Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00603/24.8BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/03/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:ANA PATROCÍNIO
Descritores:INDEFERIMENTO LIMINAR;
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO;
OPOSIÇÃO; FACTO SUPERVENIENTE;
Sumário:
I - O indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo.

II - Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (artigo 3.º, n.º 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior.

III - A oposição à execução fiscal pode também ser deduzida tempestivamente com base em facto superveniente, nos termos da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 203.º do CPPT.

IV - Para haver superveniência basta que o facto tenha ocorrido posteriormente ao início do prazo para deduzir oposição ou só depois desse início tenha chegado ao conhecimento do executado.
V - Facto superveniente é o que respeita aos fundamentos da oposição aduzidos pelo oponente, não integrando este conceito factos processuais da própria execução.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«AA», contribuinte fiscal n.º ...65, residente na Rua ..., ... «BB», interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 19/03/2024, que rejeitou a oposição ao processo de execução fiscal n.º .............701 e apensos, contra si revertido, para cobrança coerciva de dívidas referentes a IVA, IRS e IRC, no montante global de €10.871,35€.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1. Alegou-se na p. i. de oposição que a citação do Oponente para o processo executivo era nula, o que foi, aliás, já expressamente reconhecido na sentença recorrida.
2. O único fundamento para a rejeição liminar da oposição foi ter-se considerado que o prazo de 30 dias para a oposição se deveria contar nos termos do art. 203º, nº 1, al. a), do CPC, ou seja, na falta de válida citação, a partir da penhora notificada ao Oponente.
3. Acontece que o que este invocou no cabeçalho como regendo os termos da oposição foi o art. 203º, nº 1, al. b), do CPC.
4. Nos termos desse dispositivo, “a oposição deve ser deduzida no prazo de 30 dias a contar (…) da data em que tiver ocorrido o facto superveniente ou do seu conhecimento pelo executado”.
5. No caso, o Oponente alegou e demonstrou que só teve conhecimento do processo e dos seus elementos no dia 26/1/2024.
6. Só então é que soube que a dívida se referia à [SCom01...] e ao período de 2006 e 2007, como só então pôde conhecer as condições irregulares em que foi feita a citação – factos que constituem a causa de pedir da acção.
7. Até porque, como se vê, nada disso consta da notificação da penhora.
8. Sendo que os fundamentos da oposição, como se vê, são a nulidade da citação e a prescrição quanto ao Oponente da dívida exequenda.
9. Pelo que, relativamente a esses, os factos referidos acima em 6. – ao fim e ao cabo, o conhecimento do processo - são supervenientes, nos termos do art. 203º, nº 3, do CPC, face à notificação da penhora.
10. Pelo que o prazo de 30 dias para a oposição se tem que contar da data do respectivo conhecimento pelo Oponente, ou seja, 16/1/2024.
11. Pelo que a oposição, apresentada em 26/2/2024, e já que 25/2/2024 foi Domingo, ao contrário do decidido, é, manifestamente tempestiva.
12. E pelo que não há senão que revogar a sentença recorrida e ordenar a sua substituição por outra que receba a oposição à execução e ordene o prosseguimento dos seus termos até final.
13. Tendo a sentença recorrida violado todos e cada um dos dispositivos legais acima invocados.”

Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao rejeitar liminarmente a presente oposição, por verificação da excepção de caducidade do direito de acção.
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III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Atenta a natureza liminar do despacho sob recurso, o tribunal recorrido não alinhou, de forma destacada, a factualidade pertinente; porém, as ocorrências processuais relevantes emergem da decisão recorrida, que, por facilidade, passamos a transcrever:
“«AA», NIF ...65, residente na Rua ..., ... «BB», citado por reversão para o processo de execução fiscal n.º .............701 e apensos onde se encontram em cobrança coerciva dívidas referentes a IVA, IRS e IRC no montante global de 10.871,35€.
O Opoente termina a sua alegação pedindo procedência da presente acção com a respectiva extinção do processo executivo supra referido sobre si.
Tendo em consideração que a presente oposição ainda não foi objecto de admissão liminar impõe-se decidir os seguintes termos do processo.
O Opoente pela presente vem-se opor ao processo de execução fiscal supra identificado, onde se encontram em cobrança coerciva sobre o Opoente dívidas referentes a IVA, IRS e IRC no montante global de 10.871€ – cfr. fls. 53 SITAF.
Nos termos do disposto no art.º 209.º, n.º 1 do Código de Processo Tributário “Recebido o processo, o juiz rejeitará logo a oposição por um dos seguintes fundamentos:
a) Ter sido deduzida fora do prazo;
b) Não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º;
c) Ser manifesta a improcedência”.
Ora, a questão que importa decidir, desde logo, é a viabilidade do prosseguimento dos autos, considerando os intervenientes processuais, a causa de pedir, o pedido formulados e a data em que a presente oposição foi apresentada, ainda, em conjugação com o disposto no n.º 1 do art.º 590.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art.º 2.º, alínea e) do CPPT, sob pena de ser determinada a prática de actos inúteis, igualmente proibidos por lei, em situações como a presente em que dos autos constam todos os elementos necessários à decisão da questão identificada, dispensando-se o contraditório por manifesta desnecessidade de acordo com o disposto no artigo 3.º n.º 3 do Código de Processo Civil aplicável por força do artigo 2º al. e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Vejamos.
Diga-se desde já que a presente oposição está irremediavelmente votada ao insucesso.
Alega o Opoente que não foi pessoalmente citado para o processo de execução fiscal n.º .............701 e apensos. Ainda que o órgão de execução fiscal tenha empreendido a citação pessoal do Opoente nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 191º e do n.º 1 do artigo 192º do CPPT, isto é, através de carta registada com aviso de recepção, tendo o respectivo aviso de recepção sido assinado por outrem que não o Opoente – cfr. fls. 53 SITAF – tal citação nunca lhe foi entregue. Pelo que nunca tomou conhecimento da citação que lhe fora remetida para o presente processo executivo.
Afirma o Opoente, na decorrência do supra evidenciado, que somente teve conhecimento de que era executado no processo de execução fiscal aqui em apreço no dia 11/01/2024, data em que foi notificado da penhora do seu vencimento à ordem deste processo de execução fiscal.
Ora, o Opoente apresentou a presente oposição à execução fiscal em 26/02/2024 – cfr. pág. 40 da petição de oposição junta a fls. 1 SITAF.
Com efeito. nos termos consagrados no artigo 203º, n.º 1 alínea a) do CPPT, o Opoente teria 30 dias contados da sua citação pessoal ou da primeira penhora realizada no âmbito do presente processo de execução fiscal para apresentar oposição à execução fiscal.
Ainda que se conceda que o Opoente não chegou a ter conhecimento da citação pessoal que lhe fora primitivamente remetida pelo órgão de execução fiscal e, bem assim, logrou ilidir a presunção do artigo 230º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 192º, n.º 1 do CPPT, sempre o termo inicial do prazo para que o Opoente apresentasse a presente oposição seria 11/01/2024, data em que o Opoente confessa que foi notificado da primeira penhora sobre si incidente no âmbito do processo de execução fiscal aqui em causa, tal como determinado na segunda parte da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 203º do CPPT.
Deste modo, temos que o prazo de que o Opoente disporia para apresentar a presente oposição terminou no dia 12/02/2024.
Resultando dos autos que a presente oposição foi apresentada junto da Entidade Exequente em 26/02/2024, verifica-se que tal apresentação ocorreu para além do prazo de que a Opoente dispunha para tanto.
Devendo-se salientar que ao processo de execução fiscal são inaplicáveis putativas suspensões de prazo de índole administrativa, pois que o processo de execução fiscal é um processo judicial – cfr. artigo 103º da LGT.
Constatando-se, deste modo, que a petição de oposição foi apresentada em momento em que já se havia transcorrido o prazo de que o Opoente dispunha para tanto, pelo que outra solução não resta ao presente Tribunal se não a de declarar a presente oposição como intempestivamente apresentada, e nessa decorrência rejeitar liminarmente a presente oposição nos termos do artigo 209º, n.º 1, alínea a) do CPPT.
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Do Valor da Causa
Nos termos dos artigos 306º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT, e do artigo 97º-A, n.º 1 alínea e) do CPPT atribuo à presente causa o valor de 10.871,35€.
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Decisão
Pelo exposto, rejeito liminarmente a presente oposição. (…)”

2. O Direito

O indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (artigo 3.º, n.º 3, do CPC) - entendido na sua dimensão positiva de direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo - e inútil qualquer instrução e discussão posterior.
Daí que a jurisprudência tenha vindo a afirmar que o despacho de indeferimento liminar, dada a sua natureza “radical”, na medida em que coarcta à partida toda e qualquer expectativa de o autor ver a sua pretensão apreciada e julgada, encontrando a sua justificação em motivos de economia processual, deve ser cautelosamente decretado – cfr., por exemplo, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24/02/2011, proferido no âmbito do processo n.º 765/10.
Vejamos, agora, se no presente caso estão verificados os requisitos para a rejeição liminar da petição inicial, ou seja, se o seguimento do processo não tem razão alguma de ser e seja desperdício manifesto de actividade judicial - cfr. ALBERTO DOS REIS in Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, vol. II, pág. 373.
Efectivamente, conforme consta do despacho recorrido e não se mostra questionado neste recurso, a presente oposição foi apresentada em 26/02/2024 e a primeira penhora ocorreu em 11/01/2024.
Com efeito, o tribunal recorrido ateve-se à informação indicada pelo oponente, ora Recorrente, na sua petição de oposição. Aí se refere nos primeiros dois artigos: “O Oponente foi, no passado dia 11 de Janeiro 2024, notificado de um documento de cobrança de constituição de penhor sobre o seu vencimento.” “Só por essa notificação soube da existência do processo à margem referenciado”.
A decisão recorrida, dando de barato a invocada falta de citação, julgou intempestiva, ainda assim, a oposição deduzida.
Importa somente verificar se o prazo previsto no artigo 203.º do CPPT para deduzir oposição foi, afinal, respeitado.
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 203.º do CPPT, a oposição à execução fiscal pode ser deduzida no prazo de 30 dias a contar da citação pessoal, ou, não a tendo havido, da primeira penhora.
O prazo para deduzir oposição é um prazo judicial, para efeitos do preceituado no artigo 20.º, n.º 2 do CPPT. Com efeito, o processo de execução fiscal tem natureza judicial, na sua globalidade, apesar de haver uma parte do mesmo que é processada perante órgãos da administração tributária.
Como prazo de natureza judicial, aplica-se o regime do CPC – cfr. artigo 20.º, n.º 2 do CPPT. Logo, corre continuamente, mas suspende-se em férias judiciais, transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte quando terminar em dia em que os tribunais estejam encerrados ou seja concedida tolerância de ponto – cfr. artigo 138.º, n.º 1 a 3 do CPC.
Ora, linearmente, tendo a petição inicial sido apresentada em 26/02/2024, constata-se que desde a data da penhora em 11/01/2024 já havia, claramente, decorrido o prazo de 30 dias previsto no referido artigo 203.º do CPPT.
Contudo, o Recorrente alega que só em 26/01/2024 teve acesso a informação respeitante ao processo de execução fiscal e que, por isso, está em tempo para deduzir a presente oposição, que fundamentou na nulidade da citação e na prescrição.
A decisão recorrida tem implícita a desconsideração deste conhecimento superveniente do processo de execução fiscal.
Efectivamente, compulsando o teor da petição de oposição, com especial relevância os seus artigos 3.º a 7.º, verificamos que o Oponente alegou somente ter tido conhecimento do processo e dos seus elementos no dia 26/01/2024. Que só então é que soube que a dívida se referia à [SCom01...] e ao período de 2006 e 2007, como só então pôde conhecer as condições irregulares em que foi feita a citação – factos que constituem a causa de pedir da acção.
Concluiu, agora, que o conhecimento do processo é superveniente, nos termos do artigo 203.º, n.º 3, do CPPT, face à notificação da penhora, pelo que o prazo de 30 dias para deduzir oposição se terá que contar da data do respectivo conhecimento pelo Oponente, ou seja, 26/01/2024. Logo, a oposição, apresentada em 26/02/2024, será tempestiva, pois que 25/02/2024 foi Domingo.
Na verdade, a oposição à execução fiscal pode também ser deduzida com base em facto superveniente, nos termos da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 203.º do CPPT, conforme consta da respectiva petição de oposição.
Para haver superveniência basta que o facto tenha ocorrido posteriormente ao início do prazo para deduzir oposição ou só depois desse início tenha chegado ao conhecimento do executado. É esse momento do início do prazo que releva, pois é garantido sempre um prazo de 30 dias para deduzir oposição com base nesse novo facto.
A superveniência do facto pode ser objectiva, por ele ter ocorrido após a citação pessoal ou a primeira penhora, ou subjectiva, por ele ter ocorrido antes, mas só posteriormente ter chegado ao conhecimento do executado – cfr. o artigo 203.º, n.º 3 do CPPT.
Como se refere neste normativo, ao deduzir oposição com base em facto superveniente, o executado deverá apresentar prova da superveniência do facto ou do seu conhecimento, relativamente ao momento da citação pessoal ou da penhora.
Para o que releva, facto superveniente é o que respeita aos fundamentos da oposição aduzidos pelo oponente, não integrando o conceito factos processuais da própria execução – cfr. Jorge Lopes de Sousa in CPPT, Anotado e Comentado, 6.ª Edição, vol. III, p. 433.
In casu, o Recorrente assume que o facto superveniente é o conhecimento do processo de execução fiscal, com todas as ocorrências processuais, pelo que, desde logo, mostra-se excluído do conceito de “facto superveniente”.
Na verdade, qualquer dos fundamentos da oposição (nulidade da citação e prescrição) assenta em factos processuais da execução, que são de excluir dos factos supervenientes.
Neste sentido, têm vindo os tribunais superiores a pronunciar-se, designadamente, por Acórdão do STA, de 17/02/2016, no âmbito do processo n.º 0384/15, ou por Acórdão do TCA Sul, de 04/07/2006, proferido no âmbito do processo n.º 01141/06.
Conforme expendido no Acórdão do TCA Sul, de 24/01/2006, no âmbito do Recurso n.º 00909/05:
“(…) Ora, em primeiro lugar, não se prova que tal documento, que tal convicção afirma e que a tal conclusão chega, esteja a referir-se precisamente às dívidas exequendas aqui em causa, pois em passo algum desse documento se discriminam as dívidas de que o mesmo fala, ou, ao contrário do que aí diz, não se identificam os respectivos processos executivos.
Depois, não pode concluir-se de parte alguma dos autos que a oponente, ora recorrente, só na ata expressa em tal documento tenha podido tomar conhecimento da eventual prescrição das dívidas exequendas.
Bem pelo contrário: pois o que é certo é que o decurso do tempo, conjugado com a tramitação processual, e as eventuais vicissitudes desta (integrantes do conceito jurídico de prescrição da obrigação tributária), são factos de que, em regra, não pode invocar-se conhecimento superveniente, porque se trata de factos não subjectivos, mas antes factos objectivos, cuja possibilidade de conhecimento é manifesta - e, assim, porque o conhecimento de tais factos é desde sempre possível, não vale afirmar o seu desconhecimento ou o seu conhecimento superveniente.
Com efeito, a oponente, ora recorrente, não afirma sequer, por exemplo, que lhe tenha sido negado o acesso aos respectivos processos para que com segurança tenha podido certificar-se mais cedo, e atempadamente, da existência de qualquer fundamento de oposição à execução fiscal, mormente da prescrição que aqui invoca.
Na verdade, no caso, não se verifica qualquer facto subjectivo superveniente digno relevo jurídico. A intempestividade da oposição à execução fiscal verificada é da completa responsabilidade da oponente, ora recorrente, e só a esta inteiramente imputável. E o atraso próprio no estudo de uma questão (como a da prescrição) não é facto juridicamente atendível, do qual alguém devesse do seu atraso ainda tirar proveito, como pretende a oponente, ora recorrente.
Concluímos, portanto - e em resposta ao thema decidendum -, que a presente oposição à execução fiscal não está em prazo, pois que não ocorre no caso algum facto superveniente relevante nos termos da alínea b) do n.° 1 artigo 203.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Pelo que, assim sendo, a sentença recorrida que, por ter laborado essencialmente neste entendimento, não conheceu do mérito da causa, deve ser confirmada, muito embora com a presente fundamentação. (…)”
Na situação que nos ocupa, o órgão de execução fiscal remeteu vários elementos com a oposição e com a informação prestada nos termos do artigo 208.º do CPPT, verificando-se pedido para consultar o processo de execução fiscal em 19/10/2023, que terá sido consultado em 23/10/2023, pedido de cópia integral do processo de execução fiscal formulado em 25/10/2023, pedido de certidão em 16/01/2024, certidão emitida em 26/01/2024; observa-se, ainda, lista de comunicações de penhora, de penhora de vencimentos realizada em 19/09/023, com notificação de penhor recebida em 07/11/2023, constituição de penhor em 11/01/2024, com registo de carta em 12/01/2024 e recebida em 19/01/2024.
Estes elementos, bem como outros enviados para o tribunal relativos aos actos processuais ocorridos no processo de execução fiscal, não terão sido notificados ao oponente e, por isso, não foram utilizados pelo tribunal recorrido, nem o serão por este tribunal superior. Servem, apenas, para esclarecimento e pacificação quanto à impossibilidade de considerar o facto superveniente indicado pelo Recorrente na sua petição inicial (certidão de parte do processo de execução fiscal emitida em 26/01/2024).
No caso concreto, não detectamos a existência de elementos factuais susceptíveis de tornar plausível a tempestividade da acção, pelo que se justifica a rejeição, desde já, como o efectuou o tribunal recorrido, sem prévia indagação ou instrução do caso e actuação do princípio do contraditório nos termos do artigo 3.º, n.º 3 do CPC.
Pelo exposto, inexistindo facto superveniente atendível, terá que operar o disposto no artigo 203.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, conforme referido inicialmente e decidido em primeira instância, mantendo-se o despacho recorrido, com a presente fundamentação.
Nesta conformidade, urge negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Conclusões/Sumário

I - O indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo.
II - Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (artigo 3.º, n.º 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior.
III - A oposição à execução fiscal pode também ser deduzida tempestivamente com base em facto superveniente, nos termos da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 203.º do CPPT.
IV - Para haver superveniência basta que o facto tenha ocorrido posteriormente ao início do prazo para deduzir oposição ou só depois desse início tenha chegado ao conhecimento do executado.
V - Facto superveniente é o que respeita aos fundamentos da oposição aduzidos pelo oponente, não integrando este conceito factos processuais da própria execução.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 03 de Outubro de 2024

Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Vítor Salazar Unas