Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00005/13.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/30/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES
Descritores:IMPOSTO DE SELO; FACTO TRIBUTÁRIO;
ESCRITURA PÚBLICA DE PERMUTA;
ESCRITURA DE RECTIFICAÇÃO;
Sumário:
I. Constituindo a permuta uma cessão onerosa, ainda que simultânea, e sendo efectuada por escritura pública, está sujeita a imposto de selo, enquadrável no n. º4 do artigo 23º do IS e verba 1.1 da Tabela Geral do IS.

II. Da interpretação do n.º 1 do artigo 38.º da LGT, os efeitos tributários reportam-se ao momento em que os negócios jurídicos produzem os efeitos económicos pretendidos pelas partes.

III. O n.º 4 do artigo 36.º da LGT preceitua que a qualificação de um negócio jurídico efetuado pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária.

IV. Não releva enquanto facto tributário para efeitos de Imposto de Selo alteração de valor dos bens permutados decorrente de escritura de “rectificação” da escritura “primitiva” de permuta.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 19.10.2017, que julgou procedente a impugnação intentada por «AA», (Recorrido), contra o despacho datado de 12/10/2012 do Sr. Chefe do Serviço de Finanças ... que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa sobre a liquidação de liquidação de Imposto de Selo relativo ao ano de 2011, no montante de €2.643,72, inconformado veio dela recorrer.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(…)
A-. Vem o presente recurso interposto contra a sentença proferida nos presentes autos que julgou a impugnação procedente e, em consequência anulou a liquidação de IS nº ...02 no valor de € 2.643,72, mantendo a liquidação de IS nº ...60 no valor de € 2.346,67.
B- A Fazenda Pública não se conforma com o decidido pois entende que a douta sentença incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, nomeadamente dos artigos 247º, 249º, 405º, todos do Código Civil, artigo 23º, nºs 1 e 4 do Código do Imposto de Selo, artigo 12º, nº 4, 4ª do Código do Imposto Municipal sobre Transmissões de Imóveis, artigo 80º, nº 2 alínea b) do Código do Notariado e artigo 74º, nº 1 da Lei Geral Tributária.
C- Para que a 1ª escritura (de permuta) não seja anulável por vício de erro na declaração, casos em que a vontade declarada não corresponde à vontade real do declarante, nos termos do artigo 247º do C.C., é necessário que o erro expresso na declaração não se trate de um lapso ostensivo,
D- Pois que, sendo um erro de cálculo ou de escrita ostensivo, patente, o negócio celebrado deixa de ser anulável por erro na declaração, passando apenas a dar o direito à retificação, nos termos do artigo 249º do C.C.
E- Nos presentes autos não estamos perante um erro patente ou ostensivo que permita a sua retificação através da outorga de uma segunda escritura, uma vez que a vontade declarada pelo impugnante de atribuir aos prédios permutados no valor de € 816.302,46, correspondia à sua vontade real, e não foi por erro de cálculo ou de escrita, ostensivo ou patente, que não declarou logo, inicialmente, a vontade de atribuir o valo de € 550.000,00 a esses mesmos prédios,
F- Devendo, por isso, dar-se o negócio celebrado por concluído, nos termos do artigo 232º do C.C..
G- Num primeiro momento, o único outorgante da escritura de permuta aqui em questão, o impugnante, pretendeu atribuir aos imóveis cedidos à sociedade o valor correspondente ao VPT do imóvel por esta dado em troca, que ascende a € 816.302,46.
H- Posteriormente, já após ter tomado conhecimento da avaliação efetuada a dois dos imóveis cedidos, uma vez que se tratam de 1ªs transmissões, após entrada em vigor do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), decidiu diminuir o valor atribuído ao imóvel dado em troca pela sociedade de € 816.302,46 (correspondente ao seu VPT) para € 550.000,00, distribuindo também este valor pelos vários imóveis por ele cedidos.
I- É ineficaz a escritura de retificação outorgada, independentemente da qualificação dada à mesma pelas partes, conforme o disposto no nº 4 do artigo 36º da Lei Geral Tributária (LGT) pelo que mantém-se válida a escritura de permuta inicialmente celebrada, porquanto não foi a mesma anulada nos termos do artigo 247º do C.C..
J- E, por conseguinte mantém-se válida a liquidação de IS respetiva, com o nº ...02, no valor de € 2.643,72, impugnada e anulada pela douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, da qual ora se recorre.
K- Foi através da escritura de permuta que se operou a transmissão do direito de propriedade dos imóveis em causa, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 408º do C.C. e não através da escritura de retificação. Sendo que é sobre a aquisição de propriedade que incide o IS, no que à verba 1.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, aqui em causa diz respeito, devendo pois manter-se firme na ordem jurídica.
L- No caso dos autos a correção em causa ao contrato de permuta inicialmente celebrado implicou obrigatoriamente a celebração de nova escritura nos termos do artigo 80º, nº 2 alínea b) do Código do Notariado, pelo que, estamos perante um novo ato notarial que não anula o primeiro, tanto que foi condição essencial para a outorga da escritura de retificação, a liquidação e pagamento de IS (liquidação nº ...60 no montante de € 2.346,67).
M- A liquidação nº ...60 no montante de € 2.346,67, que o Tribunal a quo pretende repor já foi anulada, tal como peticionado subsidiariamente pelo impugnante no procedimento de revisão oficiosa, tendo-lhe sido devolvido em 2012-11-14 o montante de € 2.346,67 através do cheque nº ...55, pelo que não pode ser reposta e consequentemente mantida como pretende o Tribunal a quo.
N- O artigo 405º do C.C. concede às partes, tanto a liberdade de celebração ou conclusão de contratos, como a liberdade de fixar o conteúdo (cláusulas) dos mesmos aquando da sua celebração, mas, já não permite a alteração aos negócios celebrados, como é o caso dos autos, pois essa alteração levou à realização de nova escritura (de “retificação”) em virtude do impugnante tomar conhecimento, através da avaliação efetuada no âmbito do CIMI que havia sido alterado, para menos, o VPT de dois prédios.
O- A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, refere que a AT não alegou nem recolheu indícios suficientes no sentido de que a segunda escritura de alteração de permuta não correspondia a uma operação real e efectiva” pelo que, “atendendo ao ónus que sobre si impendia, impunha-se à AT que efetuasse diligências no sentido de averiguar se a segunda escritura de alteração da permuta não correspondia a uma operação real e efectiva e uma vez demonstrados tais pressupostos (o que não sucedeu), caberia ao impugnante a respectiva contra prova.
P- Ora, a AT em momento algum colocou em causa que a segunda escritura não correspondia a uma operação real ou efetiva. O que a AT alegou e fundamentou a sua decisão foi que foram introduzidas modificações nos contornos do contrato, tendo as mesmas sido definidas por mútuo consenso obtido entre os intervenientes, não tendo decorrido qualquer erro de escrita ou de cálculo, mas antes uma manifestação de vontades acordada inter partes.
Q- Nos termos do artigo 74º da LGT competia sim ao impugnante demonstrar que “os valores declarados no contrato não estavam corretos…” o facto é que nunca esclareceu que tipo de erro foi, nem tão pouco, qual das partes foi responsável pela ocorrência desse erro.
R- Devem ser aditados ao probatório “IV. Matéria de facto” os seguintes pontos:
G). No caso dos presentes autos deve dar-se o negócio por concluído, nos termos do artigo 232º do C.C., pois de facto, o que se verifica é que, num primeiro momento, o único outorgante da escritura de permuta aqui em questão, o impugnante, pretendeu atribuir aos imóveis cedidos à sociedade o valor correspondente ao VPT do imóvel por esta dado em troca, que ascende a € 816.302,46 e posteriormente, já após ter tomado conhecimento da avaliação efetuada a dois dos imóveis cedidos, uma vez que se tratam de 1ªs transmissões, após entrada em vigor do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), decidiu diminuir o valor atribuído ao imóvel dado em troca pela sociedade de € 816.302,46
(correspondente ao seu VPT) para € 550.000,00, distribuindo este valor pelos vários imóveis por ele cedidos.
H) Foi através da escritura de permuta que se operou a transmissão do direito de propriedade dos imóveis em causa, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 408º do C.C. e não através da escritura de retificação.
I) Não estamos perante um erro patente ou ostensivo que permita a sua retificação através de uma segunda escritura nos termos do disposto no artigo 249º do C.C. uma vez que a vontade declarada pelo impugnante de atribuir aos prédios permutados no valor de € 816.302,46, correspondia à sua vontade real aquando da celebração da escritura de permuta, tendo liquidado IS e IMT com base nesses valores declarados.
J) A correção em causa ao contrato de permuta inicialmente celebrado implicou obrigatoriamente a celebração de nova escritura nos termos do artigo 80º, nº 2 alínea b) do Código do Notariado, pelo que, estamos perante um novo ato notarial que não anula o primeiro, tanto que foi condição essencial para a outorga da escritura de retificação, a liquidação e pagamento de IS (liquidação nº ...60 no montante de € 2.346,67).
K) É ineficaz a escritura de retificação outorgada, independentemente da qualificação dada à mesma pelas partes, conforme o disposto no nº 4 do artigo 36º da Lei Geral Tributária (LGT)
L) O impugnante peticionou em sede de procedimento de revisão oficiosa “Sem prejuízo, e caso se entenda ser antes a liquidação de IS nº ...60 a ilegal, por duplicação de coleta, com os mesmos fundamentos já expostos requer-se desde já a respetiva revisão oficiosa e consequente restituição do IS pago em 19/06/2016”. – liquidação de IS liquidada e paga na Retificação de Permuta ocorrida em 20-06-2012.
M) Em 12-10-2012 foi proferido despacho pela chefe do Serviço de Finanças ...- 1 a deferir o pedido e a anular “a liquidação do IS, por duplicação de coleta, efetuada para efeitos da outorga da escritura de retificação com o DUC ...60.
N) E, por conseguinte mantém-se válida a liquidação de IS respetiva, com o nº ...02, no valor de € 2.643,72.
S- Deve manter-se na ordem jurídica a liquidação de IS nº ...02, no montante de € 2.643,72, contudo caso assim não se entenda, deve proceder-se à sua anulação parcial, pela diferença, e não à anulação total como decidiu o Tribunal a quo.
Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências.»
1.2. O Recorrido «AA», notificado da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 175 e ss. do SITAF, pugnando pela procedência do recurso.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, cumpre aferir a se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, nomeadamente dos artigos 247º, 249º, 405º, todos do Código Civil, artigo 23º, nºs 1 e 4 do Código do Imposto de Selo, artigo 12º, nº 4, 4ª do Código do Imposto Municipal sobre Transmissões de Imóveis, artigo 80º, nº 2 alínea b) do Código do Notariado e artigo 74º, nº 1 da Lei Geral Tributária
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 De facto
2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«A) No dia 13/12/2011, «AA», aqui Impugnante, outorgou documento designado “permuta”, por si e na qualidade de Presidente do Conselho da Administração e em representação da sociedade anónima “[SCom01...], SA” através do qual declarou o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[…]
- Cfr. fls. 28 do processo físico, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
B) A outorga da escritura a que se alude no ponto antecedente foi precedida da liquidação de imposto de selo n.º ...02, no valor de € 2.643,72 e respectivo pagamento- Cfr. fls. 27 do processo físico, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
C) No dia 20/06/2012, «AA», aqui Impugnante, outorgou documento designado “rectificação de permuta”, por si e na qualidade de Presidente do Conselho da Administração e em representação da sociedade anónima “[SCom01...], SA” através do qual declarou o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Cfr. fls. 40 e ss do processo físico, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
D) A outorga da escritura a que se alude no ponto antecedente foi precedida da liquidação de imposto de selo n.º ...60, no valor de € 2.346,67 e respectivo pagamento - Cfr. fls. 37 do processo físico, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
E) Em 28/06/2012, o Impugnante apresentou pedido de revisão alegando, em suma, que “a liquidação n.º ...02 está ferida de ilegalidade por vício de duplicação de colecta pela que deve ser ordenada a revisão oficiosa e consequente devolução do imposto pago ” porquanto “em 20/06/2012 foi celebrada a escritura de rectificação da permuta celebrada em 13/12/2011” “verificando-se, assim, a presença de dois actos de liquidação tributários consumados, respeitando ambos ao mesmo facto tributário” - Cfr. fls. 17 e ss do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
F) Por despacho de 12/10/2012, o Sr. Chefe do Serviço de Finanças ... foi decidido anular a liquidação do IS por duplicação da colecta, efectuada para efeitos da outorga da escritura de rectificação, com o DUC n.º ...60, no valor de € 2.346,67, com a seguinte fundamentação:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- Cfr. fls. 5 e ss do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
*
Não existem quaisquer outros factos provados ou não provados relevantes para a boa decisão da causa.
Motivação
A convicção do Tribunal na consideração dos factos provados alicerçou-se no teor dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que não foram impugnados.»

2.2. De direito
In casu, a recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário do Porto que julgando procedente a presente impugnação anulou a liquidação de imposto de selo n.º ...02, no valor de € 2.643,72 mantendo-se a liquidação de imposto de selo n.º ...60, no valor de € 2.346,67, assente na seguinte fundamentação que aqui por extracto se transcreve:
«Colhe-se do probatório que na escritura de permuta o Impugnante declarou dar à sociedade “[SCom01...]” os seguintes imóveis, num total de € 815.063,96: (...) Por sua vez, a “[SCom01...]” declarou receber do Impugnante o imóvel artigo 1048 no valor de 816.246,00 (VPT de € 816.302,46).
Após, foi celebrada escritura de rectificação da escritura de permuta na qual o Impugnante e a “[SCom01...]” declararam que rectificavam a escritura de permuta de 13/12/2011 no sentido de que o valor global dos prédios dados em permuta é de 550.000,00 (...)
Acontece, porém, que o caso dos autos não é subsumível à figura de mero erro de escrita ou cálculo, pois do contexto das declarações contidas na escritura de permuta não decorre que o declaratório tenha incorrido em qualquer lapso de escrita ou cálculo.
(...)
Assim, tal erro de escrita ou cálculo não resulta da declaração, nem mesmo o Impugnante concretiza esse erro, pois afirma que “posteriormente foi detetado que os valores declarados no contrato não estavam corretos, sendo os corretos os seguintes”.
Da escritura de rectificação resulta o seguinte teor “o valor global dos prédios dados em permuta pelo aqui outorgante à sociedade é de Euros 500.000,00 e não como aí se referiu”, ou seja, resulta dos termos da escritura que as partes pretenderam modificar as condições do contrato de permuta anteriormente celebrado, sendo acto sujeito a escritura pública, nos termos do art.º 80.º,n.º 2, b) do Código do Notariado segundo o qual devem especialmente celebrar-se por escritura pública os actos que importem revogação, rectificação ou alteração de negócios que, por força da lei ou por vontade das partes, tenham sido celebrados por escritura pública.
No caso em apreço, apesar das partes terem qualificado o acto como rectificação, o que se tratou, de facto, foi de uma alteração do negócio, ao abrigo da liberdade contratual prevista no art.º 405.º do Código Civil.
Dispõe o art.º 74.º, n.º 1 da LGT que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
Assim, compete à Administração Tributária a prova dos factos constitutivos do direito de tributar a primeira operação e não a segunda operação, mas, in casu, a AT não cumpriu o ónus que sobre ela impendia. Com efeito, a AT não alegou nem recolheu indícios suficientes no sentido de que a segunda escritura de alteração da permuta não correspondia a uma operação real e efectiva. A fundamentação da AT prendeu-se única e exclusivamente com o facto de a escritura não ser rectificável à luz do disposto no art.º 249.º do CC, olvidando-se da faculdade das partes introduzirem alterações ao contrato nos termos da liberdade contratual. Atendendo ao ónus que sobre si impendia, impunha-se à AT que efectuasse diligências no sentido de averiguar se a segunda escritura de alteração da permuta não correspondia a uma operação real e efectiva e uma vez demonstrados tais pressupostos (o que não sucedeu), caberia ao impugnante a respectiva contra prova.
Assim, sendo o imposto de selo um imposto incidente sobre operações, o facto tributário é a operação traduzida na permuta dos bens imóveis que, por força da alteração contratual, se completou em 20/06/2012 aquando da escritura de alteração da permuta celebrada em 13/12/2011. Assim, nas permutas de bens imóveis, toma-se para base da liquidação a diferença declarada de valores, quando superior à diferença entre os valores patrimoniais tributários, pelo que a base da liquidação deverá ser a diferença declarada de valores revelada no acto de 20/06/2012 que operou modificações no acto de 13/12/2011 no que concerne aos valores declarados relevantes para cálculo do imposto a pagar.» (fim de transcrição)
Assim, perante a posição firmada nos autos, o que importa elucidar é qual o facto tributário alvo de Imposto de selo, se a escritura “primitiva” de permuta celebrada em 13.12.2011 ou a escritura de “rectificação” daquela celebrada em 20.06.2012, tão só.
2.2.1. Do erro de julgamento de facto
Nas conclusões A. e R. alega a recorrente erro de julgamento de facto pugnando pelo aditamento ao probatório que:
“G). No caso dos presentes autos deve dar-se o negócio por concluído, nos termos do artigo 232º do C.C., pois de facto, o que se verifica é que, num primeiro momento, o único outorgante da escritura de permuta aqui em questão, o impugnante, pretendeu atribuir aos imóveis cedidos à sociedade o valor correspondente ao VPT do imóvel por esta dado em troca, que ascende a € 816.302,46 e posteriormente, já após ter tomado conhecimento da avaliação efetuada a dois dos imóveis cedidos, uma vez que se tratam de 1ªs transmissões, após entrada em vigor do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), decidiu diminuir o valor atribuído ao imóvel dado em troca pela sociedade de € 816.302,46 (correspondente ao seu VPT) para € 550.000,00, distribuindo este valor pelos vários imóveis por ele cedidos.
H) Foi através da escritura de permuta que se operou a transmissão do direito de propriedade dos imóveis em causa, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 408º do C.C. e não através da escritura de retificação.
I) Não estamos perante um erro patente ou ostensivo que permita a sua retificação através de uma segunda escritura nos termos do disposto no artigo 249º do C.C. uma vez que a vontade declarada pelo impugnante de atribuir aos prédios permutados no valor de € 816.302,46, correspondia à sua vontade real aquando da celebração da escritura de permuta, tendo liquidado IS e IMT com base nesses valores declarados.
J) A correção em causa ao contrato de permuta inicialmente celebrado implicou obrigatoriamente a celebração de nova escritura nos termos do artigo 80º, nº 2 alínea b) do Código do Notariado, pelo que, estamos perante um novo ato notarial que não anula o primeiro, tanto que foi condição essencial para a outorga da escritura de retificação, a liquidação e pagamento de IS (liquidação nº ...60 no montante de € 2.346,67).
K) É ineficaz a escritura de retificação outorgada, independentemente da qualificação dada à mesma pelas partes, conforme o disposto no nº 4 do artigo 36º da Lei Geral Tributária (LGT)
L) O impugnante peticionou em sede de procedimento de revisão oficiosa “Sem prejuízo, e caso se entenda ser antes a liquidação de IS nº ...60 a ilegal, por duplicação de coleta, com os mesmos fundamentos já expostos requer-se desde já a respetiva revisão oficiosa e consequente restituição do IS pago em 19/06/2016”. – liquidação de IS liquidada e paga na Retificação de Permuta ocorrida em 20-06-2012.
M) Em 12-10-2012 foi proferido despacho pela chefe do Serviço de Finanças ...- 1 a deferir o pedido e a anular “a liquidação do IS, por duplicação de coleta, efetuada para efeitos da outorga da escritura de retificação com o DUC ...60.
N) E, por conseguinte, mantém-se válida a liquidação de IS respetiva, com o nº ...02, no valor de € 2.643,72.”
Vejamos
Resulta da conjunção dos artigos 662.º e 640.º do CPC que a Relação, in casu TCA, deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa e desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados indique os concretos meios probatórios e a decisão que, no seu entender deve ser proferida.
Desde já se diga que a Recorrente não cumpriu os referidos normativos [vide conclusão R. das alegações de recurso e item 62. do corpo das alegações].
Acresce ainda, referir que na generalidade, o que a recorrente pretende dar como provado, é conclusivo ou insere em si conceitos de direito, sendo certo que um juízo de facto é um julgamento baseado em análise isenta de valores ou interpretações subjetivas identificando somente aquilo que é visível comprovado ou objetivo. Sendo que a lei proíbe que se leve aos factos provados conclusões, devendo este ser formados por factos concretos e objetivo, despido de valores ou interpretações subjetivas.
Ao dar-se como provado o que a recorrente pretende estaria de imediato definido a sorte do recurso. Disso são exemplos manifestos, as expressões: “a transmissão do direito de propriedade dos imóveis em causa, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 408º do C.C. e não através da escritura de retificação”; “não estamos perante um erro patente ou extensivo”; “correspondia à sua vontade real”; “mantém-se válida a liquidação de IS”; etc...
Já quanto aos factos constantes de L) e M) os mesmos já se encontram vertidos no probatório por via dos itens E) e F) da matéria de facto dada por provada pelo Tribunal a quo.
Nesta conformidade, improcede ao erro de julgamento de facto.

2.2.2. Do erro de julgamento de direito
A recorrente AT pugna pela revogação da sentença recorrida por entender que a mesma padece de erro de julgamento de direito ao concluir, que face à retificação da escritura pública de permuta, o facto tributário atender para efeitos de tributação em sede de Imposto de Selo (IS) é o que decorre da mesma por contraposição ao valor declarado na escritura “primitiva”, violando o disposto nos artigos 247º, 249º, 405º, todos do Código Civil, artigo 23º, nºs 1 e 4 do Código do Imposto de Selo, artigo 12º, nº 4, 4ª do Código do Imposto Municipal sobre Transmissões de Imóveis, artigo 80º, nº 2 alínea b) do Código do Notariado e artigo 74º, nº 1 da Lei Geral Tributária.
Vejamos.
Nos termos do art.º 23.º, n.º 1 e 4 do Código do Imposto de Selo, a liquidação do imposto compete aos sujeitos passivos referidos nos n.ºs 1 e 3 do artigo 2.º e tratando-se do imposto devido pelos actos ou contratos previstos na verba 1.1 da tabela geral, à liquidação do imposto aplicam-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMT (da verba 1.1. da tabela geral consta aquisição onerosa ou por doação do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre imóveis, bem como a resolução, invalidade ou extinção, por mútuo consenso, dos respectivos contratos - sobre o valor).
No caso dos autos, está em causa imposto devido por um acto de permuta de imóveis, pelo que a situação se enquadra na verba 1.1 da tabela geral sendo de aplicar o artigo 23.º, n.º 4 do Código do Imposto de Selo.
Dispõe o artigo 12.º, n.º 4, regra 4.ª do CIMT que “nas permutas de bens imóveis, toma-se para base da liquidação a diferença declarada de valores, quando superior à diferença entre os valores patrimoniais tributários”.
Revertendo para o caso em análise, resultou provado que o Impugnante/ recorrido e a sociedade “[SCom01...]” outorgaram, em 13.12.2013, uma escritura de permuta, na qual o recorrido declarou dar à sociedade os imóveis ali identificados no valor total de €815.063,96, por sua vez a “[SCom01...]” declarou receber do Impugnante o imóvel artigo 1048 no valor de 816.246,00 (VPT de € 816.302,46) [vide item A) do probatório]. A outorga da escritura foi precedida da liquidação de imposto de selo n.º ...02, no valor de € 2.643,72 e respectivo pagamento [vide item B) do probatório].
Em 20.06.2012, foi outorgada escritura denominada de “rectificação de permuta” entre o aqui recorrido e àquela mesma sociedade “[SCom01...]” por via da qual declararam que rectificavam a escritura de permuta de 13.12.2011 no sentido de que o valor global dos prédios dados em permuta é de 550.000,00, constando o seguinte fundamento: “Que pela presente escritura, rectifica a supra identificada, no sentido que o valor gobal dos prédios dados em permuta pelo aqui outorgante à sociedade é de QUINHENTOS E CINQUENTA MIL EUROS, e não como aí se referiu, assim discriminados (...) Que, o valor do prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo 1048, dado em permuta pela sociedade ao aqui outorgante, é de QUINHENTOS E CINQUENTA MIL EUROS, e não como aí se referiu.” [vide item C) do probatório]. Mais consta daquela escritura a final “ARQUIVO” que: “c) Documentos de Imposto de Selo, um no valor de 0,00€ e outro com o n.º ...60, comprovativo do pagamento do Imposto de Selo – Verba 1.1., no valor de 2.346,67€, pago em 19/06/2012”.
Recapitulando, face à realização da 1.ª escritura de 13.12.2011 ocorreu o facto tributário que se enquadra na norma de incidência do artigo 23º, n.º 4 do Código de Imposto de Selo (CIS), conjugado com a verba 1.1. da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS).
Aqui chegados importa saber se a rectificação da escritura de 20.06.2012 efectuada pelas partes envolvidas no contrato de permuta, produz os efeitos que o recorrido lhe pretende atribuir e se são oponíveis à Administração Fiscal, como foi reconhecido pela sentença sob recurso.
Quid iuris?
Antes do mais, atentemos ao regime do ónus da prova.
Resulta do artigo 74.º n.º 1 da LGT que: "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.", em consonância com o artigo 342.º n.º 1 do CC, " Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado."
Acresce que sobre a tema do ónus da prova, existe ampla jurisprudência, sustentando que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua actuação e que cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca.
Com base no exposto, ao recorrido caberia o ónus da prova de que em absoluto não se produziram quaisquer efeitos jurídicos ou económicos por força da outorga da “primitiva” escritura. Parece evidente, inclusive tendo presente a presunção de veracidade que rege as declarações do sujeito passivo e do tipo de documento em questão, que compete ao sujeito passivo a prova, uma vez que é ele quem invoca, e como tal cabe-lhe demonstrar os elementos que constituem a sua pretensão. Desse modo, o recorrido, para sustentar a sua pretensão, juntou duas escrituras públicas. Ora, as escrituras públicas, nos termos n.º 1 do 371.º do Código Civil, fazem prova plena dos factos a que se referem, “1. Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.” Contudo, o n.º 2 do mesmo normativo também nos diz que “Se o documento contiver palavras emendadas, truncadas ou escritas sobre rasuras ou entrelinhas, sem a devida ressalva, determinará o julgador livremente a medida em que os vícios externos do documento excluem ou reduzem a sua força probatória., deixando a apreciação para o julgador.”
Retomando os presentes autos, é por demais evidente que foram juntos duas escrituras públicas, outorgadas pelos mesmos intervenientes, em que o segundo constitui uma “retificação” de um denominado lapso cometido na primeira, constituindo ambos prova plena.
Cumpre pois apreciar, a questão, à luz do princípio da prevalência da substância sobre a forma, face aos princípios elencados, é unicamente a substância dos mesmos e da operação efectivamente realizada.
E, segundo o princípio da prevalência da substância sobre a forma, nuclearmente, o que releva, para o direito fiscal, é o apuramento da efectiva realidade, relevante para efeitos de tributação, que não a mera forma do negócio jurídico concretamente utilizado ou se quisermos a denominação que as partes lhe atribuíram. Tal princípio deve ser examinado em conjugação com o fenómeno da fraude à lei, assim podendo limitar o contribuinte no que respeita ao grau da sua oneração fiscal e consubstanciando a aplicação de tal princípio a consagração da cláusula geral anti-abuso prevista no artigo 38º, nº.2, da LGT [vide acórdão do TCAS de 23.02.2017, processo n.º 637/09.2BELRS].
Mas, não precisamos de tanto para decidir o pleito, atentemos ao preceituado no n.º 1 do artigo 38.º da LGT, e de que, “A ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes.”
Temos, então, que da interpretação do n.º 1 do artigo 38.º da LGT, os efeitos tributários reportam-se ao momento em que os negócios jurídicos produzem os efeitos económicos pretendidos pelas partes.
E, por sua vez, dispõem o n.º 2 do artigo 11.º da LGT “ Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí tem, salvo se outro decorrer diretamente da lei.”.
Nesta conformidade, apelemos à fundamentação vertida no acórdão do STA, de 27.10.2021, proferido no âmbito do processo n.º 0640/13.0BEBRG, sobre a nulidade de liquidação de IMS (Sisa) em que estava em causa um contrato que foi declarado nulo por decisão judicial, onde consta o seguinte: “(…) Na interpretação do que seja a ineficácia dos negócios jurídicos, temos de nos socorrer dos conceitos do Direito civil, atento o disposto no n.º 2 do art. 11.º da LGT («Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei».) e porque a lei tributária não define directamente o conceito (Note-se que, apesar de a Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto, que autorizou o Governo a publicar uma lei geral tributária, no seu art. 2.º, 9), lhe ter concedido expressamente a autorização para «Definir a ineficácia em matéria tributária dos actos ou negócios que pretendam alterar os elementos constitutivos da obrigação tributária», no âmbito dessa autorização o Governo não entendeu definir a ineficácia em termos diversos daqueles em que a doutrina civil define a ineficácia, designadamente restringindo-os à denominada ineficácia em sentido estrito.).
Assim, de acordo com a doutrina civilística, temos que a nulidade do negócio jurídico é uma invalidade que constitui uma modalidade da ineficácia, em sentido lato, dos negócios jurídicos (MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 2.ª edição actualizada, pág. 591, que afirma que «[a] ineficácia em sentido amplo tem lugar sempre que negócio não produz, por impedimento, decorrente do ordenamento jurídico, no todo ou em parte, os efeitos que tenderia a produzir, segundo o teor das declarações respectivas» e que «[a] invalidade é uma espécie do género ineficácia». No mesmo sentido, MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral Da Relação Jurídica, Livraria Almedina, volume II, 1974, pág. 411, e MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, Livraria Almedina, 2.ª edição, tomo I, pág. 639 e ss.).
Ou seja, o que o n.º 1 do art. 38.º dispõe é que, ainda que o negócio jurídico que deu origem à tributação seja declarado nulo (como, no caso, o foi o contrato de compra e venda que esteve na origem da liquidação de sisa ora impugnada), essa nulidade – invalidade que constitui uma modalidade da ineficácia, em sentido lato, dos negócios jurídicos e, como deixámos já dito, tem efeitos ex tunc à luz da lei civil – não obsta, necessariamente, à tributação; ponto é que «se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes» e estes sejam subsumíveis à previsão de uma norma de incidência tributária.

Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, no n.º 1 do art. 38.º da LGT «dispõe-se sobre a tributação dos efeitos económicos pretendidos pelas partes que tenham sido produzidos apesar da ineficácia do negócio. // Tal tributação só ocorrerá se, e na medida em que, tais efeitos existam e recaiam na previsão de um tipo legal de imposto» e, após salientarem que o preceito se insere «numa certa vertente do chamado “realismo” do Direito fiscal. Determina-se a tributação dos efeitos económicos dos actos e negócios jurídicos, independentemente da eficácia ou validade dos negócios jurídicos que os visarem», insistem que «[t]êm os efeitos económicos que se tenham produzido e subsistirem, para ser tributados, de caber na previsão de uma norma tributária. Há que ter em atenção, nomeadamente, se essa norma tributa a realidade económica, ou a realidade jurídica» (Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita Editora, 4.ª edição, 2012, anotação 1 ao art. 38.º, págs. 300/301.).
Por seu turno, LIMA GUERREIRO refere que o art. 38.º da LGT «consagra, no seu número 1, a eficácia perante a Administração Tributária dos negócios jurídicos ineficazes no âmbito do direito comum, nos casos em que já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes, de que resulta o direito, em tais circunstâncias, à tributação do negócio jurídico ineficaz» (Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, pág. 183.).
Em resumo, tal como a doutrina tem salientado, devem ser tributados os efeitos económicos de um negócio jurídico que se tenham efectivamente produzido, ainda que aquele venha a ser considerado nulo, conquanto essa tributação exija que esses efeitos sejam subsumíveis à previsão de uma norma de incidência.(…)” [fim de citação;
cfr. ainda neste sentido jurisprudência do STA, nos acórdãos de 10.02.2020 e de 10.11.202, nos processo n.ºs 2100/19.1BEPNF e 011/13.6BEPRT, respectivamente, e deste TCAN de 15.04.2021, processo n.º 00606/09.0BEBRG e de 09.05.2024, no processo n.º 956/09.8BEPRT].

No caso sub judicio, a transmissão do direito de propriedade dos imóveis permutados ocorreu em 13.12.2011 com a outorga da escritura de permuta – nascendo nesse acto as obrigações registrais para as partes, artigo 408º, n. º1 do Código Civil, inexistem nos autos factos que infirmem àquela transmissão.
No caso dos autos, a escritura de permuta, abrangendo os imóveis e valores nelas descritos, produziu os seus efeitos, vigorando como tal na ordem jurídica até à data em que é efetuada a rectificação da escritura em 20.06.2012, passados 7 meses.
Prevê o art.º 247.º do CC que “Quanto, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponde à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.”
Pese embora, com a retificação da escritura se pretenda questionar erro na vontade declarada, previsto no artigo 247.º do Código Civil, em virtude da mesma não corresponder à vontade do autor, da matéria de facto provada, dela não resultam as razões de facto que terão dado causa ao erro ocorrido na escritura. Analisado a texto da escritura de rectificação somente se refere que “(…)rectifica a supra identificada, no sentido que o valor global dos prédios dados em permuta pelo aqui outorgante à sociedade é de QUINHENTOS E CINQUENTA MIL EUROS, e não como aí se referiu, assim discriminados (...) Que, o valor do prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo 1048, dado em permuta pela sociedade ao aqui outorgante, é de QUINHENTOS E CINQUENTA MIL EUROS, e não como aí se referiu.”, não aludindo à razão subjacente à rectificação, nem aludindo que a escritura objecto de rectificação ainda não tenha produzido os seus efeitos jurídicos e económicos.
Mas, mesmo admitindo que ocorreu erro na vontade declarada na 1ª escritura esta só sofreria de anulabilidade, a qual apenas poderia ser alegada nas relações entre as partes contratantes e não se oporia aos terceiros, designadamente à AT, tendo em conta o disposto nos artigos 247.º e 287.º do Código Civil e n.º4 do art.º36.º e 38.º da LGT.
É que, o n.º 4 do artigo 36.º da LGT preceitua que a qualificação de um negócio jurídico efetuado pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária.
O facto da Recorrida ter “qualificado” a segunda escritura como uma retificação da primeira quanto aos valores nela insertos, não vincula a AT.
A anulabilidade seria, portanto, ineficaz em relação a terceiros e, consequentemente, à AT, como, aliás, decorre do Acórdão do STA, de 27.10.2021, proferido no âmbito do processo n.º 0640/13.8BEBRG, que acompanhamos, “(…) Ora, no que respeita aos actos de direito privado, o Estado é, em regra, um terceiro, embora interessado na produção de certos efeitos, quando a incidência dos impostos (ou até a sua garantia) tenha esses efeitos como base ou como objecto. Assim, relativamente à AT, a declaração de nulidade do negócio jurídico não tem – nem se justificaria que tivesse, por óbvias razões de segurança (Não podemos perder de vista que os impostos visam a obtenção de receitas para financiamento do Estado e, em tese, a angariação de meios financeiros destinados a satisfazer necessidades públicas. Assim, dificilmente se conceberia a possibilidade de, a todo o tempo, a AT poder ser obrigada a restituir o que houvesse legalmente recebido a título de imposto quando o negócio jurídico que esteve na origem da liquidação se revelasse nulo.) – a virtualidade de impor à AT a devolução do montante de imposto que foi regularmente liquidado e cobrado”.
Por último, cumpre referir, que acompanhando a sentença sob recurso, neste particular, que a “rectificação” da escritura de permuta não tem ensejo na disposição do artigo 249.º do Código Civil, que contempla o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração.
E, assim sendo, a “rectificação” assume uma nova declaração de vontade, cujos efeitos as partes, no exercício da sua autonomia da vontade, quiseram fazer sobrepor aos da escritura “primitiva”, que, não obstante, prevalecia na ordem jurídica na data da 2ª liquidação de Imposto de selo, sendo que a retroacção dos efeitos oriundos da “rectificação” não é, em tais circunstâncias, oponível à AT, por falta de norma legal que o autorize.
A circunstância de os outorgantes, entre os quais o aqui recorrido, qualificarem, uma segunda escritura como uma “rectificação” da primeira, alterando o valor dos bens imóveis permutados, com reflexo no cálculo do montante do Imposto de Selo a liquidar não vincula a Administração Tributária a reconhecer essa “rectificação” para efeitos da tributação desse mesmo Imposto.
Nesta conformidade, com a outorga da escritura de permuta de 13.12.2011, ocorreu o facto tributário enquadrável no n. º4 do artigo 23º do IS e verba 1.1 da Tabela Geral do IS, pelo que a liquidação de imposto de selo n.º ...02, no valor de € 2.643,72 é de manter, andou bem a decisão do Sr. Chefe do Serviço de Finanças ... que anulou a liquidação do IS por duplicação da colecta, efectuada para efeitos da outorga da escritura de rectificação, com o DUC n.º ...60, no valor de € 2.346,67.
Destarte, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que procede a pretensão da recorrente revogando-se a sentença recorrida, o que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.


2.2.3. Conclusões
I. Constituindo a permuta uma cessão onerosa, ainda que simultânea, e sendo efectuada por escritura pública, está sujeita a imposto de selo, enquadrável no n. º4 do artigo 23º do IS e verba 1.1 da Tabela Geral do IS.
II. Da interpretação do n.º 1 do artigo 38.º da LGT, os efeitos tributários reportam-se ao momento em que os negócios jurídicos produzem os efeitos económicos pretendidos pelas partes.
III. O n.º 4 do artigo 36.º da LGT preceitua que a qualificação de um negócio jurídico efetuado pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária.
IV. Não releva enquanto facto tributário para efeitos de Imposto de Selo alteração de valor dos bens permutados decorrente de escritura de “rectificação” da escritura “primitiva” de permuta.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação improcedente, mantendo-se a liquidação de IS n.º ...02, no valor de € 2.643,72.
Custas a cargo do recorrido, em ambas as instâncias.

Porto, 30 de abril de 2025
Irene Isabel das Neves
(Relatora)
Serafim José da Silva Fernandes Carneiro
(1.º Adjunto/em substituição)
Jorge Costa
(2.º Adjunto)