Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00088/11.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/04/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:AUSÊNCIA DE CULPA NA INSUFICIÊNCIA DO PATRIMÓNIO
Sumário:
I- No domínio da vigência da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto (art. 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT).
II - Assim, sendo as dívidas provenientes de IVA, ao gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto não basta, em sede de oposição à execução fiscal, alegar que a empresa atravessava dificuldades económicas provocadas por motivos exógenos, que ele se esforçou por ultrapassar, e que foi um gestor diligente.
III - Haverá, isso sim, que demonstrar que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efetuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.
IV - A dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o oponente. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:JNKPDM
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a sentença recorrida
Julgar a oposição improcedente
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer concluindo que o recurso merecer provimento
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Porto, que julgou procedente a pretensão do Recorrida na presente instância de OPOSIÇÃO com referência à execução fiscal n.º 3182200801005251 e apensos, originariamente instaurada contra a sociedade JNKF, Lda. pelo Serviço de Finanças do Porto, e revertida contra JNKPDM, por dívidas de IVA de 2006 e 2007, no montante de € 2.244,60, pretendendo a extinção da execução que contra si reverteu.
*
A Recorrente não se conformando com a decisão interpôs recurso tendo formulado as seguintes conclusões, que se reproduzem:
“(…)
A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a oposição deduzida por JNKPDM, NIF 17xxx98, na sequência da reversão contra si efetuada no processo de execução fiscal com o nº 3182200801005251 (e apenso 33182200901055747), por dívidas relativas a IVA dos anos de 2006 e 2007, no montante de €2.244,60, em que é devedora originária a sociedade “JNKF, LDA”, NIPC 50xxx41.
B. Considerou o Tribunal a quo, na sentença, que o oponente conseguiu afastar a presunção de culpa sobre si incidente no que respeita ao IVA exequendo de 2006, o que determina a sua ilegitimidade na instância executiva quanto a este tributo que se venceu no período da sua gestão.
C. Com a ressalva do sempre devido respeito, não se conforma a Fazenda Pública com esta decisão, porquanto considera existir erro de julgamento, consubstanciado na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a extinção da execução revertida contra o oponente e na incorreta apreciação e valoração da matéria factual, porquanto a factualidade dada como assente no probatório não é bastante para suportar o julgamento de que o oponente conseguiu afastar a presunção de culpa que sobre si recaia no que respeita ao IVA exequendo de 2006 e que não lhe é imputável o não pagamento daquela dívida exequenda.
D. Assim, contrariamente ao sentenciado, perfilha, pois, a Fazenda Pública o entendimento de que não é de proceder a pretensão formulada na presente oposição no que concerne ao IVA de 2006, porquanto não há nos autos prova alguma no sentido de que a falta de pagamento daquela dívida em cobrança coerciva, não seja imputável ao Oponente.
E. No caso em concreto, a reversão foi efetuada com fundamento na alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT, pelo que a responsabilidade subsidiária do oponente é referente às dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega terminou no período do exercício do seu cargo, competindo-lhe a prova de que essa falta de pagamento não lhe é imputável, não fazendo a lei nenhuma exigência à AT quanto à alegação e prova da culpa.
F. Conforme resulta dos autos, o oponente foi gerente da sociedade devedora originária, desde 1998/04/16 até 2007/12/31, facto provado – alínea 1. da factualidade assente - nunca contestado pelo oponente.
G. Na parte a que se refere este recurso, está em causa uma dívida de IVA de 2006, cujo prazo de pagamento ou entrega terminou em 2007/12/06, em pleno exercício, pelo oponente, do cargo de gerente na referida sociedade, pelo que, face à presunção legal prevista no art. 24º, n º 1, alínea b) da LGT, o ónus da prova não recai sobre a Administração Tributária mas sim sobre o oponente que para se eximir da responsabilidade subsidiária teria que demonstrar que a falta de pagamento do imposto em causa não lhe era imputável.
H. Refere o Tribunal a quo na sua sentença que: “olhando os factos provados, dos mesmos não se extrai factualidade que permita ao Tribunal concluir pela culpa do oponente na gestão empregue até 31.12.2007.
I. Com o devido respeito, entende a Fazenda Pública que não cabe ao tribunal verificar, como aconteceu no caso em apreço, se da factualidade dada como provada constam ou não factos que permitem concluir pela culpa do oponente, porquanto essa culpa já se encontra legalmente presumida face ao disposto no art.º 24º n.º 1 al. b) da LGT.
J. Nestes termos, atenta a presunção legal de culpa prevista no art.º 24º n.º 1 al. b) da LGT, cabe ao Tribunal aferir se da factualidade dada como assente se extraem ou não factos que permitem concluir pelo afastamento daquela presunção de culpa, sendo certo que no caso de não se extrair dessa factualidade factos que, sem margem para dúvida, afastem a culpa do oponente na falta de pagamento da dívida, a falta de prova desses factos terá de ser valorada contra o oponente.
K. Ora, da factualidade dada como provada nos presentes autos não resulta qualquer facto suscetível de afastar a referida presunção legal de culpa.
L. Com efeito, não constam dos autos factos que permitam concluir que a falta de pagamento da dívida exequenda relativa a IVA de 2006 não é imputável ao oponente, o que passava pela demonstração da falta de fundos da devedora originária para efetuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.
M. Por outro lado, ao contrário do que é referido na sentença do Tribunal a quo, entende a Fazenda Pública que eventuais preocupações estratégicas para alargar o mercado, nomeadamente o facto de o oponente ter investido na fotografia digital (ponto 9 dos factos provados) muitos anos antes da data de vencimento da dívida aqui em causa e do facto tributário, bem como as diligências por aquele efetuadas no sentido de recuperar e reconstituir a contabilidade depois de a sociedade devedora ter sido alvo de um procedimento inspetivo em 2003, ou a cessação da prestação de serviços, em 2004, com a anterior sociedade de contabilidade que alegadamente fez desaparecer aquela contabilidade, não são suscetíveis nem de demonstrar que o oponente foi um gerente diligente, nem a falta de fundos da sociedade originária aquando da data limite de pagamento do IVA de 2006 (em 2007/12/06), muito menos que tal falta não se deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.
N. A prova de que a falta do pagamento do imposto não lhe é imputável passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efetuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gerente, sendo que a dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o oponente.
O. Nem dos documentos juntos aos autos, nem do depoimento das testemunhas inquiridas nos presentes autos se extrai qualquer facto suscetível de afastar a presunção de culpa que recai sobre o oponente.
P. Acresce que não pode a Fazenda Pública concordar com o facto dado como provado no ponto 14 da factualidade assente porquanto não se encontra sustentado em qualquer meio de prova junto aos autos que a situação económica e financeira se começou a agravar desde 2003.
Q. Ao dar como provado que a situação se começou a agravar desde 2003 indica que a situação económica e financeira desde essa data em diante foi sempre a agravar, o que se desconhece.
R. Do depoimento das testemunhas não se pode extrair o facto de que a situação económica e financeira se começou a agravar de 2003 em diante, quando muito que se agravou naquele ano.
S. Na verdade a primeira testemunha trabalhou para a executada devedora originária, apenas em 2002 e 2003, conforme resulta da ata de inquirição de testemunhas, não tendo conhecimento direto do que se terá passado nos anos a seguir.
T. Com efeito, a dívida em causa reporta-se a uma data em que aquela já não tinha nenhuma ligação com a sociedade devedora originária ou com a sua atividade, não tendo relatado qualquer facto que demonstrasse que na data limite de pagamento aquela sociedade tinha dificuldades financeiras e que não tinha fundos para efetuar o pagamento.
U. Já a segunda testemunha, limitou-se a relatar factos superficiais atinentes à perda de mercado, sendo certo que nunca trabalhou para a sociedade devedora originária, nem com oponente ou para ele, desconhecendo, portanto, o exercício da atividade e funcionamento de tal sociedade.
V. Ora, a dívida exequenda aqui em causa está perfeitamente delimitada no tempo, referindo-se a IVA de 2006 cujo prazo de pagamento terminou em 2007/12/06, sendo que não consta dos autos qualquer prova documental ou testemunhal que demonstre qualquer dificuldade económico financeira ou falta de fundos para efetuar o pagamento à data da dívida.
W. Pelo exposto, ressalvado o sempre respeito devido pelo labor do Tribunal a quo, não decorre dos autos qualquer prova que permita sustentar que a falta de pagamento da dívida de IVA de 2006 não seja imputável ao Oponente, sendo por isso legítimo considerar que o revertido não conseguiu de todo ilidir a presunção de culpa que sobre ele impendia.
X. Pelo exposto, com ressalva do devido respeito, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, consubstanciado na errada interpretação do art.º 24º n.º 1 al. b) da LGT, e na incorreta apreciação e valoração da matéria factual.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA. (…)”
*
A Recorrida não contra-alegou.
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Dada vista ao Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer concluindo que o recurso merece provimento.
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Colhidos os vistos das Exmªs Juízas Desembargadores Adjuntas, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sendo as de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, consubstanciado na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a extinção da execução revertida contra o oponente e na incorreta apreciação e valoração da matéria factual, porquanto a factualidade dada como assente no probatório não é bastante para suportar o julgamento de que o Oponente/Recorrido conseguiu afastar a presunção de culpa que sobre si recaia no que respeita ao IVA exequendo de 2006 e que não lhe é imputável o não pagamento daquela dívida.
3. JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:“(…):
1. O oponente foi gerente da sociedade JNKF, LDA desde 16.04.1998 até 31.12.2007 – Cfr. fls. informações de fls. 60/62 do processo físico.
2. Desde 1998 e pelo menos até ao ano 2004, a contabilidade da sociedade JNKF, LDA era realizada pela empresa JM – Contabilidade, Lda - Facto não controvertido; Cfr. fls. 140 do processo físico.
3. Em 2003 a sociedade referida em 01) foi alvo de um procedimento inspectivo aos exercícios de 2000, 2001 e 2002, tendo sido aplicados métodos indirectos – Cfr. fls. 73/93 do processo físico.
4. A sociedade, na sequência do relatório inspectivo pediu revisão da matéria colectável – Cfr. Doc. 3 junto com a PI.
5. Após a acção inspectiva referida em 02), a sociedade JNKF, LDA deixou de contratar os serviços da empresa de contabilidade identificada no ponto anterior, dos quais prescindiu – Facto não controvertido; Cfr. Doc. 11 junto com a PI e fls. 134/135 do processo físico.
6. A sociedade JNKF, LDA, solicitou à empresa identificada em 02), por várias vezes e formas, nomeadamente através de notificação judicial avulsa e arrolamento, a entrega de documentos contabilísticos respeitantes aos anos 200 a 2002 – Cfr. fls. 140/164 do processo físico.
7. Em 2003 o oponente, na qualidade de representante da executada identificada em 01) apresentou queixa contra a sociedade de contabilidade identificada em 02), nos termos constantes de fls. 168/171 do processo físico cujo teor se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
8. Em 2004, no âmbito do processo 7024/03.4TYPRT da 5ª Vara, 3ª secção, das Varas cíveis do Porto, foi efectuado Auto de Arrolamento referente a vários documentos contabilísticos da sociedade referida em 01) – Cfr. fls. 165/166 do processo físico.
9. O oponente, enquanto gerente da executada, em consequência da evolução tecnológica na área da fotografia e das exigências do mercado investiu na fotografia digital – Prova testemunhal.
10. A sociedade referida em 01) cessou actividade em 31.12.2007 – Cfr. fls. 60 do processo físico.
11. Em 2008 e 2009, contra a sociedade JNKF, LDA, foi instaurado, pelo Serviço de Finanças do Porto 2, o Processo de Execução Fiscal nº 3182200801005251 e apenso (318220100900050), por dívidas referentes a IVA de 2006, no valor de € 1.496,40 e de 2007, no valor de € 748,20, com data limite de pagamento, respectivamente em 06.12.2007 e 28.05.2009 – Cfr. fls. 55 e 69/70 do processo físico.
12. Em 27.08.2010, no âmbito da execução fiscal referida em 11), foi proferido despacho de reversão contra o oponente daquela quantia exequenda – € 2.244,60 – Cfr. fls. 51/52 e 64/72 do processo físico.
13. Consta do despacho de reversão referido em 12), entre o mais, o seguinte:
“(…) FUNDAMENTOS DA REVERSÃO:
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa colectiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no exercício do seu cargo (art. 24º/nº1/b)LGT).” – Cfr. fls. 71/72 do processo físico.
14. A situação económico e financeira da executada começou a agravar desde 2003.
FACTOS PROVADOS: Com interesse para a decisão a proferir, inexistem.
MOTIVAÇÃO:
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico dos documentos juntos aos autos, designadamente juntos pela oponente que não foram postos em causa pela FP, conforme referido, a propósito, em cada um dos pontos do probatório bem como na posição assumida pelas partes nos seus articulados.
Apoiou-se ainda o Tribunal no depoimento das testemunhas que, no essencial corroboraram o vertido nos documentos a que alude o probatório, designadamente os pontos 01) a 08) dos factos provados.
Relativamente ao ponto 09) do probatório foi essencial o depoimento da primeira e segunda testemunhas (JMSPGR, funcionaria da executa em 2002/2003 e AJAA, fotógrafo, que desde 2000/2001 manteve relações profissionais e, actualmente, de amizade com o oponente), que avançaram ao Tribunal, de modo detalhado as necessidades crescentes que na área da fotografia se fizeram sentir e bem assim a passagem da fotografia analógica ou “química” para a fotografia digital, tendo o oponente, conhecedor do mercado, adaptado, enquanto gestor da executada, a executada aquela nova realidade, de modo a poder responder e manter-se no mercado.
Relevante foi igualmente o depoimento de ambas testemunhas, sobretudo da primeira que em 2003 trabalhava com a executada, ao dar conta ao Tribunal que aquela sociedade começou a sentir mais dificuldades que se relacionam com a acção inspectiva a que alude o probatório e sucessivos acontecimentos daí emergentes ocasionados com falta de elementos contabilísticos que obrigaram a instaurar processos judicias para a “compor”/ reconstruir e com isso uma serie de custos, etc, que ficaram por relacionar, com perdas financeiras inerentes.
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4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. A Recorrente não se conforma com a decisão, porquanto considera existir erro de julgamento, consubstanciado na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a extinção da execução revertida contra o oponente e na incorreta apreciação e valoração da matéria factual, porquanto a factualidade dada como assente no probatório não é bastante para suportar o julgamento de que o oponente conseguiu afastar a presunção de culpa que sobre si recaia no que respeita ao IVA exequendo de 2006 e que não lhe é imputável o não pagamento daquela dívida exequenda.
Vejamos:
Desde logo importa relembrar que estamos perante a execução de dívidas de IVA de 2006 e 2007, estando somente em questão no presente recurso a dívida exequenda do ano de 2006.
O regime de responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador dessa responsabilidade (artigo 12º do Código Civil), pelo que sendo as dívidas exequendas referentes aos referidos anos é de aplicar o regime previsto no artigo 24.º da LGT, que foi, aliás, o normativo invocado pelo órgão de execução fiscal no despacho de reversão e também pela sentença recorrida.
Prevê o artigo 24.º, n.º 1 da LGT que:“1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (…)”.
Como se relatou no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 10.10.2013, no âmbito do processo n.º 242/06.5BECBR: “Quanto às dívidas tributárias cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício (mas em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança) o administrador ou gerente é responsável se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento. Neste caso, o ónus da prova da culpa recai, no entanto, sobre a Fazenda Pública.
Quanto às dívidas cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, o administrador ou gerente é responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável. Neste caso, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária. Ora, “esta presunção, apesar de contrária à regra geral da responsabilidade extracontratual prevista no artigo 487.º do Código Civil (CC), compreende-se neste caso, pois se o gestor não tiver culpa pela falta de pagamento ou de entrega do imposto ocorrida no período em que exerceu funções, ser-lhe-á fácil prová-lo (Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, anotação 32 ao art. 204º, pág. 356.). Note-se que, embora esta alínea b) se refira meramente a imputação, e não a culpa, a jurisprudência tem vindo a interpretá-la no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor, entendida esta como a inobservância ou violação de uma regra de conduta previamente estabelecida” - assim, por todos, acórdão do TCAN, de 29 de Outubro de 2009, Processo 228/07.2.”
No caso dos autos, não é controvertido que o Recorrido exerceu a gerência de facto de facto e que prazo legal de pagamento da dívida exequenda terminou dentro do período do seu exercício na gerência da executada originária.
Como supra se disse, alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT comporta uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária.
Demonstrada que seja a falta de pagamento ou de entrega da dívida tributária por parte da sociedade originária devedora recai sobre o gestor o ónus da prova da falta de culpa por tal facto, sendo certo que a lei impõe a quem exerça funções de administração em pessoas coletivas ou ente fiscalmente equiparados “o cumprimento dos deveres tributários das entidades por si representadas” (art.º 32º da LGT).
Têm a jurisprudência entendido que a culpa consiste na omissão da diligência exigível, e exprime sempre um juízo de censura em relação à atuação do agente (por este, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, poder e dever ter agido de outro modo), tornava-se necessário que prove que administrou a empresa de molde a evitar que o seu património se tornasse insuficiente para a satisfação suas dívidas.
Sendo que, os deveres dos gerentes ou administradores que decorrem do art.º 64.º do Código das Sociedades Comerciais "é a de dirigir, administrar, conduzir a gestão social, o que se deve concretizar, particularmente, no exercício da actividade para que a sociedade se constituiu.”
Assim, quem assume as funções de administrador ou gerente, deverá ter uma postura responsável e refletida, sem prejuízo da inerente discricionariedade técnica, no desempenho das suas funções, que se mostre, adequado ao alcance dos objetivos para que a sociedade se constituiu.
Tem a jurisprudência entendido que “No domínio da vigência da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto (art. 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT).
II - Assim, sendo as dívidas provenientes de IVA, ao gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto não basta, em sede de oposição à execução fiscal, alegar que a empresa atravessava dificuldades económicas provocadas por motivos exógenos, que ele se esforçou por ultrapassar, e que foi um gestor diligente.
III - Haverá, isso sim, que demonstrar que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efetuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.
IV - A dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o oponente. “Cfr. Acórdão TCA Norte n.º 00228/07.2BEBRG de 29.10.2019, aliás citado pela Recorrente.
Neste mesmo sentido, entre muitos outros, acórdão TCA Norte n.º 0086/01 de 07.12.2005, 0032/02 de 23.02.2006, 0002/03, de 16.03.2006 e 0021/12 de 06.04.2006, 00242/06.5 BECBR de 10.10.2013, 00333/11.0BEAVR de 16.10.2014 e 0589/06.0 BEPNL de 16.10.2014, disponíveis em www.dgsi.pt.
No caso dos autos, sendo a situação enquadrável na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, para que o Recorrido, afastasse a sua responsabilidade subsidiária teria que demonstrar que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passava pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efetuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor, o que no entender da sentença recorrida logrou fazer.
Resulta da matéria de facto provada que o Recorrido foi gerente da sociedade executada entre 16.04.1998 até 31.12.2007 [alínea 1) dos factos provados].
Esta em causa, IVA de 2006 cujo prazo de pagamento terminou em 06.12.2007.
Acresce ainda que a reversão efetuada foi ao abrigo da alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT, como decorre do facto 13 da matéria provada.
No caso, em que o prazo legal de pagamento da dívida ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, o administrador ou gerente é responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável (Cfr. Acórdão 00257/11.1BEPNF de 10.10.2013).
Da matéria de facto dada como provada, consta o relato que a executada originária foi submetida a um procedimento de inspeção, aos anos de 2000, 2001 e 2002 onde lhe foram aplicados métodos indiretos, conduzindo a um processo de revisão que que foi representada, e consequentemente à liquidação dos respetivo imposto em falha.
Alega que durante anos, debateu-se com o contabilista, que lhe reteve os elementos da contabilidade, tendo inclusivamente recorrido a uma ação no tribunal, em 2004 (facto 8.º) para os obter.
Resulta ainda da matéria provada – facto 9º e 14.º - que em consequência da evolução tecnológica na área da fotografia e exigências de mercado o Recorrido investiu na fotografia digital e que situação económica da executada originária começou agravar-se desde 2003.
Com efeito, o facto gerador dos impostos reporta-se a 2006, dos autos não resulta qualquer facto suscetível de afastar a presunção legal de culpa, nem mesmo existe um esforço probatório no sentido de demonstrar que as liquidações adicionais que ocorreram em 2000, 2002 e 2003 são causa necessária do declínio financeiro e a falta de fundos da devedora originária para efetuar o pagamento doa dívida exequenda.
Concluímos, pois, que não há nos autos prova alguma no sentido de que a falta de pagamento das dívidas de IVA ora em cobrança coerciva não seja imputável ao Recorrido. Nada logrando o Recorrido, demonstrar tal facto, no sentido de afastar a culpa pela não entrega do IVA, terá de ser responsabilizado pelas mesmas ao abrigo da alínea b) do art. 24.º, n.º 1, da LGT.
Face ao supra exposto, procedendo as conclusões de recurso, é de lhe ser concedido provimento, revogando-se a sentença recorrida.
4.2.A sentença recorrida, face ao que decidiu, deu como prejudicado as demais questões equacionadas. No entanto, tendo ao Recorrente obtido provimento no presente recurso, importa delas conhecer.
Nesta conformidade, cabe a este tribunal conhecer do mérito dessa parte, em substituição, se os autos fornecessem os necessários elementos.
O n.º 2 art.º 665.º do CPC prevê a hipótese de o TCA se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha de elementos necessários.
Compulsado a petição inicial verifica-se que o Recorrida alega - pontos 134.º a 197.º da petição inicial, -, com o título “Da ilegalidade da dívida Exequenda”, a ilegalidade em concreto da dívida exequenda.
Alega que a execução não pode prosseguir por manifesta ilegalidade da dívida exequenda, nos termos e em conformidade com as alíneas h) e I) do art.º 204.º do CPPT.
Vejamos:
O art.º 204.º do CPPT dispõem que: “(...) 1 - A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos:
a) (…)
h) Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação;
i) Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título. (…) “
O primeiro fundamento aventado pelo Oponente é que a presente execução não pode prosseguir por manifesta ilegalidade da dívida exequenda.
Alega que não tendo até ao momento surgido o meio próprio para o fazer, por mera cautela não pode de deixar de vincar a ilegalidade intrínseca da dívida exequenda.
E para tal alega que na essência que a dívida viola os mais elementares princípios da tributação das empresas por recurso a métodos indiretos, reportando às liquidações de IVA dos anos de 2000, 2001 e 2002.
Outro dos argumentos avançados é que a empresa nomeou um perito para a representar, com vista a obtenção do acordo no processo de revisão sendo que este atuou em clara contradição e violação das diretrizes que lhe foram transmitidas, sendo a decisão formal a que chegou a Comissão, absolutamente imponível à empresa.
Alega ainda que não concorda com aplicação dos métodos indiretos bem como com os rácios utilizados não se encontrando reunidos os pressupostos do recurso a método indiretos.
Vejamos:
Antes de mais e como o próprio Recorrido reconhece na petição inicial a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, só é possível discutir na oposição quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação.
Estando em questão a liquidação adicional de IVA dos anos de 2000, 2001 e 2002, com recurso a métodos indiretos, a executada originária teve oportunidade de requerer e participar no procedimento de revisão, com a própria refere e a final foram-lhe notificadas as liquidações dando um prazo para pagamento da dívida (data que se desconhece por não existir nos autos elementos relativos a tais factos), a partir do qual corria prazo para impugnar judicialmente.
Mas se assim, não tivesse ocorrido o que não se vislumbra, o Recorrido por força do n.º 4 do art.º 22.º da LGT, na qualidade de revertido poderia reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhe for atribuída nos mesmos termos do devedor principal.
Acresce referir ainda que, não se entende a pretensão do Oponente, ao pretender impugnar a dívida relativa a liquidações de IVA de 2000, 2001 e 2002, quando a dívida exequenda se reporta a IVA do ano de 2006, cuja data limite de pagamento terminou em 26.12.2007.
Face ao supra exposto, e por não se verificarem os pressupostos das alíneas h) e i) do n.º1 do art.º 204.º do CPPT, improcede a pretensão do Oponente.
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4.3. E assim formulamos as seguintes conclusões/sumário apropriando-nos, com a devida vénia das conclusões do Acórdão TCA Norte n.º 00228/07.2BEBRG supra citado:
I- No domínio da vigência da LGT, para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto (art. 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT).
II - Assim, sendo as dívidas provenientes de IVA, ao gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto não basta, em sede de oposição à execução fiscal, alegar que a empresa atravessava dificuldades económicas provocadas por motivos exógenos, que ele se esforçou por ultrapassar, e que foi um gestor diligente.
III - Haverá, isso sim, que demonstrar que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efetuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.
IV - A dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o oponente.
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5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente revogar a sentença recorrida e julgar totalmente improcedente a oposição.
Custas pelo Recorrido, em ambas as instâncias sendo nesta com dispensa da taxa de justiça, uma vez que não contra alegou.
Porto, 4 de julho de 2019
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Maria da Conceição Soares
Ass. Maria do Rosário Pais