Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00957/09.6BEPRT |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 11/30/2022 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | Irene Isabel Gomes das Neves |
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Descritores: | IMPOSTO DE SELO; VERBA N.º10 DA TGIS; REQUISITO DE ACESSORIEDADE; PARCIAL. |
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Sumário: | I. O imposto de selo incide sobre as garantias das obrigações, qualquer que seja a sua natureza ou forma, designadamente a garantia bancária autónoma e a hipoteca, salvo quando materialmente acessórias de contratos especialmente tributados pela Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS) e constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente (TGIS nº 10). II. Estabelece, pois, a verba n.º 10 da TGIS, três requisitos cumulativos para que as garantias não sejam tributadas em sede de imposto do selo: (i) a existência de acessoriedade material entre a garantia e a obrigação;(ii) a obrigação garantida seja especialmente tributada pela TGIS e (iii) simultaneidade entre o nascimento da obrigação garantida e a constituição da respectiva garantia. III. Se o requisito da acessoriedade for parcial, o valor tributável para efeitos de aplicação da taxa, não pode ignorar o mesmo e considerar o valor total garantido pela hipoteca, sob pena de dupla tributação da mesma realidade económica. |
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Recorrente: | A.., S.A. |
Recorrido 1: | Autoridade Tributária e Aduaneira |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Impugnação Judicial - Liquidação de tributos - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Del. 2186/2015] |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso. |
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Decisão Texto Integral: | 1.RELATÓRIO 1.1. "A.., S.A." (Recorrente) notificados da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação judicial contra a liquidação do Imposto de Selo relativo ao ano de 2006 no valor de € 124.944,00, e respectivos juros compensatórios no valor de € 9.283,51, no valor global de € 134.227,51, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional. Alegou, formulando as seguintes conclusões: «I. A Sentença recorrida incorre em erro de julgamento por ter entendido que as partes previram uma hipoteca genérica quando não foi esse o tipo de garantia pretendida pelas mesmas; II. Ao contrário do que crê a AT, bem como o Tribunal a quo, não foi, em circunstância alguma, propósito das partes a constituição de uma hipoteca global; III. Mas sim uma hipoteca limitada ao mútuo concedido pelo "Banco ...", isto é, uma hipoteca materialmente acessória àquele financiamento; IV. O valor do capital mutuado sempre foi – e assim se manteve – de EUR 15.200.000, cumprindo elucidar que o montante máximo assegurado pela hipoteca é de EUR 20.824.000 porquanto compreende juros e outros encargos e despesas associados ao capital mutuado, tal como sempre se verifica neste tipo de operações e tal como consta da certidão permanente do imóvel; V. Isto é, a garantia constituída encontra-se limitada ao mútuo concedido (EUR 15.200.000), não obstante o montante máximo assegurado ser de EUR 20,824.000; VI. Tal diferença de valores deve-se, apenas, ao facto de, como é do conhecimento geral, nas operações de concessão de crédito com garantia, a entidade mutuante exigir sempre, por parte do garante, a constituição de uma garantia que permita àquela entidade assegurar, para além do capital, o pagamento dos juros, das despesas e encargos relacionadas com o contrato, e do risco de (in)cobrabilidade da dívida; VII. Motivo pelo qual o banco mutuante exigiu que, para um capital mutuado de EUR 15.200.000, fosse constituída uma hipoteca de valor total de EUR 20.824.000; VIII. Sendo este o modos operandi de qualquer entidade bancária, não deixando a garantia de ser acessória ao contrato de mútuo especialmente tributado em sede de Imposto do Selo; IX. O motivo pelo qual a redação inicial do Contrato de Mútuo com Hipoteca não expressa de forma correta a vontade das partes deve-se ao facto de as partes terem aderido a um texto padrão; X. E, por forma a desvanecerem quaisquer dúbias interpretações que pudessem resultar da inexatidão do texto tipificado na escritura para terceiros, as partes solenemente declararam, em retificação à primeira escritura, que a hipoteca constituída se destinou, e destina, a garantir exclusivamente o bom pagamento do financiamento concedido; XI. Tendo tal facto sido dado como provado por parte do Tribunal a quo; XII. Não obstante, entendeu o Tribunal que a vontade das partes foi a de consagrar uma hipoteca global, entendimento este que configura um erro de julgamento, uma vez que, conforme ficou amplamente demonstrado nos autos, a vontade das partes foi a de efetuar aquela hipoteca enquanto garantia exclusiva do contrato de mútuo e limitada a este financiamento; XIII. Tal como a doutrina e a jurisprudência apresentadas entendem, mais do que avaliar se, em termos formais, a garantia é acessória ao contrato de mútuo, deverá aferir-se sobre a acessoriedade material efetivamente existente, algo que, tanto a AT como o Tribunal a quo, não efetuaram; XIV. Tendo fundamentado a sua posição no formalismo e não na substância / materialidade da operação, tal como se exigia; XV. Pese embora seja mencionado pelo Tribunal a quo na sua sentença ¬servindo inclusivamente de base à decisão – “como se retira da expressão «materialmente acessórias», constitui um requisito essencial para o funcionamento desta exclusão tributaria a verificação de uma acessoriedade em sentido material, ou seja, a existência de uma efectiva ligação entre obrigação garantida e garantia prestada, quer exista quer não uma acessoriedade em sentido formal, entendendo-se esta como a inserção daqueles actos no mesmo instrumento ou título”; XVI. Todavia, e apesar de considerar que a acessoriedade da garantia teria que ser analisada do ponto de vista material, o Tribunal a quo decidiu, apenas, com base naquilo que literalmente estava previsto no contrato – isto é, baseou a sua decisão na acessoriedade formal (!); XVII. Em clara contradição entre a fundamentação utilizada e a decisão final proferida; XVIII. Em substância, a garantia constituída no âmbito do contrato de mútuo sub judice é materialmente acessória a este, para além de ser simultânea, tendo as partes pretendido, desde o primeiro momento, que assim fosse, não obstante a redação inicial atribuída ao Contrato não o espelhar; XIX. Contudo, a Recorrente entende encontrar-se perante uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada; XX. Isto é, tanto a "A.., S.A.", como a "B...,S.A.", como o Banco mutuante, pretendiam que a hipoteca constituída garantisse, apenas e só, o montante do financiamento concedido naquele ato; XXI. Motivo pelo qual o Banco mutuante – o declaratário do negócio – aceitou e aceita o negócio tal como a "A.., S.A." e a "B...,S.A." os declarantes – realmente o queriam; XXII. Se não fosse esta a vontade real das três partes envolvidas na operação aqui em apreço – prestar uma garantia materialmente acessória (e limitada) ao mútuo concedido -, questiona a Recorrente de que forma se poderá justificar que o Banco mutuante – o declaratário do negócio – tenha aceite a referida retificação ao Contrato de Mútuo com Hipoteca, sem que tivesse ocorrido qualquer redução do capital mutuado; XXIII. Mais, conforme resulta do entendimento da doutrina oportunamente apresentada pela Recorrente, bem como do n.º 2 do artigo 236.º do Código Civil, sendo o erro conhecido do declaratário ou destinatário da declaração, como é o caso sub judice, o negócio vale segundo a vontade real do declarante; XXIV. Uma vez que o negócio vale segundo a sua vontade real – prestar uma garantia materialmente acessória (e limitada) ao mútuo concedido -, necessariamente deverá ser esta a factualidade subjacente ao enquadramento jurídico-tributário aplicável em sede de Imposto do Selo; XXV. Ao contrário daquilo que foi o entendimento da AT e ao qual o Tribunal a quo aderiu; XXVI. Ainda assim, mal decidiram a AT e o Tribunal recorrido, ao não terem considerado, sequer, a existência de uma garantia parcialmente materialmente acessória ao contrato de mútuo; XXVII. O que desde já também se contesta; XXVIII. De facto, caso a teoria prosseguida pela AT, e que veio a ser atestada pelo Tribunal a quo, pudesse vingar na ordem jurídica, por se considerar que a garantia prestada abrange o mútuo e outras responsabilidades, designadamente a constituir, desconsiderando-se por completo a vontade das partes, o que por mera hipótese académica se concebe, a verdade é que nos encontraríamos, sempre, perante uma garantia parcialmente materialmente acessória ao contrato de mútuo; XXIX. E, por isso, excluída de tributação nos termos da Verba 10 da TGIS quanto à parte respeitante ao mútuo que visa garantir, isto é, relativamente ao montante máximo assegurado (para um capital de EUR 15,200.000) de EUR 20.824.000; XXX. Tal como defende a doutrina apresentada no presente recurso; XXXI. O que significa que, pretendendo o Tribunal a quo decidir nos termos em que veio a proferir a sentença recorrida, sempre deveria ter anulado a liquidação de Imposto do Selo sub judice, porquanto a hipoteca constituída sempre seria materialmente acessória ao mútuo concedido, XXXII. considerando-se, então, que tal garantia só não seria acessória em relação às “outras responsabilidades a contrair junto do credor”; XXXIII. Isto é, quanto às responsabilidades que ultrapassem o valor máximo assegurado no Contrato de Mútuo de EUR 15.200.000: EUR 20.824.000; XXXIV. Sendo esse valor, das “outras responsabilidades a contrair junto do credor”, um valor indeterminado; XXXV. Assim, quanto a essas outras “responsabilidades a contrair junto do credor”, assumindo, por mera hipótese, que as partes pretenderam constituir uma garantia que também abrangesse as mesmas, para além do mútuo, o que não corresponde à realidade, sempre caberia à AT apurar, nos termos do n.º 3 do artigo 9.º do Código do Imposto do Selo, a base tributável sobre a qual iria recair a taxa relativamente a esta parte em que a hipoteca não é materialmente acessória ao contrato de mútuo; XXXVI. Sendo certo, reitere-se, que a parte da hipoteca que não é materialmente acessória ao contrato de mútuo só poderia ser a parte que exceda os EUR 20.824.000 assegurados para o mútuo com um capital de EUR 15.200.000; XXXVII. Uma vez que, até ao montante de EUR 20.824.000, existe, sempre, uma situação, de facto, de acessoriedade material e de simultaneidade entre a hipoteca e mútuo; Por outro lado, XXXVIII. A sentença incorre em erro de julgamento por preterição da produção da prova testemunhal; XXXIX. Com efeito, a prova testemunhal era o meio probatório indicado para comprovar a vontade real das partes; XL. A Recorrente, na petição inicial, arrolou cinco testemunhas precisamente por considerar impreterível ouvir as pessoas com conhecimento direto dos factos e que poderiam demonstrar qual tinha sido, realmente, a vontade das partes na formação daquele contrato; XLI. Contudo, o Tribunal a quo indeferiu o requerimento de inquirição de testemunhas, em virtude de considerar que apenas estava a ser discutida matéria de direito – despacho que foi objeto de recurso autónomo por parte da Recorrente; XLII. Porém, nunca poderia o Tribunal dispensar a audição das testemunhas, uma vez que quando na verba 10 da Tabela Geral do Imposto do Selo se faz referência a acessoriedade material (por contraposição a formal, como nos parece evidente) nada mais se poderá querer significar do que a vontade real das partes na celebração do contrato; XLIII. Sendo que a única forma de provar, nos presentes autos, a vontade real das partes era a inquirição das pessoas com conhecimento direto dos factos, que tinham agido em representação das entidades contratantes e que, como tal, tinham presidido à formação da sua vontade; XLIV. De outro modo, bastar-nos-ia apenas a formalidade – ou seja, aquilo que expressamente consta escrito nas cláusulas do contrato; XLV. O que não foi a intenção do Legislador da Verba 10 da TGIS; XLVI. Em síntese, se a acessoriedade a examinar é a acessoriedade material, então nunca poderia o Tribunal ter preterido da prova testemunhal, porquanto esta é a única que tem a virtualidade de comprovar a vontade das partes e, consequentemente, a acessoriedade material; XLVII. Especialmente, quando as partes – unanimemente – vêm asseverar que a vontade inicialmente declarada não equivale à vontade real – i.e. que o elemento formal difere do material; XLVIII. A conclusão que impere retirar de tudo o que ficou exposto é que a dispensa da produção da prova testemunhal influenciou a factualidade dada como provada e, consequentemente, a decisão de mérito proferida; XLIX. E, conforme suportado por toda a doutrina e jurisprudência citadas a este respeito, o juízo sobre a necessidade ou não da produção da prova testemunhal deve estar sujeito a controlo, podendo a decisão do juiz ser sindicada em sede do recurso interposto da sentença; L. Adicionalmente, e apesar de não constar do rol de nulidades dos artigos 98.º do CPPT, 201.º e seguintes ou 195.º do CPC, a omissão de diligências probatórias pode afetar o julgamento da matéria de facto, de forma a conduzir à anulação da sentença por défice instrutório – o que no caso sub judice sucede; Por fim, LI. A sentença padece do vício de ilegalidade, por violação do artigo 236.º, n.º 2 do Código Civil, uma vez que o Tribunal teria que, com base nos factos que tinha e com fundamento no artigo 236.º, n.º 2 do Código Civil, sempre considerar a vontade real – e retificada – das partes; LII. De facto, as partes manifestaram, expressamente, que pretendiam que a hipoteca garantisse apenas e só o montante do financiamento concedido naquele ato, sendo esta a vontade a retirar daquele contrato, pelo que o Tribunal decidiu completamente à revelia do artigo 236.º, n.º 2 do Código Civil, enfermando a sua decisão de ilegalidade; LIII. Assim, fica por compreender de que modo, atendendo ao quadro factual assente (a adesão a um contrato padrão pela Recorrente, a retificação da escritura por forma a esclarecer e limitar a garantia unicamente ao contrato de mútuo celebrado) pôde o Tribunal decidir, afirmando que a vontade das partes foi claramente e sem margem para dúvidas a de efetuar uma hipoteca geral; LIV. Igualmente, declarou o Tribunal a quo que “enquanto o contrato não for anulado judicialmente ou declarado nulo nos termos dos normativos elencados pela Impugnante, deve prevalecer o sentido extraído da declaração, já que o erro invocado pela Impugnante não é identificável não podendo a Impugnante, neste processo, demonstrar, designadamente, por via, da prova testemunhal, a vontade real”; LV. Assim se conclui que o Tribunal recorrido determinou que a vontade das partes é aquela que se extrai da declaração (interpretação puramente formal), mas, surpreendentemente e sem fundamentar, entendeu que não era possível demonstrar a vontade real pela prova testemunhal e, LVI. finalmente, afirmou que apenas através da anulação judicial se deverá considerar a vontade retificada das parte, quando o n.º 2 do artigo 236.º do Código Civil estatui claramente que basta que o declaratário conheça a vontade real do declarante para que seja esta a vontade a retirar da declaração; LVII. Quanto a este último argumento do Tribunal, a Recorrente questiona-se sobre se, no presente caso, não se encontrará perante uma situação similar àquela em que os contribuintes, posteriormente ao nascimento do facto tributário e ao pagamento do respetivo imposto, vêm alterar os pressupostos sobre os quais o mencionado facto tributário assenta – designadamente por via de declarações de substituição (ex.: Submissão de declaração Modelo 22 de IRC de substituição ou de declaração Modelo 3 de IRS de substituição); LVIII. Na verdade, o que se verifica naqueles casos – em que é apresentada uma declaração de substituição e alterados os pressupostos do facto tributário anteriormente constituído – é que tal alteração origina uma correção, a favor da AT ou do contribuinte, dependendo do tipo de alteração efetuada; LIX. Sendo certo que, no presente caso, sempre deveria ter ocorrido uma correção a favor do contribuinte, por via da retificação apresentada pelas partes, a qual consubstancia uma alteração aos pressupostos originais sobre os quais incidiu, primeiramente, o facto tributário que motivou a liquidação de Imposto do Selo aqui contestada; LX. Adicionalmente, refira-se que em momento algum foi intenção das partes procederem à anulação do Contrato de Mútuo com Hipoteca anteriormente celebrado; LXI. Isto é, ao contrário da sugestão indicada por parte do Tribunal a quo na sentença recorrida, a Recorrente entende que, de todo o modo, tal solução jurídica – anulação judicial do contrato – nunca poderia ser aplicada ao caso sub judice, porquanto a anulação judicial de um contrato tem como propósito a eliminação do mesmo da ordem jurídica e, por conseguinte, dos seus efeitos; LXII. Sendo certo que as partes envolvidas no Contrato de Mútuo com Hipoteca não pretenderam, através da retificação operada, anular os efeitos produzidos pelo Contrato de Mútuo com Hipoteca, alterar a existência ou os fundamentos basilares do referido contrato, LXIII. mas apenas clarificar o alcance, âmbito e limite da hipoteca constituída aquando da concessão do mútuo em causa; e LXIV. Face a tudo quanto a Recorrente aqui expôs, requer-se a V. Exa. se digne dar provimento ao presente recurso, por provado, e, em consequência, seja anulada a decisão de primeira instância processo, por força do i) erro de julgamento quanto à decisão de mérito proferida, por violação da Verba 10 da TGIS e do artigo 5.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, pelo facto de ii) a sentença recorrida não formar suporte suficiente à decisão de direito, motivada, em grande medida, pela falta de realização da prova testemunhal requerida por parte da ora Recorrente, o que configura uma violação dos artigos 13.º, 114.º 115.º e 118.º do CPPT, assim como do artigo 411.º do CPC, nos termos do disposto na alínea c) do n.o 2 do artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, e, por fim, decorrente do vício de ilegalidade do qual padece a sentença a quo, por violação do n.º 2 do artigo 236.º do Código Civil, porquanto a decisão nela compreendida encontra-se em total desrespeito perante este preceito legal; Nestes termos e nos demais de Direito que V, Exa, se digne suprir, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!» 1.2. A Recorrida Fazenda Pública, notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações. 1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 201 SITAF, no sentido da improcedência do recurso. 1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. Questões a decidir: As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes: Ø Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por preterição da produção de prova testemunhal; Ø Se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento de direito na interpretação que faz do requisito de isenção de Imposto de Selo, verba 10 da Tabela Geral, nomeadamente, quando aí se faz referência a acessoriedade entre actos praticados com incidência em sede de Imposto de Selo, no sentido de aquela não se verificava, entre o contrato de mútuo e o contrato de garantia com hipoteca celebrados simultaneamente; Ø Se a sentença padece do vício de ilegalidade, por violação do artigo 236.º, n.º 2 do Código Civil, uma vez que o tribunal teria que, com base nos factos que tinha e com fundamento no artigo 236.º, n.º 2 do Código Civil, sempre considerar a vontade real – e retificada – das partes; 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto 2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1ª instância e respectiva fundamentação: « Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos: A) Em 30/11/2006, a Impugnante, a "B...,S.A." e o "Banco ...", outorgaram escritura pública designada “mútuo com hipoteca” da qual se extrai o seguinte, no que ao caso releva: - A Impugnante confessa-se devedora da quantia de quinze milhões e duzentos mil euros que do Banco iria receber a título de empréstimo; - O contrato de mútuo tem o prazo de quatro anos e mais um mês, eventualmente prorrogável, por uma ou mais vezes, mediante solicitação por escrito por parte da devedora e na condição da sua aceitação pelo "Banco ..."; - Que, para caução e garantia do bom pagamento do financiamento ora concedido e de todas e quaisquer responsabilidades contraídas ou a contrair junto do "Banco ...", nomeadamente sob a forma de empréstimo, empréstimo renda certa, abertura de crédito, facilidade de descoberto em conta de depósitos à ordem, desconto de letras e livranças, garantias bancárias, fianças e avales, a "B...,S.A." constitui hipoteca voluntária a favor do "Banco ..." sobre as fracções identificadas pertencentes ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Av. ...; que o empréstimo rege-se pelas cláusulas constantes do documento complementar anexo; - Que para os fins previstos no n.º 3 do art.º 6.º, do CSC é legítima a prestação da garantia a favor da sociedade “"A.., S.A."”, pela “"B...,S.A."”, uma vez que existe um contrato de consórcio entre ambas para conclusão das obras do prédio do qual fazem parte as fracções autónomas ora hipotecadas, havendo, assim, um justificado interesse na garantia ora prestada para a prossecução mútua do respectivo consórcio. Cf. fls. 17 e ss do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. B) Do documento complementar elaborado nos termos do n.º 2 do art.º 64 do Código do Notariado que instruiu a escritura mencionada no ponto antecedente extrai-se o seguinte, no que ao caso releva: - A “"A.., S.A."” na qualidade de “devedor” solicitou um empréstimo ao "Banco ..." sendo o capital mutuado de € 15.200.000.00 pelo prazo de quanto anos e mais um mês, eventualmente prorrogável, por uma ou mais vezes, mediante solicitação por escrito por parte da devedora e na condição da sua aceitação pelo "Banco ..." (2.ª e 3ª); - A hipoteca é feita com a máxima amplitude e subsistirá enquanto o "Banco ..." não estiver integralmente pago, abrangendo tudo quanto estiver implantado nos referidos imóveis, bem como todas as construções, benfeitorias e acessões presentes e futuras e as indemnizações devidas por sinistro, expropriação ou quaisquer outras, que o "Banco ..." poderá receber de quem competir até à liquidação das responsabilidades por esta hipoteca garantidas (17.ª); - A hipoteca ora constituída manter-se-á plenamente em vigor enquanto subsistir qualquer dívida de capital, juros ou despesas contraídas por qualquer forma imputável ao devedor pelo que só com o cabal pagamento de todas as responsabilidades perante o "Banco ..." a este será exigível a autorização para o seu cancelamento (19.ª); - As letras, livranças, extractos de conta, escritos particulares, bordereaux, notas de lançamento e todo e qualquer outro documento particular que comprove a constituição de um débito imputado ao devedor serão prova suficiente da constituição da dívida e poderá ainda ser utlizada para accionamento judicial do devedor se for caso disso, sendo títulos bastantes nos termos do art.º 50.º do CPC (21.ª). Cf. fls. 24 e ss do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. C) A AT levou a cabo uma acção inspectiva sobre os dados respeitantes à Impugnante que foram recolhidos em inspecção externa realizada à actividade desenvolvida pelo notário responsável pela escritura mencionada na al. a) do probatório – Cf. fls. 35 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. D) No decurso dos procedimentos levados a cabo no decurso da acção a que se alude no ponto anterior a AT procedeu ao apuramento de imposto de selo que computou em € 124.944,00 – Cf. fls. 35 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. E) Os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) elaboraram relatório de inspecção tributária (RIT) em 27/10/2008 mencionando no capítulo III soba a epígrafe “Da descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável” o seguinte: [dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original] Cf. fls. 35 e ss do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. F) Por ofício datado de 03/11/2008, a Impugnante foi notificada das conclusões mencionadas na alínea antecedente – Cf. fls. 32 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. G) Em 28/10/2008, a AT emitiu em nome da Impugnante a liquidação de imposto de selo relativa ao ano de 2006 n.º 2008.......46 no valor de € 124.944,00 e a liquidação de juros compensatórios n.º 2008 ......11, no valor de € 9.283,51, nos seguintes termos: Valor base 124.944,00, Data de início 21/12/2006, Data de fim 28/10/2008, 678 dias, taxa 4%, valor 9.283,51 – Cf. fls. 41 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. H) No dia 13/11/2008, a Impugnante, a "B...,S.A." e o "Banco ...", outorgaram escritura pública designada “rectificação” da qual se extrai o seguinte, no que ao caso releva: “que pela presente rectificam a predita escritura no sentido de que o fundamento da hipoteca voluntária constituída [...] se destinou e destina a garantir exclusivamente o bom pagamento do financiamento concedido à "A.., S.A." ao invés de todas e quaisquer responsabilidades contraídas ou a contrair junto do "Banco ...", nomeadamente sob a forma de empréstimo , renda cera, abertura de crédito, facilidade de descoberto em conta de depósito à ordem, desconto de letras e livranças, garantias bancárias, fianças e avales, como do referido contrato de crédito consta, mantendo-se em tudo o mais o exarado na citada escritura” – Cf. fls. 43 e ss do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. I) A hipoteca mencionada na al. a) do probatório está na CRP de ... de cuja certidão permanente se extrai o seguinte, no que ao caso releva: Ap. 41 de 21/09/2006 “Montante máximo assegurado: 20.824.000.00 Fundamento – garantia e segurança do empréstimo concedido à sociedade "A.., S.A.", bem como de todas e quaisquer responsabilidades contraída ou a contrair junto do credor, nomeadamente sob a forma de empréstimo, empréstimo renda certa, abertura de crédito, facilidade de descoberto em conta de depósitos à ordem, desconto de letras e livranças, garantias bancárias, fianças e avales – Cf. fls. 63 e ss do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. * Não existem quaisquer outros factos provados ou não provados relevantes para a boa decisão da causa. Motivação A convicção do Tribunal na consideração dos factos provados alicerçou-se no teor dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que não foram impugnados.» 2.2. De direito As liquidações impugnadas (liquidações de Imposto de Selo e respectivos juros compensatórios) nos autos foram emitidas pela Administração Tributária com fundamento no preceituado na verba 10 da Tabela Geral de Imposto do Selo (na redacção vigente em 2006) e no entendimento divulgado pelo Ofício n.~1891, de 21.11.2006, emitido pela Direcção de Serviços do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imoveis, do Imposto de Selo, dos Impostos Rodoviários e das Contribuições Especiais (DSMIT), dirigido à Ordem dos Notários, em resposta a pedido de esclarecimento desta, e Oficio n.º40091 de 17.09.2007 da mesma DSMIT. Assente aquele entendimento, trespassado para o relatório e fundamentação da liquidação do Imposto de Selo em causa, que: - As escrituras de hipotéticas genéricas, mencionadas no citado normativo, quando realizadas em data diferente da escritura de hipoteca, não beneficiam da característica de simultaneidade, pelo que, os respetivos actos notariais, referente a Imposto do Selo (contrato de empréstimo bancário – com hipoteca de um bem como garantia) ficam sujeitos a Imposto do Selo, pelo montante garantido; - Nos atos notariais em que o contrato de empréstimo é efetuado no mesmo dia da escritura de hipoteca, o princípio da acessoriedade fica em causa se neles é referido que o valor do empréstimo é para fazer face a responsabilidades anteriormente assumidas ou a assumir pelo mutuado junto da instituição de Crédito, emergentes operações bancárias e, tratando-se de responsabilidades/obrigações já constituídas ou a constituir, se aí ficar referido que: « Sejam ou venham a tornar-se responsável perante o Banco provenientes de Fianças, Garantias Bancárias, ou Avales bancários prestados ou a prestar pelo Banco …». Ou «Das responsabilidades assumidas ou a assumir perante o Banco, até a o limite de … Provenientes de garantias bancárias prestadas ou a prestar pelo Banco a seu pedido, créditos, documentários, operações cambiais à vista ou a prazo, empréstimos de qualquer natureza, aberturas de crédito soba a forma de conta corrente, livranças, letras, descontos, avales em títulos de crédito. Débitos de financiamentos concedidos (…)» Em jeito de sinopse, para a Administração Tributária só as garantias que recaem única e exclusivamente sobre as responsabilidades emergentes do contrato principal são materialmente acessórias. Ou, dito de outro modo, para a Administração Tributária não são materialmente acessórias as garantias que recaem sobre outras responsabilidades ou obrigações já constituídas ou a constituir inequivocamente emergentes de outras operações bancárias. Entende a Recorrente, por ora, que a hipoteca em causa nos presentes autos não está sujeita a imposto de selo, na medida em que não estamos perante uma hipoteca genérica ou global, pois as partes pretenderam apenas garantir a quantia ali mutuada, através da constituição de uma hipoteca sobre as diversas fracções identificadas na mencionada escritura, pertencentes ao prédio urbano descrito na 2.ª CRP de ... na mesma data e no mesmo instrumento do contrato de abertura de crédito garantido. O valor do capital mutuado sempre foi – e assim se manteve – de € 15.200.000, cumprindo elucidar que o montante máximo assegurado pela hipoteca é de € 20.824.000 porquanto compreende juros e outros encargos e despesas associados ao capital mutuado, tal como sempre se verifica neste tipo de operações e tal como consta da certidão permanente do imóvel. A diferença de valores deve-se, apenas, ao facto de, como é do conhecimento geral, nas operações de concessão de crédito com garantia, a entidade mutuante exigir sempre, por parte do garante, a constituição de uma garantia que permita àquela entidade assegurar, para além do capital, o pagamento dos juros, das despesas e encargos relacionados com o contrato, e do risco de (in)cobrabilidade da dívida. E, caso assim não se entenda, sempre se teria que entender que a parte da hipoteca que não é materialmente acessória ao contrato de mútuo só poderia ser a parte que exceda os € 20.824.000 assegurados para o mútuo com um capital de € 15.200.000. (vide Conclusões I a XXXVII). Cumpre apreciar, encetando um breve enquadramento legal, jurisprudencial e doutrinal sobre esta primeira questão, sem olvidar os factos dados como provados que decorrem exclusivamente dos documentos juntos aos autos, num segundo momento. À data dos factos, prescrevia a verba 10 da Tabela Geral de Imposto do Selo: “10 - Garantias das obrigações, qualquer que seja a sua natureza ou forma, designadamente o aval, a caução, a garantia bancária autónoma, a fiança, a hipoteca, o penhor e o seguro-caução, salvo quando materialmente acessórias de contratos especialmente tributados na presente Tabela e sejam constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente - sobre o respectivo valor, em função do prazo, considerando-se sempre como nova operação a prorrogação do prazo do contrato: 10.1 - Garantias de prazo inferior a um ano - por cada mês ou fracção ... 0,04% 10.2 - Garantias de prazo igual ou superior a um ano ... 0,5% 10.3 - Garantias sem prazo ou de prazo igual ou superior a cinco anos ... 0,6%” (negrito nossa autoria). O Supremo Tribunal Administrativo se pronunciou já por diversas vezes sobre o quadro legal que se analisa, deixando claramente firmado em que termos e com que limites deve ser interpretada a verba 10: «O Código de Imposto de Selo (CIS), no seu art° 1”, n° 1, estabelece a incidência objectiva do imposto de selo, determinando que o mesmo “incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo a transmissão gratuita de bens.”. No que diz respeito às garantias das obrigações, como é o caso da hipoteca e da garantia bancária, a Tabela Geral do Imposto de Selo, no ponto 10, prevê que o imposto de selo incide sobre tais actos “qualquer que seja a sua natureza ou forma, designadamente o aval, a caução, a garantia bancária autónoma, afiança, a hipoteca, o penhor, o seguro-caução, salvo quando materialmente acessórias de contratos especialmente tributados na presente Tabela e sejam constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente (…)” . Por seu lado, o art° 5°, do mesmo Código, relativo ao nascimento da obrigação tributária, determina que a obrigação tributária se considera constituída, designadamente: - “nos actos e contratos, no momento da assinatura pelos outorgantes” [alínea a)]; - “nas operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, no momento da cobrança de juros, prémios, comissões e outras contraprestações, considerando-se efectivamente cobrados (...) os juros e comissões debitados em contas correntes à ordem de quem a eles tiver direito.” [alínea h)]. Ora, no caso dos autos, estarmos perante operações com intervenção de uma instituição financeira, a que é aplicável esta alínea h) e a norma de incidência que, no caso da garantia por hipoteca, é a que consta da verba 10.3 da TGIS a qual estabelece uma taxa de 0,6% para as garantias sem prazo ou de prazo igual ou superior a cinco anos. O contrato de hipoteca compreende-se à luz das exigências que de regra as instituições financeiras impõem aos seus clientes para a prestação de certas garantias ou empréstimos. Nessa medida e atento o probatório supra destacado deve ser classificado como um contrato acessório do principal que no caso dos autos era a prestação de uma garantia bancária (Contratos acessórios são aqueles que têm por finalidade assegurar o cumprimento de outro contrato, denominado principal de que o mais esclarecedor exemplo é a fiança.). No caso dos autos e como bem analisou a sentença recorrida vem provado que a hipoteca constituída a 30.07.2003, se destinou a garantir emissão de garantia bancária pela C…, sendo que nesse mesmo dia o processo relativo à garantia bancária foi arquivado por aquela instituição de crédito, devido à desistência dos clientes, aqui Impugnantes. Assim, se naquela data tivesse sido emitida a garantia bancária, o imposto de selo era devido, nos termos do art° 5°, alínea h) do CIS, no momento da cobrança da comissão respectiva, debitada em conta bancária dos Impugnantes. Não o tendo sido não ocorre facto tributário pois a hipoteca foi, no caso em apreço, uma garantia materialmente acessória do contrato relativo à concessão de garantia bancária a celebrar nessa ocasião, e que acabou por não ser celebrado. Cremos que nesta linha de entendimento vai o estudo de Bruno Santiago in “As Garantias das Obrigações e o Imposto do Selo” Coimbra Editora, quando a fls. 130 e ao analisar o excerto do ponto 10 da Tabela Geral do Imposto de Selo, supra destacado refere: “O excerto da norma em apreciação exclui da tributação as garantias quando sejam acessórias de outros contratos que também sejam tributados em IS. A intenção do legislador é clara e compreensível: evitar situações de dupla tributação sempre indesejáveis e que onerariam excessivamente as operações. No entanto, para acautelar possíveis abusos por parte dos contribuintes, esta excepção foi rodeada de requisitos apertados: i) a necessidade de uma acessoriedade material e não meramente formal; e, ii) a constituição da garantia na mesma data que a obrigação garantida” Na mesma linha de entendimento cfr Luís Fragoso “Garantias Bancárias Autónomas e Imposto do Selo (Tributar ou não tributar? Essa é a questão), Verbo Jurídico, Março de 2010” o qual referindo-se à Verba n.º 10 da TGIS, explana: “Averiguemos, então, de forma independente, qual o sentido e alcance desta norma legal, procurando dar uma resposta segura à questão a que nos propomos responder, tendo em atenção que o problema reside, essencialmente, no significado do conceito indeterminado que é o da “acessoriedade material”. Ora, conforme resulta da primeira parte da citada norma, o legislador determinou que todas as garantias de obrigações, “qualquer que seja a sua natureza ou forma,” são tributadas em sede de imposto do selo. E para reforçar que a natureza ou forma das garantias é irrelevante, deu vários exemplos de m naturezas e formas diferentes. Razão pela qual mencionou o aval, a garantia bancária autónoma e o seguro-caução a par da hipoteca e da caução – estas últimas exemplos clássicos de garantias de obrigações. Assim, a natureza ou forma das garantias é irrelevante para efeitos de tributação em sede de imposto do selo, pelo que resulta da primeira parte da Verba n.º 10 da TGIS que também as garantias bancárias autónomas, simples ou à primeira solicitação, estão, em regra, sujeitas a imposto do selo. Todavia, a segunda parte da citada Verba n.º 10 da TGIS estabelece uma importante excepção ao estabelecer que todas as garantias de obrigações, “qualquer que seja a sua natureza ou forma,” não são tributadas em sede de imposto do selo caso se verifique que: - são “materialmente acessórias de contratos especialmente tributados na presente Tabela; e - sejam constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente” Esta segunda parte da Verba n.º 10 da TGIS estabelece, assim, três requisitos cumulativos, para que as garantias não sejam tributadas em sede de imposto do selo. São eles: - a existência de acessoriedade material entre a garantia e a obrigação; - a obrigação garantida seja especialmente tributada pela TGIS; e - simultaneidade entre o nascimento da obrigação garantida e a constituição da respectiva garantia; O requisito da simultaneidade não nos levanta problemas em alcançar o seu sentido, uma vez que é pacificamente entendido que ele se verifica quando a garantia e a obrigação garantida nascem no mesmo dia, ainda que sejam constituídas ou formalizadas em documentos distintos. (Ofício-Circulado n.º 40091, de 17 de Setembro de 2007, da Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, dos Impostos Rodoviários e das Contribuições, que refere no seu ponto 4 “A constituição simultânea opera quando forem comuns as datas do contrato principal e do contrato de prestação de garantia.”) Por sua vez, o requisito da obrigação garantida estar especialmente tributado pela TGIS também não nos levanta problemas quanto ao seu sentido, pois dele resulta que só são relevantes as garantias de obrigações emergentes de um acto especialmente tributado pela TGIS. A título de exemplo, veja-se o caso de uma garantia – seja ela qual for – que seja prestada para assegurar o bom cumprimento das obrigações emergentes de um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel. Uma tal garantia, mesmo que cumpra os requisitos da acessoriedade e da simultaneidade, não poderá gozar de exclusão de tributação, dado que o contrato garantido (o contrato-promessa) não está especialmente tributado na TGIS. Resta-nos, então, aferir qual o significado do requisito da “acessoriedade material” e se o mesmo também se verifica, ou não, no caso das garantias autónomas. É que não basta estarem verificados os requisitos da simultaneidade e da obrigação garantida estar especialmente prevista pela TGIS, para que possamos concluir pela não tributação das garantias em causa. Ora, acerca do sentido do requisito da “acessoriedade material”, entendem ANTÓNIO CAMPOS LAIRES e JORGE BELCHIOR LAIRES, que “(…) como se retira da expressão «materialmente acessórias», constitui um requisito essencial para o funcionamento desta exclusão tributaria a verificação de uma acessoriedade em sentido material, ou seja, a existência de uma efectiva ligação entre obrigação garantida e garantia prestada, quer exista quer não uma acessoriedade em sentido formal, entendendo-se esta como a inserção daqueles actos no mesmo instrumento ou título. Assim, segundo pensamos, não deverão beneficiar desta exclusão as garantias que, ainda que constituídas no mesmo documento ou título de um contrato especialmente tributado pela Tabela, garantam as obrigações decorrentes de um outro contrato celebrado pelas partes intervenientes.” (In “Código do Imposto de selo Anotado e Comentado”, Alda Editores, 2000, p. 131). Também acerca do conceito de “acessoriedade material” já se pronunciou a Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, dos Impostos Rodoviários e das Contribuições, no seu Ofício-Circulado n.º 40091, de 17 de Setembro de 2007, no qual veio dizer: “A hipoteca tem natureza acessória quando existe um direito de crédito associado à sua sorte: a noção de acessoriedade exprime então a conexão temporal entre a garantia e o crédito garantido. Assim, quando exista acessoriedade e caso o crédito se extinga ou reduza, a garantia termina ou diminui. Não existe acessoriedade quando a hipoteca vise garantir não só as responsabilidades emergentes de um contrato de empréstimo, mas também as responsabilidades assumidas ou que venham a ser assumidas pelo mutuado [mutuário] junto da instituição de crédito e emergentes de quaisquer outras operações bancárias.” Parece-nos que o que é dito neste Ofício-Circulado n.º 40091, de 17 de Setembro de 2007, é aplicável a todas as garantias constituídas nos termos da Verba n.º 10 da TGIS, uma vez que, como vimos, a hipoteca é uma das garantias aí previstas, a título exemplificativo, e o entendimento resultante do Ofício-Circulado é compatível com o disposto na Verba n.º 10 da TGIS, bem como com outro tipo de garantias. Adicionalmente, não podemos esquecer que o requisito da acessoriedade material foi introduzido, pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, na actual redacção da Verba n.º 10 da TGIS. Anteriormente, a exclusão de tributação das garantias de obrigações, em sede do imposto do selo, constava do artigo 94.º, da anterior TGIS, que dispunha o seguinte: “Excluem-se as constituídas como acessórias de contratos especialmente tributados nesta tabela.” (…) Ainda na mesma linha de entendimento pode ver-se José Maria Fernandes Pires in Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo a fls. 379.» [negritos nossa autoria; neste sentido vide ainda acórdão do TCA Sul de 23.04.2020, proferido no âmbito do processo n.º 1649/10]. Do assim exposto, podemos concluir que, o legislador por via da reforma ao Imposto de Selo, operada em 2000, optou deliberadamente por sobrevalorizar a característica de acessoriedade material das garantias em detrimento da sua natureza formal, competindo pois ao julgador, colocado perante a questão de saber se o acto de constituição da garantia deve ou não ser objecto de tributação à luz da verba 10 da Tabela de Selo, verificados que estão os demais requisitos cumulativos, aferir da verificação da característica de acessoriedade, fundamento da liquidação ao afastar a isenção ali prevista, aferindo da relação existente entre os dois contratos – o principal e o garantístico. Convoquemos, pois, os concretos instrumentos notarias e registrais trazidos aos autos, os quais nos habilitaram a sindicância do julgado em 1ª instância. Colhe-se do probatório que em 30.11.2006, a Recorrente/Impugnante "A.., S.A.", a "B...,S.A." e o "Banco ...", outorgaram escritura pública designada “mútuo com hipoteca” na qual declararam que a "A.., S.A." (Recorrente) se confessava devedora da quantia de quinze milhões e duzentos mil euros (€ 15.200.000,00) que do Banco iria receber a título de empréstimo; que o contrato de mútuo teria o prazo de quatro anos e mais um mês, eventualmente prorrogável, por uma ou mais vezes, mediante solicitação por escrito por parte da devedora e na condição da sua aceitação pelo "Banco ..."; que, para caução e garantia do bom pagamento do financiamento ora concedido e de todas e quaisquer responsabilidades contraídas ou a contrair junto do "Banco ...", nomeadamente sob a forma de empréstimo, empréstimo renda certa, abertura de crédito, facilidade de descoberto em conta de depósitos à ordem, desconto de letras e livranças, garantias bancárias, fianças e avales, a "B...,S.A." constitui hipoteca voluntária a favor do "Banco ..." sobre as fracções identificadas pertencentes ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Av. ...; que o empréstimo rege-se pelas cláusulas constantes do documento complementar anexo; que para os fins previstos no n.º 3 do art.º 6.º, do CSC é legítima a prestação da garantia a favor da sociedade “"A.., S.A."”, pela “"B...,S.A."”, uma vez que existe um contrato de consórcio entre ambas para conclusão das obras do prédio do qual fazem parte as fracções autónomas ora hipotecadas, havendo, assim, um justificado interesse na garantia ora prestada para a prossecução mútua do respectivo consórcio. Do documento complementar elaborado nos termos do n.º 2 do art.º 64, do Código do Notariado que instruiu a escritura extrai-se que: a “"A.., S.A."” na qualidade de “devedor” solicitou um empréstimo ao "Banco ..." sendo o capital mutuado de € 15.200.000.00 pelo prazo de quarto anos e mais um mês, eventualmente prorrogável, por uma ou mais vezes, mediante solicitação por escrito por parte da devedora e na condição da sua aceitação pelo "Banco ..." (2.ª e 3ª); a hipoteca é feita com a máxima amplitude e subsistirá enquanto o "Banco ..." não estiver integralmente pago, abrangendo tudo quanto estiver implantado nos referidos imóveis, bem como todas as construções, benfeitorias e acessões presentes e futuras e as indemnizações devidas por sinistro, expropriação ou quaisquer outras, que o "Banco ..." poderá receber de quem competir até à liquidação das responsabilidades por esta hipoteca garantidas (17.ª); a hipoteca ora constituída manter-se-á plenamente em vigor enquanto subsistir qualquer dívida de capital, juros ou despesas contraídas por qualquer forma imputável ao devedor pelo que só com o cabal pagamento de todas as responsabilidades perante o "Banco ..." a este será exigível a autorização para o seu cancelamento (19.ª); as letras, livranças, extractos de conta, escritos particulares, bordereaux, notas de lançamento e todo e qualquer outro documento particular que comprove a constituição de um débito imputado ao devedor serão prova suficiente da constituição da dívida e poderá ainda ser utlizada para accionamento judicial do devedor se for caso disso, sendo títulos bastantes nos termos do art.º 50.º do CPC (21.ª). Do registo da hipoteca extrai-se o seguinte “Montante máximo assegurado: € 20.824.000.00. ...Fundamento – garantia e segurança do empréstimo concedido à sociedade "A.., S.A.", bem como de todas e quaisquer responsabilidades contraída ou a contrair junto do credor, nomeadamente sob a forma de empréstimo, empréstimo renda certa, abertura de crédito, facilidade de descoberto em conta de depósitos à ordem, desconto de letras e livranças, garantias bancárias, fianças e avales. No que respeita à hipoteca constituída, a favor do "Banco ..." sobre as fracções identificadas pertencentes ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Av. ..., ..., constituída para “(...) garantia do bom pagamento do financiamento ora concedido e de todas e quaisquer responsabilidades contraídas ou a contrair junto do "Banco ...", nomeadamente sob a forma de empréstimo, empréstimo renda certa, abertura de crédito, facilidade de descoberto em conta de depósitos à ordem, desconto de letras e livranças, garantias bancárias, fianças e avales;”, o tribunal a quo, face ao teor do contrato, nomeadamente quanto ao teor da sua extensão considerou que “ [a] hipoteca não serviu apenas como acessório do mútuo constituído, mas também como garantia de outras responsabilidades contraídas ou a contrair junto do credor, pelo que esta abrangência afasta a característica da acessoriedade exigida pela verba n.º 10./ Como tal, in casu, a hipoteca não pode ser classificada como um contrato acessório do contrato principal que, no caso dos autos, era um contrato de mútuo.” E, consequentemente, por não estarem verificados os requisitos cumulativos capazes de demonstrar a acessoriedade material da constituição desta hipoteca em relação à obrigação principal que a Recorrente "A.., S.A." viesse a assumir perante o "Banco ...", entendeu que bem tinha andado a Administração Tributária ao impor a tributação do acto ao considerar não beneficiar aquela do beneficio de exclusão de tributação a que alude a Verba n.º 10 do CIS. Vejamos dos argumentos apresentados pela Recorrente, para sustentar a censura dirigida ao assim julgado. O primeiro argumento aduzido, nesta sede, pela Recorrente é o que a redação inicial do Contrato de Mútuo com Hipoteca não expressa de forma correta a vontade das partes deve-se ao facto de as partes terem aderido a um texto padrão. Em substância, a garantia constituída no âmbito do contrato de mútuo sub judice é materialmente acessória a este, para além de ser simultânea, tendo as partes pretendido, desde o primeiro momento, que assim fosse, não obstante a redação inicial atribuída ao Contrato não o espelhar. O segundo fundamento convocado é o de que, a considerar-se que a garantia prestada abrange o mútuo e outras responsabilidades, designadamente a constituir, desconsiderando-se por completo a vontade das partes, sempre deveria ter sido relevado o estar-se perante uma garantia parcialmente acessória materialmente ao contrato de mútuo e, daí retirar as devidas ilacções. Ora, se o primeiro argumento apresentado pode suscitar algumas dúvidas, nomeadamente sobre o valor da rectificação operada à escritura de hipoteca (vide item H) do probatório), o segundo fundamento revela-se pertinente e assertivo. Ou seja, cumpre discernir num primeiro momento se podemos afirmar que estamos perante uma garantia (prestada por hipoteca) parcialmente acessória de um contrato de mútuo tributado na Tabela geral de Imposto de Selo, e se assim for, num segundo momento aferir se apenas é devido Imposto de Selo na parte em que não existe ou recai a dúvida sobre a acessoriedade. Temos por assente que o valor que consta do Contrato de Mútuo é de € 15.200.000,00 e, que o valor do capital garantido pela hipoteca é de € 20.824.000,00, conforme consta do registo. Pelo que o valor indeterminado para outras responsabilidades a existir só poderá recair sobre a diferença entre esses dois valores. Ao não relevar tal realidade, Administração Tributária está a exigir uma acessoriedade in totum, exigindo Imposto de selo da totalidade do valor garante, afastando qualquer decorrência para efeitos de base tributável para efeitos de Imposto de Selo em hipotecas em que ela na sua fundamentação afasta a acessoriedade por estarmos perante uma garantia parcialmente acessória. A interpretação que se nos oferece é a de que o requisito da acessoriedade material em face de uma garantia que seja considerada que em parte é materialmente acessória de um outro contrato especialmente tributado, terá que ser considerada a parte em que é materialmente acessória a hipoteca, não sendo nessa exacta medida devido Imposto de selo (sobre o valor de € 15.200.000,00), a não ser assim considerado estaríamos a tributar duplamente a mesma realidade económica, o que, como vimos supra, foi precisamente o objectivo da previsão do benefício de exclusão de tributação. Mais se diga, que in casu, não releva o equacionar eventuais dificuldades de determinação da base tributável, pois se a dúvida da acessoriedade recai sobre a parte do valor que excede o valor do mútuo (apesar da experiência nos dizer que as garantias que acompanham os contratos de mútuo são sempre de valor mais elevados para fazer face a encargos e outras despesas, inerentes ao mesmo), perfeitamente alcançável, de € 5,624.000,00, tendo em conta os valores em questão. Acresce ainda referir, que o próprio CIS fornece regras que poderiam ser exaltadas, pois que o n.º 3 do artigo 9º do CIS estabelece que “[n]os contratos de valor indeterminado, a sua determinação é efectuada pelas partes, de acordo com os critérios neles estipulados ou, na sua falta, segundo juízos de equidade”. Por todo o exposto, o valor tributável a considerar, existindo um limbo entre os dois valores (Contrato de Mútuo de € 15.200.000,00 e o valor do capital garantido pela hipoteca de € 20.824.000,00), em que assenta a incerteza do montante de outras responsabilidades que venham a ser assumidas pelo mutuário, deveria cingir à parte sobre a qual recai a duvida da verificação do requisito da acessoriedade, o que não se pode aceitar é a liquidação pelo valor total garantido pela hipoteca, para efeitos de aplicação da taxa. Concluindo, mal andou Administração Tributária e o tribunal a quo, assiste razão à Recorrente, cumprindo revogar a decisão recorrida e, em sua substituição julgar a Impugnação procedente, declarando-se a anulação da liquida de Imposto de selo. No mais, declarar prejudicado as demais questões colocadas neste recurso e, manter a sentença recorrida no mais por extravasar o objecto do recurso, a saber a decisão de procedência, quanto aos juros compensatórios e a decisão de improcedência, quanto ao pedido de indemnização formulado nos termos do artigo 53º da LGT. 2.3. Conclusões I. O imposto de selo incide sobre as garantias das obrigações, qualquer que seja a sua natureza ou forma, designadamente a garantia bancária autónoma e a hipoteca, salvo quando materialmente acessórias de contratos especialmente tributados pela Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS) e constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente (TGIS nº 10). II. Estabelece, pois, a verba n.º 10 da TGIS, três requisitos cumulativos para que as garantias não sejam tributadas em sede de imposto do selo: (i) a existência de acessoriedade material entre a garantia e a obrigação;(ii) a obrigação garantida seja especialmente tributada pela TGIS e (iii) simultaneidade entre o nascimento da obrigação garantida e a constituição da respectiva garantia. III. Se o requisito da acessoriedade for parcial, o valor tributável para efeitos de aplicação da taxa, não pode ignorar o mesmo e considerar o valor total garantido pela hipoteca, sob pena de dupla tributação da mesma realidade económica. 3. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso e, julgar procedente a Impugnação da liquidação de Imposto de Selo, no mais manter a sentença recorrida Custas pela Recorrente em ambas as instâncias, sendo que, nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou. Porto, 30 de novembro de 2022 Irene Isabel das Neves Ana Paula Santos Margarida Reis |