Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00698/22.9BEAVR |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 07/05/2024 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | PAULO FERREIRA DE MAGALHÃES |
Descritores: | PROCESSO DISCIPLINAR; POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA; ACUSAÇÃO; PRODUÇÃO DE PROVA; ÓNUS DE PROVA; |
Sumário: | 1 – No âmbito da instrução do processo disciplinar é sobre o respectivo Instrutor do processo disciplinar que recai o ónus da prova dos factos constitutivos da infracção que se imputa ao arguido, assim como, por sua vez, esse mesmo ónus recai sobre a entidade competente para a decisão disciplinar. 2 – Gozando a arguida, agente policial, seja enquanto cidadã, seja enquanto integrante do Corpo de pessoal da PSP, do direito à presunção da sua inocência, tal significa que alegando e sustentando nos seus depoimentos e nos articulados por si apesentados que não praticou os factos que lhe são imputados e correspectivamente, que não violou qualquer dever que devesse observar, e assim querendo o Réu demonstrar o contrário, cabe-lhe a si, que é o titular do direito de punição disciplinar, o ónus da prova dos factos em que se vem, a traduzir, a final, a invocada infracção disciplinar. 3 - Se da análise do processo disciplinar resulta que em face dos elementos que dele constam emerge uma incerteza objectiva em matéria probatória, nomeadamente porque os elementos existentes no processo disciplinar não fornecem prova indiciária bastante do facto em que se consubstancia ou do qual se faz depender a invocada violação do dever de aprumo por parte da arguida, agente da PSP, ocorre défice de instrução que por si é determinante da anulação do acto que aplicou a pena disciplinar de suspensão por 50 dias.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA [devidamente identificado nos autos], Réu na acção que contra si foi intentada por «AA» [também devidamente identificada nos autos], inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, pela qual julgou procedente o pedido formulado a final da Petição inicial, atinente à anulação do despacho do Ministro da Administração Interna, datado de 28 de julho de 2012, que confirmando a decisão de aplicação da pena disciplinar de 50 dias de suspensão, rejeitou o recurso hierárquico apresentado, veio interpor recurso de Apelação. * No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “[…] I- A douta sentença recorrida decidiu julgar procedente a ação e anular o despacho punitivo, com os fundamentos descritos no nº 1 desta alegação; II- Em síntese, a douta sentença entendeu que “o conjunto da prova produzida não se revela inteiramente coincidente, havendo relatos contraditórios das testemunhas inquiridas, tendo a arguida invocado a falsidade da acusação, pelo que, neste cenário, impunha-se à Administração uma análise crítica de toda a prova produzida, o que se afigura não ter sido feito, tendo a decisão condenatória valorado os depoimentos das testemunhas «BB» e «CC» e dado como provada a prática da infração, pela arguida, com base em tais declarações, sem efetuar uma análise crítica da demais prova produzida no processo (…)” (cf. pág. 31). III- O Ministério defende neste recurso que a douta sentença incorreu em visível erro de julgamento, ao considerar que no processo disciplinar não se fez prova segura dos factos constantes da Acusação e do Despacho punitivo. IV- E, a seu ver, esse erro de julgamento reside na confusão em que a douta sentença incorreu quanto ao significado a retirar-se dos alegados “relatos contraditórios das testemunhas inquiridas”. V- Primeiro, a instrução cuidada do processo disciplinar logrou provar a conduta da Autora da ação em outubro de 2017 (factos a que se referia a participação), descrita nos artigos 6º e 8º da Acusação: “a «AA» entrou em contacto via telemóvel, tendo atendido, colocando em alta voz. Que após alguma conversa, a «AA» disse-lhes: «Espeto-vos um estoiro em cada um, mato-vos a todos» (fls. 49)” (cf. artigo 6º da Acusação); ou “Dou-vos um tiro, mato-vos a todos” (cf. artigo 8º da Acusação). VI- Segundo, o processo disciplinar foi instaurado para investigar os factos ocorridos em outubro de 2017, que envolviam uma conduta eventualmente censurável da Autora da ação. De facto, VII. É crucial compreender que o processo disciplinar se propôs avaliar a responsabilidade disciplinar de um elemento policial, concretamente da «AA»; em jogo estava o exercício do poder disciplinar da PSP, relativamente à conduta de um seu elemento com funções policiais. VIII- O processo disciplinar não tinha a tarefa de avaliar a relação de «AA» e de «BB», nem arbitrar o seu conflito conjugal, como é ocioso sublinhar. IX- Mas foi nesse equívoco que caiu a douta sentença; e, por assim ser, considerou que os depoimentos de «AA» e do filho (sobre factos de abril de 2017) contradiziam os depoimentos de «BB» e da filha (sobre factos de outubro de 2017); e que, por isso, a Administração não havia ponderado suficientemente sobre este conflito, sobre as razões que “justificariam” as ações da «AA». X- A verdade é que para quem se não tenha equivocado sobre o objeto do processo disciplinar aparece como incontornável que os depoimentos de «AA» e do filho e os depoimentos de «BB» e da filha não se anulam: o facto de uns serem verdadeiros não implica a falsidade dos outros. Com efeito, XI- Parece seguro concluir-se que todos eles são verdadeiros: os depoimentos de «AA» e do filho, sobre os factos de abril de 2017, e os depoimentos de «BB» e da filha, sobre os factos de outubro de 2017. XII- O que acontece é que a douta sentença – devido ao seu equívoco – decidiu arbitrar o conflito conjugal, e por isso considerou que as condutas da então arguida encontravam justificação à luz desse conflito. E porventura a conduta da «AA» não seria tão censurável. XIII- Para o Ministério – que se ateve ao objeto próprio do processo disciplinar – a conduta da «AA», de outubro de 2017, violou o dever de aprumo de um elemento policial da PSP, independentemente do conflito que mantinha ou mantivera com o «BB». XIV- Deve sublinhar-se que essa avaliação da entidade com poder disciplinar teve presente a circunstância fulcral de os elementos policiais da PSP terem uma arma distribuída, e por isso responsabilidades especiais quanto ao seu uso. Ora XV- A Autora da ação revelou uma falha na administração do poder que o Estado lhe distribuiu; e isso independentemente das circunstâncias que a opunham à pessoa a quem dirigiu as suas palavras. XVI- A gravidade atribuída à infração disciplinar decorre desta circunstância; e a pena aplicada, tendo em conta a gravidade da falta, mostra-se proporcionada e revela um uso ponderado do poder disciplinar. XVII- A douta sentença incorre, assim, em erro de julgamento sobre a prova da materialidade dos factos descritos nos artigos 6º e 8º da Acusação; e XVIII- Incorre nesse erro, por não ter tido em devida conta qual era o objeto do processo disciplinar: avaliar a responsabilidade disciplinar de um elemento policial perante os factos por si praticados em outubro de 2017. Termos em que, com o douto suprimento dos Venerandos Desembargadores, deve o Tribunal Central Administrativo Norte admitir o presente recurso jurisdicional e julgá-lo procedente, anulando em consequência a douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 30 de abril de 2023. […]” ** A Recorrida não apresentou Contra Alegações. * O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos. ** O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional. ** Por despacho do então Relator [Cfr. fls. 417 dos autos], foi ordenada a notificação do Recorrente e da Recorrida para efeitos de emitirem pronúncia, em suma, em torno da aplicabilidade da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, e nesse sentido visando a impossibilidade superveniente da lide, quanto ao que apenas a Recorrida veio a emitir pronúncia [Cfr. fls. 422 dos autos], tendo declarado pretender a aplicação da referida Lei, com a condenação do Réu em custas judiciais e de parte como Recorrente. Apreciando. Em face do que foi suscitado às partes, julgamos pela inaplicabilidade da Lei n.º 38A/2023, de 02 de agosto, à situação dos autos, e tanto porque a factualidade que está subjacente à aplicação da pena disciplinar de suspensão por 50 dias à ora Recorrida, cai na previsão do artigo 6.º referido diploma legal [na sua vertente negativa], assim como integra a excepção a que se reporta o tipo de ilícito elencado no artigo 7.º, n.º 1, alínea k) do mesmo diploma. Efectivamente, para além de a factualidade imputada ser também passível de subsunção na previsão do crime de ameaça agravada – Cfr. artigo 153.º e 155.º, n.º , alínea a) do Código Penal –, que é punível com pena de prisão até 2 anos ou com multa até 240 dias], sempre não poderia beneficiar a Recorrida da amnistia prevista na Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, independentemente de um concreto tipo legal de crime e da moldura penal abstractamente considerada, por essa factualidade ser atinente à violação de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, e nela ser interveniente a Recorrida, que é uma agente de força policial. *** Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir. *** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas. ** III - FUNDAMENTOS IIIi - DE FACTO No âmbito da factualidade considerada pelo Tribunal recorrido em sede da Sentença proferida, dela consta o que por facilidade, para aqui se extrai como segue: “[…] a) De facto Com interesse para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos: 1) A Autora é Agente Principal da Polícia de Segurança Pública, com o nº ...74, do efectivo do Comando Regional de Aveiro – cfr. doc. nº 1 junto com a p.i.; 2) Em 23/10/2017, foi elaborada por «DD» a “Participação” de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai, designadamente, o seguinte: “(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)” – cfr. fls. 2-3 do PA junto aos autos; 3) Por despacho do Senhor Comandante Distrital de Aveiro da PSP, datado de 02/11/2017 e exarado sobre a participação mencionada no ponto anterior, foi ordenada a instauração de procedimento disciplinar à ora Autora – cfr. fls. 2 do PA; 4) Em 03/11/2017, foi instaurado processo disciplinar à Autora, ao qual foi atribuído o nº ...25... – cfr. fls. 4 do PA; 5) Em 03/11/2017, a Autora foi notificada da instauração do processo disciplinar identificado no ponto anterior - cfr. fls. 7 do PA; 6) Pelo Departamento de Investigação e Acção Penal – 2ª Secção de Aveiro, foi instaurado inquérito para investigação da eventual prática de crime de ameaça pela ora Autora, com base na participação identificada no ponto 2) antecedente, ao qual foi atribuído o nº 1577/17.... – cfr. fls. 27-29 do PA; 7) Com data de 18/05/2018, foi a ora Autora notificada para comparecer no Núcleo de Deontologia e Disciplina do Comando de Polícia de Aveiro, na qualidade de arguida, a fim de prestar declarações no âmbito do processo disciplinar – cfr. fls. 30A do PA; 8) Em 25/05/2018 foi ouvida a arguida, que declarou o seguinte: “ [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)” – cfr. fls. 30B do PA; 9) Com data de 01/06/2018, foi a ora Autora notificada para comparecer no Núcleo de Deontologia e Disciplina do Comando de Polícia de Aveiro, na qualidade de arguida, a fim de prestar declarações no âmbito do processo disciplinar – cfr. fls. 32 do PA; 10) No dia 12/06/2018, foi a arguida ouvida no processo disciplinar, tendo dito o seguinte: “(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…) – cfr. fls. 33 do PA; 11) Em 26/06/2018, foi a Autora notificada para prestar declarações no processo disciplinar, na qualidade de arguida – cfr. fls. 35 do PA; 12) Em 27/07/2018, foi a advogada da ora Autora notificada para comparecer no Núcleo de Deontologia e Disciplina para audição da arguida – cfr. fls. 38-41 do PA; 13) Em 03/08/2018, foi a ora Autora novamente notificada para prestar declarações no processo disciplinar, na qualidade de arguida – cfr. fls. 42 do PA; 14) No dia 04/09/2018 foi a arguida ouvida no processo disciplinar, tendo declarado não desejar prestar declarações quanto à matéria dos autos – cfr. fls. 43 do PA; 15) Em 19/09/2018, foi ouvido na qualidade de testemunha «BB», como consta do auto de inquirição de testemunha a fls. 49 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual se extrai, designadamente, o seguinte: “(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)” – cfr. fls. 49 do PA; 16) Em 21/09/2018, foi ouvida na qualidade de testemunha «CC», como consta do auto de inquirição de testemunha a fls. 50 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual se extrai, designadamente, o seguinte: “(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)” – cfr. fls. 50 do PA; 17) Em 21/09/2018, foi ouvido na qualidade de testemunha «EE», como consta do auto de inquirição de testemunha a fls. 51 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual se extrai, designadamente, o seguinte: “(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)” – cfr. fls. 51 do PA; 18) Por despacho do Comandante do Comando Distrital de Aveiro, de 24/09/2018, foi determinada a suspensão do processo disciplinar, até que se concluísse o processo criminal, nos termos do nº 3 do art. 37º do RD/PSP – cfr. fls. 52 e 53 do PA; 19) Em 27/09/2018, tomou a ora Autora conhecimento do despacho identificado no ponto anterior – cfr. fls. 54 do PA; 20) Em 29/11/2018, foi junta ao processo disciplinar a comunicação do DIAP sobre o arquivamento do processo de inquérito nº 123/17.... e apenso 1577/17.... – cfr. fls. 58 e 59 do PA; 21) Da decisão de arquivamento do processo de inquérito identificado no ponto antecedente consta, designadamente, o seguinte teor: “(…) 22) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)” – cfr. fls. 60 do PA; 23) Por despacho do Comandante do Comando Distrital de Aveiro da PSP de 18/12/2018, foi ordenado o prosseguimento do processo disciplinar, o qual foi notificado à arguida em 11/01/2019 – cfr. fls. 63 e 64 do PA; 24) Em 11/01/2019, foi a ora Autora notificada para comparecer no Núcleo de Deontologia e Disciplina do Comando de Polícia de Aveiro a fim de prestar declarações no processo disciplinar, na qualidade de arguida – cfr. fls. 65 do PA; 24) No dia 18/01/2019, foi a arguida ouvida no processo disciplinar, na presença da mandatária, tendo referido não pretender prestar declarações – cfr. fls. 67 do PA; 25) Em 22/01/2019 foi deduzida Acusação à Autora, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte: “(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)” – cfr. fls. 69-70v do PA; 26) A acusação referida no ponto antecedente foi comunicada à arguida em 25/01/2018, bem como, à respectiva mandatária em 28/01/2019 – cfr. fls. 7173 do PA; 27) Em 22/02/2019, a Autora apresentou defesa escrita, nos termos do instrumento a fls. 78-85 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 28) Em 22/03/2019, foi ouvido, na qualidade de testemunha da defesa, «FF», filho da Autora, como consta do Auto de Inquirição de Testemunha a fls. 100 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual se extrai, em súmula, o seguinte: “(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)” – cfr. fls. 100 do PA; 29) Em 22/03/2019, foi ouvida a arguida, tendo prestado declarações, conforme Auto de Interrogatório de Arguido a fls. 101 do PA, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte: “(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)” – cfr. fls. 101 dos autos; 30) Em 28/03/2019, foi junto ao processo disciplinar o instrumento a fls. 121 e ss. do PA, denominado “Auto de denúncia”, elaborado no Posto Territorial de Aveiro da Guarda Nacional Republicana em 24/08/2017, em que é denunciante a ora Autora e denunciado «EE», cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual se extrai, designadamente, o seguinte: “(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)” – cfr. fls. 120 e 121 e ss. do PA; 31) Em 28/03/2019, foi junto ao processo disciplinar o instrumento a fls. 123 e ss. do PA, denominado “Auto de denúncia”, elaborado no Departamento de Investigação e Acção Penal, 3ª Secção de Aveiro, do MP, em que é denunciante a ora Autora e denunciado «BB», cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual se extrai, designadamente, o seguinte: “(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)” – cfr. fls. 120 e 123 e ss. do PA; 32) Em 01/04/2019, foi elaborado pelo instrutor do processo disciplinar identificado em 4) antecedente o Relatório Final, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e de que se extrai, em súmula, o seguinte: “(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)” – cfr. fls. 126-129v do PA; 33) Em 03/04/2019, foi elaborado pelo Comandante Distrital de Aveiro da PSP o despacho que ora se reproduz: “ [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida]” - cfr. fls. 130-131 do PA; 34) A Autora tomou conhecimento do despacho que antecede em 24/04/2019 – cfr. fls. 137 do PA apenso; 35) Em 29/04/2019, a Autora interpôs recurso hierárquico da decisão identificada em 33) antecedente, para o Director Nacional da PSP, nos termos do instrumento a fls. 141-155 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 36) Por despacho do Director Nacional da PSP, em substituição, de 01/10/2019 foi negado provimento ao recurso hierárquico mencionado no ponto antecedente – cfr. fls. 160-161v do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 37) Em 09/10/2019 foi a ora Autora notificada da decisão referida no ponto anterior – cfr. fls. 165 do PA; 38) Em 21/10/2019, a Autora apresentou recurso hierárquico da decisão identificada em 36), que antecede, para o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, nos termos do instrumento a fls. 169-176v do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 39) Em 23/11/2021, foi elaborado pela Direcção de Serviços de Assessoria Jurídica, Contencioso e Política Legislativa do Ministério da Administração Interna, o Parecer nº 729-MM/2021, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual se extrai, em súmula, o seguinte: “(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)” – cfr. doc. nº 1 junto com a p.i.; 40) Em 28/07/2022, foi elaborado pelo Ministro da Administração Interna o seguinte despacho: “Considerando os termos do presente recurso hierárquico, apresentado tempestivamente pela Agente Principal da PSP ...74: «AA», no seguimento da condenação da mesma a uma pena disciplinar de 50 (cinquenta) dias de suspensão; considerando a pronúncia da entidade recorrida, que mantém na íntegra a decisão disciplinar condenatória, e considerando ainda o que vem proposto no parecer nº 729-MM/2021 da Direção de Serviços de Assessoria Jurídica, Contencioso e Política Legislativa, com o qual concordo, rejeito o presente recurso hierárquico, nos termos e fundamentos propostos. (…)” – cfr. doc. nº 1 junto com a p.i.; 41) A Autora tomou conhecimento do despacho identificado no ponto anterior em 19/08/2022, nos termos do instrumento a fls. 194 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. * Nada mais foi provado com interesse para a decisão a proferir. * A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos, incluindo os integrantes do PA junto, conforme discriminado em cada um dos pontos do probatório. […]” * Tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, aditamos ao probatório, seguindo a temporalidade dele constante, a factualidade a seguir enunciada, por assim resultar do Processo Administrativo junto aos autos: “35A) Para efeitos de instrução e remessa do recurso hierárquico ao Director Nacional da PSP, o Comandante Distrital da PSP de Aveiro emitiu informação datada de 05 de maio de 2019 [Cfr. fls. 156 a 158 do Processo Administrativo], da qual para aqui se extrai parte, como segue: “[…] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] […] “36A) Precedendo a emissão desse despacho por parte do Director Nacional da PSP, foi elaborada a informação n.º ...19 [Cfr. fls. 160 e 161 verso do Processo Administrativo], com cujo teor o mesmo concordou, da qual para a qui se extrai o que segue: ** IIIii - DE DIREITO Está em causa a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que em sede da Sentença por si proferida e por via da qual apreciou o mérito da pretensão da Autora a final da Petição inicial [no sentido da anulação do despacho do Ministro da Administração Interna, datado de 28 de julho de 2022, que indeferindo o recurso hierárquico por si – Autora - interposto, manteve a decisão de aplicação da sanção disciplinar de suspensão por 50 dias] julgou a acção procedente, tendo em consequência anulado o acto sob impugnação. Como assim deflui das conclusões das Alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, o imputado erro de julgamento à Sentença recorrida assenta essencialmente, em erro de direito, porquanto não versa a sua pretensão recursiva, em especial as conclusões enunciadas as final das suas Alegações de recurso, o julgamento prosseguido pelo Tribunal a quo em sede da matéria de facto, razão porque julgamos assim que com esse julgamento se conformou o Recorrente. A questão nuclear da pretensão recursiva do Recorrente está assim na consideração pela sua parte de que o Tribunal a quo errou no julgamento por si prosseguido em torno da prova da materialidade dos factos descritos nos artigos 6.º e 8.º da Acusação deduzida contra a arguida [Autora ora Recorrida], tendo para tanto subjacente a sustentação por parte do Tribunal a quo de que no processo disciplinar não se fez prova segura dos factos constantes da acusação e do despacho punitivo, referindo para tanto [o Recorrente] que o Tribunal a quo confundiu o significado a retirar-se dos alegados “relatos contraditórios das testemunhas inquiridas”. Enfatizou o Recorrente que o processo disciplinar não tinha a tarefa de avaliar a relação de conflito conjugal em que era interveniente a Recorrida, e que para quem se não tenha equivocado sobre o objecto do processo disciplinar, aparece como incontornável que os depoimentos de «AA» e do filho e os depoimentos de «BB» e da filha não se anulam, sendo que o facto de uns serem verdadeiros não implica a falsidade dos outros. Mais sustentou o Recorrente que a conduta da Recorrida «AA», de outubro de 2017, violou o dever de aprumo de um elemento policial da PSP, independentemente do conflito que mantinha ou mantivera com o «BB», e que que essa sua avaliação enquanto entidade com poder disciplinar teve presente a circunstância fulcral de os elementos policiais da PSP terem uma arma distribuída, e por isso responsabilidades especiais quanto ao seu uso, e que a Recorrida revelou uma falha na administração do poder que o Estado lhe distribuiu, sendo que a gravidade atribuída à infração disciplinar decorre desta circunstância, e quanto à pena aplicada, tendo em conta a gravidade da falta, que se mostra proporcionada e que no seu entender revela um uso ponderado do poder disciplinar. Neste patamar. Como assim dimana da Sentença recorrida, depois de ter efectuado o saneamento dos autos, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo identificou as questões que lhe cumpria apreciar decidir e que consistiam em “… saber se se verifica a prescrição do procedimento disciplinar e, bem assim, se o acto impugnado, que aplicou à Autora a sanção disciplinar de suspensão de 50 dias, padece do vício de violação de lei que lhe vem imputado, por erro nos pressupostos e violação do princípio da proporcionalidade.” Para o efeito, fixou a factualidade que teve por relevante para efeitos do conhecimento do mérito dos autos em vista das várias soluções de direito admissíveis, assente na sua globalidade em suporte documental constante dos autos e do Processo Administrativo. Neste conspecto, cumpre para aqui extrair a essencialidade da fundamentação de direito aportada pelo Tribunal recorrido, como segue: Início da transcrição “[…] Questão diferente será, no entanto, a de saber se, em sede disciplinar, a entidade administrativa competente para o exercício do poder disciplinar logrou cumprir o ónus que sobre si impendia quanto à prova dos factos integradores da infracção disciplinar, através da instrução do processo nessa sede, prova essa que, adiante-se, tem de atingir um grau de certeza que permita realizar um juízo de censura baseado em provas convincentes, de modo a ficar garantida a segurança na aplicação do direito sancionatório. E, a este propósito, numa alegação susceptível de se subsumir à invocação do erro nos pressupostos de facto da decisão, defendeu a Autora que inexiste, em sede disciplinar, prova que demonstre a prática dos factos pela arguida, não tendo a instrutora diligenciado pela obtenção de tal prova, não tendo acontecido os factos imputados à arguida. Mais referiu que a instrutora do procedimento não fez qualquer valoração da factualidade alegada em sede de defesa, quanto à agressão que sofreu por parte do seu ex-companheiro, «BB». Defendendo, por seu lado, a ED que a instrução levada a cabo no processo disciplinar logrou provar a prática da infracção, havendo registos de chamadas telefónicas e depoimentos de testemunhas. Remetendo a ED, neste aspecto, para a fundamentação vertida no ponto 6.2 do parecer enunciado em 39) do probatório, da qual se extrai, em súmula, que a verificação da ocorrência dos factos participados pelos quais a arguida vem acusada e punida, resultaram da análise dos depoimentos que as testemunhas «BB» e «CC» de forma totalmente coerente prestaram “cuja veracidade não logrou negar, nem mediante um raciocínio lógico nem pela apresentação de prova, documental ou testemunhal de que, para além de qualquer dúvida razoável, não tenham ocorrido” Vejamos, então. Importa, antes de mais, salientar, e como se exarou no aresto do STA, de 12/07/2006, proferido no proc. nº 01106/05 (disponível em www.dgsi.pt), que “em sede da fixação dos factos que funcionam como pressuposto de aplicação das penas disciplinares, incluindo o seu elemento subjectivo, a Administração não actua no âmbito da denominada justiça administrativa. Efectivamente, como se escreveu, no acórdão do STA de 02/10/1997 (Rec. nº 41951), no processo disciplinar vigora o princípio da culpa, que assim, se apresenta como um pressuposto subjectivo da infracção disciplinar, pelo que o juízo valorativo da conduta do arguido em processo disciplinar não pode, por isso, passar sem a imputação subjectiva da responsabilidade, não bastando a mera demonstração da efectiva existência de um comportamento contrário à lei. Ou seja, no âmbito da apreciação da prova coligida no processo disciplinar a Administração não detém um poder de fixação dos factos insusceptível de ser objecto de um juízo de desconformidade em sede contenciosa, nada obstando a que o Tribunal sobreponha o seu juízo de avaliação ao perfilhado pela entidade recorrida, pelo que no caso de um non liquet, em matéria probatória no processo disciplinar, funciona o princípio do processo penal, in dubio pro reo. Deste modo, a prova coligida no processo disciplinar tem que legitimar uma convicção segura da materialidade dos factos imputados ao arguido (incluindo os que possam constituir circunstâncias da infracção), para além de toda a dúvida razoável.”. E também como se salientou no acórdão do TCA Norte, de 28/03/2014, proferido no proc. nº 03188/11 (disponível em www.dgsi.pt), “a condenação deve assentar ou estribar-se em provas que permitam um juízo de certeza, uma convicção segura que esteja para além de toda a dúvida razoável, de que o arguido praticou os factos que lhe são imputados. É que no processo sancionador a prova da prática da infração que é exigida deve ser conclusiva e inequívoca no sentido de que o sancionado é o autor responsável, não podendo impor-se uma sanção com base em simples indícios, presunções ou conjeturas subjetivas. (…) Por outro lado, na fixação dos factos que funcionam como pressupostos de aplicação das penas disciplinares a Administração não detém um poder insindicável em sede contenciosa, porquanto nada obsta a que o julgador administrativo sobreponha o seu juízo de avaliação àquele que foi adotado pela Administração, mormente, por reputar existir uma situação de insuficiência probatória [cfr., entre outros, os Acs. do STA de 24.01.2002 - Proc. n.º 048147, de 07.10.2004 - Proc. n.º 0148/03, de 07.06.2005 - Proc. n.º 0374/05, de 14.04.2010 - Proc. n.º 0803/09, de 28.06.2011 - Proc. n.º 0900/10 in: «www.dgsi.pt/jsta»]. Na verdade, e citando acórdão do STA de 07.06.2005 (Proc. n.º 0374/05) a “… «prova dos factos integrantes da infração disciplinar cujo ónus impende sobre a entidade administrativa que exerce o poder disciplinar, através do instrutor do processo, tem de atingir um grau de certeza que permita desferir um juízo de censura baseado em provas convincentes para um apreciador arguto e experiente, de modo a ficar garantida a segurança na aplicação do direito sancionatório», segurança essa que, …, não se encontra garantida, dado a prova coligida no processo disciplinar não legitimar uma convicção segura da materialidade dos factos imputados ao arguido, pelo que, assim não sucedendo … a deliberação impugnada deve ser anulada …”. Regressando ao caso dos autos, a aqui Autora foi punida disciplinarmente nos termos do disposto nos arts. 16º, nºs 1 e 2, als. f) e m), 25º, nº 1, al. d) e 46º do RDPSP, por violação do dever de aprumo, por, no dia 20/10/2017, via chamada telefónica, ter ameaçado o ex-companheiro e a sua filha, dizendo que lhes dava um tiro e que os matava a todos – cfr. pontos 32) e 33) da fundamentação de facto. De acordo com a apreciação realizada pela ED no procedimento disciplinar, dos elementos instrutórios aí reunidos resultou provado que a Autora praticou a conduta que lhe era imputada. Tendo a Administrado baseado o seu juízo condenatório, segundo se extrai do relatório final e do subsequente despacho de concordância do Comandante Distrital, no depoimento das testemunhas «BB» e «CC». Com efeito, foram ouvidos na qualidade de testemunhas «BB», excompanheiro da arguida, que disse, entre o mais, que «no dia 20out2017, cerca das 20h00, encontrando-se na companhia da sua filha «CC», a «AA» entrou em contacto via telemóvel, tendo atendido, colocando em voz alta; que após alguma conversa a «AA», disse-lhes: “Espeto-vos um estoiro em cada um, mato-vos a todos”»; e «CC», que afirmou, nomeadamente, que «no dia 20out2017, encontrando-se com o seu pai, este recebeu uma chamada telefónica da «AA», que colocou em alta voz para poderem falar os três; que após alguma troca de palavras esta ameaçou-os dizendo: “Dou-vos um tiro, mato-vos a todos” o que lhe provocou receio». Contudo, analisada a matéria factual apurada nos autos disciplinares e que o probatório deste processo nos dá a conhecer, constata-se que, ao contrário do defendido pela ED, a conjugação dos vários depoimentos existentes no processo disciplinar não se afigura suficiente para legitimar uma convicção suficientemente segura, por parte do titular do poder disciplinar, da prática pela ali arguida, ora Autora, do facto que lhe foi concretamente imputado [“a agente Principal «AA» ameaçou o ex-companheiro e a sua filha que lhes dava um tiro”] – cfr. ponto 33) dos factos provados. Com efeito, e como se disse, analisada a acusação, bem como o relatório final elaborado pela instrutora, verifica-se que foi dado como provado o facto descrito apenas com base nos depoimentos das testemunhas «CC», autora da participação criminal que deu origem à instauração do processo disciplinar em apreço, bem como do seu pai, «BB», com quem a Autora manteve um relacionamento. Sucede, no entanto, que embora tais depoimentos se revelem coerentes entre si, a verdade é que, para além de a arguida, em sede de declarações prestadas no procedimento, ter negado a prática dos factos e, bem assim, afirmado que a participação de «CC», filha do ex-companheiro, surge na sequência da “queixa” por si apresentada contra o companheiro por agressão, também o filho da Autora prestou depoimento, na qualidade de testemunha, e pese embora não se tenha pronunciado concretamente sobre a conversa telefónica mantida entre a sua mãe e «BB» e «CC» no dia 20/10/2017, cerca das 20H00, certo é que se extrai do seu relato que em Abril de 2017 a sua mãe terá sido agredida por «BB». Quer a arguida, quer o seu filho se referem nas suas declarações a uma agressão de que aquela terá sido vítima, em Abril de 2017, resultando, de igual modo, do processo administrativo prova documental quanto à existência de uma participação criminal da ora Autora contra o (à data) companheiro, com fundamento nessa ocorrência, bem como queixa contra um filho deste («EE»). A propósito do episódio de Abril de 2017, também se pronunciou «BB», que, ouvido na qualidade de testemunha no processo disciplinar, apresentou uma versão contrária dos factos, afirmando que teria sido agredido pela aqui Autora. Em sentido idêntico depuseram os filhos do ex-companheiro desta, designadamente, «EE», contra quem a Autora também apresentara queixa criminal, em Agosto de 2017, por tentativa de agressão. Acresce que, o facto de uma testemunha, no caso o filho da Autora, não se ter pronunciado concretamente sobre a conversa telefónica mantida entre a mãe e «BB» e «CC» no dia 20/10/2017, não invalidava a análise, pelo órgão competente, do seu depoimento em confronto com a demais prova produzida, a partir do momento em que aquele se pronuncia sobre circunstâncias também relatadas por testemunhas em cujos depoimentos se baseou o julgamento de facto da Administração, de modo contraditório, o que é susceptível de afectar a credibilidade geral desses depoimentos ou criar dúvida quanto à prática dos factos, pela arguida. Donde se extrai que, o conjunto da prova produzida não se revela inteiramente coincidente, havendo relatos contraditórios das testemunhas inquiridas, tendo a arguida invocado a falsidade da acusação, pelo que, neste cenário, impunha-se à Administração uma análise crítica de toda a prova produzida, o que se afigura não ter sido feito, tendo a decisão condenatória valorado os depoimentos das testemunhas «BB» e «CC» e dado como provada a prática da infracção, pela arguida, com base em tais declarações, sem efectuar uma análise crítica da demais prova produzida no processo, sendo os referidos depoimentos, tendo em conta o exposto, insuficientes para formular um juízo de certeza de que a arguida praticou os factos que lhe são imputados. Não se podendo olvidar que existe, nesta sede, uma proibição de inversão do ónus da prova, não impendendo sobre o arguido, ao contrário do que parece pretender a ED, o ónus de reunir as provas para a decisão disciplinar a proferir, razão pela qual a mesma terá de lhe ser favorável sempre que não se revelar possível formular um juízo de certeza sobre a prática dos factos integradores da infracção. Nesta conformidade, forçoso é concluir que a prova coligida no processo disciplinar não permite legitimar uma convicção segura acerca da prática dos factos pela arguida e, por conseguinte, da responsabilidade disciplinar que lhe é imputada, para além de toda a dúvida razoável, mostrando-se a decisão punitiva, por esse motivo, inquinada de erro sobre os respectivos pressupostos de facto, gerador da sua anulabilidade (cfr. art. 163º do CPA). Pelo que, deverá a pretensão impugnatória deduzida pela Autora ser julgada procedente, com este fundamento, resultando, consequentemente, prejudicado, por inútil (já que não pode subsistir a imputação da responsabilidade disciplinar à arguida), o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos, designadamente, relacionadas com a violação dos invocados princípios da actividade administrativa (cfr. art. 608º, nº 2 do CPC). […]” Fim da transcrição Julgou assim o Tribunal a quo, em suma, que em face da matéria de facto apurada nos autos de processo disciplinar, e ao contrário do defendido pelo Réu ora Recorrente, que da conjugação dos vários depoimentos existentes no processo disciplinar não se afigura decorrer suficiência bastante para legitimar a formação de uma convicção suficientemente segura por parte do titular do poder disciplinar, de que a arguida [a Autora ora Recorrida] ameaçou o ex-companheiro e a sua filha de que lhes dava um tiro, tendo por base os depoimentos por estes prestados, pois que considerados na sua globalidade [e concatenados com os demais depoimentos, quer do filho da Autora, quer do depoimento prestado pela Autora, incluindo os elementos documentais constantes dos autos na decorrência da sua instrução], a credibilidade geral era susceptível de ficar afectada, ou pelo menos de ser criada dúvida quanto à prática dos factos, pela arguida, desde logo porque tendo a mesma invocado a falsidade dos factos que lhe são/foram imputados como assim constantes da acusação, que nesse cenário se impunha que a Administração empreende-se uma análise crítica de toda a prova produzida, o que julgou não ter sido feito, e que os referidos depoimentos são insuficientes para formular um juízo de certeza de que a arguida praticou os factos que lhe são imputados, existindo uma proibição de inversão do ónus da prova. Este julgamento do Tribunal a quo mostra-se devidamente estruturado em termos decisórios e está devidamente fundamentado, sendo para manter, e de ser assim confirmada a Sentença recorrida. Vejamos pois, por que termos e pressupostos. Como assim se foca o Recorrente nas conclusões das suas Alegações de recurso, o que está em causa é apreciar e decidir se estão verificados os pressupostos de facto em que o Ministério da Administração Interna fundamentou a violação do dever de aprumo, e que está na base do acto punitivo sobre a arguida [Autora ora Recorrida], sob impugnação. Em face do que assim resulta patenteado no processo disciplinar [como aliás, assim deve resultar em todos os processos disciplinares], o que importava era apurar se os factos dados como provados observaram o respeito pelas regras e pelos princípios jurídicos da suficiência da prova. Com efeito, é/era à entidade demandada que cabia o ónus da prova dos factos constitutivos da infracção que imputou à arguida, sendo que da análise dos elementos constantes do processo disciplinar, é patentemente flagrante a incerteza em matéria probatória, porquanto os elementos existentes no processo disciplinar não fornecem prova indiciária bastante de que a arguida tenha proferido as expressões cuja autoria lhe foi imputada, nem que a entidade demandada tivesse querido ultrapassar essa incerteza probatória, levando a cabo, oficiosamente, outro tipo de prova adicional, e nesse patamar, na perspectiva de procurar fortalecer o grau de probabilidade de a arguida ter proferido as expressões e de ter assim violado deveres profissionais. Ao contrário do que foi sustentado no relatório final [Cfr. ponto 32 do probatório], e nas demais informações prestadas e que estiveram subjacentes às decisões administrativas, seja do Comandante Distrital de Aveiro da PSP [Cfr. ponto 35A do probatório], seja do Director Nacional da PSP [Cfr. ponto 36A do probatório], seja do Ministro da Administração Interna [Cfr. ponto 39 do probatório], não se trata de saber se em face dos depoimentos das testemunhas «BB» e «CC» a actuação da arguida foi ou não correcta, antes porém de apurar através desses depoimentos o que é que na realidade aconteceu, e onde, e em que contexto físico e emocional é que tal sucedeu, para efeitos de que, com base nesses e noutros elementos de prova que estivessem já constantes do processo ou que para eles devessem ser carreados, se poder perceber se a arguida proferiu aquelas expressões e se violou assim o dever de aprumo, pois que a função da instrução é o apuramento da verdade. Tendo subjacente o disposto no artigo 66.º do Regulamento Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro, assim como o disposto no artigo 71.º, n.º 1 do Estatuto Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei n.º 37/2019, de 30 de maio, no domínio da apreciação da prova rege o princípio da livre apreciação, como assim expressamente consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, o que demanda desde logo que a mesma se faça segundo as regras da experiência comum e em obediência à lógica. Se a convicção do Instrutor do processo disciplinar se tivesse ancorado nestes pressupostos, o que assim não aconteceu, julgamos que sobre ela não se poderia formar outra convicção, a menos que estivéssemos perante manifesto erro no julgamento na apreciação dos factos que lhe estão subjacentes. Com efeito, sendo a prova apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do instrutor/decisor, é no equilíbrio destas duas vertentes [entre as regras da experiência e a livre convicção do instrutor/decisor] que a mesma há-de ser apreciada, sendo que essa convicção não pode ser de índole marcadamente subjectiva nem emocional, havendo que ser sempre uma convicção pessoal, até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis, sendo que é no disposto no artigo 127.º do CPP que se definem as máximas da experiência como fundamento da apreciação da prova. Portanto, o caminho a seguir em sede da produção/realização da prova está racionalmente vinculado ao uso da lógica e da experiência comum, assim como a todo um conjunto de normas [substantivas e adjectivas] que disciplinam o valor probatório dos meios de prova, e o seu modo de aquisição, sendo que, seja o relatório final, seja a decisão em que se apoia o autor da decisão disciplinar tem de assentar, a final, no pleno domínio da racionalidade, da coerência e do equilíbrio. Por isso, o processo de formação da convicção probatória no domínio do processo disciplinar nada pode ter de discricionário, e pese embora a liberdade/possibilidade do instrutor se socorrer das regras da lógica e da experiência comum para formular os seus juízos probatórios, essa sua actividade está vinculada pelo cumprimento dos princípios e regras do direito probatório, assim como das normas da experiência comum e da lógica, sendo por isso que a arguida pode sindicar a coerência interna e externa da decisão que a puniu disciplinarmente, impugnando desde logo a apreciação que foi efectuada em torno dos factos, e designadamente invocar a sua falsidade, o que como assim resulta do probatório, foi amplamente prosseguido e continuamente perseguido pela arguida [Autora ora Recorrida]. Em face do disposto no artigo 127.º do CPP, o instrutor do processo disciplinar, e também a entidade com competência decisória disciplinar, pode e deve formar a sua convicção, a qual de todo o modo tem de ser passível de transmissão e de partilha, ou seja, têm de ser apreensíveis os termos, o modo e os pressupostos em que se apoiou, e nesse domínio, racionalizando e exteriorizando o modo como se convenceu, tendo nesse domínio de expressar o que percepcionou em torno dos depoimentos das testemunhas [v.g., a sua frontalidade, a objectividade, as suas hesitações ou sentimentos expostos], por não lhe ser permitido apresentar um convencimento, apenas porque em face do que 2 testemunhas disseram e foi levado a auto de inquirição, como assim aí escrito, que o constante desses depoimentos traduz a concreta realidade dos factos. Como assim julgamos, bem ao contrário do expendido na informação do Gabinete de Deontologia [Cfr. ponto 36A do probatório, n.ºs 11 e 12 do respectivo documento] e no Parecer da Direcção de Serviços do MAI [Cfr. ponto 39 do probatório, n.º 6.2 parte final do respectivo documento], não se dilucidando do processo disciplinar que a Instrutora, ou o ulterior decisor tenha explicitado de forma racional o modo como alcançou/formou a sua convicção, não pode deixar de ser julgado que a mesma foi obtida fora dos domínios do disposto no artigo 127.º do CPP. Vejamos. Como assim resulta do probatório [Cfr. ponto 25], sendo imputado à Recorrida uma conduta violadora do dever de aprumo [Cfr. artigo 16.º, n.º do Regulamento Disciplinar da PSP], por não adoptar fora do serviço princípios, normas, atitudes e comportamentos que exprimam, reflictam e reforcem a dignidade da função policial e o prestigio da corporação, tendo praticado fora do serviço acções contrárias à ética, à deontologia funcional, ao brio ou ao decoro da corporação [Cfr. alínea f) do n.º 2], que constituem ilícito criminal [Cfr. alínea m) do n.º 2], incumbia ao Réu ora Recorrente demonstrar e provar, cabalmente, portanto, sem a emergência de dúvidas, que a arguida cometeu a infracção disciplinar, e nessa base, que a expressão que lhe está imputada, de que dava um tiro e matava, ocorreu indubitavelmente. Sob o ponto 6.2 do Parecer emitido em 23 de novembro de 2021 elaborado pela Direcção de Serviços do MAI [Cfr. ponto 39 do probatório], vem referido, em torno da alegação efectuada por parte da arguida ora Recorrida de que os factos que lhe são imputados são falsos e não ocorreram, que essa alegação [da arguida] resulta desprovida de qualquer sentido, com fundamento em que “… a verificação da ocorrência dos factos participados, pelos quais vem acusada e punida, resultaram da análise dos depoimentos que as testemunhas, de forma totalmente coerente, prestaram (fls 49 e 50), cuja veracidade não logrou negar, nem mediante um raciocínio lógico nem pela apresentação de prova, documental ou testemunhal de que, para além de qualquer dúvida razoável, não tenham ocorrido. […] Não constando do processo qualquer prova, testemunhal ou documental nem argumentos razoáveis que contrariem a ocorrência dos factos pelos quais a recorrente vem acusada e punida, bem andou a entidade recorrida que verificou que os factos imputados à arguida, contrariamente ao alegado, estão devidamente sustentados pelo probatório carreado para o processo, assumindo especial relevância a prova recolhida na fase instrutória, a qual permitiu formular um juízo de certeza sobre a conduta infracional pela qual a Agente Principal vem acusada e punida, o que é demonstrado mediante o exame crítico elaborado pelo instrutor, em sede do relatório final. 6.3. Relativamente às alegações referidas em 4.3 supra, não assiste qualquer razão à recorrente, porquanto, além dos factos terem sido dados cabalmente como provados […].” Ora, ao contrário do que assim foi sustentado no Parecer em que se apoiou o Ministro da Administração Interna para a prolação do seu despacho datado de 28 de julho de 2022, que confirmando a decisão disciplinar foi determinante da sua rejeição do recurso hierárquico, não era à arguida que incumbia o ónus de provar a sua inocência perante os factos de que foi acusada, antes porém ao titular da acção disciplinar, fazendo a prova que sustentasse a factualidade apontada na acusação deduzida. No caso dos autos não ficou minimamente demonstrado, ou melhor, ainda que indiciariamente, que a arguida tenha produzido por telefone, em chamada telefónica dirigida ao seu ex-companheiro e que este colocou em alta voz para ser ouvida pela sua filha, as expressões que lhe foram imputadas, e que dessa forma tenha incorrido na violação do dever de aprumo, pois que o ónus da prova dos factos constitutivos dessa infracção são da responsabilidade do Réu, a prosseguir em sede da instrução do processo disciplinar, a que, como assim resulta do probatório, o mesmo não deu cabal cumprimento, com suficiência, como é legalmente devido, para efeitos da sustentada violação do dever de zelo. Gozando a arguida, agente policial, seja enquanto cidadã, seja enquanto integrante do Corpo de pessoal da PSP, do direito à presunção da sua inocência, tal significa que alegando e sustentando nos seus depoimentos e nos articulados por si apesentados que não praticou os factos que lhe são imputados e correspectivamente, que não violou qualquer dever que devesse observar, e assim querendo o Réu demonstrar o contrário, cabe-lhe a si, que é o titular do direito de punição disciplinar, o ónus da prova dos factos em que se vem, a traduzir, a final, a invocada infracção disciplinar. Tendo subjacente o alargado princípio da juridicidade, que entre outros compreende o princípio da legalidade, da justiça e da imparcialidade da actuação da Administração, para que a sua actuação possa ser tida e valorada sem reparos, tem de ser prosseguida no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos daqueles com quem se relaciona [Cfr. artigo 266.º, n.º 1 da CRP]. Como assim julgamos, face à prova colhida nos autos, nunca à arguida [Autora ora Recorrida] podia ser deduzida a Acusação pelos termos e pressupostos dela constantes, e muito menos foi prosseguido pela Instrutora [ou ulterior decisor] do processo disciplinar [bem ao contrário do que expressamente vem referido, quer na informação jurídica do Gabinete de Deontologia, quer no Parecer da Direcção de Serviços do MAI] uma análise crítica da prova produzida, resultando a final que não se chega a perceber sequer a lógica do raciocínio empreendido, que importa sublinhar, assentou única e exclusivamente em dois depoimentos de dois cidadãos que, de forma manifesta, nunca poderiam ser tidos e valorados como isentos, e imparciais, até pela existência de fortes conflitos pessoais com a arguida. Havendo uma participação criminal contra a arguida, que é apresentada contra si num contexto interpessoal que não podia passar despercebido à Instrutora do processo disciplinar, sendo patente a inimizade entre o ex-companheiro e os seus filhos face à arguida [e que parece ser recíproco], dar como cabalmente provada a emissão das expressões verbais que foram imputadas à arguida apenas com base nos seus meros depoimentos, traduz a final a emissão de uma convicção a partir de um verdadeiro salto no desconhecido, e uma actuação temerária. Como assim resulta transversal da todo o processo disciplinar, e no que se traduziu a posição sempre sustentada pela arguida, de que os factos não são verdadeiros, ou que são invenções, fazer a demonstração do contrário, isto é, de que são reais e que ocorreram na realidade, é tarefa em exclusivo à Administração, e que na situação dos autos não foi minimamente prosseguida. Na situação em apreço nos autos, perante a diametral diferença de posição entre “o que aconteceu” e “o que não aconteceu”, ou “o que não se provou que aconteceu“ e que na sua base estão depoimentos de 3 pessoas, impunha-se à Instrutora do processo disciplinar, em ordem a apurar a verdade, desde logo e designadamente, efectuar uma acareação entre os intervenientes, e mesmo antes disso, que aquando dos depoimentos prestados pelo «BB» e pela «CC», prosseguir na identificação do concreto contexto físico, social e emocional em que o telefonema foi efectuado e recebido, tendo em vista, primordialmente, poder ser conferida alguma credibilidade aos depoimentos de 2 testemunhas ligadas por laços de sangue [pai e filha] que manifestamente congregam em si a necessária contextualização para não serem isentas nos depoimentos prestados. O que transparece dos autos de inquirição dessas 2 testemunhas, é que a Instrutora do processo disciplinar teve para si um objectivo, e que era fazer prova [assente num documento, em auto] de que fosse dito perante si, enquanto investida nessas funções, que o que constava da participação criminal, e em particular sobre a expressão de que levariam um tiro e que seriam mortos pela arguida, tinha a final a sua correspondência pessoal e temporal. Mas como assim notamos, nem mesmo em face do que foi dito pelas duas testemunhas em torno dessa imputada actuação à arguida, procurou a Instrutora do processo disciplinar a clarificação que se mostrava devida, e que passava por saber por que é que, vindo referido que as 2 testemunhas estavam a ouvir as expressões ditas pela arguida ao telemóvel, que estava em alta voz, essas testemunhas não identificam a expressão com igual teor, pois que o «BB» referiu que a arguida disse “Espeto-vos um estoiro em cada um, mato-vos a todos”, e a sua filha, que como referiu no seu depoimento estava a lavar loiça com o seu pai «BB», referiu que a arguida disse “dou-vos um tiro, mato-vos a todos”, o que, até pelas expressões utilizadas podia encerrar uma motivação [dos depoentes] escondida. Ou seja, não foi feita uma apreciação crítica da prova testemunhal produzida, e nos termos e resultado alcançado, não tem a mínima valia para que possa ser imputada à arguida a emissão dessas expressões, sendo que foi a partir delas que veio a ser formado um juízo manifestamente conclusivo no sentido de que, como as 2 testemunhas assim o disseram, que logo estão provados os factos e a infracção disciplinar [Cfr. neste conspecto, a alínea A) do capítulo IV - Da Prova e alínea A) - Dos Factos, do capítulo IV – Conclusões, do relatório final, sob o ponto 32 do probatório; Cfr. ainda a alínea b) da informação a que se reporta o ponto 35A do probatório]. Como assim julgamos, nem sequer foram apurados indícios suficientes de que a arguida proferiu as expressões, sendo que, caso assim pudessem ter sido firmados pela Instrutora do processo disciplinar, por si relacionados e conjugados de forma crítica e assentes num discurso lógico e racional, poderia assim conduzir à formação de uma convicção pela sua parte que poderia fazer antever com uma razoável grau de probabilidade, que tal assim sucedeu como deposto pelas 2 testemunhas. Tendo em consideração as gravosas consequência pessoais, sociais e profissionais de alguém que é submetido a um processo disciplinar, é legalmente exigido que a entidade que submete alguém a uma acusação, que para além de esses factos deverem ser identificados com clareza e objectividade, devem assentar numa probabilidade alta da sua futura condenação, que deve ser muito mais forte do que a probabilidade da sua absolvição, sendo que, se em sede da instrução/inquérito, não forem divisados fundamentos fortes e respectivas provas de que determinado facto aconteceu, e sendo esse facto determinante da instauração do procedimento disciplinar, então, a via a seguir deveria ser a do seu arquivamento. Considerando que num Estado de Direito, formal e material, é fundamental a existência de garantia dos direitos dos cidadãos, do cidadão inserido em comunidade e na sociedade, o mesmo só deve ser incurso, sujeito a uma acusação em procedimento disciplinar se, depois e colhida a prova devida/necessária e depois de ultrapassado o que pode considerar-se como a dúvida razoável, possa vir a anteverse, com relativa segurança, de que ocorrerá uma condenação. Revertendo aos autos, existindo dúvidas em torno da actuação da arguida, não podem essas dúvidas ser transmutadas em certezas, sendo valoradas contra si, quando é certo, como assim julgamos, que a alta probabilidade a que se reportam os indícios probatórios colhidos devem ser ponderados e avaliados no plano fáctico e não no plano jurídico, sendo que, neste conspecto, faltando provas, ou sendo manifestamente insuficientes para suportar uma acusação, assim acontecendo, a posição da arguida em torno da [não] produção dessa prova, tem de ser valorada a seu favor. Termos em que, face ao que deixamos expendido supra, tem assim, forçosa e necessariamente, de improceder a pretensão recursiva do Recorrente, por insuficiência e desadequação dos meios de prova utilizados para a determinação dos termos e pressupostos de facto e de direito em que fez assentar o cometimento da infracção por parte da arguida, em violação do seu dever de aprumo, o que é determinante da invalidade da decisão sancionatória proferida no processo disciplinar, e a final da anulação do acto administrativo impugnado, como assim julgou o Tribunal a quo, sendo por isso de confirmar, na integra, o julgamento prosseguido pelo Tribunal recorrido. * E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO: Descritores: Processo disciplinar; Polícia de Segurança Pública; Acusação; Produção de prova; Ónus de prova. 1 – No âmbito da instrução do processo disciplinar é sobre o respectivo Instrutor do processo disciplinar que recai o ónus da prova dos factos constitutivos da infracção que se imputa ao arguido, assim como, por sua vez, esse mesmo ónus recai sobre a entidade competente para a decisão disciplinar. 2 – Gozando a arguida, agente policial, seja enquanto cidadã, seja enquanto integrante do Corpo de pessoal da PSP, do direito à presunção da sua inocência, tal significa que alegando e sustentando nos seus depoimentos e nos articulados por si apesentados que não praticou os factos que lhe são imputados e correspectivamente, que não violou qualquer dever que devesse observar, e assim querendo o Réu demonstrar o contrário, cabe-lhe a si, que é o titular do direito de punição disciplinar, o ónus da prova dos factos em que se vem, a traduzir, a final, a invocada infracção disciplinar. 3 - Se da análise do processo disciplinar resulta que em face dos elementos que dele constam emerge uma incerteza objectiva em matéria probatória, nomeadamente porque os elementos existentes no processo disciplinar não fornecem prova indiciária bastante do facto em que se consubstancia ou do qual se faz depender a invocada violação do dever de aprumo por parte da arguida, agente da PSP, ocorre défice de instrução que por si é determinante da anulação do acto que aplicou a pena disciplinar de suspensão por 50 dias. *** IV – DECISÃO Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Recorrente Ministério da Administração Interna, confirmando a Sentença recorrida. * Custas a cargo do Recorrente – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC. ** Notifique. * Porto, 05 de julho de 2024. Paulo Ferreira de Magalhães, relator Rogério Martins Isabel Costa |