Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01862/08.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/03/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IRC, ÓNUS DO RECORRENTE DA DECISÃO EM MATÉRIA DE FACTO, CORRECÇÕES TÉCNICAS, CUSTOS ELEGÍVEIS:
TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA
Sumário:I – O artigo 640º nºs 1 e 2 do CPC faz impender sobre o recorrente em matéria de apreciação da prova o ónus de delimitar positivamente o que em seu entender são factos indevidamente provados ou indevidamente não provados, a decisão que devia ter sido tomada e os meios de prova determinantes, chegando ao ponto de lhe impor, no caso da prova verbal gravada (com é o caso) sob pena de “imediata rejeição (…) do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2 alª a). Insatisfeito esse ónus no tocante aos meios de prova, o recurso em matéria de apreciação da prova tem de ser rejeitado.

II - Quando na petição inicial não se atribui a ilegalidade da tributação autónoma de despesas não documentadas a outra causa que não o erro na apreciação da prova documental apresentada, não incorre em nulidade por omissão de pronúncia a sentença que se limite a concluir, da insuficiência daquela prova documental, a improcedência da impugnação da liquidação de IRC baseada naquela tributação autónoma.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório

E. Lda. NIPC (…) com sede em na Rua (…), interpôs o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 30 de Setembro de 2015 no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação das liquidações adicionais de IRC dos anos de 1996 e 1997 e respectivos juros compensatórios nas importâncias de, respectivamente, 22 423,18 € e 65 128,93 €.

Rematou a sua alegação com as seguintes conclusões:
17. CONCLUSÕES:
A) A douta sentença incorre em erro de julgamento em matéria de facto ao não dar como provado que:
- A impugnante ficou impossibilitada de apresentar os documentos de suporte dos lançamentos contabilísticos por virtude do furto da viatura em que se encontravam;
- A impugnante incorreu em custos correspondentes aos montantes, pelo menos, de 3.127.240$00 quanto ao ano de 1996 e de 12.141.763$00 quanto ao ano de 1997, como consta das relações nominativas e das cópias dos cheques apresentados;
B) Para esse efeito, deveria a douta sentença ter valorado o depoimento da testemunha inquirida e o acervo documental que integra os autos.
C) A douta sentença, ao não julgar procedente a impugnação no que respeita à desconsideração de tais custos, viola o preceituado no art.º 23.º do CIRC, na redacção então vigente.
D) A douta sentença, não se pronunciando, como devia, sobre a verificação dos pressupostos da tributação autónoma das alegadas despesas confidenciais ou não documentadas, é nula por omissão de pronúncia.
E) Em todo o caso, a douta sentença enferma de erro nos respectivos pressupostos ao não julgar procedente a impugnação na parte relativa a tal tributação autónoma.
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, com a consequente declaração de nulidade da douta sentença ou, quando assim se não entenda, com a sua revogação e a final procedência da impugnação, como é de JUSTIÇA.

Notificada como recorrida, a AT não respondeu à alegação.

O Digníssimo Procurador-geral Adjunto neste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso, redutível à seguinte transcrição.
(…)
A recorrente na alínea D) das conclusões, assaca à sentença a omissão de pronúncia, nulidade do artigo 125° n° 1 do CPPT, por entender, que “a decisão não se pronunciou sobre a verificação dos pressupostos da tributação autónoma das alegadas despesas confidenciais ou não documentadas.
Mais invoca, em síntese, o erro de julgamento em matéria de facto e direito, por não ter valorado devidamente o depoimento de testemunha que arrolou e que imporia uma decisão diferente quanto aos factos dados como provados e ao não [?] ter desconsiderado os custos com o pagamento a trabalhadores violou o disposto no artigo 23° do CIRC.
*
No que concerne à mencionada nulidade de omissão de pronúncia, acompanhamos a sustentação do Mm° Juiz a fls. 275, em como a mesma não se verifica.
*
A impugnação de decisão no tocante à matéria de facto, em relação à prova testemunhal, cujo depoimento foi gravado, deve ser efectuada de acordo com o disposto no artigo 640° n° 1 b) e n° 2 do CPC.
Ao não [dar] cumprimento a tal o Tribunal Superior não a pode sindicar quanto a esse particular.
A recorrente pretende manifestar a discordância dos factos dados como provados e a convicção do tribunal.
Citando o Ac. do TCA Sul e 12/6/2014 no processo 01220/06 in www.dgsi.pt:
“1. Vigora no processo tributário português, o princípio da livre apreciação da prova, ínsito no art. 607.°, n.° 5 do CPC, aplicável ex vi do art. 2.°, al. e) do CPPT.
II. Resulta daquele princípio que ao tribunal de recurso apenas é permitida a modificação da matéria de facto fixada no tribunal a quo se ocorrer erro manifesto ou grosseiro na sua apreciação, ou se os elementos documentais fornecerem uma resposta inequívoca em sentido diferente.”
Através da leitura dos factos dados como provados na sentença e do seu exame critico, não vislumbramos a existência de qualquer erro de lógica, de ciência ou de regra de experiência.
Em face do exposto, a matéria dada como provada tem de se considerar como assente.
*
Conforme jurisprudência uniforme dos Tribunais Superiores constituem custos fiscalmente dedutíveis, nos termos do artigo 23° do C1RC, aqueles que não sendo alheios ao escopo social da empresa, têm um fim empresarial, não alheio ao objecto social da empresa, apesar de os mesmos não terem desde logo um fim imediata e directamente lucrativo, mas que têm a sua origem e causa, um fim empresarial (Ac. do TCA sul de 25/1/2009 no processo 03369/09, Ac. do TCA Sul de 17/7/2007 no processo 01107/06, Ac. do TCA Sul de 17/11/2009 no processo n° 03253/09, todos in www.dgsi.pt.”
Igualmente o Ac. do TCA Sul de 30/1/2007, processo 01486/06 in www.dgsi.pt:
“Nos termos do art. 23° do CIRC, só se consideram custos do exercício, os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora.
Assim, a relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é ou não empresarial.” 
A actividade da recorrente, designada por “Selecção e Colocação de Pessoal” CAE 74500, consiste na contratação de pessoal que cede a grandes empreiteiros, pelo que, os custos fiscalmente dedutíveis deverão estar com ela relacionados.
Citando o Ac. do TCA Sul de 1/6/2010 no processo 03982/10, in www.dssi.pt: “Não pode admitir-se como custo fiscal um custo relativamente ao qual inexista na contabilidade do contribuinte documento externo de suporte ou que este documento se revele insuficiente, a menos que seja feita a prova da ocorrência do custo, com a determinação do seu efectivo montante, por qualquer meio de prova, competindo, em sede contenciosa, ao juiz a apreciação crítica dessa prova pois, em sede de IRC, o facto de uma dada transacção se não encontrar suportada num documento externo ou o facto de o mesmo ser incompleto, nem sequer preclude liminarmente a dedutibilidade do custo, pois que admite a prova da existência e principais características da transacção através de qualquer meio.”
Igualmente considera a doutrina v. Tomás de Castro Tavares, Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos, Ciência e Técnica Fiscal n° 396, págs. 125-126, que: "Com efeito, nos custos documentados presume-se a veracidade da despesa. Ao invés, nos gastos sem documento compete ao contribuinte, por qualquer meio ao seu alcance, a alegação e prova de que se verificou tal despesa, não obstante a omissão ou insuficiência formal" Idem, pág. 167".
Ou seja, relativamente às despesas não documentadas é admissível a prova da sua existência, por qualquer meio, nomeadamente através da prova testemunhal.
No caso em apreço, a E., Ld.ª invocou que ficou impossibilitada de apresentar documentos que serviram de suporte dos lançamentos contabilísticos, por motivo de furto da viatura onde estes se encontravam.
Face à factualidade, dada como assente, concluiu o julgador que “não foi feita prova suficiente e idónea que as saídas de caixa em questão se reportam a pagamento de trabalhadores, atenta a ausência documental e/ou testemunhal sobre tal circunstância.
Na verdade, a prova mostrou-se nula no que respeita às saídas de caixa e aos concretos pagamentos efectuados a concretos trabalhadores. Aliás, nem, um trabalhador foi oferecido como testemunha nos presentes autos”, julgando improcedente a impugnação.
Tal decisão, quer em relação á matéria de facto apurada quer ao enquadramento jurídico efectuado e fundamentação expendida, não merce censura, pelo que, se deve negar provimento ao recurso.»

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II- Questões a decidir
Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações, interpretadas, como é lógico, em função daquilo que se pretende sintetizar, isto é, o corpo das alegações.
Assim sendo, as questões cuja apreciação é peticionada são, por ordem lógica, as seguintes:

1ª Questão
É nula, a sentença recorrida, nos termos do artigo 125º nº 1 do CPPT por omitir pronúncia relativamente à questão da não verificação dos pressupostos da tributação autónoma das ditas despesas “confidenciais”?

2ª Questão
Se a sentença não é nula, errou, o Mº Juiz a quo, no julgamento em matéria de facto, ao julgar não provado que a impugnante ficou impossibilitada de apresentar os documentos de suporte dos lançamentos contabilísticos por virtude do furto da viatura em que se encontravam; e que a impugnante incorreu em custos correspondentes aos montantes, pelo menos, de 3.127.240$00 quanto ao ano de 1996 e de 12.141.763$00 quanto ao ano de 1997, como consta das relações nominativas e das cópias dos cheques apresentados?

3ª Questão
Se sim, isto é, se errou naquele julgamento de facto, errou de direito, violando o artigo 23º do CIRC, na redacção então vigente, ao confirmar a desconsideração de tais custos, e a tributação autónoma dos mesmos?


III - Apreciação do objecto do recurso

A fundamentação da sentença recorrida em matéria de facto é a seguinte:
III – Dos Factos
A. A Impugnante foi objecto de inspecção tributária, finda a qual foi elaborado Relatório de Inspecção Tributária, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido – cf. fls. 209 a 217 do processo físico;
B. No seguimento da inspecção referida em q), foram efectuadas correcções que deram origem às liquidações nºs 8310003745 de 11 de Abril de 2001 no valor de € 22.423,18, com data limite de pagamento a 11 de Junho de 2001 e 8310003746 de 11 de Abril de 2001, no valor de € 65.128,93, com data limite de pagamento a 11 de Junho de 2001;
C. A 10 de Setembro de 2001, a Impugnante deu entrada de reclamação graciosa contra as liquidações referidas em 2), considerando-se aqui reproduzido todo o teor da reclamação – cfr. fls. 3 a 5 do processo de reclamação graciosa apenso;
D. A 27 de Fevereiro de 2006 foi proferido projecto de despacho o qual foi notificado pelo ofício 32928/0403 de 10 de Abril de 2006 à Impugnante para efeitos do exercício do direito de audição – cfr. fls. 129 e 129 e 134 e 135 do proc. de reclamação apenso;
E. A 09 de Maio de 2006 a Impugnante exerceu o seu direito de audição, considerando-se aqui reproduzido todo o seu teor – cfr. fls. 136 a 139 do processo de reclamação apenso;
F. A 22 de Junho de 2006 foi proferido despacho de indeferimento da reclamação, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido – cfr. fls. 146 do processo de reclamação apenso;
G. Pelo ofício 56620/0403 de 26 de Junho de 2006 foi a Impugnante notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa – cfr. fls. 147 a 149 do processo de reclamação graciosa apenso;
H. A 01 de Agosto de 2006, a Impugnante interpôs recurso hierárquico, considerando-se aqui reproduzido todo o seu teor – cfr. fls. 3 a 6 do processo de recurso hierárquico apenso;
I. A 08 de Abril de 2009 foi proferido despacho de indeferimento do recurso hierárquico, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido, bem assim como informação que lhe subjaz – cfr. fls. 19 a 28 do processo de recurso hierárquico apenso;
J. Pelo ofício 38740 datado de 21 de Maio de 2008 foi a Impugnante notificada do
despacho de indeferimento do recurso hierárquico – cfr. fls. 29 a 31 do processo de recurso hierárquico apenso;
K. Os presentes autos deram entrada a 2 de Setembro de 2008.
*
Factos não provados
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou, nomeadamente, não se provou que a Impugnante se mostrasse impossibilitada de apresentar documentos que serviram de suporte aos lançamentos contabilísticos por virtude do furto da viatura onde se encontravam. Igualmente, não se considerou provado que os cheques emitidos sem indicar à ordem a quem foram emitidos correspondessem a pagamentos de trabalhadores.
*
Fundamentação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo em confronto com o depoimento da testemunha inquirida e de acordo com as regras do ónus de prova que recai sobre as partes e as regras da experiência comum.
Assim, no que se refere ao depoimento de A., que se identificou como sócia da Impugnante, e aí trabalhadora desde 2000 até 2012, referiu que o Jeep no qual eram transportados os cheques e carimbos foi furtado e que devido a esse fruto, perderam a contabilidade da empresa.
O depoimento desta testemunha, foi considerado limitado, nada isento, atenta a forma pouco esclarecedora e ao próprio teor do mesmo, desafiador do bom senso e das regras da experiência quando foi referido que a contabilidade da sociedade foi perdida aquando dum furto de um jeep, pois estava toda no seu interior – Facto não provado.
Por sua vez, no que se refere às cópias de cheques juntas aos autos, refira-se que se desconhece à ordem a quem foram emitidos, encontrando-se alguns endossados, mostrando-se que tal documentação é nada esclarecedora quanto ao porquê da respectiva emissão, a favor de quem. Igualmente é certo que a prova testemunhal, sobre tais documentos nada referiu cabalmente.»

Posto isto, enfrentemos as questões supra enunciadas.

1ª Questão
É nula, a sentença recorrida, nos termos do artigo 125º nº 1 do CPPT por omitir pronúncia (artigo 125º nº 1 do CPPT) relativamente à questão da não verificação dos pressupostos da tributação autónoma das alegadas despesas “confidenciais”?
As causas de nulidades da sentença em processo tributário estão, antes de mais, previstas no artigo 125º nº 1 do CPPT:
1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.
Esta norma é suficiente no seu dispositivo, para se apreciar a causa de nulidade invocada, pelo que a norma do CPC que enuncia as causas de nulidade da sentença em processo civil não é aqui subsidiariamente aplicável.
Como assim, o critério da nulidade ou não da sentença recorrida por ser silente quanto a uma questão suscitada como causa de pedir, reside no artigo 125º do CPPT citado, e não no artigo 669º nº 1 b) do CPC (antigo).
O mesmo já não sucede com norma do CPPT que enuncia o objecto da sentença:
1 - A sentença identificará os interessados e os factos objecto de litígio, sintetizará a pretensão do impugnante e respectivos fundamentos, bem como a posição do representante da Fazenda Pública e do Ministério Público, e fixará as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
2 - O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.
Com efeito este dispositivo, ao omitir qualquer referência à estrutura da sentença e à delimitação do objecto da pronúncia do juiz, remete o intérprete para o artigo 608º nº 2 do CPC (in casu, atenta a data da sentença, para o artigo 660º do anterior CPC), ex vi artigo 2º do CPPT).
Segundo esta norma, o Juiz, na sentença, “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Enfim, em geral, é dever do juiz tributário pronunciar-se, na sentença, sobre todas as questões que lhe são submetidas pelas partes, desde que pertinentes para uma das soluções plausíveis do litígio e sobre quaisquer outras que sejam de conhecimento oficioso.
Porém, já é de escola a advertência de que “questão” não se pode confundir com cada argumento usado para sustentar a solução que a parte preconiza para a questão de direito que se coloque.
Por outro lado, a resposta a uma ou à (única) questão de direito suscitada pela parte impugnante pode residir tanto numa resposta directa como na solução dada à causa e sua fundamentação. Por isso, aliás, embora não apenas por isso, é que o acima citado artigo 608º do CPC exclui do dever de pronuncia expressa as questões “cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Posto isto, voltemos in casu:
A pronúncia do Mª Juiz a quo sobre a alegação de nulidade da sentença, em se do disposto no artigo 617º nº 1 do CPC, é redutível à seguinte citação:
«(…) é nosso entendimento que a decisão proferida não padece da referida nulidade, pois que o Tribunal pronunciou-se sobre as questões suscitadas pelas partes, enumerando os factos relevantes para a decisão e suportou o sentido decisório na total ausência de prova da factualidade alegada pela Impugnante.»
Tudo o que a impugnante mencionou na PI que tenha de algum modo a ver com “tributação autónoma” reside no teor dos artigos 1º e 2º da PI, que rezam assim:

Na sequência de acção de inspecção tributária foram efectuadas liquidações adicionais de IRC e respectivos juros compensatórios com referência aos anos de 1996 e 1997, nas importâncias de respectivamente, 22,423,18 € e 65.128,93 €.

Tais liquidações tiveram por base a não aceitação, como custos, de valores contabilizados como “subcontratos”, ademais da sua tributação autónoma como despesas confidenciais ou não documentadas, atento o facto de a impugnante se mostrar Impossibilitada de apresentar os documentos que serviram de suporte aos lançamentos contabilísticos por virtude do furto da viatura onde se encontravam.”
Nos demais artigos da PI a impugnante esforça-se por sustentar que coligiu as provas documentais e, quanto a uma parte dos encargos, testemunhal, necessárias para a consideração dos custos desconsiderados, concedendo tacitamente, em matéria de direito, que as liquidações seriam legais se fosse recto o juízo feito em matéria de facto. Por fim, quando refere as normas violadas pelos actos impugnados, não menciona qualquer norma relativa à tributação autónoma das despesas não documentadas (ao tempo das liquidações, o artigo 4º nº 1 do DL nº 192/90 de 9 de Junho), mas apenas normas do CIRC relativas a encargos não dedutíveis (artigo 41º do CIRC de então).
Deste modo, não se pode dizer que a Impugnante tenha suscitado na PI, como causa de pedir autónoma uma qualquer questão sobre a legalidade das liquidações na medida em que relevaram também de tributação autónoma de despesas não documentadas.
A única questão suscitada na PI consistiu na alegação de violação do erro de facto nos pressupostos das liquidações impugnadas, por a Impugnante ter logrado documentar e ou por fim provar testemunhalmente todas as despesas desconsideradas/tributadas nos actos impugnados.
A sentença recorrida, portanto, não carecia de se pronunciar especificamente sobre a questão de direito da conformidade, com o direito, da tributação autónoma.
Como assim improcede a alegação de nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

2ª Questão
Se a sentença não é nula, errou, o Mº Juiz a quo, no julgamento em matéria de facto, ao julgar não provado que a impugnante ficou impossibilitada de apresentar os documentos de suporte dos lançamentos contabilísticos por virtude do furto da viatura em que se encontravam; e que a impugnante incorreu em custos correspondentes aos montantes, pelo menos, de 3.127.240$00 quanto ao ano de 1996 e de 12.141.763$00 quanto ao ano de 1997, como consta das relações nominativas e das cópias dos cheques apresentados?
Como tem sido entendido por este Tribunal, os princípios da oralidade e imediação e da livre apreciação da prova (artigos 590º a 606º e 607º nº 5 do CPC) implicam que o julgamento do recurso em matéria de facto, quanto à apreciação de provas que não sejam prova legal, não é um julgamento, ex novo, em que se possa fazer tábua rasa do julgamento do juiz da 1ª instância que, esse sim viu, ouviu e apreciou com imediação o depoimento de testemunhas e declarantes, antes deve ficar-se pela detecção do erros de julgamento revelados pelas “regras da experiência comum” ou logicamente demonstráveis.
Em coerência com este entendimento e para obviar à perplexidade de não haver um objecto concreto e definido para a crítica da decisão de facto, o artigo 640º do CPC, aqui aplicável ex vi artigo 281º do CPPT, faz impender sobre o recorrente em matéria de apreciação da prova o ónus de delimitar positivamente factos indevidamente provados ou indevidamente não provados, decisão que devia ter sido tomada e meios de prova determinantes, chegando ao ponto de lhe impor, no caso da prova verbal gravada (com é o caso) sob pena de “imediata rejeição (…) do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2 alª a).
Nestes pressupostos normativos, apreciemos a questão sub judices:
As “conclusões” que dão origem a esta questão vão desde a “conclusão” A à B. Na primeira destas a Recorrente enuncia duas proposições que têm, pelo menos em parte, por objecto factos concretos, que sustenta deverem ter sido dados como provados, mas foram expressamente julgados não provados.
Como meios de prova indica “o depoimento da testemunha inquirida e o acervo documental que integra os autos” (conclusão B). No corpo das alegações sustenta em geral o valor desses meios de prova, sem concretizar documentos ou excertos de declarações que imponham decisão diversa da decisão recorrida.
Mesmo de um ponto de vista meramente lógico, a alegação não pode ser apreciada, pois continuamos sem saber por que modo é que os documentos juntos aos autos e o depoimento da testemunha apresentadas pela Impugnante determinavam uma conclusão diferente em matéria de factos provados e não provados, quanto àqueles factos. Certo é, de todo o modo, que a alegação não cumpre, quanto a qualquer dos factos em causa, o sobredito ónus no que respeita aos meios de prova, maxime, mas não só, os verbais.
Enfim, porque não cumpre com o ónus do Recorrente, disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 640º do CPC, o recurso vai rejeitado nesta parte.

3ª Questão
Se sim, isto é, se errou naquele julgamento de facto, errou de direito, violando o artigo 23º do CIRC, na redacção então vigente, ao confirmar a desconsideração de tais custos, e a tributação autónoma dos mesmos, pelo acto impugnado?
A alegação que suscitou esta questão laborava no pressuposto do erro de julgamento em matéria de facto cuja apreciação, como se viu, foi rejeitada.
Em face da matéria de facto assente na sentença recorrida esta questão mostra-se prejudicada, nos próprios termos em que foi posta, pelo que tão pouco por via dela pode o recurso proceder.

Do que acima citámos e expusemos resulta silogisticamente, sem necessidade de mais explicações, que o recurso improcede.

IV – Custas

A improcedência do recurso da Impugnante deixa intacta a sentença recorrida, também quanto a custas.
Como assim, este tribunal apenas se pronuncia quanto às custas do recurso, que hão-de ficar a cargo da recorrente, conforme artigo 527º do CPC.

V - Dispositivo

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas do recurso pela Recorrente. Artigo 527º do CPC.

Porto, 3/2/2022

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Cristina Maria Santos da Nova
Cristina Travassos Bento