Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01411/23.9BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/09/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:VIRGÍNIA ANDRADE
Descritores:ACÇÃO PARA O RECONHECIMENTO DE DIREITO;
MEIO PROCESSUAL ADEQUADO; OPOSIÇÃO
RECLAMAÇÃO DE ACTO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL;
Sumário:
I. O meio processual adequado para atacar uma decisão relativa à reversão da execução fiscal é a oposição à execução fiscal.

II. As decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal que afectem direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro, como a penhora, são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1ª instância.

III. A acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária somente pode ser admitida quando venha alegado e demonstrado que a utilização desta acção se mostra imprescindível.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1 – RELATÓRIO

«AA» vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de ... na acção para reconhecimento de um direito ou interesse legitimo em matéria tributária intentada pela Recorrente contra a Autoridade Tributária e Aduaneira e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social I.P., que rejeitou liminarmente a petição inicial apresentada na decorrência do erro na forma de processo utilizada.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
“A) Na óptica do Tribunal a quo verifica-se a impropriedade do meio processual utilizado.
B) Contrariamente ao decidido é convicção da Recorrente, que não obstante a conclusão consignada pelo Tribunal a quo, que não só o meio tutelar se revela idóneo, em face da sua pretensão, que pelas razões que infra se exporão, jamais poderiam ser acauteladas por recurso à oposição à execução ou á acção administrativa.
C) Crê-se que tal interpretação enferma de erro, por não exprimir com correcção o pensamento legislativo, e em consequência contrariar o ratio legis da norma objecto de interpretação.
D) Na interpretação da norma jurídica aplicável ao caso decidendum, não poderá o intérprete, ignorar o elemento racional ou teleológico (a ratio legis) visado pelo legislador ao elaborar a norma.
E) A par dos elementos literal e teleológico da norma a interpretar, deverá ainda o intérprete, socorrer-se do elemento sistemático, por referência ao “lugar sistemático” ocupado pela norma interpretada no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito de todo ordenamento jurídico, materializado no facto de que as normas contidas numa codificação obedecem, em regra, a uma principio unitário.
F) Assim e no sentido de proporcionar aos contribuintes uma permanente tutela dos seus direitos, criou-se a possibilidade de tutela de direitos por via da acção especial para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, com assento no art. 145º do CPPT, por via da qual se pretende que o Tribunal declare a existência desse direito em sede tributária na titularidade do contribuinte
G) Dado o arquétipo tutelar da acção especial para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, os seus efeitos jurídicos não são apenas os de anulação, os efeitos desta acção, vigoram também para o futuro, assim se projectando na relação jurídico tributária.
H) No caso decidendum a Alegante pretende a obtenção de uma decisão judicial que vincule o OEF, não só relativamente às ordens de penhora emanadas em cada um dos processos de execução fiscal, visando igualmente a obtenção de uma decisão judicial que iniba o OEF de efectuar novas penhoras sobre o seu património, a par da extinção de todos os processos fiscais pendentes motivados na reversão da execução primeiramente instaurada contra a devedora principal [SCom01...], LDA, visando igualmente a obtenção de uma decisão judicial que iniba o OEF de reverter futuros processos executivos cujo pressuposto fáctico e enquadramento jurídico se revelem ser os mesmos (ou seja, com efeitos ex nunc).
I) O feito vinculativo que se pretende para o futuro, não poderia ser alcançado por outro qualquer meio tutelar, mormente a Oposição à Execução Fiscal, ou a Acção Administrativa.
J) Pelo que, mal andou o Tribunal a quo ao concluir pela rejeição liminar do pedido, com fundamento no facto de que o meio adequado para conhecer dos direitos da Alegante, seriam a oposição à execução e a acção administrativa.
K) Ignorando que a decisão proferida, ao contrário do que é pretensão da Alegante, apenas produziria efeitos ex tunc, sem que da mesma decisão judicial se pudesse extrair para o OEF uma eficácia ex nunc.
L) Reconhecendo a alegação que vem de se expender, os quais devem ser interpretados e subsumidos na norma legal, nos termos que se consignaram, sobre o Tribunal a quo impendia o dever de concluir pela apreciação do mérito da causa e do pedido.
M) Pelo que, e salvo o devido respeito foram violados o art. 268º, n.º 4 da CRP e o art. 145º, n,.º 1 e 3 do CPPT.
N) Reconhecendo-se a violação dos art. 268º, n.º 4 da CRP e o art. 145º, n,.º 1 e 3 do CPPT, e ordenando-se a baixa do processo à Primeira Instância para conhecer do mérito do pedido, será feita justiça por via de uma correcta interpretação e aplicação do direito vigente. Julgando-se o Recurso procedente,
será feita JUSTIÇA!”

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A Autoridade Tributária e Aduaneira apreentou contra-alegações, deduzindo as seguintes contra-alegações:
“A) A Autora, foi junto do TAF de ... interpor Ação para Reconhecimento de um Direito ou Interesse Legítimo visando as ações executivas levadas a efeito pelos competentes Serviços (OEF) na sequência da reversão contra a ora Recorrente operada por dívidas da devedora original a Sociedade [SCom01...], LDA., e que melhor estão descritas na PI.;
B) sustentando, entre o demais, que não foi gerente de facto no período a que respeitam as dívidas que lhe estão a ser exigidas, e que a inocência que foi declarada no proc.º n.º ...5/14.9....., terá obrigatoriamente de comunicar com a responsabilidade tributária pelo pagamento da dívida exequenda e, portanto, deverá o Órgão de Execução Fiscal (OEF) cancelar o pagamento da dívida exequenda por parte da AUTORA;
C) culminando com os pedidos de a extinção de todos os processos executivos, à data pendentes no Serviço de Finanças ..., e bem assim na Secção de Processo Executivo de ... do Instituto de Segurança Social, e nos quais a AUTORA figure como devedora subsidiária da devedora originária [SCom01...], LDA., de levantamento quaisquer penhoras pendentes e com a proibição de, no futuro, qualquer OEF., possa ordenar qualquer tipo de penhoras ou hipotecas contra o seu património;
D) invocando assim razões e fundamentos de ilegitimidade passiva no quadro do processo executivo, bem como pretendeu visar atos praticados pelo OEF., no âmbito da execução fiscal;
E) matérias previstas e reguladas nos art.ºs. 203.º e 276.º, ambos do CPPT., enquanto fundamentos da oposição à execução e de reclamação das decisões do órgão da execução fiscal;
F) e que não se discutem no quadro desta Ação p/Reconhecimento de um Direito;
G) ao invés do que pretende a Recorrente, a presente acção não é o meio adequado para poder fazer valer a sua pretensão em juízo;
H) pois vigora aqui o n.º 3, do art.º 145.º do CPPT., estabelecendo que as ações para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido;
I) Efetivamente não se encontram reunidos os pressupostos de procedibilidade para presente ação, o sujeito cujo direito foi violado e que pretende a sua reparação por intermédio dos meios judiciais está obrigado a escolher o tipo de acção que a lei prevê para a satisfação do seu pedido, sob pena de, se o não fizer, o Tribunal poder não tomar conhecimento da sua pretensão;
J) Que foi exatamente o que sucedeu com a Decisão “a quo”;
K) as ações para o reconhecimento de um direito, apesar de terem a mesma dignidade e relevância que os restantes meios contenciosos, têm um campo de aplicação preciso, qual seja o de só se justificarem quando estes não assegurarem a efectiva tutela jurisdicional do direito ou interesse em causa. (J. L. de Sousa, CPPT., anotado 6.ª ED.);
L) sendo vedado à Recorrente lançar mão a este tipo de ação porquanto a Lei tem previsto que a satisfação da sua pretensão se alcança pela utilização de outro meio processual que não este;
M) O que é manifestamente aqui o caso, pois que a R., haveria de ter, em devido tempo, lançado mão, primeiro dos meios contenciosos próprios que conduziriam à verificação dos pressupostos de facto do putativo direito à verificação da ilegitimidade e neutralização das execuções contra si revertidas, e, até, do próprio ato de reversão;
N) O que não sucedeu;
O) é consabido que a todo o direito corresponde uma acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, ou a prevenir e reparar a sua violação – principio geral decorrente do artº. 2.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artº. 2.º do CPPT, igualmente enunciado no nº 2 do artº. 97º da LGT, não estando a escolha da forma da acção na disponibilidade das partes;
P) é ainda manifesto que a ação de reconhecimento de direito prevista no art.º 145º do CPPT, pelo seu recorte conceptual e finalidade, não pode ser intentada para fazer valer qualquer direito ou pretensão substantiva na sequência do presente processo pois que detém um mero carácter de complementaridade com relação aos outros meios contenciosos;
Q) pelo que, sendo manifesta a inaptidão do meio processual elegido como processo principal para a discussão do “thema decidendum” a nível substantivo, como se tem vindo a demonstrar, e estando o mesmo infalivelmente condenado ao insucesso, deveria, como foi, o pedido liminarmente rejeitado;
R) e comunicando-se este vício ao Recurso deverá o mesmo ser julgado improcedente;
S) a forma de processo encontra-se subtraída à disponibilidade das partes – art.º 97.º /2 da LGT e art.º 2.º do CPC.;
T) o erro na forma do processo constitui exceção dilatória que determina a incompetência relativa do tribunal (art.º 89.º/1 e 4 do CPTA), sendo de conhecimento oficioso, pelo que deve ser conducente à absolvição da instância (art.º 89.º/2 e 3 CPTA);
U) Termos em que andou bem o Tribunal “a quo”, na esteira da pronúncia já emitida por esse Colendo Tribunal em inúmeros acórdãos, quando suscita oficiosamente a existência do erro na forma do processo, e também quando declara a impossibilidade de convolação, face a os fundamentos invocados corresponderem a pedidos distintos e a diferentes formas processuais, circunstância que impede o juiz a optar por qualquer uma delas;
V) devendo a Decisão “a quo” ser mantida intacta na Ordem Jurídica por não padecer de qualquer vício que a inquine.
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Ex.ªs., deverão ser dadas por verificadas as exceções invocadas e mantida vigente na Ordem Jurídica a Sentença Recorrida e deverá este Recurso ser julgado improcedente por se encontrar em flagrante oposição com o regime legal aplicável, tudo com custas a cargo da Recorrente, por indevidamente lhe ter dado causa, com o que se fará a Sã Serena e Costumada Justiça”

Tendo o presente recurso sido apresentado junto do STA, por decisão sumária de 26.02.2024 aquele Tribunal julgou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do mérito do recurso, declarando a competência deste Tribunal para o conhecimento do mesmo.
Não foi emitido parecer pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal.
Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos ao abrigo do disposto no artigo 657.º n.º 4 do Código de Processo Civil, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

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Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta do artigo 608.º n.º 2, artigo 635.º, n.º 4 e 639.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir do erro no julgamento do Tribunal a quo ao decidir pela rejeição liminar.

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2 - Fundamentação
2.1. Matéria de Facto
Considerando que vem recorrida a decisão judicial de indeferimento liminar, a Juíza do Tribunal a quo não fixou qualquer matéria de facto, não se afigurando necessário elencar nesta sede quaisquer factos.
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2.2 – O direito
Constitui objecto do presente recurso a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que rejeitou liminarmente a acção, uma vez que decidiu pelo erro na forma de processo utilizada, nulidade de conhecimento oficioso, não tendo procedido à sua convolação por terem sido formuladas pretensões formalmente incompatíveis.

2.2.1.Do erro de julgamento quanto à rejeição liminar

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga decidiu pela rejeição da acção deduzida, por ter considerado que as pretensões formuladas são incompatíveis com o meio processual apresentado.
A Recorrente, discorda do assim decidido, sustentando, no essencial que o Tribunal a quo, ao considerar que existe erro na forma de processo utilizada, erra claramente na aplicação do direito ao caso concreto, o disposto no artigo 268.º n.º 4 da CRP e o artigo 145.º n.º 1 e 3 do CPTT.
A Autoridade Tributária e Aduaneira deduziu contra-alegações, defendendo, em síntese, que a presente acção não é o meio adequado para poder fazer vale a sua pretensão em juízo, considerando que bem andou o Tribunal a quo quando suscitou oficiosamente a existência de erro na forma de processo e a impossibilidade de convolação face aos fundamentos invocados corresponderem a pedidos distintos e a diferentes formas processuais.
Vejamos.
Tendo os interessados o direito de impugnarem ou reclamarem, de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente tutelados, estes encontram-se, porém, dependentes da utilização das formas de processo previstas na lei.
Com efeito, sendo certo que a todo o direito de impugnar corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo, nos termos dos artigos 95.º e 97.º n.º 2º da Lei Geral Tributária, recai sobre os interessados o ónus de delimitar o meio processual de que pretendam lançar mão com vista à tutela judicial à sua pretensão, de acordo com a factualidade em que a faça assentar.
O erro na forma de processo, previsto no artigo 193.º do CPC, traduz-se no uso, por parte do autor, de forma processual inadequada para fazer valer a pretensão apresentada a juízo, constituindo nulidade, de conhecimento oficioso nos termos do disposto no artigo 196.º do CPC.
Afere-se o acerto ou o erro na forma de processo através do pedido formulado, procurando-se no articulado inicial os elementos que permitam avaliar da adequação do meio processual utilizado ao efeito pretendido, consagrando-se assim o princípio da adequação formal (cfr. artigo 547.º do CPC) - cfr. Alberto dos Reis, (in Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, págs. 288/289) e no mesmo sentido, Rodrigues Bastos (in Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 3.ª edição, 1999, pág. 262).
Nesta medida, tem sido entendimento jurisprudencial e doutrinal que a ocorrência de tal erro deve aferir-se pelo pedido formulado na acção. Neste sentido vide Acórdão do STA de 18.01.2017, proc. n.º 01223/16.
Com efeito, e face a essa correspondência entre direito e a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, haverá apenas um determinado meio processual que, em cada caso, pode ser utilizado para obter a tutela judicial.
Na verdade, o direito à tutela jurisdicional efectiva, garantido como direito fundamental nos artigos 20.º e 268.º nºs 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa não só garante um meio que permite o acesso à justiça administrativa como também pressupõe uma “pretensão regularmente deduzida em juízo”, ou seja, que a lei discipline a forma pela qual se processa esse acesso.
A LGT no seu artigo 101.º estatui que “São meios processuais tributários: (…) b) A acção para reconhecimento de direito ou interesse legítimo em matéria tributária; (…) d) O recurso dos atos praticados na execução fiscal, no próprio processo ou, nos casos de subida imediata, por apenso;”
Nessa medida, prevê o n.º 1 do artigo 97.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que o processo judicial tributário compreende, entre outros “(…) h) As ações para o reconhecimento de um direito ou interesse em matéria tributária;”, assim como “n) O recurso dos atos praticados na execução fiscal, no próprio processo ou, nos casos de subida imediata, por apenso;” e ainda “o) A oposição, os embargos de terceiros e outros incidentes, bem como a reclamação da decisão da verificação e graduação de créditos;”
Assim, e quanto às ações para o reconhecimento de um direito ou interesse em matéria tributária dispõe o n.º 3 do artigo 145.º do CPPT que “As acções apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido”
Tem entendido de forma reiterada e uniforme a nossa Jurisprudência que “a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo (art. 145º do CPPT), assume um carácter complementar dos restantes meios contenciosos previstos no contencioso tributário, só sendo admissível a sua utilização quando for o meio mais adequado para a assegurar a tutela jurisdicional efectiva” – cfr. Acórdão do STA de 21.05.2014 proc. n.º 0737/13.
A oposição à execução fiscal, por sua vez, permite ao executado reagir contra a pretensão executiva da Autoridade Tributária e Aduaneira impedindo o prosseguimento do processo de execução fiscal no sentido da cobrança coerciva do crédito tributário, servindo-lhe como fundamentos os taxativamente indicados no artigo 204º do CPPT.
Ademais, é consabido que “o meio processual adequado para atacar uma decisão relativa à reversão da execução fiscal, com o fundamento do revertido não ser responsável pelo pagamento da dívida é a oposição à execução fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT.” – cfr. Jorge Lopes de Sousa (in CPPT, anotado e comentado, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pag. 479).
Por último, “as decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de l.ª instância” – cfr. artigo 276.º do CPPT.
Assim, como decidido neste Tribunal em Acórdão de 13.11.2014, proc. n.º 00526/11.0BEPNF “As decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal que afectem direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1ª instância (artigo 276º do CPPT). 2. Constituindo a penhora um acto praticado no âmbito da execução fiscal que afecta a esfera jurídica dos destinatários e, nessa medida, potencialmente lesivo dos direitos destes, não pode deixar de ser contenciosamente impugnável através de reclamação para o juiz nos termos dos artigos 276º a 278º do CPPT. 3. O meio processual adequado para conhecer das questões que a Recorrente suscita na oposição deduzida, e que se reconduzem à ilegalidade/inadmissibilidade das penhoras realizadas pelo órgão da execução fiscal é a reclamação (artigos 276º a 278º do CPPT) (…)”
No caso presente, e no essencial, os pedidos formulados no articulado inicial pela Recorrente podem resumir-se, tal como se deu conta na decisão recorrida no seguinte: i) a extinção de todos os processos executivos, à data pendentes no Serviço de Finanças ..., e bem assim na Secção de Processo Executivo de ... do Instituto de Segurança Social, e nos quais a Recorrente figure como devedora subsidiária da devedora originária [SCom01...], Lda., ii) o levantamento de quaisquer penhoras pendentes que eventualmente existam sobre o património da Autora para pagamento de dívidas tributárias da sociedade [SCom01...], Lda., iii) a proibição de, no futuro, qualquer OEF possa ordenar qualquer tipo de penhoras ou constituição de hipotecas sobre o património da Recorrente para pagamento de dívidas tributárias da sociedade [SCom01...], Lda..
Nesta medida, é ostensivo que a Recorrente formulou três pedidos completamente distintos entre si.
Ora, quanto ao 1º pedido - extinção de todos os processos executivos, nos quais figure como devedora subsidiária da devedora originária [SCom01...], Lda., tal como decidiu o Tribunal a quo, não é a acção para reconhecimento de direito ou interesse legítimo o meio processual adequado para decidir do pedido formulado, mas sim a oposição à execução fiscal.
Isto porque, tal pedido é consubstanciado na falta de gerência de facto em sede da devedora originária, mostrando-se tal causa de pedir e pedido conducentes à apresentação de oposição à execução fiscal como supra referenciamos, uma vez que em causa está a reversão operada contra a aqui Recorrente.
Relativamente ao 2º pedido - o levantamento de quaisquer penhoras pendentes que eventualmente existam sobre o património da Recorrente para pagamento de dívidas tributárias da sociedade [SCom01...], Lda. – decidiu o Tribunal a quo que a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo também não é o meio processual apresentado o meio processual próprio, mas de igual forma a oposição à execução fiscal.
No entanto, apesar de concordarmos com o Tribunal a quo, no sentido de que a acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legitimo não é o meio processual adequado, consideramos que o meio processual adequado para conhecer de tal pedido é a reclamação das decisões do órgão da execução fiscal prevista nos artigos 276.º a 278.º todos do CPPT, como supra demos conta.
No que respeita ao 3º e último pedido - a proibição de, no futuro, qualquer OEF possa ordenar qualquer tipo de penhoras ou constituição de hipotecas sobre o património da Recorrente para pagamento de dívidas tributárias da sociedade [SCom01...], Lda. – considerou o Tribunal de igual forma que a acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legitimo não é o meio processual adequado, mostrando-se adequada a acção administrativa.
Ora, como decidido pelo STA em Acórdão proferido em 03.06.2020, proc. n.º 0204/17.7BECTB 01467/17, “ (…) deve entender que não existe no ordenamento jurídico tributário nenhum meio processual em que caiba um pedido genérico de condenação da administração a não reverter contra o Autor as dívidas tributárias de uma sociedade. Mas isso não significa que, por falta de meio adequado a ação não deva ser admitida. Pelo contrário: da garantia de acesso à justiça tributária para a tutela plena e efetiva de todos os direitos e interesses legalmente protegidos, consagrada constitucionalmente e reafirmada, no plano infraconstitucional, no artigo 9.º da Lei Geral Tributária deriva que tem de haver um meio processual para cada pretensão carecida de tutela. E já vimos que é esse precisamente o âmbito específico da segunda parte do n.º 3 do artigo 145.º em análise: não existindo meio processual adequado, é a ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária que deve acolher a pretensão formulada, ainda que com as adaptações necessárias. Ela não é o meio adequado, como nenhum outro o é. Mas é o meio que se presta mais a albergar pretensões para as quais não exista meio adequado. Nesse sentido, deve considerar-se a mais adequável. Decerto que tal direito de ação não pode ser admitido irrestritamente. E não é apenas porque a informalidade processual não é a regra ou porque as relações jurídicas processuais são tipicamente formais, devendo os modelos de ação conter-se nos seus limites regimentais. É também porque o legislador considera mais adequado à prossecução os interesses públicos que seja a administração a definir o Direito em primeira mão e a produzir efeitos jurídicos imediatos na esfera jurídica dos particulares, sem prejuízo do direito de impugnação. Como refere Mário Aroso de Almeida (in «Manual de Processo Administrativo», 3.ª edição, Almedina 2017, pág. 108), está subjacente ao nosso sistema jurídico-constitucional a necessidade de, à partida, proporcionar à Administração os meios necessários à mais eficaz prossecução dos interesses públicos colocados a seu cargo, que inclui a «possibilidade de definir o Direito através da emissão de declarações jurídicas capazes de projetarem unilateralmente na esfera jurídica dos seus destinatários, independentemente da vontade destes, de produzirem de imediato os efeitos jurídicos a que se dirigem e de, por regra, se consolidarem na ordem jurídica se não forem impugnadas dentro de prazos relativamente curtos». Por isso, o acesso a este meio de ação deve depender de um «interesse processual qualificado» (idem, ibidem). Do próprio artigo 145.º, n.º 3, deriva que o acesso a esta via processual só existe quando o direito arrogado se encontre carecido de tutela, isto é, quando se alegue e demonstre em concreto que nenhum dos meios disponíveis tutela adequadamente o seu direito. No entanto, a lei processual administrativa contém agora uma disposição mais específica e que consideramos aqui aplicável por identidade de razão: o n.º 2 do artigo 39.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Dele decorre que «[a] condenação a não emissão de atos administrativos só pode ser pedida» quando, designadamente, «a utilização dessa via se mostre imprescindível». A primeira parte do preceito indica que estamos perante um requisito do acesso à via processual, o que significa que constitui um ónus do sujeito passivo a alegação, logo na petição inicial, de factos que evidenciem a sua imprescindibilidade. A última parte revela que o recurso a este meio processual só deve ser admitido quando os demais meios processuais não assegurem, em caso de procedência, a reposição da situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado. A este respeito, porém, o Autor limitou-se a dizer que «apenas com esta ação é que poderá de modo definitivo e efetivo obter uma decisão judicial que vincule no presente e para o futuro a Ré para que inclusivamente esta se abstenha de continuar a praticar atos que o prejudiquem» (artigo 31.º da douta petição). Mas isso significa que este é o meio que mais lhe convém e não que seja imprescindível. Designadamente, não deriva daqui que o recurso aos meios tradicionais não pudesse obviar a prejuízos irreparáveis ou de muito difícil reparação. Que, de resto, nem foram concretizados.”
No caso presente, apesar de se poder admitir que este meio processual pudesse ser adequado à pretensão da Recorrente, na medida em que pretendia que no futuro não pudesse ser ordenada a penhora ou a constituição de hipotecas sobre o seu património para pagamento de devidas tributárias da sociedade [SCom01...], Lda., ou seja, que a administração se abstivesse de tal actuação, impunha-se que esta tivesse logrado invocar um “interesse processual qualificado”, o que não logrou fazer.
Com efeito, a Recorrente não alegou factos que justificassem a imprescindibilidade deste meio processual, limitando-se, a invocar generalidades quanto ao meio processual deduzido, bem como as razões pelas quais não é responsável pelas dívidas da Sociedade devedora originária, razões essas que podem ser invocadas em sede de oposição.
Nesta senda, não tendo a Recorrente demonstrado que não tinha ao seu dispor outro meio processual para defender a sua pretensão, limitando-se a invocar a sua ilegitimidade para a execução, impõe-se concluir que bem se decidiu na sentença recorrida ao rejeitar liminarmente a presente acção para reconhecimento de um direito ou interesse legitimo em matéria tributária.


Nos termos do disposto no artigo 663.º nº 7 do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:

I. O meio processual adequado para atacar uma decisão relativa à reversão da execução fiscal é a oposição à execução fiscal.
II. As decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal que afectem direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro, como a penhora, são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1ª instância.
III. A acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária somente pode ser admitida quando venha alegado e demonstrado que a utilização desta acção se mostra imprescindível.

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3 – Decisão

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida, embora com fundamentação diversa.


Custas pela Recorrente.
Porto, 9 de Maio de 2024



Virgínia Andrade
Irene Isabel das Neves
Cristina da Nova