Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00263/24.6BECBR-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/13/2024
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:ROGÉRIO PAULO DA COSTA MARTINS
Descritores:DECISÃO DA CAUSA PRINCIPAL EM PROCESSO CAUTELAR; DECISÃO DE MÉRITO; DECISÃO ADJECTIVA;
ARTIGO 121.º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO ACTO; FUMUS BONI IURIS;
CONSOLIDAÇÃO DA MOBILIDADE INTERCARREIRAS N.º 4 DO ARTIGO 99.º-A DA LEI GERAL DO TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS;
Sumário:
1. A decisão da causa principal a que alude o artigo 121.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, é uma decisão de mérito e não uma decisão adjectiva, de absolvição da instância.

2. A consolidação da mobilidade intercarreiras só pode verificar-se se o serviço de destino, onde trabalhador desempenhou funções, apresentar proposta nesse sentido - n.º 4 do artigo 99.º-A da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

3. Pelo que falta ao pedido de suspensão da eficácia o requisito do fumus boni iuris, descrito no artigo 120º, n. º1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, quando na acção principal se pede a invalidação do acto que indeferiu o pedido deduzido pelo demandante, Agente da Polícia Marítima, de consolidação da mobilidade intercarreiras, no mapa de Pessoal do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, numa situação em que este Instituto se pronunciou no sentido desfavorável a esta pretensão.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL do saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 25.06.2024, proferido na providência cautelar que intentou contra o IMT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP, para suspensão de eficácia da decisão do Conselho Directivo do Réu - que não deferiu a consolidação da mobilidade intercarreiras – decisão recorrida esta que absolveu o Requerido da instância por “procedência da excepção de caducidade, em antecipação da decisão final do processo principal no processo cautelar.

O Recorrido contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

*
I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

I. A douta sentença recorrida padece de erro de julgamento por violação da lei, do princípio do contraditório que configura in casu uma nulidade processual e violação do princípio “pro actione” devendo como tal ser anulada, porquanto:

II. Desde logo, in casu verifica-se que após a apresentação da contestação pelo aqui Recorrido, o Recorrente nunca foi notificado pelo Tribunal a quo da contestação, (bem como do processo administrativo instrutor) apresentada nos autos pelo Recorrido, pelo que nunca pode apresentar réplica e, com isso fazer a sua contraprova;

III. Tivesse sido o Recorrente notificado da contestação, em sede de réplica poderia - tal como era, aliás, sua intenção – contraditar a questão suscitada da caducidade do direito de ação, e nesta sede explicitar e demonstrar que a questão de caducidade do direito de ação não existe no caso face ao antecedente processual verificado no âmbito do referido Proc. n.º 790/23.2BEAVR

IV. Pelo que mal andou o Tribunal a quo ao considerar que o Recorrente não justificou nem demonstrou que deveria merecer o prazo excecional de dois meses para intentar a presente ação judicial previsto no artigo 279.º, n.º 2, do CPC aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, quando, frise-se, nem sequer ordenou que o mesmo fosse notificado da contestação apresentada pelo Recorrido, e consequentemente, pudesse, assim, exercendo o seu direito de contraditório fazer prova de que não foi por culpa sua que a primeira ação não foi bem intentada, assim como não foi por culpa sua que naquela ação o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro demorou cerca de quatro meses a proferir o respetivo saneador sentença que culminou na absolvição da instância por se verificar as excepções dilatórias da falta de personalidade judiciária e da ilegitimidade passiva da Entidade Demandada, absolvendo-se, em consequência, o Ministério das Infra-Estruturas e da Habitação da instância.

V. Destarte, a falta de notificação da contestação comprometeu a possibilidade do Recorrente se pronunciar sobre a questão invocada da exceção de caducidade, o que configura uma nulidade processual, face ao disposto nos artigos 3.ºe 195.º, ambos do CPC aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA;

VI. Sem prescindir, ainda que assim não fosse, o Tribunal a quo em caso de dúvida sobre a veracidade do que efetivamente sucedeu no referido processo Proc. n.º 790/23.2BEAVR, sempre deveria ter convidado o ora Recorrente a exercer o seu direito de contraditório, o que não sucedeu tal como a isso estava obrigado legalmente, em vez de ter fundamentado que De resto, o Autor tão pouco alegou qualquer motivo para que se possa interpretar de outro modo – resultando, também por esta via a violação do disposto nos artigos 3.º e 195.º, ambos do CPC aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA;

VII. Mas ainda que assim não fosse, e sem prescindir uma vez mais, no caso sub judice, o Recorrente não tem sequer de demonstrar e provar ao Tribunal a quo que é merecedor da sua benesse de conceder-lhe o prazo adicional e excecional previsto no artigo 279.11, n.º2 do CPC, ou seja, de que dispõe do prazo de 30 dias após o transito em julgado para apresentar nova ação, porque isso decorre diretamente da lei processual civil aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.

VIII. De facto, considerando que na primeira ação referente ao Proc. n.º 790/23.2BEAVR porque estava em causa uma ilegitimidade singular, não podia o Recorrente usar do mecanismo de substituição da petição previsto no n.º 2 do artigo 89.° do CPTA, uma vez que quando a exceção é insuprível, como era o caso, não há a possibilidade de substituir a petição em consequência de absolvição da instância, mas apenas a faculdade de nova ação, com aproveitamento dos efeitos da anterior.

IX. Deste modo, porque a exceção de ilegitimidade julgada verificada na ação que correu termos sob Proc. n.º 790/23.2BEAVR, é uma ilegitimidade singular e insuprível, não prevendo o CPTA a referida questão, sempre deverá ser aplicável o disposto no artigo 279.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 1.° do CPTA, e com efeito, deverá a presente ação ser jugada tempestiva e, por conseguinte, julgada por não verificada a exceção dilatória de caducidade e, consequentemente, apreciada a questão de mérito invocada nos autos.

X. Com efeito, não pode, aliás, ser outra decisão sob pena de violação do princípio constitucional "pro actione", que encontra a sua determinação nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, denominado como o principio da prevalência da decisão de mérito sob a forma, que encontra a sua consagração por excelência no artigo 278.º, n.º 3, do CPC e no artigo 7.° do CPTA, o qual permite a emissão de uma decisão sobre o mérito da causa mesmo que possa subsistir uma exceção dilatória.

XI. Veja-se, neste sentido, entre outros, o referido no douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 27.11.2020, tirado no processo n.º 00322/13.0BEBRG, disponível em www.dgsi.pt

XII. Pelo que, também, sob pena de violação do princípio constitucional "pro actione" deverá a douta sentença ser revogada e em sua substituição ser proferido Acórdão que determine o prosseguimento dos autos e apreciação do mérito da causa.

Termos em que ao presente recurso deve ser dado provimento, com as consequências legais, com o que V.ª Ex.ª, Senhores Desembargadores, farão

JUSTIÇA!

*

II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados (indiciariamente) os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1. O Autor é agente da Polícia Marítima (matéria incontrovertida, arts. 5.º e 6.º da petição inicial, fls. 5 e seguintes e 56 e seguintes do processo administrativo).

2. A 01/07/2022, o Autor foi colocado em mobilidade intercarreiras na Delegação Distrital ... do Réu, na carreira unicategorial de técnico superior, por um período de 18 meses (matéria incontrovertida, arts. 5.º e 6.º da petição inicial, arts. 8.º e 9.º da Oposição, fls. 5 e seguintes e 56 e seguintes do processo administrativo).

3. A 30/06/2023, o Autor enviou para os serviços do Réu, a partir da conta de correio electrónico com o endereço “..........@.....”, requerimento em que pede a consolidação da mobilidade (cf. doc. n.º 1 junto com a petição inicial).

4. A 14/07/2023, os serviços do Réu redigem a informação n.º I/23/12143, da qual consta a proposta:

Considerando o atrás exposto, nomeadamente os pareceres desfavoráveis da Delegada Distrital ..., dirigente direta do trabalhador, e do Diretor Regional da Mobilidade e dos Transportes do Centro, propõe-se que seja inferido o pedido de consolidação da mobilidade intercarreiras apresentado pelo agente da polícia marítima «AA», em situação de mobilidade intercarreiras na carreira de técnico superior na Delegação Distrital ... desde 01/07/2022, devendo o trabalhador regressar ao seu serviço de origem com efeitos a 1 de janeiro de 2024, após terminar o período de 18 meses estabelecido para a sua mobilidade.” (cf. fls. 15 e seguintes do processo administrativo)

5. A 09/08/2023, o Conselho Directivo do Réu apôs despacho na informação n.º I/23/12143, com o seguinte teor:

“- Não dar anuência à consolidação da mobilidade intercarreiras, do Agente da Polícia Marítima «AA», no mapa de Pessoal do IMT:

- Dar por finda a mobilidade do trabalhador identificado no IMT, com regresso ao serviço de origem em 1 de janeiro de 2024.” (cf. fls. 15 do processo administrativo);

6. A 11/08/2023, o Réu enviou para o endereço de correio electrónico do Autor, “..........@.....”, mensagem da qual consta:

“...foi deliberado o seguinte:

<Deliberação IMT-CD/ 2023/940

Considerando que, nos termos do n.º 1 do art.º 92.º da Lei geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada pela Lei n.º 35/2014 de 20 de junho, a mobilidade entre órgãos ou serviços da Administração Pública depende da existência de "conveniência para o interesse público, designadamente quando a economia, a eficácia e a eficiência dos órgãos ou serviços o imponham";

Considerando ainda o estabelecido no n.º 4 do art. 99.º-A da LTFP que se transcreve: "A consolidação da mobilidade entre dois órgãos ou serviços depende de proposta do dirigente máximo do órgão ou serviço de destino e de parecer favorável do membro do Governo competente na respetiva área."

Considerando, por último, face ao parecer dos dirigentes do trabalhador, que não está reunido o requisito de "conveniência para o interesse público";

O CD deliberou:
- Não dar anuência à consolidação da mobilidade intercarreiras, do Agente da Polícia Marítima «AA», no mapa de Pessoal do IMT;

- Dar por finda a mobilidade do trabalhador identificado no IMT, com regresso ao serviço de origem em 1 de janeiro de 2024.” (cf. doc. n.º 1 junto com a petição inicial).

7. A 25/09/2023, o Autor enviou para os serviços do Réu, por correio registado com aviso de recepção, articulado consubstanciando recurso hierárquico da decisão acima (cf. fls. 22 e seguintes e fl. 28 do processo administrativo).

8. A 29/09/2023, os serviços do Réu elaboraram a informação n.º I/23/16318, da qual consta: “Assim, verificando-se que não foi efetuada a audiência de interessados relativa à intenção do CD de não dar a sua anuência ao pedido de consolidação da mobilidade e, consequentemente não apresentar proposta para o efeito ao Ministro das Infraestruturas, propõe-se:

a) Enviar nova notificação ao trabalhador para efeitos de audiência prévia;

b) Ou, em alternativa, considerar o presente recurso a pronúncia naquela sede e remeter o processo ao GJC para preparação da decisão final.” (cf. fls. 38 e seguintes do processo administrativo).

9. A 24/10/2023, os serviços do Réu redigiram a informação n.º I/23/17689, da qual consta: “Propõe-se que seja emitida Deliberação do CD, que consistirá na decisão final quanto ao pedido de consolidação da mobilidade intercarreiras do trabalhador «AA», indeferindo o pedido por não existir conveniência para o interesse público na consolidação pretendida, nos termos e com os fundamentos supra expostos.” (fls. 43 e seguintes do processo administrativo).

10. A 20/12/2023, o Conselho Directivo do Réu deliberou o seguinte:

“Nos termos e com os fundamentos constantes da informação 1/23/17689 e relatório, o CD deliberou indeferir o pedido de consolidação da mobilidade intercarreiras do trabalhador «AA», por não existir conveniência para o interesse público na consolidação pretendida, conforme fundamentos expostos.” (cf. ofício n.º S/24/602, a fls. 53 e seguintes do processo administrativo).

11. A 15/01/2024, foi entregue no endereço da Mandatária do Autor, o ofício S/24/602 que o Réu para aí enviou e do qual consta, para além do mais, o seguinte:

“No seguimento da apresentação de recurso hierárquico, em representação de «AA», relativo ao indeferimento da consolidação da mobilidade do referido trabalhador fica V. Exa notificada da Deliberação proferida em reunião ordinária do Conselho Diretivo deste Instituto de 20.12 2023 MT-CD/2023/1526

"Nos termos e com os fundamentos constantes da Informação 1/23/17699 e relatório, CD deliberou indeferir o pedido de consolidação da mobilidade intercarreiras do trabalhador «AA», por não existir conveniência para o interesse público na consolidação pretendida, conforme fundamentos expostos.”

Transcreve-se de seguida o teor da referida Informação e de seguida o Relatório, que fundamentaram a Deliberação transcrita. (...)

1.2. Da audiência de interessados

O recurso vem dirigida ao Senhor Ministro das Infraestruturas e da Habitação (sic) (...) como recurso hierárquico do ato do Conselho Diretivo que indeferiu o pedido de consolidação da mobilidade.

Sucede que, compulsado o processo, veio a verificar-se que o trabalhador não foi notificado da intenção de indeferimento, em momenta prévio à deliberação do Conselho Diretivo da IMT, que determinou o indeferimento do pedido de consolidação. Isso mesmo é invocado pelo trabalhador (...) onde se refere que essa falta constitui preterição de formalidade essencial conducente à nulidade do ato administrativo (...)

Embora se conceda que não houve lugar à notificação da intenção de proceder ao indeferimento do requerido, discorda-se que tal venha a resulta na nulidade do acto. (...)

Assim, tendo sido verificado que, de facto, o trabalhador não foi notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 121.º do CPA, antes da deliberação do Conselho Diretivo de 9 de agosto, o ato de indeferimento incorre em vício de forma, sendo aplicável o regime da anulabilidade estatuído no artigo 163.º do CPA. (...)

No caso concreto, verifica-se a hipótese prevista na alínea a), suma vez que a consolidação da mobilidade, pretendida pelo trabalhador, depende de proposta nesse sentido dos serviços de destino, conforme o disposto no n.º 4 do artigo 99.º-A da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

Ora, os serviços já manifestaram que não têm interesse na consolidação do trabalhador, pelo que, smo, o indeferimento do requerido corresponde a única solução legal possível, conforme melhor se demonstrará.

Sem prescindir,

Ainda que assim não fosse, seria aplicável o disposto na alínea b) do mesmo n.º 5 do artigo 163.º do CPA, uma vez que a finalidade visada pela exigência da realização de audiência prévia vem a ser cumprida com a presente pronúncia do trabalhador.

Com efeito, o trabalhador, tendo tido conhecimento dos fundamentos subjacentes à decisão de indeferimento da consolidação, veio pronunciar-se sobre estes, apresentando a argumentação constante do articulado do recurso.

Ou seja, foi assegurado o contraditório, pelo que não haverá lugar ao efeito anulatório que decorreria da falta de audiência prévia, uma vez que foram acautelados os interesses subjacentes à formalidade preterida. (...)

Com efeito, a consolidação não é automática.

Pressupõe que o serviço de destino, onde trabalhador desempenhou funções, apresente proposta resse sentido, nos termos da referida noma.

Ora, no presente caso, tendo o trabalhador requerido a consolidação, os serviços vieram pronunciar-se em sentido desfavorável, inexistindo conveniência para o interesse público que fundamenta este regime

De mesma forma que não basta o interesse do trabalhador para desencadear a mobilidade, também não é suficiente que este pretenda a consolidação, sendo necessário que o serviço manifeste interesse nesse sentido.

O que, reitera-se, não ocorreu no caso em apreço, pelo que inexiste o pressuposto legal para que a consolidação pudesse ocorrer. (...)

III - CONCLUSÃO

Nos termos do n. 1 do artigo 92.º da LGTFP, a mobilidade é um instrumento de caráter organizacional fundado em razões de interesse público, e de natureza essencialmente transitória - A consolidação da mobilidade intercarreiras, designadamente entre dois órgãos ou serviços, não é um direito do trabalhador e depende, nos termos do n.º 4 do artigo 99.º- A da LGTFP, de proposta do dirigente máximo do órgão ou serviço de destino e de parecer favorável do membro do Governo competente na respetiva área.

- Decorridos 12 meses desde o início de funções, em situação de mobilidade, na Delegação Distrital de Aveiro do IMT IP, do trabalhador «AA», veio este requerer a consolidação da mobilidade intercarreiras, ao abrigo da referido artigo 99.º-A, da LGTFP

- Recolhidos os pareceres dos dirigentes da Delegação Distrital ... e da Direção Regional do Centro concluiu-se pela inexistência de interesse dos serviços na consolidação da mobilidade, pelo que o CD em no dia 9 de agosto, a Deliberação IMT-CO/2023/940, no sentido de indeferimento da requerido;

- Muito embora não se tenha procedido à audiência de interessados quanto ao projeto de indeferimento, a falta de audiência, que corresponde a vício de forma, não produz, no caso, efeitos anulatórios por força de principio do aproveitamento dos atos, designadamente ao abrigo da alínea a) do n.º 5 do artigo 163.º CPA, una vez que a consolidação da mobilidade, pretendida pelo trabalhador, depende de proposta nesse sentido

-Muito embora não se tenha procedido à audiência de interessados quanto ao projeto de indeferimento, a falta de audiência, que corresponde a vicio de forma, não produz, no caso, efeitos anulatório, por força do principio do aproveitamento dos atos, designadamente ao abrigo da alínea a) do n.º 5 do artigo 163.º do CPA, uma vez que a consolidação da mobilidade, pretendida pelo trabalhador, depende de proposta nesse sentido dos serviços de destino e, tendo presente que os serviços já manifestaram que não tem interesse na consolidação do trabalhador, o indeferimento do requerido corresponde à única solução legal possível;

- Ainda que assim não se entenda, é aplicável a alínea c) do mesmo n.º 5 do artigo 163.º do CPA, afastando o eleito anulatório que corresponde na a falta de audiência, uma vez que o contraditório foi cabalmente assegurado com a apresentação do recurso, que se analisa, para o efeito, como audiência prévia, nos termos do artigo 121.º e seguintes do CPA;

- Analisado o teor do recurso, aqui tido então como audiência prévia, não colhe a argumentação apresentada, porquanto, em síntese:

- a notificação do trabalhador foi efetuada nos termos legais (...)

- o ato encontra-se devidamente fundamentado na falta do pressuposto legal para a consolidação, resultante do n. 4 do artigo 99.º-A - e que consiste na não verificação da conveniência para o interesse público na consolidação, face à avaliação efetuada ao trabalhador pelos serviços, avaliação que cabe a administração e se inscreve no perímetro da sua atuação discricionária.

Face ao exposto, foi emitida a Deliberação do CD, supra transcrita, que consiste na decisão final quanto ao pedido de consolidação da mobilidade intercarreiras do trabalhador «AA», indeferindo o pedido por não existir conveniência para o interesse público na consolidação pretendida, nos termos e com os fundamentos supra expostos.” (cf. fls. 53 e seguintes processo administrativo);

12. A 05/03/2024, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, nos autos do Proc. n.º 790/23.2BEAVR, em que é Autor o aqui Autor, e Réu, o Ministério das Infra-Estruturas e da Habitação, proferiu saneador-sentença com a seguinte decisão:

“Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgam-se procedentes as suscitadas excepções dilatórias da falta de personalidade judiciária e da ilegitimidade passiva da Entidade Demandada, absolvendo-se, em consequência, o Ministério das Infra-Estruturas e da Habitação da instância.(cf. doc. n.º 2 junto com a petição inicial).

13. A 27/04/2024, Autor deu entrada neste Tribunal, via SITAF, da petição inicial que autuou o Proc. n.º 263/24.6BECBR, acção administrativa contra o aqui Réu, em que pede a anulação da decisão impugnada (cf. fls. 1 e seguintes do SITAF, Proc. n.º 263/24.6BECBR).

14. A 30/04/2024, deu entrada neste Tribunal, via SITAF, o requerimento inicial que autuou o presente processo cautelar (cf. fls. 1 e seguintes SITAF).

15. A 08/05/2024, foi recepcionado na sede do Réu o aviso de recepção relativo ao envio postal da citação para contestar no Proc. n.º 263/24.6BECBR (cf. fls. 61 do SITAF, Proc. n.º 263/24.6BECBR).

*

III - Enquadramento jurídico.

A decisão recorrida procedeu ao seguinte enquadramento jurídico, na parte aqui relevante:

“(…)

2.2. Caducidade do direito de acção.

Avançando para a caducidade do direito à impugnação do acto.

Num processo cautelar que seguisse a tramitação normal, a caducidade do direito de acção seria um tema a colocar no fumus bonis juris, porquanto ter-se-ia que indagar a procedibilidade do pedido principal: “A nível do fumus boni iuris não basta constatar que não é manifesta a falta de fundamento da pretensão vertida ou a verter na acção principal, antes é necessário poder-se concluir, a partir da análise perfunctória das ilegalidades invocadas, pela «probabilidade de procedência da mesma”3.

Porém, tendo as partes acordado na resolução definitiva do litígio por decisão a proferir no processo cautelar (arts. 121.º/1 CPTA), leva a que a caducidade do direito de acção do Autor, uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, seja conhecida como tal neste processo. Outra opção não faria sentido e permitiria contornar, deste modo, os efeitos da ausência de um pressuposto processual essencial.

Os factos necessários para a decisão desta excepção são os que estão acima assentes, e para onde se remete.

A caducidade é um dos efeitos que o tempo exerce sobre situações jurídicas constituídas e, neste caso, extingue um direito, quando, por inactividade do seu titular, este não o exerça. “Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição” (art. 298.º/2 CC). A certeza e a segurança jurídica em sentido objectivo são as pedras de toque deste instituto, que visa promover um ambiente jurídico estável e fiável. Elimina-se do tráfego jurídico posições jurídicas que, pela sua não movimentação, criem a expectativa de estarem obsoletas, evitando futuras entropias.

Em consequência desta sua função de normalização extra partes, a caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal (art. 333.º CC), não admitindo, em regra, suspensão ou interrupção do seu curso (art. 328.º CC) e apenas é interrompida pela prática do acto constitutivo do exercício do direito (art. 338.º CC).
3 Acórdão do STA de 24/05/2018, Proc. n.º 0371/18

O direito a impugnar um acto administrativo não é um incontornável perene: “estamos perante um prazo de caducidade, cujo decurso faz extinguir o direito de demandar em juízo, e não perante um prazo estabelecido para a prática de um ato inserido num processo judicial, a este prazo – de propositura da ação – não se aplica o disposto nos nºs 5 e 6 do art. 145º do CPC/art. 139.º, nºs 5 e 6, do CPC2013 -, tal como, abundantemente, tem a jurisprudência e a doutrina pacificamente concluído, em virtude de este prazo de impugnação, como quaisquer outros prazos de relativos ao exercício do direito de ação administrativa, ser um prazo substantivo de caducidade do exercício de um direito, insuscetível de prorrogação, ao contrário dos prazos de natureza processual.”4

Assim, os prazos de impugnação dos actos administrativos dependem da invalidade de que padeçam. Se forem nulos, são impugnáveis a todo o tempo, caso sejam anuláveis, em três meses após a notificação do acto ao interessado (arts. 58.º/1/b) e /2 CPTA, 161.º e 163.º CPA). Este prazo, porque substantivo, é contado nos termos do Código Civil, de modo corrido (arts. 58.º/2 CPTA e 279.º CC), ao contrário dos prazos procedimentais, que saltam os dias não úteis (art. 87.º CPA), e dos prazos processuais, cuja contagem se suspende nas férias judicias (art.º 138.º CPC) – com a excepção dos actos urgentes.

Passando aos factos.

A 09/08/2023, o Conselho Directivo do Réu decidiu negativamente a pretensão do Autor (5), tendo, a 11/08/2023, enviado ofício com a informação para a caixa de correio electrónico deste (6).

As notificações em procedimento administração podem ser feitas por correio electrónico, contanto que o notificado tenha consentido previamente nessa forma de notificação (art. 112.º/1/c) e /2/b) CPA). Essa autorização presume-se se o interessado tiver estabelecido contacto regular através daqueles meios (art. 63.º/2 CPA).

O Autor apresentou o requerimento para a consolidação da mobilidade por mensagem de correio electrónico, emitida a partir do endereço ..........@....., o mesmo para o qual foi enviado ofício dando conta do indeferimento da sua pretensão (6).

Ora, dentro de um quadro de comportamento normal, se o requerimento foi apresentado através de um determinado endereço de correio electrónico, é congruente que o requerente esteja a consentir em
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4 Acórdão TCAS de 15/10/2020, Proc. n.º 2774/13.0BELSB
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receber, por essa mesma via, notificações. Sobretudo tratando-se de comunicações dentro da mesma entidade. Estranho seria se estivesse à espera de receber retorno por qualquer outro meio, sobretudo tratando-se de alguém que terá conhecimento do esforço que o legislador coloca em digitalizar a administração pública, para a tornar mais ágil e próxima dos administrados (art. 61.º CPA).

Afirmando sem dúvidas, trata-se de uma autorização tácita do Autor, para receber as notificações do procedimento na caixa de correio electrónico usada para comunicar o requerimento (art. 6.º CC).

Estabelecendo-se a validade do meio usado pra a notificação, esta torna-se perfeita no 5.º dia útil posterior ao seu envio ou no primeiro dia útil seguinte a esse quando não seja útil (art. 113.º/6 CPA).

Então, o primeiro dia útil da contagem foi o dia 14/08/2023, e o quinto dia útil foi o dia 21/08/2023, o termo inicial da contagem do prazo de caducidade seria o dia 22/08/2023.

Como referido, os prazos de caducidade contam-se seguidos, pelo que, sem qualquer evento interruptivo ou suspensivo, o prazo de caducidade de 3 meses teria o seu termo final a 22/11/2023.

A 25/09/2023, o Autor apresentou junto dos serviços do Réu, um articulado consubstanciando um recurso hierárquico (7).

Os recursos hierárquicos obrigatórios são a excepção numa regra de recursos facultativos, como se retira do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro e do art. 185.º/2 CPA. Categoria em que se coloca o presente recurso.

Os meios de impugnação facultativos contra actos administrativos suspende o prazo de propositura de acções nos tribunais, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão sobre a impugnação ou com o decurso do respectivo prazo legal (art. 190.º/2 CPA e 59.º/4 CPTA).

A suspensão, ao contrário da interrupção, não destrói o prazo decorrido anteriormente, que é contabilizado (art. 326.º/1 CC) após a cessação da suspensão.
Deste modo, a 25/09/2023, daquele prazo de 3 meses, haviam já decorrido 34 dias que terão de ser imputados no prazo subsequente.

O recurso hierárquico deverá ser decidido no prazo de 30 dias contados a partir da data da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer, o que deverá acontecer no prazo de 15 dias após a recepção do recurso (arts. 198.º/1 e 195.º/1 CPA), num total de 45 dias, contados de acordo com as regras do art. 87.º CPA.

O termo final para a decisão do recurso hierárquico era o dia 29/11/2023, retomando a contagem do prazo para a impugnação a 30/11/2023.

A circunstância de não ter sido remetido o processo para decisão é irrelevante para o efeito. O Autor não estava impedido de propor a acção em tribunal, mesmo sem qualquer decisão (art. 190.º/4 CPA e 59.º/5 CPTA).

Assim, a 30/11/2023 reiniciava-se a contagem do prazo de 3 meses, do qual se haviam já esgotado 34 dias, sobrando, assim, 56 dias para que o Autor impugnasse o acto, o que atira o termo final do direito à acção para o dia 24/01/2024.

A caducidade interrompe-se pela prática, dentro do prazo legal, do acto a que a lei atribua efeito interruptivo (art. 331.º/1 CC). Como visto, seria a propositura da acção dentro do prazo de 3 meses.

A PI relativa à acção de impugnação do acto praticado pelo Requerido deu entrada neste Tribunal a 27/04/2024 (13), ou seja, ultrapassado em muito àquela a que corresponderia o termo final da caducidade do direito de acção, 24/01/2024.
O Requerente refere que se lhe aplicará a regra do art. 279.º CPC, porquanto, em data que não indicou, entrou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro acção administrativa tendo por Autor o aqui Autor e por Réu o Ministério das Infra-Estruturas e Habitação, com termos no Proc. n.º 790/23.2BEAVR. Neste processo, em 05/03/2024, o TAF de Aveiro, proferiu saneador-sentença de absolvição do ali Réu (12). A 27/04/2024, deu entrada neste Tribunal da petição inicial que iniciou os autos do Proc. n.º 263/24.6BECBR (13). Pelo que, estaria afastada a caducidade.

Apreciando.

O art. 279.º/2 CPC prevê que: “Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova ação for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.”.

A propositura da acção tem diversos efeitos substantivos como, por exemplo, a interrupção da caducidade (art. 331.º/1 CC). O art. 332.º/1 do CC determina que, quando a caducidade se referir ao direito de propor certa acção em juízo, e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o art. 327.º/3 CC: “Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses.”

De acordo com a doutrina e a jurisprudência, o regime civilista sobrepõem-se e afasta o regime processual, “Da interpretação conjugada dos arts. 289.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e 327.º, n.º 3 e 332.º, n.º 1, ambos do Código Civil, resulta que o regime nestes estabelecido prevalece sobre o dali constante, no que à caducidade diz respeito, e, assim, os efeitos civis da propositura da acção, impedindo a verificação daquela caducidade, mantêm-se nos dois meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, desde que este desfecho não seja imputável ao titular do direito, ou seja, não se deva a culpa da sua parte quanto ao modo como propôs e fundamentou em juízo a acção”5.

Não se desconhece que existe jurisprudência que entenda em sentido contrário, mas com a qual o Tribunal não milita, dado que “Interpretação contrária conduziria a premiar quem age no limiar temporal do seu direito, e ainda por cima o exerce mal.”6

Portanto, tendo a absolvição da instância ocorrido a 05/03/2024 e a propositura da presente acção ocorrido a 27/04/2024, a tese do Autor é que estaria dentro do prazo de dois meses, após o trânsito, para validamente propor nova acção.

Contudo, é necessário que a absolvição não seja processualmente imputável ao Autor.

O critério de imputabilidade do erro deve ser preenchido casuisticamente, e compreendido em termos sistemáticos. A jurisprudência estabelece algumas concretizações relevantes a este aspecto:

Acórdão STJ de 16/02/2012, Proc. n.º 566/09.0TBBJA.E1.S1:

“Na verdade, a ratio que parece atravessar todo o regime inovatoriamente instituído no CC é a que se traduz em considerar que quem está onerado com um prazo de caducidade não pode – para impedir eficaz e definitivamente a extinção do direito exercitado judicialmente – limitar-se a apresentar em juízo tempestivamente uma qualquer petição, independentemente da sua consistência e da adequação para
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5 Acórdão TRL de 23/10/2013, Proc. n.º 994/13.1T2SNT.L1-4
6 Acórdão TCAN de 02/07/2015, Proc. n.º 01304/13.8BEPRT
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obter uma decisão de mérito no processo por ela iniciado. Pelo contrário, o ónus decorrente da fixação de um prazo — normalmente curto — de caducidade, traduzindo a intenção do legislador de ver resolvido definitivamente, em período temporal curto, o litígio porventura existente entre as partes, implicará um particular ónus de zelo, diligência e prudência técnica na propositura da acção e no subsequente desenrolar do processo, obstando a frustração da causa por motivo imputável em exclusivo ao autor a uma automática renovação do prazo de caducidade, entretanto consumado, decorrente da irrestrita oportunidade de repetir a causa e com isso obter automaticamente a sobrevivência dos efeitos civis decorrentes, no âmbito do instituto da caducidade, da proposição atempada da acção originária.

Pelo contrário, esse efeito já será justificado quando, tendo o autor agido com a diligência devida, a prolação de mera decisão de forma lhe não possa ser imputável, não resulte de culpa sua — sendo antes de atribuir às contingências de funcionamento do sistema judiciário, nomeadamente a dúvida razoável e fundada sobre determinado pressuposto processual - aquele cuja falta veio a ditar a absolvição da instância - face à doutrina e jurisprudência existentes. (...)

Como é evidente, o novo regime estabelecido no CC para a caducidade — envolvendo apelo a um juízo de culpa ou censurabilidade quanto ao motivo que ditou a absolvição da instância ( cfr. Ac. de 15/11/06, proferido pelo STJ no P. 06S1732) — é menos favorável para o autor, que vê determinados erros técnicos na aferição dos pressupostos processuais, envolvendo culpa da parte e seu mandatário, ou negligência manifesta na condução da lide ( conduzindo à prolongada interrupção da instância, de modo a completar-se entretanto o prazo de caducidade inicialmente impedido com a propositura da acção — cfr. nº2 do art. 332º do CC) ditarem a caducidade do direito, apesar de a acção que acaba por se frustrar ter sido tempestivamente desencadeada."

No caso presente, está-se perante uma absolvição da instância por ilegitimidade passiva da entidade demandada pelo Autor. O Autor demandou o Ministério das Infra-Estruturas e da Habitação quando deveria ter demandado o aqui Réu. O Réu integra a administração indirecta do Estado, constituído como um Instituto Público (Decreto-Lei n.º 236/2012, de 31 de Outubro), uma pessoa colectiva de direito público e, como tal com personalidade jurídica própria (art. 4.º/1 do Decreto-Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro). Dito de outro modo, ainda que faça parte do Estado, não integra a Administração Directa do Estado e nem com este se confunde, pelo que, não deveria ter sido demandado ab initio (art. 6.º CC), não sendo obscuro que o Réu é um Instituto, na medida em que surge assim identificado, nem surge num quadro de instabilidade legislativa que possa justificar o erro7.

Numa situação em que houve absolvição da instância por ilegitimidade passiva foi decidido:

“II - A definição do conceito “motivo processual não imputável ao titular do direito” deve fundar-se na ideia de culpa.

III - O conceito de culpa na origem da decisão de absolvição da instância deve, porém, ser interpretado de forma razoável, de modo a afastar os casos em que nenhuma culpa pode ser imputada à parte, designadamente porque a falta do pressuposto processual que ditou essa absolvição da instância decorre de dúvida fundada e razoável sobre a interpretação da lei e não de erro indesculpável da parte que injustificadamente iniciou uma acção que bem sabia - ou devia saber - que era inviável, em termos de virtualidade para nela se obter uma decisão de mérito.

IV - É imputável ao autor, comproprietário, a absolvição dos réus da instância, por ilegitimidade, quando esta decorre da propositura de uma acção de preferência sem intervenção de um outro comproprietário, o que o impede, na instauração de uma nova acção de preferência, de poder beneficiar do disposto no art. 327º, nº 3 do Cód. Civil.”8

Noutra situação:

“No caso concreto, as duas decisões de absolvição da instância, proferidas no processo n.º 206/90 e no processo n.º 205/2002, são imputáveis aos autores: no primeiro caso, porque não demandaram a "E", dando causa a uma excepção dilatória de ilegitimidade, por preterição do litisconsórcio necessário passivo;”9

É neste contexto que o Tribunal julga que a absolvição da instância no processo anterior por ilegitimidade processual passiva não permite ao Autor recorrer ao regime de extensão do prazo de caducidade.

Também não se desconhece que devem ser levadas em conta as circunstâncias que determinaram o esgotamento do prazo de prescrição antes de ser proferida a decisão. Nomeadamente, se existiu um
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7 Acórdão STA de 18/01/2018, Proc. n.º 0683/14
8 Acórdão TRP de 09/12/2014, Proc. n.º 1010/06.0TBLMG.P1
9 Acórdão TRG de 15/02/2006, Proc. n.º 2480/05-2
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tardamento inusitado do tribunal em proferir a absolvição da instância10. De entre os dados assentes, tendo uma acção dado entrada a 06/11/2023 (10) e o saneador-sentença proferido a 05/03/2024 (13), não existe, objectivamente, nada que indicie que tal se deveu a uma causa não imputável ao Autor. De resto, o Autor tão pouco alego qualquer motivo para que se possa interpretar de outro modo.

Por tudo o exposto, procede a excepção de caducidade do direito de impugnação do Requerente/Autor.

Verifica-se uma excepção dilatória, que impede o conhecimento do mérito da causa, e dá lugar à absolvição do Réu da instância (arts. 89.º/1, /2/4/k) CPTA).

(…).

1. A preterição do contraditório.

Nos processos cautelares não está previsto o articulado da réplica ou resposta à matéria de excepção – n.º1 do artigo 118º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

O que se compreende face às características do procedimento cautelar: instrumentalidade, (dependência da acção principal), provisoriedade (não está em causa a resolução definitiva de um litígio) e sumariedade (summaria cognitio do caso através de um procedimento simplificado e rápido) (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, paginas 228 a 231).

Como no próximo ponto veremos, não poderia o Tribunal recorrido antecipar o conhecimento do processo principal pondo-lhe termo pelo conhecimento de matéria de excepção na acção principal.

Assim como não poderia ter antecipado o conhecimento de mérito do processo principal – questão que nem sequer colocou – por não se tratar de uma questão simples nem a impor decisão urgente, com veremos.

Pelo que se impõe conhecer da matéria de excepção e de mérito no próprio processo cautelar.

Não haveria, portanto, que assegurar o contraditório em réplica, ainda que fosse admissível o articulado da réplica nos processos cautelares, porque a sede própria para as partes abordarem o tema sempre seriam, apenas, o requerimento inicial e a oposição - artigos 114º e 117º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

A excepção de caducidade, tal como foi abordada na decisão recorrida, é matéria de excepção na acção principal porque impõe a absolvição da instância e, assim, impede o conhecimento de mérito da acção.

No processo cautelar é já conhecimento de mérito, o conhecimento do requisito do “fumus boni iuris”, pois se trata de concluir que a acção principal não irá provavelmente proceder porque provavelmente se concluirá, ali, pela caducidade do direito de acção – pare final do n.º1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

A caducidade seria matéria de excepção no processo cautelar se se verificasse qualquer das situações a que alude o artigo 123º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o que aqui não sucede, pois a caducidade da providência cautelar pressupõe que esta já tenha sido decretada, como decorre claramente deste preceito.

Quanto à tempestividade, a providência cautelar foi interposta em tempo porque foi interposta na pendência da acção principal – alínea c) do n.º 1 do artigo 114º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Improcede, pois, este fundamento do recurso.

2. A absolvição da instância.

Determina o artigo 121.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sob a epígrafe “Decisão da causa principal” que:

1 - Quando, existindo processo principal já intentado, se verifique que foram trazidos ao processo cautelar todos os elementos necessários para o efeito e a simplicidade do caso ou a urgência na sua resolução definitiva o justifique, o tribunal pode, ouvidas as partes pelo prazo de 10 dias, antecipar o juízo sobre a causa principal, proferindo decisão que constituirá a decisão final desse processo.

(…)”

Como decorre inequivocamente dos termos “simplicidade do caso” e “resolução definitiva” e “juízo sobre a causa principal” a decisão a tomar ao abrigo desta decisão é uma decisão de mérito e não uma decisão adjectiva como a que foi tomada.

Sendo a caducidade do direito de acção no processo principal matéria de excepção e não matéria de mérito, não poderia o Tribunal recorrido decidir, como decidiu, absolver o Requerido da instância, como antecipação do conhecimento de mérito do processo principal.

Nem poderia conhecer de mérito da acção principal no processo cautelar – questão que nem sequer se colocou – porque a questão de mérito não é simples nem impõe decisão urgente.

Não tem qualquer urgência tanto assim que não está classificado como processo urgente e não se trata de uma questão simples porque implica a análise criteriosa e aprofundada de diversas normas jurídicas e de vários vícios imputados ao acto, bem como a análise da possibilidade legal de aproveitamento do acto.

Impondo-se nessa medida revogar a decisão recorrida, por erro de direito, por desrespeito ao disposto no artigo 121.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

3. O mérito da providência requerida.

Dado que o Tribunal recorrido não conheceu de mérito do pedido cautelar, impõe-se agora em sede de recurso conhecer do mérito da providência já que nada a tal obsta – n.º 3 do artigo 149º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Não serão ouvidas as partes sobre o mérito do pedido, como impõe o n.º 5 deste artigo 149º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, dado que esta matéria já foi suficientemente debatida nos autos, tornando a audição das partes neste caso um acto inútil.

E dado que tal diligência não está prevista em processo urgente na primeira instância - n.º1 do artigo 119º e parte final do n.º 4 do artigo 149º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Dito, isto vejamos.

Determina o n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02.10 - com início de vigência em 01.12.2015 (aplicável no tempo ao caso):

“Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.”

Face ao teor actual deste preceito não há que distinguir agora entre providências conservatórias, como o pedido de suspensão da eficácia de um acto, e providências antecipatórias.

É necessário, além do mais, que seja “provável que a pretensão formulada ou a formular no processos principal venha a ser julgada procedente para que uma providência antecipatória possa ser concedida. Como, neste domínio, o requerente pretende, ainda que a título provisório, que as coisas mudem a seu favor, sobre ele impende o encargo de fazer prova que as coisas mudem a seu favor, sobre ele impende o encargo de fazer prova sumária do bem fundado da sua pretensão deduzida no processo principal” Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, página 609.

No caso concreto não é provável que acção principal venha a ser julgada procedente, pelo contrário.

Não por se verificar, como concluiu o Tribunal recorrido, a exepção de caducidade do direito de acção.

A faculdade prevista no artigo 279.º, n.º2, do Código de Processo Civil, aqui em causa, de intentar uma açcão no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão que absolveu o demandado da instância não está dependente de esta não ser imputável ao demandante porque tal restrição não está prevista na lei.

E onde o legislador não distingue não cabe ao intérprete distinguir, segundo o antigo brocado latino.

Ao argumento de que a esta interpretação conduz “a premiar quem age no limiar temporal do seu direito, e ainda por cima o exerce mal” contrapõe-se outro, mais consistente: restringir tal faculdade apenas aos casos em que a absolvição da instância não é imputável ao demandante seria penalizar quem age dentro do limite temporal do seu direito e nas condições expressas pelo legislador.

Em todo o caso, embora a maioria da jurisprudência se incline no sentido de que a ilegitimidade passiva singular não é suprível, tal entendimento regista dissidências na jurisprudência, mas sobretudo na doutrina – ver por todos os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 08.05.2008, no processo 1509/06, e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 23.01.2015, no processo 442/13.1 PNF.

Pelo que dificilmente se poderia concluir pela culpa do demandante na absolvição da instância por ter intentado a primeira acção contra a pessoa colectiva errada.

Em todo o caso, na dúvida, sempre seria de julgar improcedente a matéria de excepção, face ao princípio “in dubio pro actione”, de favorecimento das decisões de mérito sobre as decisões adjectivas.

Conclui-se que a acção principal está condenada ao fracasso pela falta de mérito, porque, ainda que proceda algum vício invocado, sempre será de manter na ordem jurídica o acto impugnado.

Ainda que se tenha por verificado, designadamente, o vício formal da falta de audiência prévia, sempre o acto em apreço se deverá manter na ordem jurídica porque não restava à Entidade Demandada outra solução legal que não fosse a adoptada no acto impugnado.

A solução legal de indeferir pedido deduzido pelo Demandante, Agente da Polícia Marítima, de consolidação da mobilidade intercarreiras, no mapa de Pessoal do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, e, consequentemente, dar por finda a mobilidade deste trabalhador no Instituto, com regresso ao serviço de origem em 1 de Janeiro de 2024.

Porque esta consolidação da mobilidade intercarreiras só pode verificar-se se o serviço de destino, onde trabalhador desempenhou funções, apresentar proposta nesse sentido - n.º 4 do artigo 99.º-A da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

No caso concreto, tendo o trabalhador requerido a consolidação, os serviços vieram pronunciar-se em sentido desfavorável, inexistindo, segundo estes, conveniência para o interesse público que fundamenta este regime.

O que a Entidade Demandada fez constar no ofício S/24/602 que foi entregue no endereço da Mandatária do Autor em 15.01.2024 – facto indiciariamente provado sob o n.º 11.

Não se verificando, desde logo, esse requisito, da aparência do bom direito, impõe-se julgar improcedente a providência requerida, sem necessidade de apreciar os demais requisitos que são de verificação cumulativa.

Neste sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 26.10.2012, no processo 01087/12.9 –A BRG e toda a jurisprudência aí citada).

Julgar a providência cautelar improcedente no recurso jurisdicional implica julgar também este improcedente porque, apesar de se revogar a decisão recorrida, não se satisfaz a pretensão, a final, do Recorrente, conhecer de mérito da providência em sentido que lhe seja favorável.

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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO pelo que:

1. Revogam a decisão recorrida.

2. Julgam, em substituição do Tribunal recorrido, improcedente o processo cautelar, indeferindo a providência requerida.

Custas em ambas as instâncias pelo Requerente e Recorrente.

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Porto, 13.09.2024



Rogério Martins
Isabel Costa
Paulo Ferreira de Magalhães)