Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 02063/14.2BEPRT |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 06/06/2024 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | ROGÉRIO PAULO DA COSTA MARTINS |
Descritores: | FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; CRÉDITOS VENCIDOS ANTES DO PERÍODO DE REFERÊNCIA; CRÉDITOS ATENDÍVEIS; RETRIBUIÇÕES DEVIDAS A TÍTULO DE DIFERENÇAS SALARIAIS; TRABALHO SUPLEMENTAR, DESCANSOS COMPENSATÓRIOS NÃO GOZADOS, TRABALHO PRESTADO EM DIAS DE DESCANSO SEMANAL E FORMAÇÃO PROFISSIONAL NÃO MINISTRADA; INDEMNIZAÇÃO PELA CESSAÇÃO DO CONTRATO, DECLARADA ILEGAL; ARTIGO 319.º REGULAMENTO DO CÓDIGO DO TRABALHO; N.º2 DO ARTIGO 9º DO CÓDIGO CIVIL; PRINCÍPIO DA IGUALDADE; NA SUA VERTENTE LABORAL – ARTIGOS 13º E 63º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA. |
Sumário: | 1. A afirmação de que os créditos são líquidos e exigíveis, face às normas do Código Civil, é válida em relação à entidade patronal, devedora, e para efeitos, designadamente, de apreciar se o crédito se encontra dentro do período de referência ou não, ou se está prescrito, ou não. 2. Não vale para afirmar que é exigível perante o Fundo de Garantia Salarial. Em relação ao Fundo de Garantia Salarial existem normas específicas que regulam a matéria, as constantes do artigo 319.º Regulamento do Código do Trabalho, que dizem quais os créditos cujo pagamento este Fundo garante, ou seja, os que lhe podem ser exigidos, e que não coincidem, como é evidente, com todos os créditos exigíveis à entidade patronal. Aí se referem os créditos que são exigíveis ao Fundo de Garantia Salarial, dentro e fora do período de referência. 3. Não se podendo retirar de outros preceitos uma solução que não tem um mínimo de correspondência com a letra do citado artigo 319.º Regulamento do Código do Trabalho - n.º2 do artigo 9º do Código Civil. 4. No caso a insolvência foi requerida em 08.01.2012, pelo que o período de referência se situa entre 08.07.2011 e esta data. O que obriga à conclusão de que os créditos reclamados aqui em causa estão fora do período de referência, por lhe serem anteriores. 5. E não cabem na previsão do disposto no n.º 2 do artigo 319.º Regulamento do Código do Trabalho os créditos vencidos antes do período de referência porque este preceito refere expressa e inequivocamente a “créditos vencidos após o referido período de referência”. 6. Assim cormo não cabem na letra da lei os crédito vencidos antes do período de referência, mas só aceites e exigíveis no período de referência – n.º 2 do artigo 319.º Regulamento do Código do Trabalho n.º1 – ou após este período – n.º2 do mesmo preceito. Esta norma refere expressa e inequivocamente “créditos vencidos” e não créditos líquidos e exigíveis. 7. Dado que o contrato de trabalho da Autora cessou em 28.02.2011, venceram-se nessa data os créditos agora em causa, as retribuições devidas a título de diferenças salariais, trabalho suplementar, descansos compensatórios não gozados, trabalho prestado em dias de descanso semanal e formação profissional não ministrada, ou seja, antes do período de referência, entre 08.07.2011 e 08.01.2012. 8. O Fundo não substitui a entidade patronal insolvente no pagamento de todas as suas dívidas nem garante o pagamento de todas as dívidas da entidade patronal insolvente, pois isso seria inexequível, economicamente incomportável para o Fundo. 9. O Fundo apenas garante aquele montante, duplamente limitado, que o legislador entendeu ser adequado e justo para, por um lado, proteger o trabalhador numa situação de perda de rendimentos que não lhe é imputável, com complemento do sistema de segurança social e, por outro, garantir a sustentabilidade do próprio Fundo. 10. O que, apresentando justificação objectiva, não viola qualquer princípio constitucional, em concreto o princípio da igualdade, na sua vertente laboral – artigos 13º e 63º da Constituição da República Portuguesa. 11. No caso concreto, a autora resolveu o contrato de trabalho por falta de pagamento pontual das retribuições. Esta modalidade de cessação do contrato de trabalho permite que a autora reivindique o pagamento de uma indemnização pela resolução do contrato de trabalho, bem como o pagamento de todos os créditos vencidos, mas ainda não pagos. 12. A indemnização pela cessação do contrato, declarada ilegal, é de montante variável e fixada judicialmente, enquanto os restantes créditos aqui em causa se venceram com a cessação, “ipso facto”, do contrato de trabalho e o respectivo montante, líquido, resulta directamente da lei. 13. Enquanto na revogação do contrato de trabalho se pretende facilitar o acordo de cessação do contrato de trabalho, na resolução do contrato de trabalho pretende-se sancionar o comportamento da entidade empregadora (in casu, o não pagamento pontual das retribuições). Esta distinção que fundamenta que a compensação pecuniária global englobe os créditos laborais vencidos, enquanto a indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa, não. 14. As diferenças apontadas acarretam implicações em sede de exigibilidade e de vencimento dos créditos laborais: no caso da revogação do contrato de trabalho a compensação pecuniária global vence-se na data acordada pelas partes, enquanto, no caso da resolução do contrato de trabalho, a indemnização vence-se na data do trânsito em julgado da sentença que a fixa e os restantes créditos laborais vencem na data da cessação do contrato de trabalho. 15. São, portanto, diferentes situações com diferentes pressupostos pelo que se aceita o tratamento diferente dado pelo legislador, na sua liberdade normativa, aos diferentes créditos reclamados pela Autora perante do Fundo de Garantia Salarial. 16. Pelo que não se verifica na solução aqui consagrada judicialmente, violação do princípio da igualdade, consignado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: «AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 23.06.2016, pela qual foi julgada (totalmente) improcedente a acção que intentou contra o Fundo de Garantia Salarial para anulação do despacho do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, de 07.05.2014, que indeferiu parcialmente a pretensão da Autora quanto ao pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho e para a sua substituição por outro que reconheça o dever de pagamento pelo Réu dos créditos emergentes da sua cessação do seu contrato de trabalho no montante peticionado de seis mil e duzentos euros, acrescido de juros. Invocou para tanto, em síntese, que a decisão de indeferimento do Fundo de Garantia Salarial notificada à Autora padece do vício de falta, por deficiência, de fundamentação (artigos 124.º n.º 1 alínea a) e 125.º n.º 1 e 2.º do Código de Procedimento Administrativo, e artigo 268.º n.º 3 ,da Constituição da República Portuguesa, ao contrário do decidido na sentença recorrida, pois em boa verdade nenhuma explicação é dada para o indeferimento parcial da sua pretensão; pelos mesmos motivos a decisão administrativa padece ainda de vício por violação dos princípios da justiça, necessidade e adequação e proporcionalidade (artigos 5.º e 6.º do Código de Procedimento Administrativo), também ao contrário do decidido; considerando que não houve créditos vencidos dentro do período de referência, não se mostra ultrapassado o limite previsto no n.º 1 do art. 320º da Regulamento do Código de Trabalho pelo que deveria sempre o Recorrido responder por tal quantia ao abrigo do n.º 2 do artigo 319º, do mesmo diploma; ao decidir que, à excepção da indemnização por danos morais e da indemnização pela resolução com justa causa, que considerou vencidas com a prolação da sentença, os demais créditos reclamados pela Recorrente se venceram em data anterior ao período de referência, o Tribunal a quo interpretou erradamente os artigos 317º, 318º e 319º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho; XXXII. ao considerar que os restantes créditos da Recorrente não se venceram dentro do período de referência, enquadrando-se do n.º 2 do artigo 319º, o Tribunal a quo procedeu a uma incorrecta aplicação da Directiva n.º 80/987/CEE (na redacção dada pela Directiva n.º 2002/74/CE), tal como já havia feito a Recorrido no acto impugnado; o artigo 319º n.º 2 da Lei 35/2004, quando interpretado no sentido de que se inserem dentro do período de referência os créditos advenientes de compensação pecuniária global cujo vencimento é fixado pela partes dentro desse período, mas já não os créditos judicialmente reconhecidos por sentença transitada no mesmo período, é inconstitucional, por violadora do princípio da igualdade consignado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que o Tribunal a quo deveria ter declarado e que novamente se invoca para os devidos e legais efeitos. O Recorrido contra-alegou defendendo a manutenção da sentença impugnada. O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer também no sentido de ser negado provimento ao recurso. * Cumpre decidir já que nada a tal obsta. * I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: I. A Autora, ora Recorrente, instaurou a presente acção contra o Fundo de Garantia Salarial, I.P. peticionando a anulação do despacho do Sr. Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial (FGS) de 7 de Maio de 2014, que indeferiu parcialmente a sua pretensão quanto ao pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho e a sua substituição por outro que reconheça o pagamento pelo FGS dos créditos que emergiram da cessação do referido contrato, no montante de €6.200,00 (seis mil e duzentos euros). II. Entendeu o Recorrido que só os créditos indemnizatórios arbitrados pela sentença laborai (indemnização pela cessação do contrato de trabalho com justa causa e indemnização por danos morais) se venceram dentro do período de referência. Já os créditos laborais (todos os restantes reclamados pela Recorrente) estavam já fora do referido período de referência, na perspectiva do FGS. III. A Recorrente considera que o acto administrativo padece de vícios de vária ordem, desde logo vício de falta de fundamentação (art. 124º n.º 1, al. a), 125 n.º 1 e 2 do CPA e 268 n.º 3 da CRP), vício por violação dos princípios da justiça, necessidade e adequação e proporcionalidade (art. 5.º e 6.º do CPA); vícios de violação de lei, por violação dos arts. 317.º e 319.º da Lei n.º 35/2004, de 29/07, para além dos preceituado na Directiva n.º 8o/987/CEE (na redacção dada pela Directiva n.º 2002/74/CE). IV. Invocou, ainda, a Recorrente, a inconstitucionalidade do artigo 319 n.º 2 da Lei 35/2004, quando interpretado no sentido de que se inserem dentro do período de referência os créditos advenientes de compensação pecuniária global cujo vencimento é fixado pelas partes dentro desse período, mas já não os créditos judicialmente reconhecidos por sentença transitada no mesmo período, por violação do art. 13 da CRP. V. Ao considerar inexistentes todos os apontados vícios e, consequentemente, o Tribunal a quo procedeu a uma errada interpretação das ditas normas legais, que impunham a procedência do pedido. VI. Quanto ao primeiro dos apontados vícios do acto impugnado, a sua falta de fundamentação, decidiu o Tribunal a quo que o mesmo se não verifica porquanto «[a]nalisada tal tabela verifica-se, com clareza, que o R. decidiu que apenas pagaria os créditos relativos a "indemnização" - no valor de €2.530,00 tal como fixado pelo Tribunal de Trabalho - e não os créditos relativos a "retribuições" e "outras prestações" (o que, aliás, o A. bem compreendeu, conforme resulta do art. 40º da petição inicial). Em suma, foram expostas, de forma suficiente, as razões de facto e de direito que fundamentam a decisão impugnada pelo que o ato não padece do vício de falta de fundamentação.". VII. Salvo o devido respeito, crê a Recorrente que o Tribunal a quo confunde o dever de fundamentar com a susceptibilidade de os fundamentos, não enunciados ou insuficientemente enunciados, poderem ser cognoscíveis pelos seus destinatários por via de deduções ou raciocínios lógicos. Outra conclusão não se pode chegar através da leitura da citada passagem da Douta Sentença recorrida, "o que, aliás, o A. bem compreendeu, conforme resulta do art. 40º da petição inicial.". VIII. Ora, sendo certo que a Recorrente - rectius, o seu mandatário - conseguiu perceber que todos os créditos não indemnizatórios foram considerados vencidos antes do período de referência, já não conseguiu perceber por que razão não foram considerados vencidos com a prolação da sentença laboral. E não o conseguiu porque consideração alguma a esse respeito foi tecida na decisão administrativa! IX. Só uma explicação, ainda que sucinta, sobre o raciocínio jurídico que presidiu à conclusão de que os créditos não indemnizatórios se venceram com a cessação do contrato de trabalho e não com a sentença laboral, permitiria cumprir o dever de fundamentação. Explicação que inexistiu, de todo em todo. X. A falta de fundamentação, ou insuficiente fundamentação, acaba por ser constatada pelo próprio Tribunal a quo, quando expressamente afirma que "da leitura da fundamentação do ato (constante da notificação do mesmo à Autora) depreende-se que o pedido de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho foi parcialmente deferido (...)" (sublinhado nosso). De uma decisão, qualquer que ela seja, não se pode apenas "depreender" o seu fundamento. Este tem de ser explicado de forma clara e objectiva, inteligível e sindicável e não por meros arremedos de fundamento que obrigam o seu destinatário a intuir a raciocínio por detrás da decisão. XI. Por conseguinte decisão de indeferimento do FGS notificada à Autora padece de vício por falta de fundamentação (art. 124.º n.º 1 alínea a) e 125.º n.º 1 e 2.º do CPA e art. 268.º n.º 3 da CRP), pois em boa verdade nenhuma explicação é dada para o indeferimento parcial da sua pretensão. Assim o deveria ter decidido o Tribunal a quo, o que só não fez por interpretar de forma errada os citados preceitos. XII. Pelos mesmos motivos aduzidos supra, a decisão administrativa padece ainda de vício por violação dos princípios da justiça, necessidade e adequação e proporcionalidade (art. 5.º e 6.º do CPA), invalidade que expressamente, também, se arguiu e agora expressamente se reitera. XIII. Para além dos vícios supra referidos, a Recorrente aventou que a decisão impugnada padece de vício por violação de lei, por violação dos arts. 317.º e 319.º da Lei n.º 35/2004, de 29/07. Neste conspecto, decidiu a Douta Sentença em crise que a decisão administrativa não enferma do vício de violação de lei, concretamente dos citados arts. 317º e 319 da Lei n.º 35/2004 de 29/07. XIV. De acordo com o Tribunal a quo, os créditos relativos às diferenças salariais, o pagamento das retribuições devidas a título de trabalho suplementar, os descansos compensatórios e o trabalho prestado em dias de descanso semanal venceram-se nas datas em que deveria ter sido pagas ao trabalhador, ou seja, "no último dia de cada um dos respectivos meses", nos termos do art. 278 n.º 1 CT. No que concerne ao crédito que deriva de formação não ministrada à Recorrente, considerou a Douta Sentença recorrida que se venceu em 28/2/2011, ex vi art. 134º CT. XV. Esta apreciação é feita contra legem, tal como havia decidido contra legem o acto impugnado. Na verdade, os créditos da Recorrente sobre a sua ex-entidade patronal Insolvente, para efeitos de pagamento pelo fundo de garantia salarial, encontram-se integralmente abrangidos pelo disposto no art. 317.º e 319.º da Lei n.º 35/2004, de 29/07. XVI. Não se olvide que a entidade patronal da Recorrente não reconheceu a justa causa do despedimento, tendo enviado o modelo para o requerimento de atribuição do subsídio de desemprego declarando que houve denúncia, leia-se demissão, sem justa causa. Nem se ignore que a subsequente acção laboral foi contestada que pugnou pela inexistência de justa causa e declinou os créditos peticionados. XVII. Só em 5 de Setembro de 2013 foi proferida a sentença, que veio a dar razão à ali Autora, declarando procedente a invocação da justa causa. Tal sentença transita muito depois da declaração de insolvência da entidade patronal. XVIII. Até ao trânsito em julgado da sentença laboral, o crédito reclamado junto da entidade patronal era de natureza litigiosa, atento o disposto no n° 3 do artigo 579° do Código Civil, segundo o qual: "diz-se litigioso o direito que tiver sido contestado em juízo contencioso, ainda que arbitral, por qualquer interessado". Quer dizer que o crédito da Recorrente só se tornou judicialmente exigível - ou executório, nas palavras da Sentença recorrida - com o trânsito em julgado da sentença labora!; até então, aquela seria titular de uma mera expectativa jurídica consistente na perspectiva de lhe vir a ser judicialmente reconhecida a causa justa para resolver o vínculo laboral. XIX. Só com o trânsito em julgado da sentença laboral se poderiam considerar vencidos os créditos reclamados pela Recorrente ao FGS, porquanto só então deixaram de ser litigiosos. O que, inevitavelmente, os subsume à categoria de créditos vencidos após o período de referência, prevista no n.° 2 do art. 319 da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho e ao abrigo da qual o FGS apenas deferiu o pagamentos dos créditos indemnizatórios judicialmente arbitrados à ali Autora. XX. Dando esteio à posição da Recorrente, temos ainda que a interpretação da expressão "vencidos" do n.º 1 do art. 319º CT não coincide com o conceito técnico jurídico de vencimento, tal como definido e caracterizado pela Sentença recorrida. O que releva, para efeitos do accionamento do FGS, é que este possa vir a recuperar o crédito que adquiriu por via sub-rogatória ao pagar ao beneficiário. XXI. É nesse fito que o legislador exige que o crédito já se tenha vencido, caso contrário poderia dar-se o caso de o FGS substituir-se ao devedor no pagamento de um crédito vencido mas que este, porventura, não reconhecesse. XXII. Tal desiderato só se pode alcançar com a verificação simultânea de dois requisitos: o primeiro, que o crédito seja já exigível, por transcorrido o prazo para pagamento; o segundo, que o devedor o não haja contestado. Faltando a verificação de qualquer dos pressupostos, o crédito não se pode considerar vencido na acepção do art. 319 n.º 1 CT, sob pena de os recursos financeiros do FGS se poderem exaurir com grande rapidez. XXIII. Dito de outra forma, só os créditos em relação aos quais se verifiquem ambos os requisitos até seis meses antes do pedido de insolvência, ou após a sua declaração, podem considerar-se elegíveis para pagamento por via do FGS. É o que sucede in casu. XXIV. Considerando que não houve créditos vencidos dentro do período de referência, não se mostra ultrapassado o limite previsto no n.º 1 do art. 320º da RCT, pelo que deveria sempre o Recorrido FGS responder por tal quantia ao abrigo do n.º 2 do art.319º. XXV. Ao decidir que, à excepção da indemnização por danos morais e da indemnização pela resolução com justa causa, que considerou vencidas com a prolação da sentença, os demais créditos reclamados pela Recorrente se venceram em data anterior ao período de referência, o Tribunal a quo interpretou erradamente os artigos 317º, 318º e 319º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho. XXVI. Sem prescindir, considerando que não houve lugar à apresentação da lista de créditos reconhecidos (nos termos do art. 129º CIRE) nem à prolação sentença de verificação e graduação de créditos no processo insolvencial, na medida em que se deliberou em assembleia de credores encerrar o processo de insolvência, subscrição, sob carimbo, por parte do Administrador da Insolvência, do impresso destinado ao pagamento dos créditos pelo Fundo de Garantia Salarial, consiste no único – mas suficiente - acto de reconhecimento dos créditos em sede insolvencial. Pelo que, em última análise, poder-se-ia mesmo considerar que os créditos da Recorrente se haviam vencido aquando da subscrição do impresso pelo Administrador da Insolvência. XXVII. O acto administrativo sub judicio está ainda eivado de ilegalidade por violação do direito comunitário, concretamente com o prescrito na Directiva n.º 8o/987/CEE (na redacção dada pela Directiva n.º 2002/74/CE). XXVIII. A configuração da data de vencimento dos créditos e a susceptibilidade de se inserirem dentro do período de referência de seis meses ou antes dele é, consabidamente, uma matéria susceptível de criar injustiças do ponto de vista material. Tais receios levam à necessidade de se proceder a um escrutínio minucioso da conformidade da interpretação do direito interno (mormente os aludidos artigos da regulamentação do Código de Trabalho) com o estabelecido - e permitido - pelo direito comunitário. XXIX. O desiderato do legislador comunitário foi, então, proteger aqueles trabalhadores que viram impossibilitado o ressarcimento dos seus créditos por causa da situação de insolvência da sua entidade patronal, judicialmente declarada. XXX. Não suscita qualquer dúvida a subsunção do vertente caso ao propósito declarado do legislador comunitário: a entidade patronal contestou o crédito da Recorrente e, uma vez judicialmente condenada a proceder ao seu pagamento, não o realizou por força da declaração judicial da sua insolvência. XXXI. Por conseguinte, jamais se poderá aceitar a decisão de indeferimento à luz do Direito Comunitário, pois a mesma é susceptível de colocar em causa os princípios vertidos na referida directiva comunitária, atinentes a proteger os trabalhadores em caso de insolvência da entidade patronal. XXXII. Por conseguinte, ao considerar que os restantes créditos da Recorrente não se venceram dentro do período de referência, enquadrando-se do n.º 2 do art. 319º, o Tribunal a quo procedeu a uma incorrecta aplicação da Directiva n.º 80/987/CEE (na redacção dada pela Directiva n.º 2002/74/CE), tal como já havia feito a Recorrido no acto impugnado. XXXIII. Na sua petição inicial, a Recorrente defendeu, ademais, que se verifica um distinto tratamento de situações materialmente idênticas, o que viola o princípio da igualdade materializado no art. 13º CRP. XXXIV. A interpretação que o Recorrido faz do n.º 1 do art. 319º da Lei n.º 35/2004 não é igual em todos os casos e, por isso, é violadora do princípio constitucional da igualdade. XXXV. É facto que não carece de prova, por público e notório, que, em situações sem dissemelhança face à dos autos, o FGS considera que se vence na data estipulada pelas partes, ou determinada pelo Tribunal, o crédito decorrente de compensação pecuniária global (art. 349º n.º 5 C.T.). A compensação pecuniária global, como se sabe, abrange todos os créditos de que o trabalhador seja titular, independentemente da sua raiz; inclui salários não pagos, proporcionais, férias não gozadas, subsídios de natal, trabalho suplementar não pago, formação convertida em crédito de horas, etc., vencidos à data da cessação do contrato de trabalho. XXXVI. É consabido que, num cenário de englobamento de todos os créditos laborais nesse verdadeiro "pot-pourri" que configura a compensação pecuniária global, o FGS considera que esse crédito se vence na data do acordo ou da sentença ou, maxime, na data de vencimento de cada prestação se o acordo as previr. XXXVII. Porém, materialmente, nada distingue a compensação pecuniária global dos créditos que a compõe; trata-se, apenas, de um mecanismo de simplificação e de fomento das resoluções transaccionais dos litígios laborais. XXXVIII. Qual é o critério que preside a tão divergentes definições de vencimento do FGS? Não é, decerto, o critério da exigibilidade, na medida em que o crédito da Recorrente só passou a sê-lo com o trânsito da sentença que o quantificou. Não poderá, outrossim, tratar-se do critério genético, na medida em que, por força de presunção legal, os créditos abrangidos pela compensação pecuniária global são, também, os vencidos à data da cessação do contrato, tal como bem reconhece a Sentença recorrida (p.17). Ou seja, aqueles que a Recorrente reclamou do FGS e cujo pagamento este indeferiu. XXXIX. Esta interpretação das normas legais aplicáveis introduz distorções inconcebíveis, por discricionárias, configurando um tratamento desigual de situações absolutamente indistintas. XL. Admitir a fixação negocial da data de vencimento dos créditos - que em última análise poderá abrir portas a situações de fraude à Segurança Social - mas não admitir a sua fixação judicial na falta de acordo - configura uma discriminação gritante de tratamento de créditos da mesma natureza. XLI. Vale por dizer que o artigo 319º n.º 2 da Lei 35/2004, quando interpretado no sentido de que se inserem dentro do período de referência os créditos advenientes de compensação pecuniária global cujo vencimento é fixado pela partes dentro desse período, mas já não os créditos judicialmente reconhecidos por sentença transitada no mesmo período, é inconstitucional, por violadora do art. 13º da CRP. XLII. Inconstitucionalidade que o Tribunal a quo deveria ter declarado e que novamente se invoca para os devidos e legais efeitos. XLIII. Por todo o exposto, deverá a Sentença Recorrida ser revogada e considerado integralmente procedente o pedido da Recorrente. * II –Matéria de facto. A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte: 1. A Autora foi trabalhadora da [SCom01...], Ida (cfr. fls. 15 do processo administrativo). 2. Perante a falta de pagamento pontual das suas retribuições a Autora enviou, em 23.02.2011, uma carta à sua entidade patronal, acabada de mencionar, comunicando-lhe a cessação do contrato de trabalho (cfr. fls. 51 a fls. 53 do suporte físico do processo cujo teor se considera integralmente reproduzido). 3. Tal carta foi recebida em 28 .02.2011 (cfr. fls. 53 do suporte físico do processo). 4. Na sequência do envio dessa carta, a Autora intentou uma acção no Tribunal de Trabalho do Porto contra a [SCom01...], Ida, tendo, em 13.11.2013, sido proferida sentença, nos seguintes termos: “ (...) No que concerne às diferenças salariais deixei já acima consignado que à relação laboral entre as partes é aplicável a Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a `APHORT' e a `FETESE', publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 26, de 15/07/2008; com as alterações publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 20, de 29/05/2009; e no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 23, de 22/06/2010. De acordo com estes instrumentos de regulação colectiva, o vencimento base da Autora deveria ter sido de 485,00€, no ano de 2009 e de 510,00€ no ano de 2010. Não obstante, até Junho de 2009, inclusive a Ré apenas pagou à Autora o vencimento mensal de 460,00€; sendo que de Julho desse ano e até ao fim da relação laboral, aquela pagou sempre a esta o vencimento mensal de 485,00€. Assim sendo, assiste à Autora o direito à quantia integral por ela peticionada a este título, ou seja, à quantia global de (25,00€ X 6 meses + 25,00€ X 10 meses) 400,00€. Relativamente ao trabalho suplementar, sabemos já que desde Dezembro de 2008 até 31 de Julho de 2010 a Autora prestou sempre um horário de trabalho de 8,5 horas diárias, seis dias por semana (...) A Autora pretende também ser ressarcida pelo trabalho que prestou em dias de feriado. (...) Ora, ficou provado nos autos que durante a vigência da relação laboral, a Autora prestou anualmente os seguintes dias de trabalho em dias de feriado: - 2008: 01 dias; -2009: 13 dias; -2010: 09 dias (...) De seguida, a Autora peticiona a quantia de 2 141, 05€, a título de descansos compensatórios não gozados, correspondentes a 25% do trabalho suplementar realizado. (...) Ora, como já sabemos, está demonstrado nos autos que a Autora efectuou um total de 678,50 horas de trabalho suplementar em dias normais de trabalho; e um total de 195,5 horas de trabalho em dias de feriado, assim repartidas por anos: -2008: (24,5 + 8,5) 33 horas; -2009: (398 + 110,5) 508, 5 horas; -2010: (256 + 76,5) 332,5 horas. (...) A Autora pretende ainda ser paga da quantia de 5 529,18€, como contrapartida do trabalho por ela prestado em dia de descanso semanal. (...) Não obstante, sabemos já que até 31 de Julho de 2010 a Autora trabalhou sempre seis dias completos por semana, apenas folgando à segunda-feira. Como tal, é possível concluir que em todas as terças-feiras em que efectuou serviço para a Ré, ela prestou trabalho em dia de descanso semanal. (...) Isto posto, temos de que a Autora trabalhou, em cada ano, no seguinte número de terças-feiras (já excluindo os dias em que esteve de férias): -2008: 04; -2009: 48; -2010: 27. (...) Nestes termos e com tais fundamentos, julgando a presente ação parcialmente procedente, declaro ilícita e com justa causa a resolução do contrato de trabalho operada pela Autora; em consequência de que condeno a Ré a pagar-lhe as seguintes quantias: a) 1 530,00€, a título de indemnização pela resolução com justa causa; b) 400,00€, a título de diferenças salariais; c) 3 840,41€, a título de trabalho suplementar; d) 702,35€, a título de trabalho suplementar prestado em dias de feriado; e) 1 244,41€, a título de descansos compensatórios não gozados; f) 3 590,08€, a título de trabalho prestado em dias de descanso semanal; g) 212,80€, a título de formação profissional não ministrada; h) 1000,00€ a título de danos morais; i) Tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde o vencimento de cada uma das obrigações até efectivo e integral pagamento.” . (cfr. fls. 19 a fls. 41 do processo administrativo cujo teor se considera integralmente reproduzido). 5. A insolvência da [SCom01...], Lda foi requerida em 08.01.2012 (cfr. fls. 13 do processo administrativo). 6. Tal insolvência foi declarada, por decisão proferida em 01.02.2012 e transitada em julgado em 16 .04.2012, no âmbito do processo n.º 28/12...., que correu termos no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia (cfr. fls. 13 do processo administrativo). 7. Em 12.06.2012 a Autora requereu ao Fundo de Garantia Salarial o pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho no valor de 25 226,64€ (vinte e cinco mil duzentos e vinte e seis euros e sessenta e quatro cêntimos), dos quais 400€ (quatrocentos euros) são referentes a diferenças salariais; 12 500, 40€ (doze mil e quinhentos euros e quarenta cêntimos) relativos a indemnização/compensação por cessação do contrato de trabalho; 12 326, 24€ (doze mil trezentos e vinte e seis euros e vinte e quatro cêntimos) emergentes da violação do contrato de trabalho (cfr. fls. 17 e fls. 18 do processo administrativo). 8. Em face do requerimento acabado de mencionar, apresentado pela Autora, os serviços do Réu elaboraram uma informação com o seguinte teor: “Foi apresentado pelo trabalhador da empresa, [SCom01...], LDA, «AA», um requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação, ao abrigo da Lei n.º 99/2003, de 27/08 e da Lei n.º 35/2004, de 29/07. Correm termos no ... Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, autos de insolvência da empresa [SCom01...], LDA, registados sob o n.º 28/12...., ação instaurada em 08/01/2012. No âmbito deste processo por sentença proferida em 16/04/2012, foi declarada a insolvência da empresa. Verifica-se, assim, cumprido o requisito plasmado no n.º 1 do art.º 318.º, da Lei n.º 35/2004, de 29/07, na medida em que se encontram abrangidos pelo art.º 380.º e seguintes da Lei n.º 99/2003, de 27 /08. De acordo com os documentos que instruíram o requerimento verifica-se que a requerente cessou o contrato de trabalho em 28/02/2011, por iniciativa da entidade empregadora e reclamou os seus créditos emergentes do contrato de trabalho e sua cessação no processo de insolvência da entidade empregadora, tendo visto os seus créditos reconhecidos no âmbito deste processo pelo que o requisito exigido pelo n.º 3, do art.º 319.º, da Lei n.º 35/2004, de 29/07 encontra-se preenchido. Mais informo que a requerente intentou a competente ação laboral no Tribunal do Trabalho do Porto, no âmbito da qual foi proferida sentença condenatória em 05/09/2013. Os créditos requeridos pela requerente são créditos emergentes de contrato de trabalho, sua cessação e violação, em conformidade com o disposto no art.º 317.º da Lei n.º 35/2004, de 29/07. Encontram-se os créditos requeridos pela requerente vencidos para além da propositura da ação de insolvência, pelo que estão abrangidos pelo n.º 2, do art.º 319.º, da Lei n.º 35/2004, de 29/07. O requerimento apresentado observa as regras previstas no art.º 324.º, da Lei n.º 35/2004, de 29/07, encontrando-se instruídos dos meios de prova previstos na lei (Certificação pelo Sr. Administrador de Insolvência). Encontram-se preenchidos, em nosso entender, os requisitos legais impostos no âmbito da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, conducentes ao deferimento parcial das pretensões formuladas pela requerente acima identificada.” (cfr. fls. 71 do processo administrativo). 9. Em 04.04.2014 a Chefe de Equipa do Fundo de Garantia Salarial emitiu o seguinte parecer “ Face aos fundamentos aduzidos na informação que antecede, concorda-se com a proposta de deferimento parcial do(s) pedido(s) sub judice nos termos e valores constantes na aplicação informática existente, atendendo a que se encontram preenchidos os requisitos impostos pela Lei n.º 35/04, de 29/07 artigos 316.º a 326.º. Não obstante, conclui-se que o montante resultante foi influenciado pelo facto de parte dos créditos requeridos se vencerem em data anterior ao período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação (Insolvência, Falência, Recuperação de empresa ou Procedimento extrajudicial de conciliação) previsto no n.º 1 do artigo 319.º da Lei 35/2004, de 29 de julho (...)”. (cfr. fls. 72 do processo administrativo). 10. Em 08.04.2014, os serviços do Réu propuseram o deferimento parcial do requerimento acima referido com fundamento no facto de: “(...) parte dos créditos requeridos pelo ex-trabalhador se [encontrarem] vencidos em data anterior ao período de referência em causa, ou seja, nos seis meses que antecedem a propositura da acção (Insolvência, Falência, Recuperação de empresa ou Procedimento extrajudicial de conciliação) previsto nos termos do n.° 1 do artigo 319.° do diploma legal citado ou após a data da propositura da mesma ação, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo (...)” (cfr. fls. 72 do processo administrativo cujo teor se considera integralmente reproduzido). 11. Por despacho do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, de 07.05.2014, foi o pedido de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho da Autora parcialmente deferido, com os seguintes fundamentos: “- Foram considerados os montantes constantes da sentença do tribunal do Trabalho do Porto; - Parte dos créditos requeridos encontra-se vencida em data anterior ao período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação (Insolvência, falência, Recuperação de empresa ou Procedimento extrajudicial de conciliação) previsto no n.° 1 do artigo 319.° da Lei 35/2004, de 29 de julho.” . (cfr. fls. 74 do processo administrativo e fls. 44 e fls. 45 do suporte físico do processo). * III - Enquadramento jurídico. 1. A falta, por deficiência, de fundamentação do acto - artigos 124.º n.º 1 alínea a) e 125.º n.º 1 e 2.º do Código de Procedimento Administrativo, e artigo 268.º n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (conclusões I a X); o vício de violação dos princípios da justiça, necessidade e adequação e proporcionalidade (artigos 5.º e 6.º do Código de Procedimento Administrativo) (conclusão XII). Como refere o Ministério Público neste Tribunal, no seu parecer, “a pretensão anulatória cumulativa, formulada pela Recorrente, no âmbito da presente ação, mostra-se supérflua, face ao disposto no artigo 66.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos: “1 - A ação administrativa pode ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um ato administrativo ilegalmente omitido ou recusado. 2 - Ainda que a prática do ato devido tenha sido expressamente recusada, o objeto do processo é a pretensão do interessado e não o ato de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta diretamente da pronúncia condenatória. (…)” Não cabe aqui pronunciar-nos, face a este preceito, sobre os vícios do acto impugnado, ainda que por referência ao decidido pelo Tribunal a quo. Sempre se dirá, no entanto, a propósito da alegada violação dos princípios da violação, pelo acto impugnado, dos princípios da justiça, necessidade e adequação e proporcionalidade (artigos 5.º e 6.º do Código de Procedimento Administrativo), o mesmo sempre seria improcedente dado estarmos perante a situação de um acto estritamente vinculado , ou seja, em que a Entidade Demandada não gozava de qualquer margem de discricionariedade em que pudesse optar, entre várias soluções da que fosse mais justa, proporcional e adequada face aos interesses da Autora. Antes se lhe impunha adoptar a solução imposta, estritamente, por lei. O que veremos de seguida se foi cumprido, como decidido na sentença recorrida, ou não. 2. A errada interpretação dos artigos 317º, 318º e 319º do da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho (conclusões XII a XXVI). Da decisão recorrida consta o seguinte, a este propósito: “(…) A Autora pretende a condenação do Réu ao pagamento de determinados créditos emergentes de contrato de trabalho, porquanto considera que os mesmos se encontram abrangidos no período de referência a que se refere o art.° 319.°, n.° 1 da Lei n.° 35/2004, de 29 de julho. Nos termos do artigo 59.°, n.° 3 da CRP, os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei. Por seu turno, os artigos 333.° e 336.° do Código de Trabalho (doravante CT) concretizam aquele preceito estatuindo, por um lado, que os salários gozam de privilégio creditório, por outro lado, que beneficiam de uma “espécie de fiador ope legis das obrigações emergentes de contrato de trabalho”, segundo a qual “uma instituição pública responde também, em certos termos e dentro de certos limites pelo cumprimento da obrigação” (cfr. AMADO, João Leal, Contrato de Trabalho, 2.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p. 345 e MARTINEZ, Pedro, et al., Código de Trabalho Anotado, 9.ª edição, Coimbra, Almedina, 2013, p. 721). Para cumprimento dos preceitos constitucional e legais mencionados, foi criado, pelo Decreto-Lei n.° 219/99, de 15 de junho, o Fundo de Garantia Salarial, cujo objetivo é assegurar aos trabalhadores, em caso de incumprimento pela entidade empregadora e verificadas certas condições, o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua cessação em tempo útil, evitando que sejam excessivamente penalizados pela morosidade dos processos judiciais e estabelecendo a sub-rogação, do Fundo de Garantia Salarial, nos direitos dos trabalhadores. À data dos factos o Fundo de Garantia Salarial era regulado pela Lei n.° 35/2004, de 29 de julho. Apesar de ter sido revogada, pelo artigo 12.°, n.° 1, al. b) da Lei n.° 7/2009, de 12 de fevereiro, os artigos 317.° a 326.° mantiveram-se em vigor, por força do artigo 12.°, n.° 6, al. o) da Lei n.° 7/2009, de 12 de fevereiro. Os art.°s 317° a 320° da Lei n.° 35/2004, de 29 de julho impõem o preenchimento cumulativo de determinados requisitos, para que o Fundo de Garantia Salarial assegure o pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho, sua violação e cessação. Nos termos do art.° 317.° da Lei n.° 35/2004, de 29 de julho¯ [o] Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes." Por seu turno, o artigo 318.°, n.° 1 da Lei n.° 35/2004, de 29 de julho, preceitua que “o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente". Contudo, o Fundo de Garantia Salarial não assegura o pagamento de todos os créditos emergentes de contrato de trabalho mas somente daqueles a que se refere o art.° 319° da Lei n.° 35/2004, de 29 de julho: 1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior. 2 - Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência. 3 - O Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respetiva prescrição." Note-se que o prazo de seis meses estabelecido neste artigo não consubstancia um prazo de caducidade ou de prescrição, mas o período dentro do qual os créditos emergentes de contrato de trabalho são assegurados pelo Fundo de Garantia Salarial, não lhe sendo aplicáveis as causas suspensivas ou interruptivas da prescrição, previstas no Código Civil. O Tribunal de Justiça da União Europeia já se pronunciou, no âmbito do processo n.° C-309/12, datado de 28.11.2013, a respeito da conformidade do citado artigo 319° com a Diretiva 80/987/CEE do Conselho, concluindo o seguinte: ¯ [a] Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, conforme alterada pela Diretiva 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que não garante os créditos salariais vencidos mais de seis meses antes da propositura da ação de insolvência do empregador, mesmo quando os trabalhadores tenham proposto, antes do início desse período, uma ação judicial contra o seu empregador, com vista à fixação do valor desses créditos e à sua cobrança coerciva.‖ (cfr. acórdão do TCAN, de 14.02.2014, processo n.° 00756/07.0BEPRT, publicado em www.dgsi.pt). Em suma, a Lei n.° 35/2004 de 29 de julho estabelece dois pressupostos para que os créditos laborais sejam satisfeitos pelo Fundo de Garantia Salarial: que a ação de insolvência tenha sido proposta e que os créditos (limitados pelo montante previsto no artigo 320.° da Lei n.° 35/2004 de 29 de julho) se tenham vencido nos seis meses anteriores à data da instauração da ação de insolvência. Como se provou, em 8 de janeiro de 2012 foi requerida a insolvência da [SCom01...], Lda (ponto 5 da matéria de facto provada). Esta ação correu termos no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, sob o número de processo n. ° 28/12...., tendo a decisão da declaração de insolvência transitado em julgado em 16 de abril de 2012 (ponto 6 da matéria de facto provada). Entende a A. que o seu contrato de trabalho cessou em 28 de fevereiro de 2011, tendo os seus créditos vencido na data do trânsito em julgado da sentença do Tribunal de Trabalho do Porto (que os reconheceu), encontrando-se, portanto, incluídos no período de referência. Entende o Réu que os créditos (peticionados na presente ação) se venceram em 28 de fevereiro de 2011 (data da cessação do contrato de trabalho), não se encontrando, portanto, abrangidos pelo período de referência a que se refere o art.° 319°, n.° 1 da Lei n.° 35/2004 de 29 de julho. Nos termos do artigo 394.°, n.° 2, al. a) do CT, a falta culposa de pagamento pontual da retribuição constitui uma causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador. “Em caso de resolução do contrato com fundamento em facto previsto no n.' 2 do artigo 394.', o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades” (cfr. artigo 396.°, n.° 1 do CT). Como se provou, em 23 de fevereiro de 2011, a Autora enviou uma carta à sua entidade patronal comunicando-lhe a resolução do contrato de trabalho com fundamento na falta de pagamento pontual da retribuição (ponto 2 da matéria de facto provada). Uma vez que a sua entidade patronal não reconheceu a justa causa de despedimento, a A. intentou uma ação no Tribunal de Trabalho do Porto onde aquela foi condenada nos seguintes termos: “Nestes termos e com tais fundamentos, julgando a presente ação parcialmente procedente, declaro ilícita e com justa causa a resolução do contrato de trabalho operada pela Autora, em consequência de que condeno a Ré a pagar-lhe as seguintes quantias: j) 1 530,00€, a título de indemnização pela resolução com justa causa; k) 400,00€, a título de diferenças salarias; l) 3 840,41€, a título de trabalho suplementar; m) 702,35€, a título de trabalho suplementar prestado em dias de feriado; n) 1 244,41€, a título de descanso compensatórios não gozados; o) 3 590,08€, a título de trabalho prestado em dias de descanso semanal; p) 212,80€, a título de formação profissional não ministrada; q) 1000,00€, a título de danos morais; r) Tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde o vencimento de cada uma das obrigações até efectivo e integral pagamento.” (ponto 4 da matéria de facto provada). Antes da entrada em vigor da Lei n.° 35/2004, de 29/07, a indemnização pela resolução do contrato de trabalho vencia-se no momento da cessação do contrato de trabalho, pois, nessa data, a mesma já era líquida. De facto, de acordo com o artigo 6.°, al. a) da Lei n.° 17/86, de 14 de julho, a indemnização correspondia a um mês de retribuição por cada ano completo de antiguidade ou fração não podendo ser inferior a três meses. Dito de outro modo, a indemnização não era variável, mas um montante fixo, vencendo-se, nos termos do artigo 805.°, n.° 3 do CC, quando fosse estabelecido o seu valor exato (cfr. acórdão do STA de 25.03.2009, processo n.° 01110/08, publicado em www.dgsi.pt). Atualmente, por força do artigo 396.° do CT, a resolução do contrato de trabalho, com fundamento em justa causa subjetiva, confere, ao trabalhador, o direito a uma indemnização a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades para cada ano completo de antiguidade. Por outras palavras, o preceito legal mencionado estabelece uma moldura dentro da qual o tribunal deve fixar a indemnização devida ao trabalhador, atendendo ao valor de retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador. Se assim é, nos termos do artigo 805.°, n.° 3 do CC, sendo o crédito ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, “salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor, tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que haja então mora”, nos termos da primeira parte do n.º 3 do citado artigo 805.°. “A regra in illiquidis non fit mora, acolhida na primeira parte do n.º 3 do artigo 805.º citado, justifica-se na medida em que não é razoável exigir ao devedor que cumpra, enquanto não souber qual o montante ou o objecto exacto da prestação que deve realizar, e a única excepção é a da falta de liquidez poder ser imputada ao próprio devedor, isto é, se o devedor for o culpado da não liquidação da prestação. A obrigação é ilíquida quando é incerto o seu quantitativo (ALBERTO DOS REIS, Processo de Execução, vol. I, p. 446) ou, no dizer de ANTUNES VARELA, é ilíquida a obrigação cuja existência é certa, mas cujo montante não está ainda fixado (Das Obrigações em Geral, vol. I, 7.ª edição, pp. 918 e 920)‖ (cfr. acórdão do TCAS de 12.02.2015, processo n.° 11452/14, publicado em www.dgsi.pt). Voltando ao caso sub judice, o quantitativo indemnizatório apenas se tornou líquido com o trânsito em julgado da sentença do Tribunal de Trabalho do Porto (proferida em 13 de novembro de 2013), pelo que se conclui que a indemnização pela resolução do contrato de trabalho se venceu nessa data. Com efeito, foi nessa data que a Autora adquiriu o direito ao pagamento da indemnização pela resolução do contrato de trabalho, com justa causa, no valor total de 2 530€ (dois mil quinhentos e trinta euros), correspondendo 1 530€ (mil quinhentos e trinta euros) à indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa e 1000€ (mil euros) a danos morais. Uma vez que, como veremos, não há créditos vencidos no período de referência, o Fundo de Garantia Salarial assegurou (e bem) o pagamento destes créditos, nos termos do n.° 2 do art.° 319° da Lei n.° 35/2004, de 29 de julho. A Autora peticiona o pagamento das diferenças salariais resultantes da atualização da remuneração (por aplicação da Convenção Coletiva de Trabalho celebrada entre a “APHORT” e a “FETESE”) e o pagamento das retribuições devidas a título de trabalho suplementar, dos descansos compensatórios não gozados e do trabalho prestado em dias de descanso semanal. Nos termos do artigo 278.°, n.° 1 do CT (cujo teor equivale ao do artigo 269.°, n.° 1 do CT, na redação dada pela Lei n.° 99/03, de 27/08, em vigor nas datas de vencimento das retribuições de 2008 e de parte de 2009), as retribuições vencem-se “por períodos certos e iguais, que, salvo estipulação ou uso diverso, são a semana, a quinzena e o mês do calendário”. Assim, as retribuições (designadamente as diferenças salariais, a retribuição referente ao trabalho suplementar prestado, aos descansos compensatórios não gozados e ao trabalho prestado em dias de descanso semanal) auferidas em 2008, 2009 e 2010 venceram-se nas datas em que deveriam ter sido pagas ao trabalhador, ou seja, no último dia de cada um dos respetivos meses a que respeitam. No que concerne ao pagamento das retribuições relativas à formação profissional não ministrada, o artigo 127.°, n.° 1, al. d) do CT estatui que o empregador tem o dever de proporcionar ao trabalhador formação profissional adequada ao desenvolvimento da qualificação deste. Ora, “cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação” (artigo 134.° do CT). Nessa medida, uma vez que o contrato de trabalho cessou em 28 de fevereiro de 2011, venceu-se nessa data o direito à retribuição relativa à formação não ministrada. Ora, tendo a ação de insolvência sido intentada no dia 8 de janeiro de 2012, o período de referência, a que se refere o artigo 319.°, n.° 1 da Lei n.° 35/2004 de 29 de julho, compreende-se entre 8 de julho de 2011 e 8 de janeiro de 2012. Considerando que as retribuições devidas a título de diferenças salariais, trabalho suplementar, descansos compensatórios não gozados, trabalho prestado em dias de descanso semanal e formação profissional não ministrada se venceram em 28 de fevereiro de 2011, nenhuma se venceu durante o período de referência (entre 08.07.2011 e 08.01.2012), não podendo o Réu deferir a pretensão da Autora. Concluímos, portanto, que apenas se encontram vencidos, no período de referência, os créditos relativos à indemnização pela resolução do contrato de trabalho, cujo pagamento já foi assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, conclui-se que o ato não padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, não viola o disposto nos artigos 317.° a 319.° da Lei n.° 35/2004, de 29 de julho, nem contraria o disposto na Diretiva n.° 80/987/CEE, na redação dada pela Diretiva n.° 2002/74/CE. (…)”. Com acerto adianta-se. A afirmação de que os créditos são líquidos e exigíveis, face às normas do Código Civil, é válida em relação à entidade patronal, devedora, e para efeitos, designadamente, de apreciar se o crédito se encontra dentro do período de referência ou não, ou se está prescrito, ou não. Não vale para afirmar que é exigível perante o Fundo de Garantia Salarial. Em relação ao Fundo de Garantia Salarial existem normas específicas que regulam a matéria, as constantes do artigo 319.º Regulamento do Código do Trabalho, que dizem quais os créditos cujo pagamento este Fundo garante, ou seja, os que lhe podem ser exigidos, e que não coincidem, como é evidente, com todos os créditos exigíveis à entidade patronal. Aí se referem os créditos que são exigíveis ao Fundo de Garantia Salarial, dentro e fora do período de referência. Não se podendo retirar de outros preceitos uma solução que não tem um mínimo de correspondência com a letra do citado artigo 319.º Regulamento do Código do Trabalho - n.º2 do artigo 9º do Código Civil. No caso a insolvência foi requerida em 08.01.2012, pelo que o período de referência se situa entre 08.07.2011 e esta data. O que obriga à conclusão, tirada na decisão recorrida, de que os créditos reclamados aqui em causa estão fora do período de referência. E não cabem na previsão do disposto no n.º 2 do artigo 319.º Regulamento do Código do Trabalho porque não são posteriores ao período de referência, mas venceram-se antes do período de referência. Os créditos vencidos antes do período de referência não cabem na previsão deste preceito que refere expressa e inequivocamente a “créditos vencidos após o referido período de referência”. Assim cormo não cabem na letra da lei os crédito vencidos antes do período de referência, mas só aceites e exigíveis no período de referência – n.º 2 do artigo 319.º Regulamento do Código do Trabalho n.º1 – ou após este período – n.º2 do mesmo preceito. Esta norma refere expressa e inequivocamente “créditos vencidos” e não créditos líquidos e exigíveis. Dado que o contrato de trabalho da Autora cessou em 28.02.2011, venceram-se nessa data os créditos agora em causa, as retribuições devidas a título de diferenças salariais, trabalho suplementar, descansos compensatórios não gozados, trabalho prestado em dias de descanso semanal e formação profissional não ministrada, ou seja, antes do período de referência, entre 08.07.2011 e 08.01.2012. Pelo que, logo nesta parte, improcede o recurso, dado o acerto da decisão recorrida. 3. A violação do princípio da igualdade consignado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa - Directiva n.º 80/987/CEE (na redacção dada pela Directiva n.º 2002/74/CE) e n. º2 do artigo 319º n.º 2 da Lei 35/2004 (conclusões XXVII a XLIII). Sobre este ponto discorre-se na decisão recorrida: “(…) A Autora alega que o artigo 319.° da Lei n.° 35/2004, de 29 de julho, viola o princípio da igualdade (plasmado no art.° 13° da CRP e 5°, n.° 1 do CPA), principio que se reconduz “à proibição do arbítrio, proibição essa que, naturalmente, não anula a liberdade de conformação do legislador onde ele a não infrinja. (...) " (acórdão do Tribunal Constitucional de 21.10.2003, n.° 486/03, no p. 182/2000, publicado em www.tribunalconstitucional.pt) O princípio da igualdade é um direito fundamental dos cidadãos, um direito, liberdade e garantia, de aplicação direta, que vincula tanto as entidades públicas, como as entidades privadas. Numa conceção formal, corresponde à igual aplicação da lei a todos os cidadãos, confundindo-se com o princípio da prevalência da lei. Por seu turno, numa conceção material, determina um “tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais) " (cfr. AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, 2.' edição, Volume II, Coimbra, Almedina, 2012, p. 89; GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual de Direito Constitucional, volume II, 3.' edição, Coimbra, Almedina, pp. 835 e seguintes e acórdão do Tribunal Constitucional de 21.10.2003, n.° 486/03, no p. 182/2000, publicado em www.tribunalconstitucional.pt). O princípio da igualdade desdobra-se na proibição do arbítrio, segundo o qual são inadmissíveis quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios objetivos constitucionais relevantes, quer a identificação de tratamento para situações desiguais; na proibição da discriminação, na qual não são legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias meramente subjetivas ou em razão dessas categorias (que historicamente fundaram a discricionariedade); e na obrigação de diferenciação, isto é, na forma de compensar as desigualdades de operação, que pressupõem a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fáticas de natureza social, económica e cultural (cfr. CANOTILHO, J. J., MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 339). Assim, o princípio da igualdade admite diferenciações de tratamento desde que razoáveis, racionais e objetivamente fundamentadas, sob pena de, assim não sucedendo, se incorrer em arbítrio e discriminação infundada. Com vista a aferir da violação do princípio da igualdade, há que perceber a ratio da disposição em causa e apreciar se a mesma possui uma fundamentação razoável para um determinado tratamento jurídico, isto é, tem de existir uma conexão entre o critério adotado e a ratio do tratamento jurídico. Nos termos do artigo 349.°, n.° 1 do CT, “o empregador e o trabalhador podem fazer cessar o contrato de trabalho por acordo”. Nestes casos, é acordada uma compensação pecuniária global que, segundo João Leal Amado, configura um “preço do despedimento negociado” (cfr. AMADO, João Leal, Contrato de Trabalho, 2' edição, Coimbra Editora, p. 377). Por outras palavras, “será o preço a pagar pelo empregador ao trabalhador para que as negociações cheguem a bom porto” (cfr. AMADO, João Leal, Contrato de Trabalho, 2' edição, Coimbra Editora, p. 377), visando-se, portanto, facilitar o acordo. “Se, no acordo ou conjuntamente com este, as partes estabelecerem uma compensação pecuniária global para o trabalhador, presume-se que esta inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta” (cfr. artigo 349.°, n.° 5 do CT). Na ausência do artigo 349.°, n.° 5 do CT, o estabelecimento de uma compensação pecuniária global para o trabalhador não afastaria o dever de pagamento dos restantes créditos que lhe fossem devidos por força do contrato ou da sua cessação. A compensação seria um “plus” (cfr. AMADO, João Leal, Contrato de Trabalho, 2' edição, Coimbra Editora, p. 378). Contudo, ao estabelecer esta presunção legal, o legislador incluiu na compensação pecuniária global os créditos devidos por força do contrato ou da sua cessação. Nestes termos, o montante de compensação pecuniária global apenas se torna exigível na data acordada pelas partes (trabalhador e empregador), considerando-se, em consequência, vencido nesse momento (artigo 805.°, n.° 3 do CC). Se assim é, caso o vencimento ocorra dentro do período de referência, o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento daquele crédito. Esta situação é diferente da situação da Autora. A Autora resolveu o contrato de trabalho por falta de pagamento pontual das retribuições. Esta modalidade de cessação do contrato de trabalho permite que a Autora reivindique o pagamento de uma indemnização pela resolução do contrato de trabalho, bem como o pagamento de todos os créditos vencidos, mas ainda não pagos. Contrariamente à indemnização, cujo quantum é variável (sendo fixado, posteriormente, na sentença que reconhece o direito à indemnização), os restantes créditos venceram, como supra explanado, na data da cessação do contrato de trabalho, devendo ser essa a data considerada para efeitos de aferir se se enquadra ou não no período de referência previsto no artigo 319.° da Lei n.° 35/2004, de 29 de julho. O posterior reconhecimento destes créditos em sentença apenas visa conferir-lhes executoriedade (o que difere da exigibilidade). Em suma, enquanto na revogação do contrato de trabalho se pretende facilitar o acordo de cessação do contrato de trabalho, na resolução do contrato de trabalho pretende-se sancionar o comportamento da entidade empregadora (in casu, o não pagamento pontual das retribuições). É esta distinção que fundamenta que a compensação pecuniária global englobe os créditos laborais vencidos, enquanto a indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa, não. As diferenças apontadas acarretam implicações em sede de exigibilidade e de vencimento dos créditos laborais: no caso da revogação do contrato de trabalho a compensação pecuniária global vence-se na data acordada pelas partes, enquanto, no caso da resolução do contrato de trabalho, a indemnização vence-se na data do trânsito em julgado da sentença que a fixa e os restantes créditos laborais vencem na data da cessação do contrato de trabalho. Em face do exposto concluímos que tal preceito legal não viola o princípio da igualdade e que, portanto, o R., ao proceder à sua aplicação ao caso sub judice também não violou tal princípio. (…)”. Como se refere no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 09.10.2015, no processo 00066/12.0 BRG, do qual o ora relator foi subscritor: “A jurisprudência dos tribunais superiores desta jurisdição administrativa tem vindo reiteradamente a entender que no caso da entidade empregadora vir a ser judicialmente declarada insolvente o Fundo de Garantia Salarial assegurará os créditos salariais que se hajam vencido nos seis meses que antecederam a data de propositura da ação de insolvência ou da data de entrada do requerimento relativo ao procedimento de conciliação (previsto no DL n.º 316/98)- cfr. Acs. do STA de 17.12.2008 - Proc. n.º 0705/08, de 04.02.2009 - Proc. n.º 0704/08, de 07.01.2009 - Proc. n.º 0780/08, de 10.02.2009 - Proc. n.º 0820/08, de 11.02.2009 - Proc. n.º 0703/08, de 25.02.2009 - Proc. n.º 0728/08, de 12.03.2009 - Proc. n.º 0712/08, de 25.03.2009 - Proc. n.º 01110/08, de 02.04.2009 - Proc. n.º 0858/08, de 10.09.2009 - Proc. n.º 01111/08; de 10.09.2015, Processo n.º 0147/15, todos disponíveis inwww.dgsi. Importa ainda ter presente que o âmbito de abrangência do art.º 319.º, nº1 da Lei n.º 35/2004, nos termos em que a jurisprudência nacional o tem entendido, foi considerado como não violador da Diretiva 80/987/CEE do Conselho, por Acórdão do TJUE de 28/11/2013, proferido no Processo n.º C-309/12, que fixou o seguinte entendimento: “A Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, conforme alterada pela Diretiva 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que não garante os créditos salariais vencidos mais de seis meses antes da propositura da ação de insolvência do empregador, mesmo quando os trabalhadores tenham proposto, antes do início desse período, uma ação judicial contra o seu empregador, com vista à fixação do valor desses créditos e à sua cobrança coerciva” – cfr. Acórdão do TCAN de 14.02.2014, processo n.º 00756/07.0BEPRT. Assim, é inequívoco que o Fundo de Garantia Salarial assegura ao trabalhador, em caso de incumprimento pelo empregador judicialmente declarado insolvente, o pagamento, até determinado montante, dos créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua cessação que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação de declaração de insolvência ou da entrada do requerimento do procedimento de conciliação, se for o caso. Ou, caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no n.º1 do art.º 319, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1, do artigo 320.º, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência (conforme n.º 2 do art.º 319.º). Em conclusão, é pacífico, e a jurisprudência nacional tem-no reiteradamente afirmado, que o momento que releva para determinar se os créditos reclamados pelo trabalhador ao Fundo de Garantia Salarial se encontram dentro do prazo de abrangência de 6 meses estabelecido no art.º319.º, n.º2 da Lei n.º 35/2004, é o momento do vencimento dos créditos laborais e não o trânsito em julgado da sentença proferida com vista ao seu reconhecimento judicial. Nesse sentido, veja-se o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 11/11/08, no processo n.º 0858/08 onde se afirma que «uma coisa é o direito que o credor tem, verificados determinados pressupostos, de exigir o pagamento de uma prestação; outra, de natureza bem diversa, é a possibilidade de, através da máquina judicial, procurar forçar o devedor a prestar-lha» Como tal, apenas se mostra necessário que os créditos salariais reclamados ao Fundo de Garantia Salarial sejam exigíveis, e como afirma Galvão Teles, in “Direito das Obrigações”, 5.ª Edição, pág. 217: «A exigibilidade decorre do vencimento da obrigação (do momento em que a obrigação deve ser cumprida)». Conforme se sumariou no recente Acórdão do STA de 10.09.2015, processo n.º 0147/15: «I - O Fundo de Garantia Salarial, assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho “que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referidos no artigo 2.ºanterior " – art.º 319.º/1 da Lei 35/2004. II - Para esse efeito importa, apenas, a data de vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na acção intentada com vista ao seu reconhecimento judicial e ao seu pagamento». Sublinhe-se, porém, que os créditos salariais, como a indemnização pelo despedimento, apenas se consideram vencidos a contar do trânsito em julgado de decisão judicial que os reconheça, conforme decorre do artigo 435.º do CT/03 (aplicável aos autos).” O Fundo não substitui a entidade patronal insolvente no pagamento de todas as suas dívidas nem garante o pagamento de todas as dívidas da entidade patronal insolvente, pois isso seria inexequível, economicamente incomportável para o Fundo. O Fundo apenas garante aquele montante, duplamente limitado, que o legislador entendeu ser adequado e justo para, por um lado, proteger o trabalhador numa situação de perda de rendimentos que não lhe é imputável, com complemento do sistema de segurança social e, por outro, garantir a sustentabilidade do próprio Fundo. O que, apresentando justificação objectiva, não viola qualquer princípio constitucional, em concreto o princípio da igualdade, na sua vertente laboral – artigos 13º e 63º da Constituição da República Portuguesa. Sendo este o nosso entendimento, é inequívoco que concordamos integralmente com a decisão recorrida, que vai no mesmo sentido que sustentamos. A Autora resolveu o contrato de trabalho por falta de pagamento pontual das retribuições. Como se refere na decisão recorrida, esta modalidade de cessação do contrato de trabalho permite que a Autora reivindique o pagamento de uma indemnização pela resolução do contrato de trabalho, bem como o pagamento de todos os créditos vencidos, mas ainda não pagos. A indemnização pela cessação do contrato, declarada ilegal, é de montante variável e fixada judicialmente, enquanto os restantes créditos aqui em causa se venceram com a cessação, “ipso facto”, do contrato de trabalho e o respectivo montante, líquido, resulta directamente da lei. Finalmente, como se refere na decisão recorrida, enquanto na revogação do contrato de trabalho se pretende facilitar o acordo de cessação do contrato de trabalho, na resolução do contrato de trabalho pretende-se sancionar o comportamento da entidade empregadora (in casu, o não pagamento pontual das retribuições). Esta distinção que fundamenta que a compensação pecuniária global englobe os créditos laborais vencidos, enquanto a indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa, não. As diferenças apontadas acarretam implicações em sede de exigibilidade e de vencimento dos créditos laborais: no caso da revogação do contrato de trabalho a compensação pecuniária global vence-se na data acordada pelas partes, enquanto, no caso da resolução do contrato de trabalho, a indemnização vence-se na data do trânsito em julgado da sentença que a fixa e os restantes créditos laborais vencem na data da cessação do contrato de trabalho. São, portanto, diferentes situações com diferentes pressupostos pelo que se aceita o tratamento diferente dado pelo legislador, na sua liberdade normativa, aos diferentes créditos reclamados pela Autora perante do Fundo de Garantia Salarial. Pelo que concluímos, tal como decidido, que não se verifica na solução aqui consagrada judicialmente, violação do princípio da igualdade, consignado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa. Não merece, pois, provimento o presente recurso, impondo-se manter a decisão recorrida. * IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo a decisão recorrida. Custas pela Recorrente sem prejuízo do apoio judiciário concedido. * Porto, 06.06.2024 Rogério Martins Paulo Ferreira de Magalhães Fernanda Brandão |