Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00965/19.9BEPNF |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 11/30/2022 |
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Tribunal: | TAF de Penafiel |
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Relator: | Irene Isabel Gomes das Neves |
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Descritores: | MATÉRIA DE FACTO; CADUCIDADE; 45º, N.º 5 DA LGT; 19º, N.º 3 DO CIVA; PREÇOS SIMULADOS; REENVIO PREJUDICIAL. |
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Sumário: | I. O imposto de selo incide sobre as garantias das obrigações, qualquer que seja a sua natureza ou forma, designadamente a garantia bancária autónoma e a hipoteca, salvo quando materialmente acessórias de contratos especialmente tributados pela Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS) e constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente (TGIS nº 10). II. Estabelece, pois, a verba n.º 10 da TGIS, três requisitos cumulativos para que as garantias não sejam tributadas em sede de imposto do selo: (i) a existência de acessoriedade material entre a garantia e a obrigação;(ii) a obrigação garantida seja especialmente tributada pela TGIS e (iii) simultaneidade entre o nascimento da obrigação garantida e a constituição da respectiva garantia. III. Se o requisito da acessoriedade for parcial, o valor tributável para efeitos de aplicação da taxa, não pode ignorar o mesmo e considerar o valor total garantido pela hipoteca, sob pena de dupla tributação da mesma realidade económica. |
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Recorrente: | A... - Unipessoal, Ld.ª |
Recorrido 1: | Fazenda Pública |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Impugnação Judicial - Liquidação de tributos - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Del. 2186/2015] |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Foi emitido parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. "A... - Unipessoal, Ld.ª (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, pela qual foi julgada totalmente improcedente a impugnação judicial relativa à decisão de indeferimento da reclamação graciosa e consequente liquidação adicional de IVA, do exercício de dezembro de 2012, maio e setembro de 2013 e respetivos juros compensatórios, no valor global de € 687.505,54, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional. Alegou, formulando as seguintes conclusões: «A) A douta sentença sob recurso incorre em erro de julgamento em matéria de facto e em matéria de direito B) Em matéria de facto, o errado julgamento incide sobre os seguintes pontos: a) na alínea D) do probatório é dado erradamente como provado que “"OO", gerente de facto da "B..., Lda.", é pai do sócio gerente da impugnante”, no segmento “"OO", gerente de facto da "B..., Lda."” b) na verdade, "OO", sendo pai do sócio gerente da impugnante, não é gerente de facto da "B..., Lda." c) na referida al. D) do probatório deveria constar unicamente: “"OO" é pai do sócio gerente da impugnante” d) Como decorrência do que se alega a propósito do erro de julgamento incidente sobre a al. D) do probatório e tendo por base os mesmos elementos probatórios, deve o Tribunal aditar ao probatório novo ponto, com a seguinte redacção: “São sócias e gerentes de direito da "B..., Lda.", AA e BB, sendo gerentes de facto "JJ" e CC” e) o facto dado como provado sob a alínea HHH) do probatório enferma de erro de julgamento quando interpretado no sentido de que assimila como facto provado a conclusão extraída pela AT pela existência de fortes indícios que a "B..., Lda.", em conluio com a impugnante, simulou os preços faturados com referência a um projeto financiado pelo Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN), empolando-os relativamente aos efetivamente praticados, tendo em vista o financiamento integral do investimento (RIT) f) foi erradamente dado como provado – e deveria ser omitido ao probatório ou dado como não provado – o facto descrito sob a alínea UUU) do probatório: “Em 15/4/2016, o contrato de concessão de incentivos celebrado com a "A... - Unipessoal, Ld.ª, mencionado em L), foi alvo de anulação pós contrato” g) com os mesmas provas e os mesmo fundamentos do que se alega para a alínea anterior, foi erradamente dado como provado – e deveria ser omitido ao probatório ou dado como não provado – o facto descrito sob a alínea VVV) do probatório: “Em 19/4/2016, o IAPMEI emitiu uma ordem de devolução” h) foi erradamente dado como não provado – quando deveria ter sido dado como provado – que “Os valores faturados pela "B..., Lda." à impugnante correspondem, na sua totalidade, à realidade” C) A douta sentença, ao julgar improcedente o alegado vício de caducidade do direito à liquidação, incorre em erro de julgamento, interpretando erradamente e violando o preceituado no art.º 45.º, n.ºs 1, 4 e 5, da LGT e no art.º 36.º, n.º 5, do RCPITA D) A douta decisão sob recurso incorre em erro de julgamento ao julgar improcedente a impugnação com fundamento na alegada violação do art.º 19.º, n.º 3, do Código do IVA por erro nos respectivos pressupostos E) A douta sentença sob recurso faz errada interpretação e aplicação do preceituado no mesmo art.º 19.º, n.º 3, do CIVA ao não julgar procedente a impugnação perante a desconsideração da totalidade do IVA deduzido constante das facturas emitidas pela "B..., Lda.", não obstante terem na sua base operações efectivas, alegadamente simuladas quanto ao valor (preço) F) Ao interpretar o disposto no n.º 3 do art.º 19.º do CIVA no sentido de permitir a desconsideração do IVA deduzido nas condições da conclusão anterior, a douta sentença está a aplicar norma materialmente inconstitucional por violação dos princípios da capacidade contributiva, da proporcionalidade, da proibição da tributação sancionatória e da neutralidade do IVA G) Também ao julgar improcedente a impugnação com base no alegado vício de falta de adequada fundamentação a douta sentença incorreu em erro de julgamento I) o indeferimento na douta sentença recorrida da pretensão do reenvio prejudicial para o TJUE viola o preceituado no art.º 267.º do TFUE Nestes termos e nos demais de direito, com o pedido de reapreciação da prova gravada, deve ser concedido provimento ao presente recurso com a revogação da douta sentença e a final procedência da impugnação, sem prejuízo de, perante o grosseiro e contaminante erro de julgamento quanto à gerência de facto da "B..., Lda.", ser determinada a baixa dos autos para a prolação de nova sentença, como é de JUSTIÇA.» 1.2. A Recorrida (Fazenda Pública), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações. 1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 690 e ss. do SITAF, no sentido de ser negado provimento ao recurso. 1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. Questões a decidir: Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto (i) decorrente do pedido de correcção dos factos identificados (D., FFF., UUU e VVV.) e, aditamento ao probatório do facto único dado como “não provado”; erro de julgamento de direito, ao considerar que (ii) não se verifica a caducidade do direito à liquidação, (iii) ao considerar que a AT actuou legalmente, carreando elementos suficientes para que fosse desconsiderado o IVA deduzido, por se verificarem indícios sérios de “preços simulados”; (iv) ao considerar correcta aplicação e interpretação que AT fez do artigo 19º n.º 3 do CIVA; (v) ao considerar que o RIT não sofre de vicio de falta de fundamentação e, por último (vi) ao não ter determinado o Reenvio prejudicial para o TJUE como requerido. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto 2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1ª instância e respectiva fundamentação: «Com relevância para a decisão da causa, julga-se provados os seguintes factos: A) A impugnante tem um capital social de €5.000,00, quota única pertencente ao sócio gerente "JJ" (doravante designado "JJ" – certidão permanente de fls. 338 a 342 do SITAF). B) A impugnante tem o seguinte objeto social: “Fabricação, comercialização, importação, exportação e representação de perfumes, cosmética e produtos de higiene” (certidão permanente de fls. 338 a 342 do SITAF). C) AA (doravante designada AA) e BB (de ora em diante designada BB) são sócias da sociedade "B..., Lda." (abreviadamente designada "B..., Lda." – certidão permanente fls. 344 a 359 do SITAF). D) "OO", gerente de facto da "B..., Lda.", é pai do sócio gerente da impugnante, "JJ" (relatório de inspeção tributária de fls. 28 a 54 do PA (RIT)). E) Em 25/11/2012, a impugnante celebrou diversos contratos com a "B..., Lda.", rela-cionados com o fornecimento, instalação e colocação em funcionamento de todos os sistemas técnicos destinados a suportar o processo industrial de uma unidade de fabricação de produtos de cosmética e de higiene pessoal, no valor global de €3.146.103,00, sem IVA (RIT). F) Em 10/12/2012, a "B..., Lda." emitiu à impugnante a fatura n.º 30/2012C, com data de vencimento de 9/1/2013, no valor de €186.047,03 (fls. 55 do PA e RIT). G) Em 10/12/2012, a "B..., Lda." emitiu à impugnante a fatura n.º 31/2012C, com data de vencimento de 09/01/2013, no valor de €535.328,90 (fls. 56 do PA e RIT). H) Em 10/12/2012, a "B..., Lda." emitiu à impugnante a fatura n.º 32/2012C, com data de vencimento de 9/1/2013, no valor de €332.860,88 (fls. 57 do PA e RIT). I) Em 10/12/2012, a "B..., Lda." emitiu à impugnante a fatura n.º 33/2012C, com data de vencimento de 9/1/2013, no valor de €112.205,09 (fls. 58 do PA e RIT). J) Em 10/12/2012, a "B..., Lda." emitiu à impugnante a fatura n.º 34/2012C, com data de vencimento de 9/1/2013, no valor de €104.296,37 (fls. 59 do PA e RIT). K) Em 10/12/2012, a "B..., Lda." emitiu à impugnante a fatura n.º 35/2012C, com data de vencimento de 9/1/2013, no valor de €83.659,07 (fls. 60 do PA e RIT). L) Em 4/1/2013, a impugnante celebrou com o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação (IAPMEI) um contrato de concessão de incentivos financeiro do projeto NUP Norte-07-...3-FEDER....19 (RIT). M) O contrato referido em L) previa a concessão de um incentivo financeiro para aplicação na execução de um projeto, no montante de investimento global de €3.225.754,02, decorrendo o período de investimento entre 1/10/2012 e 31/10/2013 (RIT). N) O incentivo consistia num subsídio reembolsável até ao valor de €2.906.740,11 (65% do investimento global) pelo prazo de sete anos e num prémio de realização no valor máximo de €1.402.833,20 (66,90% do incentivo reembolsável – RIT). O) Em 5/3/2013, as sócias da "B..., Lda.", AA e BB, deliberaram que a sociedade efetuasse um empréstimo até à quantia de €1.500.000,00, às sócias, pelo prazo de cinco anos, com possibilidade de prorrogação, sem vencimento de juros (RIT). P) Em 19/3/2013, a "B..., Lda." emitiu o cheque n.º 16...643 à ordem de AA, no valor de €250.000,00 (fls. 136 do PA e RIT). Q) Em 19/3/2013, a "B..., Lda." emitiu o cheque n.º 16...546 à ordem de BB, no valor de €250.000,00 (fls. 126 do PA e RIT). R) Em 19/3/2013, "OO" depositou na sua conta n.º 004...2030, o cheque n.º 14...268, no valor de €250.000,00 e o cheque n.º 14...783, no valor de €250.000,00, emitidos, respetivamente, por BB e por AA perfazendo o valor total de €500.000,00 (fls. 95 a 98 do PA e RIT). S) "OO", enviou um fax, datado de 22/3/2013, ao Banco 1..., ao cuidado de DD, solicitando a transferência do montante de €66.000,00, da conta de DO n.º 004...3055 para a conta do beneficiário "JJ" da EE, NIB 003...2105 (fls. 112 do PA e RIT). T) Em 27/3/2013, o Banco 2... deu conhecimento à impugnante que foi feita uma transferência no valor de €489.000,00, oriunda de "JJ" (fls. 87 do PA e RIT). U) Em 1/4/2013, foi emitido o cheque n.º 14...171 por BB para "OO", no valor de €65.000,00 (fls. 99 do PA e RIT). V) Em 3/4/2013, a "B..., Lda." emitiu o cheque n.º 16...747 à ordem de AA, no valor de €65.000,00 (fls. 138 do PA e RIT). W) Em 3/4/2013, a "B..., Lda." emitiu o cheque n.º 16...650 à ordem de BB, no valor de €65.000,00 (fls. 128 do PA e RIT). X) Em 3/4/2013, a "B..., Lda." emitiu o cheque n.º 16...038 à ordem de BB, no valor de €375.000,00 (fls. 142 do PA e RIT). Y) Em 5/4/2013, "OO" depositou na sua conta n.º 004...2030, o cheque, no valor de €61.000,00, emitido por AA (fls. 100 e 101 do PA e RIT). Z) "OO", enviou uma carta, datada de 5/4/2013, ao Banco 1..., solicitando a transferência do montante de €66.000,00, da conta DO n.º 004...3055 para a conta do beneficiário "JJ", NIB 003...2105 (fls. 111 do PA). AA) "OO", enviou uma carta, datada de 8/4/2013, ao Banco 1..., solicitando a transferência do montante de €37.000,00, da conta DO 004...3055 para a conta do beneficiário "JJ", NIB 003...2105 (fls. 114 do PA). BB) Em 8/4/2013, foi feita uma transferência da conta de "JJ" para a conta da impugnante, no valor de €66.000,00 (fls. 88 do PA). CC) Em 8/4/2013, foi feita uma transferência da conta de "JJ" para a conta da impugnante, no valor de €55.000,00 (fls. 88 do PA). DD) Em 9/4/2013, foi feita uma transferência da conta de "JJ" para a conta da impugnante, no valor de €37.000,00 (fls. 89 do PA). EE) Em 3/5/2013, a "B..., Lda." emitiu à impugnante a fatura n.º 11/2013 FA, com data de vencimento de 2/6/2013, no valor de €212.625,18 (fls. 61 do PA e RIT). FF) Em 3/5/2013, a "B..., Lda." emitiu à impugnante a fatura n.º 11/2013 FA, com data de vencimento de 2/6/2013, no valor de €212.625,18 (RIT). GG) Em 3/5/2013, a "B..., Lda." emitiu à impugnante a fatura n.º 12/2013 FA, com data de vencimento de 2/6/2013, no valor de €611.804,46 (fls. 62 do PA e RIT). HH) Em 3/5/2013, a "B..., Lda." emitiu à impugnante a fatura n.º 13/2013 FA, com data de vencimento de 2/6/2013, no valor de €380.412,43 (fls. 63 do PA). II) Em 3/5/2013, a "B..., Lda." emitiu à impugnante a fatura n.º 14/2013 FA, com data de vencimento de 2/6/2013, no valor de €128.234,39 (fls. 64 do PA e RIT). JJ) Em 3/5/2013, a "B..., Lda." emitiu à impugnante a fatura n.º 15/2013FA, com data de vencimento de 2/6/2013, no valor de €119.195,86 (fls. 65 do PA e RIT). KK) Em 3/5/2013, a "B..., Lda." emitiu à impugnante a fatura n.º 16/2013FA, com data de vencimento de 2/6/2013, no valor de €95.610,36 (fls. 66 do PA e RIT). LL) Em 3/6/2013, a "B..., Lda." emitiu o cheque n.º 16...583 à ordem de BB, no valor de €45.612,50 (fls. 140 do PA). MM) Em 3/6/2013, "OO" depositou na sua conta o cheque n.º 14...074, no valor de €45.612,50, emitido por BB (fls. 102 e 103 do PA e RIT). NN) Em 4/6/2013, foi emitido o cheque n.º 64...543 por AA, no valor de €42.612,50 (fls. 105 do PA e RIT). OO) Em 4/6/2013, "OO" depositou na sua conta do Banco 1... o cheque n.º 64...543, no valor de €42.612,50, emitido por AA (fls. 104 e 105 do PA). PP) "OO", enviou uma carta, datada de 5/6/2013, ao Banco 1..., solicitando a transferência do montante de €55.100,00, da conta DO 004...3055 para a conta do beneficiário "JJ", NIB 003...2105 (fls. 113 do PA). QQ) "OO", enviou uma carta, datada de 25/7/2013, ao Banco 1..., solicitando a transferência do montante de €427.000,00, da conta DO n.º 004...3055 para a conta do beneficiário "JJ" da EE, NIB 003...2105 (fls. 115 do PA). RR) Em 25/7/2013, "OO" depositou na sua conta do Banco 1... o cheque n.º 64...640, no valor de €370.000,00 (fls. 106 do PA). SS) Em 25/7/2013, "OO" depositou na sua conta do Banco 1... o cheque n.º 14...977, emitido por BB, no valor de €375.000,00 (fls. 108 e 109 do PA). TT) "JJ", sócio-gerente da impugnante, enviou uma carta, datada de 25/7/2013, ao Banco 3..., ao cuidado de FF, solicitando a transferência do montante de €347.000,00 da conta DO n.º 000...023 para a conta do beneficiário "A... - Unipessoal, Ld.ª, NIB ... 23, com o motivo de suprimentos (fls. 85 do PA). UU) A transferência mencionada em TT) foi realizada em 25/7/2013 (fls. 86 do PA). VV) "JJ", sócio-gerente da impugnante, enviou uma carta, datada de 25/7/2013, ao Banco 3..., ao cuidado de FF, solicitando a transferência do montante de €80.000,00 da conta DO n.º 000...023 para a conta do beneficiário F... Unipessoal, Ld.ª., NIB 000...923, com o motivo de prestações suplementares ao capital (fls. 90 do PA). WW) "JJ" transferiu para a impugnante as seguintes quantias: o valor de €347.000,00 a título de suprimentos e o de €672.000,00 a título de prestações suplementares (RIT). XX) A transferência mencionada em VV) foi realizada em 25/7/2013 (fls. 91 do PA). YY) Em 2/9/2013, a "B..., Lda." emitiu à impugnante a fatura n.º 33/2013FA, com data de vencimento de 2/10/2013, no valor de €106.312,59 (fls. 67 do PA e RIT). ZZ) Em 2/9/2013, a "B..., Lda." emitiu à impugnante a fatura n.º 34/2013FA, com data de vencimento de 2/10/2013, no valor de €305.902,23 (fls. 68 do PA e RIT). AAA) Em 2/9/2013, a "B..., Lda." emitiu à impugnante a fatura n.º 35/2013 FA, com data de vencimento de 2/10/2013, no valor de €190.206,22 (fls. 69 do PA e RIT). BBB) Em 2/9/2013, a "B..., Lda." emitiu à impugnante a fatura n.º 36/2013 FA, com data de vencimento de 2/10/2013, no valor de €64.117,19 (fls. 70 do PA e RIT). CCC) Em 2/9/2013, a "B..., Lda." emitiu à impugnante a fatura n.º 37/2013 FA, com data de vencimento de 2/10/2013, no valor de €59.597,93 (fls. 71 do PA e RIT). DDD) Em 2/9/2013, a "B..., Lda." emitiu à impugnante a fatura n.º 38/2013 FA, com data de vencimento de 2/10/2013, no valor de €47.805,18 (fls. 72 do PA e RIT). EEE) A impugnante pagou à "B..., Lda." o valor de €3.319.750,02 (RIT). FFF) Em 11/12/2013, a sócia BB foi ouvida em auto de declarações, na qual afirmou que os atos que praticou resumiram-se à assinatura de cheques e outras responsabilidades para as quais era exigida a assinatura dos gerentes, a mando do gerente de facto, desconhecendo o fim desses cheques (RIT). GGG) Pelo ofício n.º 84...11, de 2/5/2014, emitido pela Direção de Finanças de ..., foi remetido ao Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do ..., para efeitos de controlo e verificação da conformidade das operações reveladas contabilisticamente pela impugnante, informação elaborada durante a realização do procedimento externo de inspeção tributária à "B..., Lda." (RIT). HHH) Na informação mencionada em GGG), conclui-se pela existência de fortes indícios que a "B..., Lda." em conluio com a impugnante, simulou os preços faturados com referência a um projeto financiado pelo Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN), empolando-os relativamente aos efetivamente praticados, tendo em vista o financiamento integral do investimento (RIT). III) Em 24/2/2014, na sequência da informação referida em GGG), foi emitida a Ordem de Serviço OI2...534, mediante a qual foi efetuada a ação inspetiva à impugnante, pelos Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças do ... (RIT). JJJ) Em 24/3/2015, foi enviada para a impugnante carta-aviso para comunicação prévia do início do procedimento externo de inspeção (RIT). KKK) Em 3/6/2015, tiveram início os atos de inspeção, com a assinatura da credencial pelo sócio-gerente da impugnante "JJ" (RIT). LLL) Por despacho de 14/8/2015, foi alterado o âmbito do procedimento de inspeção para geral, tendo o sócio-gerente da impugnante tido conhecimento em 18/9/2015 (RIT). MMM) A ação inspetiva referida em KKK) abrangeu os períodos de tributação relativos aos exercícios de 2012 e 2013 (RIT). NNN) Em 10/9/2015, foi instaurado o inquérito criminal n.º 8...1/...5.0IDPRT pelos Serviços de Investigação Criminal da Direção de Finanças do ... (RIT). OOO) Em 15/9/2015, os Serviços do Ministério Público de ... rececionaram cópia da participação do processo de inquérito, com o seguinte teor (fls. 405-406 do SITAF): [dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original] PPP) Pelo ofício n.º 63...506, de 26/10/2015, a impugnante tomou conhecimento do início da data da suspensão do prazo para a conclusão do procedimento de inspeção (RIT). QQQ) A Divisão de Processos Criminais Fiscais da Direção do ... informou a Fazenda Pública do seguinte: “correu termos, nessa Divisão, o Processo de Inquérito n.º 8...1/...5.0IDPRT, em que é arguida a sociedade "A... - Unipessoal, Ld.ª, o qual foi remetido ao DIAP de ..., devidamente concluído, em 26/09/2019, não sendo conhecida, até ao momento, qualquer decisão” (...) “está em causa, no referido processo, o crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo art. 104.º, n.º 2, a) do RGIT, cuja vantagem patrimonial indevida, por dedução indevida do IVA, se refere aos períodos 2012/12 (dezembro) no montante de €253.261,20; 2013/05 (maio) no montante de €289.441,48 e 2013/09 (setembro) no montante de €144.720,74” (fls. 402 do SITAF). RRR) No âmbito do processo de inquérito criminal mencionado em NNN), o Ministério Público solicitou o levantamento do sigilo bancário de AA e a identificação de todas as contas bancárias de que era titular, tendo sido solicitadas às instituições financeiras os extratos bancários das duas contas bancárias que era titular nos anos de 2012 e 2013 (RIT). SSS) No âmbito do processo de inquérito criminal mencionado em NNN), o Ministério Público solicitou o levantamento do sigilo bancário de "OO" e "JJ", tendo sido solicitadas às instituições bancárias os extratos bancários dos anos de 2012 e 2013 (RIT). TTT) O inquérito mencionado em NNN) encontra-se suspenso e ainda não está encerrado (fls. 386 e 504 do SITAF). UUU) Em 15/4/2016, o contrato de concessão de incentivos celebrado com a "A... - Unipessoal, Ld.ª, mencionado em L), foi alvo de anulação pós contrato (RIT). VVV) Em 19/4/2016, o IAPMEI emitiu uma ordem de devolução (RIT). WWW) O relatório de inspeção foi concluído em 27/10/2018, do qual consta, entre o mais, o documento de folhas 30 a 54 do PA, que correspondem a folhas 58 a 82, de folhas 108 a 273 do SITAF, cujo teor aqui se dá por reproduzido. XXX) A notificação com a demonstração de acertos de contas n.º 20...3039, de 21/11/2018, referente a IVA de dezembro de 2012, tem o seguinte teor (fls. 12 do PRG): [dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original] YYY) A notificação com a demonstração de acertos de contas n.º 20...3042, de 21/11/2018, referente a IVA de março de 2013, tem o seguinte teor (fls. 12 verso do PRG): [dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original] ZZZ) A notificação com a demonstração de acertos de contas n.º 20...3043, de 21/11/2018, referente a IVA de setembro de 2013, tem o seguinte teor (fls. 13 do PRG): [dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original] AAAA) A notificação com a demonstração de acertos de contas n.º 20...3044, de 21/11/2018, referente a IVA de setembro de 2013, tem o seguinte teor (fls. 13 verso do PRG): [dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original] BBBB) A impugnante teve conhecimento das liquidações mencionadas em XXX), YYYY), ZZZZ) e AAAA), em finais do ano de 2018 (confissão da impugnante). CCCC) Em 7/5/2019, a impugnante apresentou reclamação graciosa (fls. 1-11 verso do PRG). DDDD) Pelo ofício n.º 20...6234 de 9/7/2019, a impugnante teve conhecimento, em 15/7/2019, por carta remetida sob o registo postal RF 06...63PT, de 10/7/2019, do projeto de decisão da reclamação mencionada em P) e para, no prazo de 15 dias, exercer, querendo o direito de audição (fls. 18-23 do PRG e fls. 54 a 58 do SITAF). EEEE) A impugnante não exerceu o direito de audição (fls. 24 a 24 verso do PRG). FFFF) Pelo ofício n.º 20...3830 de 14/8/2019, a impugnante, em 19/8/2019, teve conhecimento do despacho de indeferimento, de 13/8/2019, proferido pelo Chefe de Divisão de Direção de Finanças (fls. 25 a 30 do PRG e fls. 51 a 53 do SITAF). Com relevância para a decisão da causa, julga-se não provado o seguinte facto: 1) Os valores faturados pela "B..., Lda." à impugnante correspondem, na sua totalidade, à realidade. 3.1.1) Motivação. A decisão da matéria de facto julgada provada fundou-se na análise e crítica e conjugada de toda a prova produzida nos autos, designadamente nos documentos juntos com a impugnação, as informações oficiais e demais documentos constantes dos autos e do PA, que não foram impugnados, conforme remissão feita em cada alínea da matéria de facto (arts. 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e 342.º do Código Civil (CC)), que também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do CC). Conforme especificado nas várias alíneas da matéria de facto provada, a decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, designadamente no RIT, tendo-se considerado que a prova testemunhal produzida não é suficiente para elidir ou abalar a sua força probatória. No entanto, cumpre explicitar o facto provado BBBB). Em relação a ele não foi junta qualquer prova documental, quer por parte da impugnante, quer por parte da AT, acerca da data em que a impugnante foi notificada das liquidações em causa nos autos. Contudo, a impugnante menciona, na petição inicial, que teve conhecimento das referidas liquidações no fim do ano de 2018 e como tal facto não foi impugnado pela AT, considera-se como provado o facto confessado pela impugnante, não suscitando quaisquer dúvidas ao Tribunal da veracidade da sua afirmação. Quanto à motivação da matéria de facto julgada não provada, cumpre dizer que o Tribunal entendeu que a prova produzida pela impugnante não foi suficientemente consistente para demonstrar a realidade dos factos alegados e convencê-lo dos mesmos. Tal julgamento baseou-se na falta de prova da matéria de facto alegada pela impugnante e, consequentemente, da sua atividade probatória que não fez, nem ao nível do procedimento, nem a nível judicial, já que não fez prova, nem requereu qualquer outra diligência de prova no sentido de demonstrar que as faturas emitidas pela "B..., Lda." efetivamente titulam operações económicas reais, não tendo existido qualquer simulação quanto aos preços, para obter a totalidade do incentivo europeu. “As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos” (art. 341.º do CC). A impugnante, para prova dos factos alegados, juntou prova testemunhal que não foi suficientemente consistente para comprovar os factos alegados julgados não provados. Vejamos o depoimento prestado pela testemunha arrolada, GG. Começou por referir que trabalha na área da cosmética, mais precisamente na embalagem e na assistência da maquinaria industrial e que exerce funções na impugnante, desde 2012, ano da sua fundação. Participou no desenho do projeto da impugnante, determinou qual a maquinaria que seria necessária e assumiu a abordagem no mercado e propostas para implementação do projeto. Trata-se de um projeto único a nível europeu, uma área fabril de cerca de oito mil quadrados e que necessitava de um fornecimento que garantisse uma especialização bastante grande, a um preço de acordo com aquilo que era o mercado e que fosse possível prestar um serviço de ajuda na manutenção de todo o equipamento. A ideia do projeto era criar uma unidade fabril que trabalhasse em todas as áreas da cosmética. Para elaborar o projeto, foi feito um caderno de encargos, que dividiu os blocos de cada tipo de produto e foram apresentadas várias propostas, tendo sido elaborado um relatório fundamentado sobre a sua escolha, aliás como o IAPMEI exigia. A proposta da "B..., Lda." foi escolhida, porque deu o melhor orçamento, aliás abaixo do preço de mercado, tinha o melhor conhecimento da área e prestava o acompanhamento necessário. Refere que já conhecia a "B..., Lda.", pois já tinha fornecido maquinaria a outra fábrica do gerente da impugnante. Afirmou que o projeto foi aprovado e que decorreu tudo dentro da normalidade, tendo os pagamentos sido efetuados. Referiu que a faturação tem correspondência com a proposta apresentada pela "B..., Lda.", não existindo quaisquer desvios. Se houvesse algum tipo de desvio, havia penalizações. Mencionou que quem toma decisões na impugnante é o "JJ". Posteriormente, menciona "OO", pai de "JJ", que também está presente e que toma decisões. Referiu que "OO" tinha bastante conhecimento na área da cosmética, costumava estar na impugnante e tinha maquinaria dentro da "B..., Lda.". Afirmou que quem manda na impugnante é "OO", sendo que o seu filho "JJ" trabalha na vertente comercial e no desenvolvimento do produto e vai assistindo e dirigindo outras áreas que são necessárias no dia-a-dia. Formalmente, "JJ" é gerente da impugnante, mas quem toma as decisões é o seu pai, "OO". Referiu que não há nenhuma relação familiar por parte de "OO" e "JJ" com a gerência da "B..., Lda.". Não conhece AA e BB da "B..., Lda.". Conhece "JJ", mas não existe qualquer relação familiar, entre ele próprio, "OO" e "JJ". Quando lhe foi perguntado sobre o empréstimo de €1.500.000,00 realizado pela "B..., Lda." às sócias AA e BB, respondeu que não estava a par. Sabe que foi feito um acordo, mas não sabe os seus contornos. Referiu que tem uma relação de amizade com "JJ" e que o projeto da impugnante foi desenvolvido por ambos, com o apoio de "OO" que era quem tinha um conhecimento avançado na área em causa. Ora, do depoimento prestado pela testemunha, é possível constatar várias incongruências e inexatidões. Antes de mais, a testemunha começa por dizer que foi a pessoa competente pelo desenvolvimento do projeto, pioneiro no mercado nacional, juntamente com "JJ". Foi ele que desenhou o projeto, elaborou o caderno de encargos, reuniu propostas, que as avaliou, fez o estudo de mercado e concluiu que a proposta mais vantajosa seria a apresentada pela sociedade "B..., Lda.", tendo elaborado, inclusivamente, o relatório que fundamentou, devidamente, a sua escolha, aliás como exigido pelo IAPMEI. Ou seja, daqui se retira que foi a pessoa responsável pelo impulsionamento da atividade da impugnante. Referiu que há uma relação de amizade e confiança entre si e "JJ". Contudo, após ter demonstrado todo o conhecimento que tem sobre a atividade da impugnante e da forte relação que tem com a gerência, quando lhe foi perguntado sobre a existência do empréstimo feito pela "B..., Lda.", respondeu, dizendo que não estava a par e que só sabia que havia um acordo, não conseguindo especificar os seus contornos. Esta incongruência colide frontalmente com as regras da experiência, pois sendo a pessoa competente pelo desenvolvimento do projeto e tendo assumido uma posição tão importante nele, não se entende como é que não estava a par das negociações feitas entre a impugnante e a "B..., Lda.", sociedade que foi por si escolhida para vender os equipamentos à impugnante, de entre uma panóplia de propostas apresentadas. Para mais, existindo uma relação de confiança entre si e a gerência da impugnante, seria natural que entre ambos existissem conversas sobre os contornos do negócio, bem como uma discussão de ideias, sobre todos os assuntos que dissessem respeito à impugnante. Aliás, o contrário não seria de esperar de si, pois se foi ele que impulsionou toda a atividade da impugnante, é de expectar que fosse diligente no sentido de tentar estar a par de tudo que envolvesse o projeto em causa. Tudo circunstâncias que abalam a verosimilhança do seu depoimento. Para mais, referiu que o contrato realizado com o IAPMEI foi pontualmente cumprido, quando, na verdade, não foi. De facto, consta do relatório de inspeção, através de informação prestada pelo IAPMEI, que o contrato foi anulado, uma vez que a impugnante não realizou o projeto nas condições e prazos constantes do processo de candidatura, não tendo, inclusivamente, fornecido todos os elementos que lhe foram solicitados (comprovantes da liquidação das faturas de despesas elegíveis no projeto). Acresce, ainda, que o Revisor Oficial de Contas não certificou as despesas em causa, pois a impugnante não tinha todos os documentos comprovativos da realização das despesas. Fica a dúvida de como a testemunha não sabia da anulação deste contrato, quando tomou sempre uma atitude tão pró-ativa neste projeto. Aliás, ao longo do seu depoimento, pouco mencionou o papel de "JJ", parecendo, até, que assumiu um papel secundário, pois referiu que quem tomava as decisões era "OO", seu pai. Causa, ainda, alguma estranheza a testemunha não ter conhecimento do papel importante assumido por "OO" na "B..., Lda.", pois, de acordo com as declarações prestadas por BB, constantes do relatório de inspeção, foi por esta afirmado que assinou cheques em branco, a mando de "OO", que era quem exercia a gerência de facto da "B..., Lda.". Ou seja, no fundo, "OO" tanto era gerente de facto da "B..., Lda." como da impugnante, logo a proposta apresentada pela "B..., Lda." seria, naturalmente, a escolhida. Portanto, a testemunha já saberia, de antemão, qual seria a proposta a escolher de entre as várias apresentadas e teve esse conhecimento por "OO". Assim sendo, não se entende como afirmou que não existia qualquer relação de proximidade entre a "B..., Lda." e a gerência da impugnante. Referiu apenas que a "B..., Lda." já era conhecida pela gerência da impugnante, pelo facto de já ter cedido maquinaria para outra fábrica. Por fim, a testemunha não conseguiu abalar o teor constante do relatório de inspeção, não tendo conseguido provar que as faturas emitidas pela "B..., Lda." correspondiam aos valores reais. Não conseguiu responder sobre os contornos específicos do acordo realizado entre a "B..., Lda." e a impugnante, apesar de ser um dos mentores da impugnante. Logo, a mera afirmação que os valores das faturas emitidas pela "B..., Lda." estavam de acordo com a proposta apresentada não é suficiente para comprovar a realidade dos valores. Para mais, todas as incongruências detetadas no seu depoimento abalam totalmente a credibilidade do que foi dito por si, não sendo possível ao Tribunal, colocar em causa o teor do relatório de inspeção. O depoimento da testemunha não foi credível, pautou-se por várias contradições e de afirmações que contrariam a prova documental, mais precisamente o relatório de inspeção, bem como as regras da experiência comum, sobretudo quando ponderamos que a testemunha se recordava de tudo e estava dentro de todos os assuntos que corroboravam as alegações da impugnante e desconhecia ou não se recordava de nada do que pudesse infirmar ou abalar essa versão. Tudo conjugado, o Tribunal entende que a impugnante não fez prova bastante do facto essencial alegado por si e sobre quem recaía o respetivo ónus da prova (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 342.º do CC), pelo que tal facto teve de ser julgado contra si (art. 414.º do CPC), isto é, teve de ser julgado não provado. A restante matéria alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não relevar para a decisão da causa.» 2.2. De direito A Recorrente ("A... - Unipessoal, Ld.ª) insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA, do exercício de dezembro de 2012, maio e setembro de 2013 e respetivos juros compensatórios, no valor global de € 687.505,54, na sequência do indeferimento de reclamação graciosa contra as mesmas liquidações, liquidações essas, efectuadas pela AT, tendo por base a desconsideração como imposto dedutível o IVA constante de facturas emitidas pela sociedade “"B..., Lda."”, com o fundamento, em síntese, de que apesar de terem sido realizadas as operações económicas descritas nas respectivas facturas, ocorreu simulação pois os preços realmente praticados são inferiores aos constantes das facturas, que nestes documentos se mostram manifestamente empolados – “preços simulados”. Fundamentou a recorrente a sua impugnação, imputando às liquidações ilegalidades que se reconduzem: (i) a caducidade do direito à liquidação; (ii) a falta de adequada fundamentação; (iii) a violação do preceituado no art.º 19.º, n.º 3, do CIVA por erro nos respectivos pressupostos; (iv) a errada interpretação e aplicação do preceituado no mesmo art.º 19.º, n.º 3, do CIVA ao ser desconsiderada a totalidade do IVA deduzido, não obstante ter a AT considerado estarem na sua base operações efectivas, alegadamente simuladas quanto ao valor (preço) e, (v) da errada interpretação do n.º 3 do art.º 19.º do CIVA a propósito da desconsideração da totalidade do IVA mencionado nas facturas e não só na parte correspondente aos preços alegadamente empolados, é colocada a questão da sua conformidade com o direito comunitário, de tal modo que, no caso de o Tribunal acompanhar a posição da AT, com rejeição do entendimento da Impugnante, estão verificadas as condições para que, nos termos do art.º 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, seja feito o (vi) reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia A todas estas questões, suscitadas pelo sujeito passivo, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel deu resposta negativa. O sujeito passivo, inconformado, recorreu, reiterando os fundamentos invocados na petição inicial e discordando da sentença na medida em que os não atendeu ao por si avocado. Assim, as questões a apreciar e decidir são as que deixámos enumeradas no ponto 1.4. que passaremos a conhecer de seguida. Quanto à ordem de conhecimento dos vícios – erro de julgamento da matéria de facto (decorrente do pedido de correcção dos factos identificados – D., UUU. e VVV., e aditamento ao probatório do facto único dado como “não provado”) e erro de julgamento de direito - imputados à sentença, tendo em conta o artigo 124º do CPPT, começaremos por analisar a caducidade do direito à liquidação, mantendo no mais a ordem sequencial apresentada pelo recorrente e seguida na sentença sob recurso, a excepção da falta de fundamentação que para cabal compreensão invertemos o seu conhecimento. 2.2.1. Da caducidade do direito à liquidação. A Recorrente imputa ao julgamento do tribunal a quo, que incidiu sobre o por si alegado vício de caducidade do direito à liquidação, erro de julgamento, decorrente da errada interpretação e violação do preceituado no art.º 45.º, n.ºs 1, 4 e 5, da LGT e art.º 36.º, n.º 5, do RCPITA (conclusão C)). Se bem que em sede de conclusões a alusão do erro seja genérica, ou seja, desprovida de concretização, em sede de alegações, mais concretamente pontos 97 a 133, procuramos encontrar, com acrescida dificuldade, a razão de ser da errada interpretação, radicando a mesma em “... (estarem) em causa liquidações de IVA relativas aos anos de 2012 e 2013, são inaplicáveis tais disposições legais, pelo que inexiste causa operante de suspensão do prazo de caducidade” pois “(...) Importa, no entanto, ter em consideração que o n.º 1 do art.º 46.º da LGT transcrito tem a redação dada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, que aditou o texto “acrescido do período em que esteja suspenso o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção”, que não constava da redacção anterior.”, mais refere que “(...).Importa igualmente verificar que, por outro lado, a transcrita al. c) do n.º 5 do art.º 36.º da LGT foi aditada pela Lei n.º 75-A/2014, de 30 de setembro.”, afirmações estas convocadas a par da questão primordial, qual seja, a da não aplicação do artigo 45º n.º 5 da LGT por inexistência de prejudicialidade entre o apuramento dos factos no inquérito e as liquidações impugnadas. Recuperando a tese do Recorrente que emerge da petição inicial, temos que o mesmo considera que aquando da notificação das liquidações, já tinha caducado o respetivo direito. Para tanto, considera que, ao inexistirem causas de suspensão ou de alargamento do prazo de caducidade, nos termos do artigo 45.º, n.ºs 1 e 4, da LGT, o direito à liquidação caduca se não for efetuada a notificação válida no prazo de 4 anos contados a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto. Assim, tendo as liquidações sido notificadas em finais de 2018, já há muito teria ficado completo o prazo de caducidade: 31 de dezembro de 2016, quanto ao ano de 2012, e 31 de dezembro de 2017, quanto ao ano de 2013. Mas para chegar a tal conclusão, advoga, pela não aplicação do n.º 5 do artigo 45.º da LGT, pois entende que este normativo se encontra limitado aos casos de liquidações respeitantes a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, não se estendendo aos casos de liquidações respeitantes a factos que, supervenientemente, passem a integrar o objeto do inquérito. Afirma que o relatório de inspeção não fornece os elementos que permitem apurar a factualidade, uma vez que refere apenas que o inquérito criminal foi instaurado em 10.09.2015, sem qualquer especificação dos factos respetivos. Entende que a aplicação do n.º 5 do artigo 45.º da LGT é limitada àqueles casos em que haja uma relação de prejudicialidade entre os factos a que respeite a liquidação do imposto e os factos apurados no inquérito criminal, de tal modo que aquela liquidação só possa ter lugar depois e em função do apuramento factual nesse inquérito, ou seja, é imprescindível que se esteja perante uma situação em que a liquidação do imposto dependa dos factos investigados em processo crime. Em suma, alega que não é aplicável o alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação, quando: i) a liquidação preceda o encerramento do inquérito; ii) a liquidação não se baseie ou não dependa de factos apurados em inquérito criminal sendo que tal apuramento só se pode ter por efetuado depois de encerrado o inquérito; e iii) o processo penal fiscal, com fundamento na existência de questão prejudicial em matéria tributária, esteja suspenso nos termos do artigo 47.º do RGIT. No caso, entende que as liquidações em nada dependeram do apuramento de factos no inquérito, pois foram efetuadas antes do encerramento do inquérito, tendo os factos que as determinaram sido apurados em procedimento normal de inspeção tributária e não no inquérito. Vejamos, se de modo dogmático logramos afastar a pertinência da Recorrente em não aceitar o julgamento da enunciada questão. Estando em causa liquidações adicionais de IVA dos períodos de dezembro de 2012, maio de 2013 e setembro de 2013 e a Recorrente apenas foi notificada destas em finais de 2018 (factos provados XXX), YYY), ZZZ), AAAA), BBBB)), conforme se conclui na sentença sob recurso e não é colocado em questão, pelo que em condições normais o direito de liquidar já estaria caducado. Pois, que o início do prazo para a administração tributária proceder às liquidações respetivas tem lugar em 1 de janeiro de 2013, em relação à liquidação de dezembro 2012 e 1 de janeiro de 2014, em relação às liquidações de maio e setembro de 2013, vindo a terminar em 31 de dezembro de 2016 e 31 de dezembro de 2017, respetivamente. Contudo, na redacção introduzida pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro, o artigo 45.º, da LGT [de acordo com o disposto no n. º2 do artigo 57.º da Lei n. º60-A/2005, de 30 de dezembro, o disposto no aditado n. º5 é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data da entrada em vigor da referida lei, isto é, 01.01.2006, o qual não sofreu qualquer alteração de aplicação aos autos] tinha a seguinte redacção: «1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro. (...) 4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário. 5 - Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano. (...)». Temos, portanto, que “O n.º 5 do art. 45.º da LGT dispõe: «Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano». Ou seja, quando a liquidação se refira a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo do n.º 1 do art. 45.º da LGT é alargado, passando o seu termo final a situar-se um ano depois do termo do processo-crime, seja por arquivamento do inquérito ou por trânsito em julgado da sentença proferida no processo criminal. Bem se compreende a teleologia da norma: como dizem NUNO VICTORINO e JOÃO RICARDO CATARINO, com a introdução do citado n.º 5 «põe-se […] um ponto final numa dificuldade prática que vinha sendo sentida pela Administração Tributária e que resultava do facto de ser impossível (por já ter caducado), proceder à liquidação de tributos fiscais quando pela demora decorrente da investigação criminal tributária ou do processo penal tributário se tivessem ultrapassado os prazos constantes do n.º 1 do referido artigo 45.º (ou seja quatro anos)», sendo, no entanto, que «[o] preceito […] só se tornará necessário quando os mecanismos consagrados no RGIT, por alguma circunstância estranha e não prevista pelo legislador, falhem e não se consiga produzir em tempo útil a almejada liquidação tributária antes de terminar o inquérito» (A evolução do RGIT — Regime Geral das Infracções Tributárias — nas leis de orçamento de estado para 2005 e 2006, Fiscalidade, n.º 25, Janeiro-Março 2006, Instituto Superior de Gestão, págs. 182 e 186, respectivamente.). Como ficou dito no acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Dezembro de 2017, proferido no processo com o n.º 73/16 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/21d109b85f196d09802581f5003ab886.), «a norma prevista no n.º 5 do artigo 45.º da LGT resulta da necessidade de garantir uma boa decisão da causa em matéria fiscal, aguardando-se assim o desfecho dos inquéritos ou dos processos-crime em que o facto tributário se encontra em discussão. Ou seja, o inquérito criminal teve por objecto a averiguação da eventual prática de crimes fiscais relacionados com a matéria objecto da Inspecção Tributária e da liquidação subsequente – independentemente de o agente que praticou o crime ser o sujeito passivo do imposto» (Neste acórdão discutia-se se, para efeitos do alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no n.º 5 do art. 45.º da LGT, se exigia, a par de uma “identidade objectiva”, entre facto tributário e facto objecto de inquérito criminal, uma identidade subjectiva, entre o arguido ou agente e o sujeito passivo de imposto, tendo o acórdão respondido negativamente.).” (vide acórdão do STA de 08.09.2021, proferido no âmbito do processo 319/10.2BESNT). In casu, é indiscutível a identidade subjectiva e factual subjacente ao acto tributário de liquidação e à investigação criminal – identidades essas mencionadas pelo Juiz do Tribunal a quo aquando da apreciação da caducidade do direito a liquidar, nos seguintes termos, que aqui recuperamos: «No caso dos autos, em 3/6/2015, tiveram início os atos de inspeção ao abrigo da Ordem de Serviço OI2...534 (factos provados KKK), LLL) e MMM)), sendo que, em 10/9/2015, foi instaurado o inquérito criminal n.º 8...1/...5.0IDPRT (facto provado NNN)), o qual se encontra suspenso, nos termos do art. 47.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), não tendo ainda sido encerrado (facto provado TTT)). Neste processo de inquérito, está em causa o crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelo art. 104.º, n.º 2, alínea a), do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), cuja vantagem patrimonial indevida, por dedução indevida do IVA, se refere aos períodos 2012/12 (dezembro) no montante de €253.261,29; 2013/05 (maio) no montante de €289.441,48 e 2013/09 (setembro) no montante de €144.720,74 (factos provados OOO) e QQQ)). Do relatório de inspeção tributária resultaram correções a nível de IVA, quanto às declarações periódicas de 2012/12, no valor de €253.261,29; 2013/05, no valor de €289.441,48; e 2013/09, no valor de €144.720,74 (facto provado WWW)). Daqui se depreende que tanto o processo de inquérito como a presente impugnação se referem, exatamente, às mesmas liquidações de IVA (valor e exercícios), pelo que não pode deixar de considerar-se que, em ambos os processos, estão em causa os mesmos factos. Para mais, foi no âmbito do processo de inquérito, o qual teve por base as conclusões preliminares no procedimento de inspeção em curso e a informação recebida pela Direção de Finanças de ..., que o Ministério Público solicitou o levantamento do sigilo bancário de "OO" (pai do gerente da impugnante), AA (sócia da "B..., Lda.") e a "JJ", sócio-gerente da impugnante, com o propósito de verificar os extratos bancários e da simulação dos preços dos equipamentos faturados pela "B..., Lda." à impugnante, nos anos de 2012 e 2013, na tentativa de obtenção de incentivos do IAPMEI. Foi na sequência deste levantamento do sigilo bancário que foi possível à AT confirmar todos os movimentos bancários entre as diversas entidades referidas, informação fulcral para a conclusão do relatório de inspeção tributária e consequentes correções em matéria de IVA (factos provados RRR), SSS) e WWW)). De facto, em 10/4/2018, no âmbito do procedimento de inspeção, foi solicitado, a "OO", autorização para consulta dos documentos bancários, relativos às contas em que figurava ou tenha figurado como titular, no período compreendido entre 1/1/2012 e 31/12/2013. Este não se mostrou disponível para autorizar o acesso às suas contas bancárias, pelo que, em sede dos autos de inquérito criminal, foi levantado o sigilo bancário a "OO". O mesmo sucedeu com "JJ" (factos provados SSS) e WWW)). Na verdade, o relatório de inspeção revela, de forma clara, a factualidade essencial que é comum à inspeção tributária e ao inquérito criminal, que se consubstancia, mormente, na existência de fortes indícios dos elementos relativos à simulação do negócio entre a "B..., Lda." e a impugnante averiguados no inquérito criminal que serviram de base à demonstração da simulação do preço para obter financiamento do IAPMEI e da indevida dedução do IVA respetivo. Estamos, pois, perante exatamente os mesmos factos, mas com consequências diferentes. No processo de inquérito, pretende averiguar-se a existência do crime, no caso a fraude fiscal qualificada prevista e punida pelo art. 104.º, n.º 2, alínea b), do RGIT e o crime de fraude na obtenção do subsídio, ao passo que na presente impugnação judicial, pretende ressarcir-se o erário público do imposto de IVA que não foi devidamente entregue, em consequência de deduções não admissíveis por lei, quando verificadas determinadas condições que, no caso em concreto, se subsumem a operações simuladas (art. 19.º, n.º 3, do CIVA). Assim, entendemos que existe uma relação de prejudicialidade entre os factos a que respeitam as liquidações de IVA e os factos apurados no inquérito criminal, de tal modo que as liquidações, em causa, só tiveram lugar depois do apuramento factual nesse inquérito, ou seja, estamos perante uma situação em que a liquidação do imposto dependeu dos factos investigados em processo crime, mais precisamente depois de ter acesso a toda a informação dos extratos bancários, apurada em sede do processo de inquérito criminal.» (fim de citação) Concordamos com a bondade do assim decido, é que a exigência, a que alude a doutrina e jurisprudência, passa pela existência de um elo directo entre os factos investigados no processo crime e os factos que permitem apurar o facto tributário, a imposição passa pela existência de “identidade objectiva” ou “identidade factual”, e in casu ela está mais do que demonstrada e, nada de novo, quer em sede de argumentação ou valoração factual a Recorrente alega ou demonstra susceptível de abalar aplicação do n.º 5 do artigo 45º da LGT. Cumpre, no entanto, perante o alegado, esclarecer alguns pontos de aplicação do regime de caducidade do direito à liquidação decorrente da abertura sucedânea de processo de inquérito, ultrapassada a questão da existência de identidade. Qual seja, se o n.º 5 do artigo 45º só é aplicável aos casos em que a instauração do inquérito criminal tenha antecedido o início do procedimento inspectivo? Da conjugação daquele preceito, com o disposto na alínea c) do n.º 5 do artigo 36º do RCPITA? Sobre tais questões pronunciou-se o acórdão deste TCA Norte de 15.09.2022, proferido no âmbito do processo n.º 241/19.7BEPRT, em que fomos relatora, e que aqui reproduzimos. “Ora, com todo o respeito que nos merece a tese defendida pela Recorrente, a letra da lei não consente a interpretação que ali e aqui defende. A previsão legal refere «o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal» (artigo 45º n.º 5 da LGT); no texto não encontramos qualquer referência ou alusão, ainda que remota ou implícita, que permita concluir que o legislador pretendeu que o alargamento do prazo do direito à liquidação aí consagrado se aplicasse exclusivamente ao inquérito criminal instaurado em momento prévio ao processo inspectivo, com absoluta aderência à máxima de que ubi lex non distinguet, nec nos distinguere debemus. É que, a única referência efectuada pelo legislador é que a liquidação respeite a factos por que foi instaurado inquérito criminal, sem qualquer outra menção ou referência que possa ser convocada em abono da tese da Recorrente como podendo constituir o “mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” requerido pelo n.º 2 do artigo 9.º do CC, no sentido de que os inquéritos aí previstos são tão só aqueles que já existissem aquando do início da acção de inspecção externa (despacho que a determine) «[N]ão se pode, na interpretação, transcender a linguagem, a construção linguística (sintáctico-formal) para afirmar um resultado que não resulte expresso.// Verifica-se, pois, uma conexão essencial entre linguagem expressiva e conteúdo expresso. Seja qual for o objecto que se pretende atribuir à norma, quando não resultar expresso no contexto lógico-literal ou quando não apreça suficientemente definível com base no próprio contexto, o objecto deve considerar-se não significado» (Diogo Leite De Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita Editora, 4.ª edição, 2012, anotação 1 ao art. 11.º, pág. 120).). Se a intenção do legislador fosse, como sustenta a Recorrente, a de que «o n.º 5 do artigo 45º da LGT não se aplica ao caso concreto porque esta norma só se aplica quando o processo de inquérito criminal é instaurado antes do procedimento de inspeção tributária», por certo teria encontrado um modo de expressar esse desígnio na letra da lei (cf. n.º 3 do art. 9.º do CC), delimitando o campo de aplicação ou determinando um regime distinto de suspensão dependente do momento em que ocorre abertura do inquérito criminal em contraposição com a data de início da acção de inspecção. (...) A sustação, ou qualquer atraso no inquérito da incumbência da autoridade judiciária não logra qualquer relevância na relação jurídico-tributária e na obrigação da AT de prosseguir com a inspecção e recolha de elementos que lhe permitam concluir a mesma e emitir liquidação se a ela houver lugar em prol dos princípios da legalidade e justiça tributária. Como salienta o Prof. Germano Marques da Silva, «O facto gerador da responsabilidade tributária é autónomo da responsabilidade criminal: a obrigação tributária existe independentemente do crime e por isso que a extinção da responsabilidade penal tributária, seja qual for o seu fundamento, não implica por si só a extinção da responsabilidade pelo pagamento da prestação tributária» (Direito Penal Tributário, Universidade Católica Editora, 2.ª edição revista e ampliada, pág. 119.). Perante a autonomia entre a responsabilidade criminal e a responsabilidade tributária, a liquidação tem mera natureza declarativa, que não constitutiva, da obrigação tributária, ou seja, a liquidação não é senão a «aplicação de uma norma tributária material, praticada por um órgão da Administração» (Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Livraria Almedina, 1972, págs. 83 a 92) e que «define o conteúdo das posições jurídicas do Estado e do Contribuinte, concretizando, para o primeiro, o direito a receber uma prestação pecuniária de determinado montante, e, para o segundo, o dever de a prestar» (Cardoso Da Costa, Curso de Direito Fiscal, pág. 414.); não pode a existência de um inquérito criminal, obstar a que a Administração Tributária, no exercício das competências que lhe estão legalmente cometidas [cf. artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do CPPT], proceda à liquidação do imposto que se mostrar devido, o que inclui o antes, durante e após o termo do processo penal. É porque se mantém essa obrigação de imposto – haja ou não a prática de um crime tributário – e prevenindo as demoras que a investigação, por norma e em razão da sua complexidade, exige, que o legislador entendeu permitir, aditando ao artigo 45.º da LGT um n.º 5 (Através do artigo 57.º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2006), que, ao prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no n.º 1 desse artigo, se somasse mais um ano a contar do arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, tudo nos termos que deixámos referidos supra. Ou seja, porque a obrigação de imposto se mantém, independentemente da prática do crime tributário, para garantir a liquidação dos impostos evadidos, tendo em conta a complexidade geralmente associada à investigação da criminalidade tributária, o legislador terá adoptado como solução o alargamento do prazo de caducidade da liquidação do imposto respeitante a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal. Alargamento esse que, como deixámos dito, se deve verificar, quer o processo penal seja por crime comum quer seja por crime tributário; ponto é que a liquidação se refira a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal. Assim, contrariamente ao que alega a recorrente da aplicação do artigo 45º n.º 5 conjugado com o n.º 1, do artigo 46º, ambos da LGT, e da alínea c) do n.º 5 do artigo 36º do RCPITA, não ocorre violação do princípio da primazia da jurisdição fiscal para apreciação das questões tributárias (artigo 213º, n.º 2 da CRP) na aplicação e interpretação daquelas de que a instauração do processo de inquérito criminal referente a um crime tributário cuja qualificação criminal dependa da questão fiscal suspende a contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação até ao término do processo crime e, desse modo, a questão fiscal seja conhecida no processo crime. Cremos que perante o transcrito, dúvidas não persistem de que falecem os argumentos esgrimidos pela Recorrente para lograr a caducidade do direito às liquidações adicionais de IVA impugnadas, aliás refira-se os mesmos que foram avocados em sede de petição inicial. Improcede, pois, o recurso, nesta parte. 2.2.2. Do erro de julgamento de facto Da conjugação do regime enunciado nos artigos 637.º, n.º2, 640.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 641.º, n.º2, al. b) e 662.º do CPC, ex vi artigo 281º do CPPT, o Tribunal ad quem tem de efetuar um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, considerando os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da 1.ª Instância, formando a sua convicção autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e recorrendo a presunções judiciais ou naturais. No entanto, o recurso da matéria de facto restringe-se à matéria impugnada, estando subtraída ao campo de cognição do tribunal de apelação a matéria de facto fixada que não seja alvo de impugnação em princípio (pois, poderá ocorrer a expurgação de factos conclusivos e/ou contenham menções de direito, por ex.), e tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao Recorrente é exigido, como correlativos dos princípios da auto responsabilidade, cooperação, lealdade e boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu o Tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desse ónus, indicar não só a matéria de facto que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, reclama que tivesse sido proferida, os concretos meios de prova que ancoram essa solução diversa, com a respetiva análise critica, isto, com a indicação do porquê dessa prova impor decisão diversa daquela que foi julgada pelo Tribunal a quo ( artigo 640.º, n.º1, al. a) do CPC). Assinale-se que é firme entendimento jurisprudencial que o direito à impugnação da matéria de facto não subsiste, mas antes assume um caráter instrumental face à decisão de mérito do pleito. O princípio da limitação dos actos, consagrado no artigo 130.º do CPC, tem de ser observado em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto se a análise da situação concreta, ponderadas as várias soluções de direito plausíveis, evidenciar que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projete na decisão de mérito. Ora, in casu, a Recorrente cumpriu com os ónus que sobre si impendiam em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto levado a cabo pela 1.ª instância, na medida em que indica nas conclusões a concreta matéria de facto que impugna e indica, na motivação (alegações), os meios de prova que, na sua perspectiva, impõem esse julgamento de facto discordante que postula. Vejamos. A Recorrente impugna o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal de 1.ª instância nos seguintes pontos: « a) na alínea D) do probatório é dado erradamente como provado que “"OO", gerente de facto da "B..., Lda.", é pai do sócio gerente da impugnante”, no segmento “"OO", gerente de facto da "B..., Lda."” b) na verdade, "OO", sendo pai do sócio gerente da impugnante, não é gerente de facto da "B..., Lda." c) na referida al. D) do probatório deveria constar unicamente: “"OO" é pai do sócio gerente da impugnante” d) Como decorrência do que se alega a propósito do erro de julgamento incidente sobre a al. D) do probatório e tendo por base os mesmos elementos probatórios, deve o Tribunal aditar ao probatório novo ponto, com a seguinte redacção: “São sócias e gerentes de direito da "B..., Lda.", AA e BB, sendo gerentes de facto "JJ" e CC” e) o facto dado como provado sob a alínea HHH) do probatório enferma de erro de julgamento quando interpretado no sentido de que assimila como facto provado a conclusão extraída pela AT pela existência de fortes indícios que a "B..., Lda.", em conluio com a impugnante, simulou os preços faturados com referência a um projeto financiado pelo Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN), empolando-os relativamente aos efetivamente praticados, tendo em vista o financiamento integral do investimento (RIT) f) foi erradamente dado como provado – e deveria ser omitido ao probatório ou dado como não provado – o facto descrito sob a alínea UUU) do probatório: “Em 15/4/2016, o contrato de concessão de incentivos celebrado com a "A... - Unipessoal, Ld.ª, mencionado em L), foi alvo de anulação pós contrato” g) com os mesmas provas e os mesmo fundamentos do que se alega para a alínea anterior, foi erradamente dado como provado – e deveria ser omitido ao probatório ou dado como não provado – o facto descrito sob a alínea VVV) do probatório: “Em 19/4/2016, o IAPMEI emitiu uma ordem de devolução” h) foi erradamente dado como não provado – quando deveria ter sido dado como provado – que “Os valores faturados pela "B..., Lda." à impugnante correspondem, na sua totalidade, à realidade”» Em suma, condensando as pretensões da Recorrente, temos que a mesma pretende que o item D) do probatório seja expurgado da afirmação que nele está contida de que “"OO", gerente de facto da "B..., Lda."”, por considerar que tal asserção não decorre do depoimento da testemunha e do RIT. Que decorrente dos elementos documentais existentes e conforme consta do RIT seja, aquele item D) concretizado com menção expressa de quem são os sócios gerentes da "B..., Lda." e seus gerentes de facto. Que o item HHH) enferma de erro de julgamento quando interpretado no sentido de que assimila como facto provado a conclusão extraída pela AT da existência de fortes indícios do conluio. Do erro de julgamento ao incluir no probatório o teor dos itens UUU) e VVV) extraídos do RIT, sem suporte documental. E, por último que o facto não provado, deveria ter sido dado como provado, qual seja, de que “Os valores faturados pela "B..., Lda." à impugnante correspondem, na sua totalidade, à realidade”, por considerar que decorre do depoimento da testemunha o qual foi incorrectamente desconsiderado pelo tribunal. O Mmo. Juiz a quo motivou a decisão da matéria de facto, no que ora importa, nos seguintes termos: «Quanto à motivação da matéria de facto julgada não provada, cumpre dizer que o Tribunal entendeu que a prova produzida pela impugnante não foi suficientemente consistente para demonstrar a realidade dos factos alegados e convencê-lo dos mesmos. Tal julgamento baseou-se na falta de prova da matéria de facto alegada pela impugnante e, consequentemente, da sua atividade probatória que não fez, nem ao nível do procedimento, nem a nível judicial, já que não fez prova, nem requereu qualquer outra diligência de prova no sentido de demonstrar que as faturas emitidas pela "B..., Lda." efetivamente titulam operações económicas reais, não tendo existido qualquer simulação quanto aos preços, para obter a totalidade do incentivo europeu. “As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos” (art. 341.º do CC). A impugnante, para prova dos factos alegados, juntou prova testemunhal que não foi suficientemente consistente para comprovar os factos alegados julgados não provados. Vejamos o depoimento prestado pela testemunha arrolada, GG. Começou por referir que trabalha na área da cosmética, mais precisamente na embalagem e na assistência da maquinaria industrial e que exerce funções na impugnante, desde 2012, ano da sua fundação. Participou no desenho do projeto da impugnante, determinou qual a maquinaria que seria necessária e assumiu a abordagem no mercado e propostas para implementação do projeto. Trata-se de um projeto único a nível europeu, uma área fabril de cerca de oito mil quadrados e que necessitava de um fornecimento que garantisse uma especialização bastante grande, a um preço de acordo com aquilo que era o mercado e que fosse possível prestar um serviço de ajuda na manutenção de todo o equipamento. A ideia do projeto era criar uma unidade fabril que trabalhasse em todas as áreas da cosmética. Para elaborar o projeto, foi feito um caderno de encargos, que dividiu os blocos de cada tipo de produto e foram apresentadas várias propostas, tendo sido elaborado um relatório fundamentado sobre a sua escolha, aliás como o IAPMEI exigia. A proposta da "B..., Lda." foi escolhida, porque deu o melhor orçamento, aliás abaixo do preço de mercado, tinha o melhor conhecimento da área e prestava o acompanhamento necessário. Refere que já conhecia a "B..., Lda.", pois já tinha fornecido maquinaria a outra fábrica do gerente da impugnante. Afirmou que o projeto foi aprovado e que decorreu tudo dentro da normalidade, tendo os pagamentos sido efetuados. Referiu que a faturação tem correspondência com a proposta apresentada pela "B..., Lda.", não existindo quaisquer desvios. Se houvesse algum tipo de desvio, havia penalizações. Mencionou que quem toma decisões na impugnante é o "JJ". Posteriormente, menciona "OO", pai de "JJ", que também está presente e que toma decisões. Referiu que "OO" tinha bastante conhecimento na área da cosmética, costumava estar na impugnante e tinha maquinaria dentro da "B..., Lda.". Afirmou que quem manda na impugnante é "OO", sendo que o seu filho "JJ" trabalha na vertente comercial e no desenvolvimento do produto e vai assistindo e dirigindo outras áreas que são necessárias no dia-a-dia. Formalmente, "JJ" é gerente da impugnante, mas quem toma as decisões é o seu pai, "OO". Referiu que não há nenhuma relação familiar por parte de "OO" e "JJ" com a gerência da "B..., Lda.". Não conhece AA e BB da "B..., Lda.". Conhece "JJ", mas não existe qualquer relação familiar, entre ele próprio, "OO" e "JJ". Quando lhe foi perguntado sobre o empréstimo de €1.500.000,00 realizado pela "B..., Lda." às sócias AA e BB, respondeu que não estava a par. Sabe que foi feito um acordo, mas não sabe os seus contornos. Referiu que tem uma relação de amizade com "JJ" e que o projeto da impugnante foi desenvolvido por ambos, com o apoio de "OO" que era quem tinha um conhecimento avançado na área em causa. Ora, do depoimento prestado pela testemunha, é possível constatar várias incongruências e inexatidões. Antes de mais, a testemunha começa por dizer que foi a pessoa competente pelo desenvolvimento do projeto, pioneiro no mercado nacional, juntamente com "JJ". Foi ele que desenhou o projeto, elaborou o caderno de encargos, reuniu propostas, que as avaliou, fez o estudo de mercado e concluiu que a proposta mais vantajosa seria a apresentada pela sociedade "B..., Lda.", tendo elaborado, inclusivamente, o relatório que fundamentou, devidamente, a sua escolha, aliás como exigido pelo IAPMEI. Ou seja, daqui se retira que foi a pessoa responsável pelo impulsionamento da atividade da impugnante. Referiu que há uma relação de amizade e confiança entre si e "JJ". Contudo, após ter demonstrado todo o conhecimento que tem sobre a atividade da impugnante e da forte relação que tem com a gerência, quando lhe foi perguntado sobre a existência do empréstimo feito pela "B..., Lda.", respondeu, dizendo que não estava a par e que só sabia que havia um acordo, não conseguindo especificar os seus contornos. Esta incongruência colide frontalmente com as regras da experiência, pois sendo a pessoa competente pelo desenvolvimento do projeto e tendo assumido uma posição tão importante nele, não se entende como é que não estava a par das negociações feitas entre a impugnante e a "B..., Lda.", sociedade que foi por si escolhida para vender os equipamentos à impugnante, de entre uma panóplia de propostas apresentadas. Para mais, existindo uma relação de confiança entre si e a gerência da impugnante, seria natural que entre ambos existissem conversas sobre os contornos do negócio, bem como uma discussão de ideias, sobre todos os assuntos que dissessem respeito à impugnante. Aliás, o contrário não seria de esperar de si, pois se foi ele que impulsionou toda a atividade da impugnante, é de expectar que fosse diligente no sentido de tentar estar a par de tudo que envolvesse o projeto em causa. Tudo circunstâncias que abalam a verosimilhança do seu depoimento. Para mais, referiu que o contrato realizado com o IAPMEI foi pontualmente cumprido, quando, na verdade, não foi. De facto, consta do relatório de inspeção, através de informação prestada pelo IAPMEI, que o contrato foi anulado, uma vez que a impugnante não realizou o projeto nas condições e prazos constantes do processo de candidatura, não tendo, inclusivamente, fornecido todos os elementos que lhe foram solicitados (comprovantes da liquidação das faturas de despesas elegíveis no projeto). Acresce, ainda, que o Revisor Oficial de Contas não certificou as despesas em causa, pois a impugnante não tinha todos os documentos comprovativos da realização das despesas. Fica a dúvida de como a testemunha não sabia da anulação deste contrato, quando tomou sempre uma atitude tão pró-ativa neste projeto. Aliás, ao longo do seu depoimento, pouco mencionou o papel de "JJ", parecendo, até, que assumiu um papel secundário, pois referiu que quem tomava as decisões era "OO", seu pai. Causa, ainda, alguma estranheza a testemunha não ter conhecimento do papel importante assumido por "OO" na "B..., Lda.", pois, de acordo com as declarações prestadas por BB, constantes do relatório de inspeção, foi por esta afirmado que assinou cheques em branco, a mando de "OO", que era quem exercia a gerência de facto da "B..., Lda.". Ou seja, no fundo, "OO" tanto era gerente de facto da "B..., Lda." como da impugnante, logo a proposta apresentada pela "B..., Lda." seria, naturalmente, a escolhida. Portanto, a testemunha já saberia, de antemão, qual seria a proposta a escolher de entre as várias apresentadas e teve esse conhecimento por "OO". Assim sendo, não se entende como afirmou que não existia qualquer relação de proximidade entre a "B..., Lda." e a gerência da impugnante. Referiu apenas que a "B..., Lda." já era conhecida pela gerência da impugnante, pelo facto de já ter cedido maquinaria para outra fábrica. Por fim, a testemunha não conseguiu abalar o teor constante do relatório de inspeção, não tendo conseguido provar que as faturas emitidas pela "B..., Lda." correspondiam aos valores reais. Não conseguiu responder sobre os contornos específicos do acordo realizado entre a "B..., Lda." e a impugnante, apesar de ser um dos mentores da impugnante. Logo, a mera afirmação que os valores das faturas emitidas pela "B..., Lda." estavam de acordo com a proposta apresentada não é suficiente para comprovar a realidade dos valores. Para mais, todas as incongruências detetadas no seu depoimento abalam totalmente a credibilidade do que foi dito por si, não sendo possível ao Tribunal, colocar em causa o teor do relatório de inspeção. O depoimento da testemunha não foi credível, pautou-se por várias contradições e de afirmações que contrariam a prova documental, mais precisamente o relatório de inspeção, bem como as regras da experiência comum, sobretudo quando ponderamos que a testemunha se recordava de tudo e estava dentro de todos os assuntos que corroboravam as alegações da impugnante e desconhecia ou não se recordava de nada do que pudesse infirmar ou abalar essa versão.» (fim de transcrição) O que ressalta da extensa motivação sobre a credibilidade do depoimento da testemunha, a única critica que lhe pode ser apontada é o ter sido criterioso e ter enunciando todas as questões que se lhe suscitaram sobre o depoimento prestado, perante as pretensões de prova da Recorrente, não se bastando com o que retirou e valorou do depoimento, como normalmente acontece. Daqui resulta, contrariamente ao argumentado pela Recorrente, que o Tribunal a quo ponderou toda a prova produzida sobre os factos em causa, privilegiando a prova documental recolhida pelos serviços de inspecção tributária e junta aos autos, e valorizando a prova testemunhal mais conforme com aquela e com as regras de experiência. Procedemos à reapreciação da prova testemunhal produzida nos autos, através da audição do registo magnético do depoimento da testemunha inquirida, e da prova documental (RIT, seus anexos e Reclamação Graciosa). Vejamos, então, cada um dos factos pretendidos expurgar e aditar à matéria de facto assente, de per si. No que respeita ao item D) a razão está do lado da Recorrente. Efectivamente, na motivação Tribunal a quo em momento algum estabelece qualquer correlação entre o depoimento da testemunha e o levado ao probatório, com relevo “"OO", ser gerente de facto da "B..., Lda."”, e a única referência em sede de motivação desse ponto decorre do RIT (fls. 28 a 54 do PA apenso). Ora, de uma leitura atenta de todo o RIT dele emerge com toda a certeza a existência de uma relação entre "OO" (pai) e a "B..., Lda.", nomeadamente com as suas sócias gerentes atento o fluxo de movimentos financeiros, emissão de vários cheques por aquelas a favor de "OO" (pai do sócio-gerente da "A... - Unipessoal, Ld.ª), mas em momento algum se alude a uma “gerência de facto” deste em relação à "B..., Lda.". Aliás, o que decorre do RIT é que a gerência de facto da "B..., Lda." era exercida por CC e "JJ", companheiros das sócias (vide item C) do probatório) os quais se encontravam insolventes. Mais, do depoimento da testemunha, por nós perscrutado, em momento algum a testemunha alude a tal gerência de facto, reconhece isso sim, a gerência de facto, tomadas de decisões por parte de "OO" (pai) com referência à Impugnante, alias sempre presente, como refere, por ser o homem com experiência no sector, e apenas menciona que era este que detinha os conhecimentos junto da "B..., Lda.", por já ter tido uma empresa do sector da cosmética cujo equipamento tinha sido fornecido pela "B..., Lda." e respectiva manutenção, as relações existentes entre "OO" e a "B..., Lda." eram fruto dessa parceria. Assim, do exposto, cumpre atender à pretensão da Recorrente e eliminar a menção de que “(...) gerente de facto da "B..., Lda." (...)” do item D) do probatório, o que se determinará a final. No entanto, não releva a pretensão da Recorrente de aditar ao probatório quem exercia a gerência de facto da "B..., Lda.", pois tal menção nenhuma valia tem na tese da Recorrente e as relações e elementos de prova nos autos (emissão de cheques, eventual contrato de empréstimo entre a Impugnante e a "B..., Lda.") se passam na esfera das sócias-gerentes AA e HH (item C), itens O) a Y) e FFF)), pelo que se indefere a pretensão da Recorrente. Prosseguindo na apreciação dos alegados erro de julgamento de facto invocados, temos o item HHH) quando interpretado no sentido de que assimila como facto provado a conclusão extraída pela AT da existência de fortes indícios do conluio e, o facto UUU) e VVV) cujo conteúdo foi extraído do RIT e inserido no probatório, sem suporte documental. O Tribunal a quo como decorre do probatório, não transcreveu nem parcelarmente, nem integralmente o RIT, tendo daquele extraído factos e menções que integram o mesmo. Tal opção do julgador, bem no nosso entender, não significa que o RIT e decisão proferida no âmbito da Reclamação Graciosa não devam ser considerados na sua globalidade e, enquanto tal, tanto mais que os mesmos só poderão ser interpretados de forma cabal se totalmente considerados e em articulação com os seus anexos, bem como com os esclarecimentos que foram prestados na sequência de solicitações que tenham ocorrido em sede inspectiva. Em rigor, a Recorrente impugna tal factualidade, considerando que a mesma não devia ter sido reconduzida ao probatório, e/ou quando muito, deveria ter sido reconduzida aos factos não provados, mas se bem assimilamos a posição da Recorrente o que ela não aceita são as ilacções que o Tribunal a quo daí retirou quanto aos indícios de falsidade dos preços invocados pela Administração Tributária (que é a matéria que se imporá analisar infra). Vejamos. O facto HHH) tem de interpretado com o sentido que decorre do seu texto, a saber “Na informação mencionada em GGG), conclui-se pela existência de fortes indícios que a "B..., Lda." em conluio com a impugnante, simulou os preços faturados com referência a um projeto financiado pelo Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN), empolando-os relativamente aos efetivamente praticados, tendo em vista o financiamento integral do investimento (RIT)”, ou seja de que no ofício n.º 84...11, de 2/5/2014, informação emitida pela Direção de Finanças de ... no âmbito de procedimento externo de inspecção realizado à "B..., Lda.", e remetida ao Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do ..., se conclui nos termos evidenciados em HHH). Sendo tão só isto o que decorre do facto impugnado, sendo que a única ilacção possível de retirar do mesmo é o próprio facto, o que constava da informação remetida e, não mais, contrariamente ao receio que a Recorrente demonstra nas suas alegações. Quantos aos itens UUU) e VVV), onde se afirma que “Em 15/4/2016, o contrato de concessão de incentivos celebrado com a "A... - Unipessoal, Ld.ª, mencionado em L), foi alvo de anulação pós contrato (RIT)” e “Em 19/4/2016, o IAPMEI emitiu uma ordem de devolução (RIT)”, alega a Recorrente que a prova dos mesmos depende de prova documental. A razão está do lado da Recorrente. É que no RIT e no próprio PA, não consta qualquer documento idóneo a atestar as afirmações contidas no RIT. Mas tal conclusão não implica necessariamente a eliminação dos itens impugnados como pretende a Recorrente ou a sua recondução à matéria de facto “dada como não provada”, a consequência passa antes pela reformulação da sua redacção, e as ilacções a retirar da sua menção no RIT e eventual falta de impugnação expressa do que ali se afirma será atendível em sede de verificação dos indícios para efeitos de correcção. Assim, passam os itens UUU) e VVV) a ter a seguinte redacção que aqui se consagra: UUU) É mencionado no RIT que em 15/4/2016, o contrato de concessão de incentivos celebrado com a "A... - Unipessoal, Ld.ª, mencionado em L), terá sido alvo de anulação pós contrato (RIT). VVV) Consta ainda do RIT, que em 19/4/2016, o IAPMEI terá emitido uma ordem de devolução (RIT). Por último, quanto ao facto não provado, item único do seguinte teor “1) Os valores faturados pela "B..., Lda." à impugnante correspondem, na sua totalidade, à realidade.”. Argumenta a Recorrente que o depoimento da testemunha é credível, isento e esclarecedor de que os preços contratados foram os praticados na emissão das respectivas facturas. A par de tudo o quanto decorre da motivação do Tribunal a quo, cuja assertividade é edificativa, quando discorre sobre o facto dado como não provado, a mesma não se mostra minimamente abalada pelas considerações da Recorrente. Ocorre, tão só, a este Tribunal ad quem consolidar, que do depoimento da testemunha escoam as razões competitivas da proposta apresentada pela "B..., Lda." para fornecer, instalar e equipar os seis blocos que compõem o complexo industrial da "A... - Unipessoal, Ld.ª, quais sejam: localização em território nacional; preços mais baixos; experiência no sector; um único prestador; conhecimento que o "OO" (pai) tinha da empresa, que levaram a que fosse a "B..., Lda." a escolhida de entre as trinta propostas apresentadas. Mais atestou, que a proposta da "B..., Lda." foi apresentada, devidamente documentada ao IAPMEI, tendo sido a candidatura ao programa financiado aceite e contratualizado. Estranha este Tribunal a prova carreada pela Recorrente aos autos, procedimento inspectivo e reclamação graciosa. É que, contrariamente ao que pretende a Recorrente assimilar do depoimento da testemunha, a nossa indignação passa pelo quais os motivos da não junção do processo de candidatura ao financiamento do IAPMEI, das trinta propostas apresentadas para fornecimento e instalação, pois que os mesmos seriam susceptíveis de atestar da correcção da proposta eleita; o porquê de não ter sido realizada uma auditoria ou peritagem às instalações da Impugnante que permitisse confrontar a tese da AT com o real valor dos equipamentos montados e fornecidos pela "B..., Lda." e que consta da facturação em causa; etc. Basta atender ao próprio depoimento da testemunha que a Recorrente indica nas suas alegações e parcelarmente transcreve, para percebermos, ao contrário do que a mesma considera, que o mesmo não é de molde a convencer que tenha ocorrido qualquer erro na apreciação das provas produzidas e que o Tribunal a quo tenha errado ao dar como não provado, o item 1), nos termos em que o fez. Diferente, entendimento, não é mais do que diversa convicção da Recorrente, sem fundamento na globalidade da prova produzida. Com fundamento, na apreciação e análise conjugada que fizemos do depoimento da testemunha única apresentada, a que acresce a total ausência de produção de prova documental por parte da Recorrente, conjugado com a prova, nomeadamente, documental constante do PA (RIT e Reclamação Graciosa), pois a prova atender terá que ser toda aquela que for produzida e não apenas, a que a Recorrente considera, a que acresce as regras da experiência, a nossa convicção não é diversa daquela que firmou o Mº Juiz a quo. A convicção que a Recorrente alega ter, defendendo que aquele item 1) da matéria de facto não provada que impugna se impõe, devendo o seu teor ser reconduzido ao probatório como refere na sua conclusão, em consideração ao testemunho prestado pela sua testemunha, em nosso entender, sempre com o devido respeito, não é a acertada, não revelando a ocorrência de qualquer erro de julgamento mas, tão só, uma diversa convicção da mesma. É nossa convicção que a prova testemunhal e documental, produzidas nos autos, quanto a este ponto, foram correctamente apreciadas não se vislumbrando ter ocorrido qualquer erro de julgamento e não têm a virtualidade de convencer do modo que a Recorrente entende, como já motivamos. Mais acresce, que o teor do item 1) da matéria de facto não provada, redunda num facto conclusivo, o qual nunca deveria ter sido redigido nos termos em que o foi, pois, a asserção do mesmo “Os valores faturados (...) correspondem, na sua totalidade, à realidade”, na afirmativa ou na negativa, contém em si a ilacção a extrair de eventuais factos alegados que a serem provados ou não provados, ditariam a sorte dos autos. Improcede, assim, a impugnação deduzida quanto ao item 1) dos factos não provados, cujo teor se mantém se bem que imprestável para a sorte dos autos. Em suma, feita a reapreciação da prova testemunhal produzida e da prova documental (prova livremente apreciada pelo tribunal), só em parte daremos razão à Recorrente, alterando-se, conforme foi sendo assinalado, os seguintes factos: D) "OO", é pai do sócio gerente da impugnante, "JJ" (relatório de inspeção tributária de fls. 28 a 54 do PA (RIT)). UUU) É mencionado no RIT que em 15/4/2016, o contrato de concessão de incentivos celebrado com a "A... - Unipessoal, Ld.ª, mencionado em L), terá sido alvo de anulação pós contrato (RIT). VVV) Consta ainda do RIT, que em 19/4/2016, o IAPMEI terá emitido uma ordem de devolução (RIT). No mais, indefere-se a pretendida impugnação. Quanto ao item 1) da matéria de facto dada como não provada, na medida em que, contrariamente ao pretendido pela Recorrente, não resultou (o mesmo) provado, mantém-se, apesar de imprestável atento o silogismo conclusivo que encerra, e não se adita o facto complementar sobre quem exerce de facto a gerência da "B..., Lda.", por não se mostrar idóneo, relevante à sorte dos autos. Concluindo, procede parcialmente o alegado erro de julgamento da matéria de facto. 2.2.3. Do erro de julgamento de direito Estabilizada a matéria de facto avancemos para a apreciação do erro de julgamento de direito. 2.2.3.1. Artigo 19.º, n.º 3, do CIVA, erro nos pressupostos, interpretação e aplicação. Como resulta do exposto no relatório inicial, a impugnação judicial foi julgada improcedente e mantidas as liquidações sindicadas. Lida a sentença, resulta claro o seguinte: entendeu o Tribunal a quo que a AT considerou que apesar de terem sido efectivamente prestados os serviços e bens inerentes às facturas emitidas pela "B..., Lda.", os preços que delas constam foram extrapolados, ocorrendo simulação dos preços das facturas. Como tal, não foi aceite a dedução do IVA constante das facturas em causa, emitida pela empresa "B..., Lda.". No entendimento do Tribunal recorrido perante a conclusão que a Administração Tributária reuniu indícios seguros da simulação do preço, apesar de não colocar em causa a materialidade das operações subjacentes às facturas e, feita esta prova, recaía sobre a impugnante o ónus de demostrar que os preços das prestações de serviços e bens fornecidos em causa, correspondiam ao seu real valor. Neste pressuposto, o discurso do tribunal recorrido (na apreciação da verificação dos pressupostos do artigo 19º n.º 3 do CIVA) seguiu dois vectores: por um lado, considerou que a AT reuniu os ditos indícios seguros de que às facturas não correspondem reais operações económicas quanto ao seu preço; por outro, veio a considerar que, invertido o ónus da prova, a impugnante não logrou fazer a prova que lhe competia, pelo que a impugnação foi julgada improcedente. Com efeito, lê-se na sentença, além do mais, e naquilo que para aqui importa agora, ocultando-se deliberadamente eventuais menções à gerência de facto e alusões às vicissitudes com o financiamento, o seguinte: « Neste tipo de situações ou casos e especificamente para os (como o presente) que envolvem pedidos de dedução de IVA, os Tribunais Superiores vêm, repetida e constantemente, afirmando que o ónus da prova se reparte, em processo onde o contribuinte impugne a atuação da AT, desconsiderando operações consubstanciadas em determinadas faturas existentes na escrita daquele, no sentido de caber a esta (administração tributária) a prova dos pressupostos da sua atuação, mediante a obtenção e apresentação de indícios sérios e credíveis que determinada operação comercial titulada por uma fatura não é real e àquele (contribuinte) a prova dos pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução. (...) Assim, constitui doutrina pacífica e uniforme que é à administração tributária que cabe o ónus de prova da verificação dos pressupostos que a determinaram a corrigir a declaração do contribuinte (que se presume verdadeira, por força do art. 75.º da LGT) já que de acordo com o disposto no art. 266.º, n.º 2, da CRP a administração tributária só pode agir nas condições em que a lei lho autoriza e nada poderá fazer contra a lei, tendo de ser ela a suportar a desvantagem de não ser feita prova da verificação dos pressupostos legais que lhe permitem agir com autoridade para correção da situação tributária dos sujeitos passivos. (...) Em suma, quando a administração tributária desconsidera as faturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do art. 74.º da LGT, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade por resultar de operação simulada ou ser simulado o preço constante da fatura. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transação (Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 24/1/2008, processo n.º 01834/04, de 24/1/2008, processo n.º 2887/04, de 27/1/2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18/3/2011, processo n.º 456/05BEPNF). (...) Através do relatório de inspeção e dos documentos juntos com o PA, conclui-se que a impugnante celebrou com a "B..., Lda." diversos contratos relacionados com o fornecimento, instalação e colocação em funcionamento de todos os sistemas técnicos destinados a suportar o processo industrial de uma unidade de fabricação de produtos de cosmética e de higiene pessoal, no valor global de €3.146.103,00 sem IVA (facto provado E)). Entre dezembro de 2012 e setembro de 2013, a "B..., Lda." emitiu para a impugnante várias faturas no valor de €2.988.797,85 (sem IVA), sendo o valor com IVA no total de €3.676.221,36 (factos provados F), G), H), I), J), K), EE), FF), GG), HH), II), JJ), KK), YY), ZZ), AAA), BBB), CCC) e DDD)). A impugnante pagou à "B..., Lda." o valor de €3.319.750,02 (facto provado EEE)). Em 5/3/2013, as sócias da "B..., Lda.", AA e BB, deliberaram que a sociedade efetuasse um empréstimo até à quantia de €1.500.000,00 às sócias, pelo prazo de cinco anos, com possibilidade de prorrogação, sem vencimento de juros (facto provado O)). A impugnante celebrou com o IAPMEI, em 4/1/2013, um contrato de concessão de incentivos financeiros, o qual previa a concessão de um incentivo financeiro para aplicação na execução de um projeto, no montante de investimento global de €3.225.754,02 (factos provados L) e M)). Este incentivo consistia num subsídio reembolsável até ao valor de €2.906.740,11 (65% do investimento global) pelo prazo de sete anos e num prémio de realização no valor máximo de €1.402.833,20 (66,90% do incentivo reembolsável (facto provado N)). (...) Foram pagos incentivos numa quantia total de €1.991.753,65 (...) Em 11/12/2013, BB, tendo sido ouvida em auto de declarações, afirmou que os atos que praticou resumiram-se à assinatura de cheques, a mando do gerente de facto, "OO", pai de "JJ", ambos gerentes da impugnante, desconhecendo o fim desses cheques e os negócios que lhe estariam associados (facto provado FFF)). A AT fez prova, através de junção dos documentos comprovativos juntos ao PA, das várias transferências realizadas: em primeiro da "B..., Lda." para as suas sócias AA e BB, no valor de €1.459.225,00, destas sócias para "OO", deste para o sócio gerente da impugnante, o seu filho "JJ", e deste para a impugnante (factos provados P), Q), R), S), T), U), V), W), X), Y), Z), AA), BB), CC), DD), LL), MM), NN), OO), PP), RR), TT, UU), VV), WW), XX) e WWW)). No âmbito do processo de inquérito, o Ministério Público solicitou o levantamento do sigilo bancário de AA, "OO" e "JJ" (factos provados RRR) e SSS)) e a AT teve acesso a todos os documentos obtidos. Em consequência, a AT teve um conhecimento mais detalhado dos fluxos financeiros realizados entre estas entidades: i) na conta 004...2030 de "OO", verificaram-se diversos depósitos de valor elevado, entre março e julho de 2013, correspondentes aos cheques emitidos por BB e AA, que totalizam o valor €1.459.225,00; ii) foram identificadas transferências bancárias da conta n.º 004...2030 de "OO" para duas contas n.º 007...7023 e n.º 003...2105, de que é titular o filho "JJ" (sócio gerente da impugnante), no valor de €1.070.100,00; iii) "JJ", entre 27/3/2013 e 25/7/2013, após receber as transferências bancárias do pai, "OO", efetua cinco transferências bancárias para a impugnante, no valor total de €1.019.000,00 (facto provado WWW)), sendo a quantia de €347.000,00, registada na contabilidade como suprimentos e a quantia de €672.000,00 como prestações suplementares (facto provados WW) e WWW)). (...) Desta feita, entendemos que a AT agiu de forma legal e fundamentou, de forma clara, objetiva e concisa a sua atuação, revelando de forma consistente fortes indícios que as operações subjacentes às faturas em causa não correspondem à realidade, são simuladas, sendo simulado o preço que delas consta. Por sua vez, a impugnante não fez qualquer prova consistente para abalar as conclusões da AT e provar que, de facto, os valores das faturas eram reais (facto não provado 1)), tendo apenas afirmado que a impugnante apenas faria o negócio com a "B..., Lda." se esta a financiasse, pelo facto desta sociedade ter um grande interesse na realização na venda dos equipamentos. Ora, tal não é condicente com a realidade, pois não faz qualquer sentido, à luz das regras da experiência, que a empresa vendedora dos equipamentos tivesse que financiar a empresa compradora, para que esta finalizasse o negócio consigo. O mais usual seria, antes, a empresa vendedora conceder condições de pagamento mais favoráveis à empresa compradora, mas não a financiar. Para mais, as principais pessoas que teriam interesse na realização deste negócio, as gerentes de direito, mais precisamente BB, não estavam a par dele, facto assumido por si em sede de auto declarações. Acresce que ser verdade tal versão, não se compreendem os movimentos financeiros já referidos, entre as gerentes da "B..., Lda." e "OO", seu gerente de facto e também gerente de facto da impugnante, e o filho deste, "JJ", gerente da impugnante, porque nesse caso seria a "B..., Lda." a transferir o dinheiro diretamente para a impugnante. Assim sendo, não assiste qualquer razão à impugnante, pelo que a impugnação é improcedente nesta parte, por a impugnante não ter demonstrado e provado que o valor das faturas desconsideradas pela AT não era simulado ou que esse valor era o valor real das máquinas descritas nas faturas. (...) Em suma, permite-se, com relevância para a análise do caso sob apreciação, fixar as seguintes conclusões: (i) o disposto no art. 19.º, n.º 3, do CIVA, aplica-se apenas aos casos de simulação absoluta e de simulação relativa, tendo como objetivo principal o de impedir a dedução do IVA falsamente mencionado pelo sujeito passivo adquirente em documento (as denominadas faturas falsas) e que, nessa medida, não foi efetivamente suportado por este último. (...) No caso, estamos perante uma simulação relativa, que sempre será irrelevante para efeitos tributários, pois os sujeitos passivos queriam realizar a operação económica, mas declararam preços diferentes dos que, na realidade, queriam praticar para enganar o IAPMEI e, em consequência, obter o máximo de incentivo. Por consequência, ao deduzir, indevidamente, o IVA dessas faturas, está a prejudicar-se o erário público. Mesmo que houvesse prova de qual o valor dos preços reais das faturas emitidas pela "B..., Lda." à impugnante, a verdade é que, ainda assim, não seria possível deduzir IVA desses valores, pois não deixaria de estar na origem dessas faturas uma simulação, aliás entendimento da jurisprudência nacional e europeia, já mencionada. Estar-se-ia a promover, no fundo, a evasão e fraude fiscal. Por isso mesmo, é que o n.º 3 do art. 19.º do CIVA consagra esta exceção à dedução. Assim, desta forma, não se entende como é que o direito nacional, ao não permitir a dedução de IVA, em consequência de simulação de faturas, viola os princípios da neutralidade e da proporcionalidade e o princípio de que a tributação não pode ter carácter sancionatório, bem como o estipulado pelo art. 168.º da Diretiva IVA. Aliás, a própria impugnante nem sequer concretiza a violação destes princípios. Mais. A impugnante não demonstrou o preço real das máquinas identificadas nas faturas, nem o poderia fazer, mesmo que tivesse demonstrado o valor que efetivamente pagou à "B..., Lda.", porque nunca se saberia se era esse efetivamente o valor real das máquinas.(...)» (fim de transcrição). Perante a discordância com o assim decido em 1ª instância, foi interposto o presente recurso jurisdicional pela Impugnante, o qual ataca os dois apontados vectores que levaram à improcedência da impugnação. Vejamos por partes, tendo presente que, como se sabe, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer. Desde logo, considera a Recorrente que o tribunal “incorre em erro de julgamento ao julgar improcedente a impugnação com fundamento na alegada violação do art.º 19.º, n.º 3, do Código do IVA por erro nos respectivos pressupostos” , bem como “(...) faz errada interpretação e aplicação do preceituado no mesmo art.º 19.º, n.º 3, do CIVA ao não julgar procedente a impugnação perante a desconsideração da totalidade do IVA deduzido constante das facturas emitidas pela "B..., Lda.", não obstante terem na sua base operações efectivas, alegadamente simuladas quanto ao valor (preço)”, e “Ao interpretar o disposto no n.º 3 do art.º 19.º do CIVA no sentido de permitir a desconsideração do IVA deduzido nas condições da conclusão anterior, a douta sentença está a aplicar norma materialmente inconstitucional por violação dos princípios da capacidade contributiva, da proporcionalidade, da proibição da tributação sancionatória e da neutralidade do IVA.” (vide Conclusões D), E) e F)). É vasta e prolixa a fundamentação de direito da sentença sob recurso, com pertinentes e assertivas considerações doutrinais e jurisprudenciais, nomeadamente do TJUE, pelos que nos limitaremos ao essencial, tendo em linha de conta, como já referimos, as alterações operadas nos itens D), UUU) e VVV) da matéria de facto, pois em nada de novo o recurso nos traz. Isto dito, avancemos, tendo presente que, o IVA assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir. Este imposto funciona, pois, pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs. Como determina o 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º, da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE, de 28 de novembro),“[e]m cada operação, o IVA, calculado sobre o preço bem e serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.”. O direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica que é a neutralidade. No entanto, o exercício desse direito obedece a requisitos objectivos e subjectivos. O exercício do direito à dedução do imposto tem por requisitos objetivos, o facto de o imposto suportado dever constar de fatura passada na forma legal (36.º, n.º 5, do CIVA), de se tratar de IVA português, e não se tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21.º do CIVA e, como requisitos subjetivos, exige-se que o sujeito passivo tenha direito à dedução do IVA, e que os bens e serviços deverão estar diretamente relacionados com o exercício da actividade em causa. Por outro lado, “não confere direito à dedução de IVA o «imposto que resulte de operação simulada», constante de vulgarmente chamadas “faturas falsas” – de acordo com o n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA.” – Acórdão do STA de 27/02/2008, proc. n.º 01062/07. Dispõe o n.º 3 do art. 19.º do CIVA, na redação aplicável aos autos, que “[n]ão pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura”. Do acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), Bonik, de 6 de dezembro de 2012, C-285/11, reiterado pelo acórdão Maks Pen EOOD, de 13 de fevereiro 2014, C-18/13 resulta que constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA, instituído pela legislação da União o direito dos sujeitos passivos a deduzir do IVA sobre os bens adquiridos e os serviços que lhes foram prestados a montante. Em Despacho proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no Caso Menidzherski Biznes Reshenia , Processo C-572/11, de 4 de Julho de 2013 decidiu-se que “[o]s artigos 168.°, alínea a), e 203.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, bem como os princípios da neutralidade fiscal e da proteção da confiança legítima, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que seja recusado ao destinatário de uma fatura o direito a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado mencionado nessa fatura quando as operações a que esta última se refere não foram efetivamente realizadas, ainda que o risco de perda de receitas fiscais não exista por o emissor da referida fatura ter pago o imposto sobre o valor acrescentado nesta indicado. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, de acordo com as regras nacionais relativas à produção de prova, uma apreciação global de todos os elementos e de todas as circunstâncias de facto do litígio que lhe foi submetido para determinar se tal sucede com as operações a que as faturas em causa no processo principal dizem respeito.” No que respeita ao ónus da prova vigente no nosso direito interno, no âmbito das correcções em análise, como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas (operação simulada ou em que seja simulado o preço), aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção ou dos seus elementos, como o preço – vide, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF. Tenha-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. [cf. nesse sentido, entre outros, acórdãos do Pleno da secção do CT do STA de 16/11/2016 e proc. n.º 0600/15, de 19/10/2016, proc. n.º 511/15). “ (…) II - Para que a AT proceda à correcção do lucro tributável por desconsideração dos custos suportados por facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende. III - Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar esses custos, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito de deduzir os custos ao lucro tributável) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.” ] Por conseguinte, se necessário, a AT poderá recorrer à prova indireta “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, de ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém diretamente, mas indiretamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” (cf. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, 1972, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT). Ou seja, a AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, no caso dos autos o preço simulado, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (acórdão do STA de 27.10.04, proferido no âmbito do Processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de a operação referida na factura ser simulada, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT. Como se refere no acórdão do TCAN, de 23 de Novembro de 2012 (proc. nº 1523/05.0 BEVIS), “no que concerne à prova que compete à Administração - na repartição do ónus da prova de que demos nota supra -, o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientes indiciadores a que o Tribunal possa concluir, “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” (expressão de Castro Mendes citado por Saldanha Sanches), pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura”. In casu, lidas e relidas as alegações de recurso, nomeadamente, pontos 137 a 140, o cerne da indignação da Recorrente com o julgado passa tão só nos considerandos que tece “que todo o juízo de direito relativamente a este alegado vício está inquinado pelos já analisados grosseiros e contaminantes erros na apreciação da prova e decisão da matéria de facto”. Quanto à decisão da matéria de facto, cumpre assim atentar às alterações introduzidas, ou seja, da supressão da atribuição da gerência de facto da "B..., Lda." ao "OO" (pai do sócio gerente da Impugnante) e, da variação de que do RIT consta mencionado a anulação do contrato de concessão de incentivos e ter sido emitida ordem de devolução pelo IAPMEI, para apreciar do recurso neste segmento. Apenas uma nota para dar conta, que a atribuição da gerência de facto da "B..., Lda." ao "OO" não consta dos indícios recolhidos pela AT no seu RIT e, que anulação do contrato de concessão de incentivos é ali mencionado, como um indício a acrescer aos restantes que o Contrato de Incentivos celebrado não foi cumprido por razões que se prenderam com a sua execução, no entanto não são os eventuais incumprimentos ali ocorridos mencionados e relevados em sede de indícios. Vejamos, então, não perdendo de vista o enquadramento jurídico gizado relativamente ao ónus da prova e considerando os factos apurados em sede inspectiva, com vista a dar resposta à questão de saber se resulta dos factos considerados que a AT fez prova da verificação de indícios que lhe permitiam concluir que as facturas relativamente às quais o IVA nelas incluído foi desconsiderado tiveram subjacentes operações económicas realizadas entre a identificada emitente e a Impugnante, ora Recorrente, com simulação quanto ao valor, preços constantes das mesmas. Como resulta do disposto no artigo 240º, nº 1, do Código Civil, se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiro, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado. E o nº 2 deste normativo acrescenta que o negócio simulado é nulo. São, assim, elementos do conceito de simulação: (i) a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração; (ii) acordo simulatório; (iii) intuito de enganar terceiro. Como escreve Manuel de Andrade In Teoria Geral, II vol., pág 213.: «Em regra (…) não há prova directa da simulação. A prova tem de ser feita, quase sempre, por meio de indícios ou presunções, mais ou menos frisantes, de onde transpareça e se deixe inferir a existência da simulação.» Por outro lado, é muito importante demonstrar o motivo ou interesse da simulação, a causa simulandi adequada, pois é ela que dá credibilidade e consistência às presunções, já que ninguém simula por simular. Se analisarmos o relatório de inspecção, constatamos que a AT, recolheu uma série de indícios de que o preço constante das facturas emitidas pela "B..., Lda." à impugnante é simulado, a saber: - A impugnante celebrou com a "B..., Lda." diversos contratos relacionados com o fornecimento, instalação e colocação em funcionamento de todos os sistemas técnicos destinados a suportar o processo industrial de uma unidade de fabricação de produtos de cosmética e de higiene pessoal, no valor global de €3.146.103,00 sem IVA; - Entre dezembro de 2012 e setembro de 2013, a "B..., Lda." emitiu para a impugnante várias faturas no valor de €2.988.797,85 (sem IVA), sendo o valor com IVA no total de €3.676.221,36; - A impugnante pagou à "B..., Lda." o valor de €3.319.750,02; - Em 5/3/2013, as sócias da "B..., Lda.", AA e BB, deliberaram que a sociedade efetuasse um empréstimo até à quantia de €1.500.000,00 às sócias, pelo prazo de cinco anos, com possibilidade de prorrogação, sem vencimento de juros; - A impugnante celebrou com o IAPMEI, em 4/1/2013, um contrato de concessão de incentivos financeiros, o qual previa a concessão de um incentivo financeiro para aplicação na execução de um projeto, no montante de investimento global de €3.225.754,02; - Este incentivo consistia num subsídio reembolsável até ao valor de €2.906.740,11 (65% do investimento global) pelo prazo de sete anos e num prémio de realização no valor máximo de €1.402.833,20 (66,90% do incentivo reembolsável; - Foram pagos incentivos numa quantia total de €1.991.753,65; - Em 11/12/2013, BB, tendo sido ouvida em auto de declarações, afirmou que os atos que praticou resumiram-se à assinatura de cheques, a mando do gerente de facto, desconhecendo o fim desses cheques e os negócios que lhe estariam associados; - Da existência de um circuito financeiro, que decorre de várias transferências bancárias realizadas, num primeiro momento (i) da "B..., Lda." para as suas sócias AA e BB, no valor de €1.459.225,00, num segundo momento (ii) destas sócias para "OO" (no valor de €1.459.225,00), num terceiro momento (iii) deste para o sócio gerente da impugnante, o seu filho "JJ" (no valor de €1.070.100,00), e num quarto momento (iv) deste para a impugnante (no valor de €1.019.000,00 - sendo a quantia de €347.000,00, registada na contabilidade como suprimentos e a quantia de €672.000,00 como prestações suplementares); Ponderando os indícios recolhidos junto do fornecedor (indícios externos) e dos elementos recolhidos junto da Impugnante (indícios internos), conjugados com todos os elementos recolhidos dos fluxos financeiros existentes entre aqueles, uns com os outros, outra conclusão não poderia levar que não aquela que foi extraída pelo Tribunal a quo, isto é, da existência de uma probabilidade séria e elevada de que os preços mencionados nas facturas são presumidos, não correspondem ao preço real. Ou seja, a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento na apreciação da prova e de direito na apreciação e qualificação jurídica dos factos do relatório de inspeção, porque efetivamente são descritos indícios objetivos em como o preço constante das facturas é simulado para efeitos do n.º 3, do art. 19.º do CIVA, mesmo desconsiderado “a gerência de facto da "B..., Lda."” por "OO" em que o Tribunal a quo sustentou como indicio sólido da simulação. Com efeito, embora como bem refere a Recorrente no discurso da sentença tenha sido dado algum enfoque à “gerência de facto da "B..., Lda." pelo "OO"”, apresentado como sendo um indicio sólido do conluio, a sua exclusão, não é suficiente para abalar a convicção de que numa análise conjunta, com os demais elementos recolhidos, de todo o fluxo financeiro que que saiu da "B..., Lda." e entrou [após várias operações efectivamente demonstradas com a mediação de intervenientes com ligações comprovadas à emitente das facturas e Impugnante, que supra enumerados] via prestações acessórias e suprimentos na esfera da Impugnante, não se pode deixar de concluir que a Administração Tributária reuniu indícios, sólidos e objetivos que numa análise concatenada e ponderados à luz da experiência, são suficientes para traduzirem uma probabilidade elevada de que as facturas titulam preços simulados. Invoca ainda a Recorrente, que ao não ter Administração Tributária aceitado a dedução do IVA pelo menos da parte do valor real facturado, incorre na violação dos princípios da proporcionalidade, da neutralidade e dos princípios que a tributação não pode de caracter sancionatório, apelando ao prescrito no artigo 39º da LGT. Mais alega que tal interpretação do artigo 19º n.º 3 do CIVA não tem correspondência expressa à atual Diretiva de IVA, no que toca ao estabelecido no seu art. 168.º. Perscrutados os pontos das alegações (pois as conclusões, só aludem à errada interpretação) a Recorrente limita-se tão só a reproduzir o por si invocado em sede de petição inicial, não atacando com fundamento ou argumentos o decidido nesse segmento, pelo que este Tribunal ad quem se limitará neste segmento a aderir in totum ao decidido pela 1ª instância, que aqui se transcreve, sem prejuízo de emitir alguma nota que se considere pertinente. «As disposições previstas no art. 19.º, n.ºs 3 e 4, do CIVA visam consagrar o impedimento do direito à dedução que resulte de operações fraudulentas. Desde logo, tendo presente que só confere direito à dedução o IVA que tenha onerado aquisições de bens e serviços destinados ao exercício da atividade tributada realizada pelo sujeito passivo, pelo que o n.º 3 do art. 19.º do CIVA explicita que “não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente”. Este preceito legal, em face da sua formulação aplica-se quer em situações de simulação absoluta, de que constituem paradigma no âmbito do IVA as designadas “faturas falsas”, quer em situações de simulação relativa, que uma das variantes poderá constituir a simulação do valor da operação (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 29/1/2009, processo n.º 00059/03). Contextualizando o escopo do referido art. 19.º, n.º 3, do CIVA, sublinhe-se que resulta da jurisprudência do TJUE que os mecanismos de prevenção e de controlo da fraude contemplados no âmbito do sistema comum do IVA se aplicam, de forma totalmente distinta, a dois tipos (tradicionais) de fraude: (i) a fraude documental (comummente designada por fraude das faturas falsas), que se caracteriza por inexistirem as operações declaradas (simulação absoluta), ou por o respetivo preço praticado ser diverso do declarado (simulação relativa), tendo os intervenientes o intuito de deduzir um imposto que é falso, ou seja, que nunca foi suportado; e (ii) a fraude do operador fictício (comummente designada por fraude carrossel), que se caracteriza por compreender operações reais e efetivas e cujo preço declarado corresponde ao preço efetivamente praticado, mas em que um (ou mais) dos intervenientes na cadeia de produção e de distribuição não entrega ao Estado o imposto liquidado aos seus clientes (e efetivamente pago por estes). “A prevenção e o controlo do primeiro tipo de fraude (a fraude documental ou fraude das facturas falsas) é assegurada através da positivação, incontroversamente refletida no n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, de uma jurisprudência largamente sedimentada pelo TJUE em torno do regime plasmado nos artigos 167.º e seguintes da Diretiva IVA (como, antes, no artigo 20.º da Sexta Diretiva), que amputa o adquirente interveniente em operações simuladas do respetivo direito à dedução, em virtude de o correspondente imposto não ter sido efetivamente suportado por esse adquirente nos termos em que foi declarado” (Acórdão do STA de 22/5/2019, processo n.º 083/15.9BEAVR). Veja-se, ainda, o entendimento perfilhado pelo acórdão do STA de 17/4/2002, proferido no processo n.º 026635: “o direito de dedução do IVA pago a montante apenas poderá existir, segundo a própria natureza das coisas, relativamente a imposto efetivamente suportado em operações efetivamente acontecidas. De contrário, estaríamos perante um simples arquétipo intelectual ou virtual e não perante um tributo que visa atingir de forma geral o consumo real de bens e serviços (...). Neste sentido, o n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA é uma norma “decorrente da própria natureza do imposto, cuja explicitação formal apenas se justifica por questões de clareza, mas cuja estatuição resultava já do disposto no artigo 20.º do Código do IVA, que estabelece os mencionados pressupostos da dedução”. Em suma, permite-se, com relevância para a análise do caso sob apreciação, fixar as seguintes conclusões: (i) o disposto no art. 19.º, n.º 3, do CIVA, aplica-se apenas aos casos de simulação absoluta e de simulação relativa, tendo como objetivo principal o de impedir a dedução do IVA falsamente mencionado pelo sujeito passivo adquirente em documento (as denominadas faturas falsas) e que, nessa medida, não foi efetivamente suportado por este último. O TJUE fez sempre notar que a eliminação dos efeitos das correspondentes deduções de imposto não pode implicar, seja em que caso for, a violação dos princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade em que assenta todo o sistema comum do IVA e, indiretamente, o funcionamento de comércio jurídico no mercado interno e externo da União Europeia, sendo pressuposto da desconsideração da dedução por parte da administração tributária que essa autoridade demonstre, com base em elementos objetivos, que o sujeito passivo em causa sabia ou devia saber que a operação invocada como fundamento do direito a dedução fazia parte de uma fraude cometida pelo emissor da fatura ou por outro operador interveniente a montante na cadeia de prestações. Atente-se para o teor do Acórdão do Proc. C-285/11 de 06.12.2012 — Bonik Eood, Parágrafo 40: “Daqui resulta que o direito a dedução só pode ser - recusado a um sujeito passivo se, à luz de elementos objetivos, se demonstrar que este sujeito passivo, ao qual foram fornecidos bens ou prestados serviços que estão na base do direito à dedução, sabia ou deveria saber que, ao adquirir estes bens ou estes serviços, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA cometida pelo fornecedor ou por outros operador a montante ou a jusante na cadeia destes fornecimentos”. (...) O art. 168.º da Diretiva IVA estabelece o seguinte: “Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes: a) O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo; b) O IVA devido em relação a operações assimiladas a entregas de bens e a prestações de serviços, em conformidade com a alínea a) do artigo 18.º e o artigo 27.º; c) O IVA devido em relação às aquisições intracomunitárias de bens, em conformidade como artigo 2.º, n.º 1, alínea b), subalínea i); d) O IVA devido em relação a operações assimiladas a aquisições intracomunitárias, em conformidade com os artigos 21.º e 22.º; e) O IVA devido ou pago em relação a bens importados para esse Estado-Membro”. Este artigo consagra a regra geral da dedução, ou seja, a regra é quem líquida IVA numa operação ativa adquire o direito a deduzir o imposto suportado a montante, a qual também se encontra prevista no direito nacional, mais precisamente no n.º 1 do art. 19.º do CIVA: “1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram: a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos; b) O imposto devido pela importação de bens; c) O imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços abrangidas pelas alíneas e), h), i), j) e l) do n.º 1 do artigo 2.º; d) O imposto pago como destinatário de operações tributáveis efetuadas por sujeitos passivos estabelecidos no estrangeiro, quando estes não tenham no território nacional um representante legalmente acreditado e não tenham faturado o imposto; e) O imposto pago pelo sujeito passivo à saída dos bens de um regime de entreposto não aduaneiro, de acordo com o n.º 6 do artigo 15.º”. Segundo o entendimento do TJUE, o direito de dedução é um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela União Europeia, o qual garante o princípio da neutralidade da carga fiscal de todas as atividades económicas sujeitas a IVA. Contudo, o exercício do direito de dedução está sujeito a requisitos e condições, desde logo pelo n.º 3 do art. 19.º do CIVA, não sendo incompatível com a Diretiva IVA a proibição de dedução de IVA de operações simuladas, como é o caso, pois caso contrário, estar-se-ia a contribuir e dar margem de possibilidade para existência da evasão fiscal. No caso, estamos perante uma simulação relativa, que sempre será irrelevante para efeitos tributários, pois os sujeitos passivos queriam realizar a operação económica, mas declararam preços diferentes dos que, na realidade, queriam praticar.» (fim de transcrição) Bem andou a sentença recorrida, pelo que aderimos ao transcrito sem reservas. Não olvida este tribunal o preceituado no artigo 39º da LGT, a que alude a Recorrente, aliás na qual assenta a sua indignação decorrente de que mesmo que o preço fosse simulado sempre uma parte do preço seria real, pelo que o entendimento expresso pela AT e confirmado pela sentença sob recurso viola o citado preceito a par do princípio da proporcionalidade e da neutralidade do IVA. Concluindo, in casu perante os indícios sérios e credíveis de que os preços constantes das facturas emitidas pela "B..., Lda." são simulados, ao deduzir a adquirente/impugnante, indevidamente o IVA dessas facturas, porque a lei não o permite (artigo 19º n.º 3 do CIVA), está a prejudicar o erário público. Aceitação de tal dedução implicaria uma promoção a evasão e fraude fiscal, razões que estão na génese da excepção à dedução consagrada por via do citado preceito. Mais se diga, que, não se entende como é que o direito nacional, ao não permitir a dedução de IVA, em consequência de simulação do preço a par da simulação de operações, viola os princípios da neutralidade e da proporcionalidade e o princípio de que a tributação não pode ter carácter sancionatório, bem como o estipulado pelo art. 168.º da Diretiva IVA, como se expôs. Refira-se que, quer em sede de petição, quer de recurso, a Recorrente não concretiza a violação desses mesmos princípios. A razão parece estar do lado da Recorrente quando alude que deveria ser levado em consideração o negócio real versus negócio simulado, em conformidade com o disposto no artigo 39º da LGT. Independentemente da discussão que possa ser desenvolvida sobre o negócio simulado e a interpretação do artigo 19º n.º 3 do CIVA e sua conformidade com o citado artigo 39º, olvida a Recorrente que inexiste, porque não foi alegado, nem provado o “negócio real “, ou seja de qual foi o preço real dissimulado. Temos, pois, que improcede o recurso também nesta parte. 2.2.3.2. Da falta de fundamentação do relatório de inspeção tributária Na sua conclusão G) insurge-se a recorrente com o julgamento que recaiu sobre o por si alegado vício de falta de adequada fundamentação, e na motivação do recurso dedica três singelos pontos ao tema. Ora, da análise constante da sentença, na parte em que se debruçou sobre o alegado vicio de falta de adequada fundamentação do RIT, que nos abstemos de transcrever, é absolutamente esclarecedora ao longo de uma muito densificada exposição quanto ao percurso argumentativo seguido pelo Tribunal a quo em que assentou a sua decisão e revela à saciedade, pelo confronto da mesma com o teor da conclusão G) e das alegações de recurso pontos 134. a 136. (as quais, lembre-se, operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos jurisdicionais), que a Recorrente se alheou, por completo, das razões que determinaram a improcedência do vício de falta de fundamentação que evocara. Assim sendo, fácil é concluir que o ataque à sentença recorrida é imprestável (por ineficaz) para o fim visado de obter a reapreciação do vicio de falta de fundamentação. Pelo exposto, improcede este fundamento do recurso da Impugnante. 2.2.3.3. Do reenvio prejudicial para o TJUE. Resta aquilatar do pedido de Reenvio Prejudicial. A Recorrente insurge-se contra o indeferimento da pretensão de reenvio prejudicial para o TJUE que havia requerido, alegado que tal decisão viola o preceituado no artigo 267º do TFUE. Sendo que da motivação do recurso, concretiza que o reenvio seria para “apreciação da conformidade do n.º 3 do artigo 19º do CIVA com o artigo 168º da Directiva IVA e os princípios da neutralidade e da proporcionalidade” (vide pontos 148. e 149 das alegações) Apreciando. Dispõe o artigo 267.º, do TFUE o seguinte: “O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial: “a) Sobre a interpretação dos Tratados; b) Sobre a validade e interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União. Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie. Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal. Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível” Conforme resulta da interpretação do aludido normativo, o reenvio prejudicial de interpretação só é obrigatório caso a questão de interpretação seja suscitada perante tribunal nacional de cujas decisões não caiba recurso, sendo nas restantes circunstâncias facultativo. Por outro lado, o facto de estarem em discussão normas do CIVA e sua conformação com a Directiva e respetivos princípios basilares de Direito Comunitário não implica, de forma necessária e automática, que se proceda ao reenvio para o TJUE, já que este depende da necessidade de formular uma questão prejudicial para a solução do litígio; razão por que o reenvio não deve ser efetuado sempre que: (i) a questão prejudicial não for necessária nem pertinente para o julgamento do litígio; (ii) o TJUE já se tenha pronunciado de forma firme sobre a questão ou já exista jurisprudência sua consolidada sobre ela; (iii) o juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente[vide neste sentido acórdão do STA de 14.11.2018, proferido no âmbito do processo n.º 280/06]. In casu, encontramo-nos face a uma situação de reenvio de interpretação facultativo, não se afigurando que a questão prejudicial seja necessária, e pertinente para o julgamento do litígio, não resultando, face a todo o supra expendido, dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de direito. Mais se diga, que face ao que resulta da fundamentação deste Recurso, resulta manifesto que a questão formulada não contribuiria para a resolução da presente causa. Acresce que a correta aplicação do direito comunitário, face aos arestos que foram sendo convocados para dirimir a questão, não oferece qualquer dúvida razoável quanto à solução a dar à questão suscitada. Com efeito, quando a lei comunitária seja clara e existindo profusa Jurisprudência sobre o alcance do direito à dedução e o prazo contemplado para o seu exercício não resulta necessário proceder a essa consulta, aliás, em sentido consonante com o que TJUE esclareceu, designadamente, no Acórdão de 06 de outubro de 1982, no processo C-283/81. Mas porque o ataque é dirigido ao erro em que incorrer o julgador de 1ª instância ao não proceder ao reenvio prejudicial para o TJUE, vejamos, o discurso argumentativo seguido na sentença: « A aparente obrigatoriedade decorrente de um pedido de reenvio ter sido feita a um órgão jurisdicional cujas decisões, que à luz do direito interno, sejam insuscetíveis de recurso ordinário, veio a ser resolvida pelo caso CILFIT de 6 de outubro de 1982, onde se conclui que a convocação das instâncias comunitárias só se justificará, quando as instâncias nacionais considerem que o recurso àquelas é necessário para a solução do pleito e mais, que haja sido suscitada uma dúvida quanto à interpretação desse direito. Contudo, mesmo nestes casos, o aludido dever de reenvio, não se afirma com um carácter absoluto, perdendo tal significância, quando a questão suscitada for idêntica a outra já suscitada em processo idêntico e assim decidida a título prejudicial, reconhecendo assim que a correta aplicação do direito comunitário pode impor-se com tal evidência que não dê lugar a qualquer dúvida razoável quanto à solução a dar à questão suscitada, doutrina do ato claro em contraposição à teoria do «ato aclarado», com a finalidade de evitar que os Órgãos Judiciais da UE sejam chamados a intervir quando já haja antecedentes decisórios quanto às mesmas questões e/ou em casos paralelos, apresentando-se os Acórdãos do Tribunal de Justiça como um misto de Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, na sua faceta de apreciação abstrata típica e a concretização da regra do precedente (Acórdão do STJ de 17/3/2016, processo n.º 588/13.6TVPRT.P1.S1). No caso concreto, não se anteveem razões bastantes para se ordenar o reenvio prejudicial solicitado, pois a jurisprudência, quer nacional, quer europeia, já mencionada, é unânime, no sentido de considerar que não é possível deduzir IVA de operações simuladas, quer tenham por base simulação absoluta ou relativa. Para mais, o art. 19.º, n.º 3, do CIVA não viola a disposição do art. 168.º da Diretiva IVA, uma vez que o n.º 1 do art. 19.º menciona precisamente o mesmo que esta disposição europeia: o direito à dedução. Contudo, como já se sabe, o direito à dedução tem limites e um desses limites é o que se encontra plasmado no n.º 3 do art. 19.º do CIVA, por forma a prevenir a fraude e evasão fiscal, quando haja indícios e prova suficiente que se está perante operações simuladas, tal como decorreu no caso sub iudice. Assim sendo, a aplicação do n.º 3 do art. 19.º do CIVA ao caso em apreço, não viola, nem o art. 168.º da Diretiva IVA, nem os princípios da proporcionalidade e da neutralidade fiscal. Aqui chegados, indefere-se o pedido de reenvio prejudicial requerido pela impugnante, pois não estão verificados os requisitos previstos para tal, plasmados no art. 267.º do TFUE.» (fim de transcrição) Com efeito, face ao enquadramento legal e jurisprudencial da questão, nos termos em que o mesmo foi efetuado pelo Tribunal a quo, e por assim ser, não se coloca a este tribunal qualquer dúvida da conformidade da solução adoptada com o direito comunitário, nos termos supra evidenciados e contemplados na fundamentação de direito, e tendo presente, por outro lado, que o tribunal de 1ª instância não estava obrigado a submeter qualquer pedido de reenvio prejudicial que, como já referimos, é, neste caso, facultativo, uma vez que os autos eram susceptíveis de recurso ordinário, como o foram. Improcede, pois, o recurso nesta parte. 2.2.4. Resta apreciar, ex officio, a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP (a mesma foi apreciada em 1ª instância a requerimento da AT). Com efeito, no acórdão do STA, proferido no processo nº 01953/13, de 07 de maio de 2014, doutrina-se, de forma inequívoca, que: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”. No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos da tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo a que as questões decidendas, embora respeitantes a matéria específica, não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, antes se mantiveram dentro de parâmetros normais e comuns encontra-se preenchido o circunstancialismo do n.º 7, do artigo 6.º do RCP, decretando-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça. 2.3. Conclusões I. Quanto à reapreciação dos meios de prova, o Tribunal ad quem funciona como órgão jurisdicional com competência própria, resultando do disposto nos nºs 1 e 2, als. a) e b), do art. 662º do CPC que, em matéria de facto, o Tribunal de recurso tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes. II. Invocando a Recorrente ter um entendimento distinto do que foi levado a cabo pelo Tribunal a quo, fundamentado nas mesmas provas apreciadas para proferir a decisão recorrida isso configura, apenas, uma diferente convicção, que não é susceptível de determinar a modificabilidade da decisão de facto, se nesta instância não se verificar ter ocorrido erro de julgamento na apreciação daquelas e, consequentemente, não se formar convicção diversa daquela que vem impugnada. III. Nos termos do n.º 5 do art. 45.º da LGT (número aditado pela Lei do Orçamento do Estado para 2006), o prazo de caducidade previsto no n.º 1 do mesmo artigo «é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano», nos casos em que «a liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal». IV. Todavia, para que se verifique esse alargamento do prazo de caducidade é imperioso que os factos tributários subjacentes à (s) liquidação (ões) em causa tenham sido objecto de uma investigação em sede criminal e quanto a eles instaurado inquérito criminal. V. Coligidos indícios sólidos e suficientes que traduzam uma probabilidade séria e elevada de que estamos perante uma operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura que obsta à dedução do IVA (cf. n.º 3 do art. 19.º do CIVA), cessa a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita prevista (art. 75.º da LGT), cabendo ao contribuinte o ónus da prova da realidade das transações. VI. O reenvio prejudicial para o TJUE só se justifica quando o julgador tenha dúvidas quanto ao sentido e alcance de alguma disposição do direito da União Europeia. VII. Não é de considerar pertinente a questão suscitada em termos de justificar o reenvio prejudicial se a apreciação da legalidade das liquidações em causa não suscitas dúvidas na aplicação das normas comunitárias e destas com a interpretação e aplicação de normas de direito interno. 3. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Porto, 30 de novembro de 2022 Irene Isabel das Neves Ana Paula Santos Margarida Reis |