimas.

Custas a cargo da Recorrida, nesta instância, que não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.
Na primeira instância, custas por ambas as partes, na proporção do decaimento, que se fixa em 61,58% a cargo da Oponente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido, e em 38,42% pela Fazenda Pública.

Porto, 23 de Maio de 2024

Ana Patrocínio
Maria do Rosário Pais
Ana Paula Santos