Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00863/21.6BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/21/2024
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:ROGÉRIO PAULO DA COSTA MARTINS
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO;
ACTO IMPUGNÁVEL; MERA INFORMAÇÃO, SENTIDO DA DECLARAÇÃO;
ARTIGO 236º E N.º1 DO ARTIGO 238º, DO CÓDIGO CIVIL;
Sumário:
1. Uma declaração formal, seja ela negocial ou unilateral, não pode valer com um sentido que não tenha o mínimo de correspondência com o texto da declaração, ainda que imperfeitamente expresso – n.º1 do artigo 238º do Código Civil.

2. No ofício aqui em causa é utilizado o termo “informo”, termo que é incompatível com uma decisão.

3. Embora o teor do ofício seja compatível, em tudo o mais, com o conteúdo de uma decisão, também é compatível com o de uma informação. Tanto mais que as decisões se podem apropriar – e apropriam normalmente – de informações.

4. Extraindo-se, no entanto, do texto do ofício o termo “informo” a conclusão a tirar, perante a alternativa de ser uma decisão ou uma simples informação, é a de que se trata de uma simples informação.

5. Tanto mais que não aparece subscrita pelo órgão decisor a quem foi dirigido o requerimento, o Conselho de Administração da Caixa Geral de Aposentações, mas por pessoa singular que não assume expressamente a qualidade de membro desse órgão.

6. E ainda que se pudesse objectivamente interpretar tal ofício com notificação de uma decisão, sempre a conclusão a tirar, para o que aqui interessa, seria a mesma, a de improceder a excepção de caducidade da acção (ou intempestividade para a prática de acto).

7. Na verdade, a caducidade destina-se a penalizar o titular do direito por não o exercer no prazo previsto na lei, por negligência.

8. No caso concreto não se vislumbra esse desleixo na conduta do autor; para além de expressamente se referir naquele ofício o termo “informo” que aponta no sentido de ser uma mera informação e não estar subscrito por pessoa que se identifique como órgão ou membro de órgão decisor, não era exigível do Autor, como de qualquer destinatário normal, que contasse com o sentido de se tratar de uma decisão final – n.º1 do artigo 236º do Código Civil.

9. Sendo aceitável a interpretação que o Autor fez do teor do ofício em causa, de que se tratava, como trata, de uma mera informação, não se pode concluir que não agiu com a diligência exigível ao não impugnar tal “acto” no prazo legal.

10. Finalmente, e tendo em conta o princípio “pro actione”, na dúvida, sempre seria de acolher o entendimento defendido pelo Autor, aqui Recorrente, de se tratar de uma mera informação e não de acto a impugnar.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL do saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 26.01.2024, que julgou procedente a excepção dilatória de intempestividade da acção, e, consequentemente, absolveu a Entidade Demanda da instância, despacho proferido na acção administrativa que intentou contra a Caixa Geral de Aposentações para a condenação desta a praticar acto administrativo que, “expressamente, reconheça que o autor, em virtude de ter sido considerado como permanente e absolutamente incapaz para o trabalho habitual, em consequência do agravamento ultimamente aferido, ficou permanente e absolutamente incapaz para o exercício das suas funções havendo, consequentemente, lugar à aposentação extraordinária, nos termos do artigo 54.°, n.° 1, do Estatuto da Aposentação na redacção vigente até 1/05/2000”, e proceder ao “recálculo da pensão de aposentação extraordinária, considerando que o autor acedeu ao tempo de serviço completo, legalmente exigido nos termos do artigo 54.°, n.° 1, do Estatuto da Aposentação em vigor até 1/05/2000, recálculo que “produza efeitos a Setembro de 2019” bem como pagar” juros de mora sobre as diferenças que vierem a ter lugar pelo recálculo da pensão”.

Invocou para tanto, em síntese, que ao dar como ocorrida a excepção de caducidade do direito de propor a presente acção administrativa, a decisão recorrida fez errada interpretação e aplicação das normas dos artigos: 148.º do Código de Procedimento Administrativo, 51.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 342.º, n.º 2 e 343.º n.º 2 do Código Civil; fazendo, sempre, errada interpretação e aplicação das normas conjugadas dos artigos 48.º e 56.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 503/99, de 20.11.

A Recorrida contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

a) Na sequência da submissão à Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações, em 17/09/2019, o recorrente passou a ser portador de uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções, passando a exibir uma incapacidade permanente parcial de 64,95%;

b) Em virtude deste facto, o recorrente em 8/11/2019, pediu o recálculo da pensão reportada à sua aposentação extraordinária (cfr. documento n.º 3 junto à p.i.);

c) Ora, sobre este requerimento incidiu tão só uma nova informação não uma decisão ou acto, com efeito, e com todo o respeito, não se descortina entre os factos dados como provados qualquer decisão acto a incidir sobre o dito requerimento mas, sim, mera informação;

d) Aliás o documento n.º 4 junto à petição inicial consistente no ofício n.º ...20, de 19/11/2020, está assinado sem qualquer identificação suplementar relativa a cargo ou função, constatando-se, com a apresentação das alegações em apreço, que está assinado por um dos Ilustres Juristas que estas subscreveram;

e) Nesta data, como se pode constatar pela leitura do documento nº 5, junto à p.i., o recorrente veio reiterar o pedido de recálculo, reclamar o direito de recálculo, não veio impugnar administrativamente qualquer acto que lhe tivesse sido notificado, como decorre da exposição (cfr. documento nº 5, junto à p.i.);

f) Dispõe o artigo 51.º, n.º 1, do CPTA, o que se passa a transcrever, em concreto: «...Ainda que não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta;

g) O artigo 148.º, do Código do Procedimento Administrativo, define acto administrativo do modo que se passa referir: «...consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta» (negrito do recorrente).

h) Neste contexto, consta do artigo 58.º, n.º 1, do CPTA, o que se passa a transcrever, em concreto: «...Salvo disposição legal em contrário, a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo e a de atos anuláveis tem lugar no prazo de...» (negrito do recorrente), dispondo, Sequentemente a alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CPTA o seguinte: «...Três meses, nos restantes casos...»;

i) Finalmente estatui o artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil que a «prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita»; em coerência com o estatuído neste preceito o artigo 343.º, n.º 2, do CC estabelece que, nas acções que devam ser propostas em determinado prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo já ter decorrido.

j) Neste contexto, incumbia à Recorrida provar a existência de um acto administrativo que terá ficado por impugnar no prazo determinado pelo artigo 58.º, n.º 1, do CPTA; Qual o acto administrativo que ficou por impugnar? Quem o proferiu? Em que data foi prolatado? Quando e como foi notificado esse acto administrativo?

k) Ademais, do artigo 56.º, n.º 1, alínea c) do DL n.º 503/99, decorre a respectiva aplicação às situações de recidiva, recaída ou agravamento advenientes de acidentes em serviço ocorridos antes da data da sua entrada em vigor, com excepção dos direitos previstos nos artigos 34.º e 37.º relativos às incapacidades permanentes da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações;

l) Não existem dúvidas de que, a pretensão de recálculo da pensão, surge na sequência de uma revisão do grau de desvalorização por agravamento das patologias decorrentes do acidente ocorrido na vigência do Decreto-Lei n.º 503/99;

m) É certo que o artigo 56.º, n.º 2, do DL nº 503/99, dispõe o seguinte: «...As disposições do Estatuto da Aposentação revogadas ou alteradas mantêm-se em vigor em relação às pensões extraordinárias de aposentação ou reforma, bem como às pensões de invalidez atribuídas ou referentes a factos ocorridos antes da entrada em vigor do presente diploma...»;

n) De onde, pese embora a recidiva, recaída ou agravamento ocorra na vigência do DL nº 503/99, os efeitos em termos indemnizatórios do aumento da IPP ou grau de desvalorização aferem-se segundo a lei anterior, nomeadamente o Estatuto da Aposentação, mas só os efeitos em termos indemnizatórios.

o) Isto é, esta constatação não quer dizer que as demais normas deste diploma designadamente as referentes ao procedimento não se continuem a aplicar, nomeadamente as constantes do artigo 48.º do Decreto-Lei n.º 503/99;

p) Portanto, o prazo para agir contenciosamente contra aquilo que consta do ofício ...20, de 19/11/2020, que o douto aresto recorrido, considera ser capaz de fazer correr o prazo do artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do CPTA, era de um ano a contar do conhecimento do dito ofício, que a Recorrida também não consegue provar ter sido do conhecimento do recorrente, antes de 2/10/2020;

q) Em suma, ao dar como ocorrida a excepção de caducidade do direito de propor a presente acção administrativa, o douto aresto recorrido faz errada interpretação e aplicação das normas dos artigos: 148.º do CPA, 51.º, n.º 1, do CPTA, 342.º, n.º 2 e 343.º n.º 2 do CC; fazendo, sempre, errada interpretação e aplicação das normas conjugadas dos artigos 48.º e 56.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 503/99.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o douto aresto recorrido, cumprindo-se desta forma a lei e fazendo-se

JUSTIÇA

*

II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1) No dia 30.07.1993, o Autor sofreu um acidente em serviço – cfr. documento n° 2 junto com a petição inicial.

2) Em 02.10.2012, o ora Autor foi submetido a Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações, que deliberou que “das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente parcial de 15% de acordo com o Artigo 49 alínea b) 2, por analogia da T.N.I.” – cfr. fls. 73 do processo administrativo junto aos autos.

3) Em 04.12.2012, foi remetido à Caixa Geral de Aposentações o pedido de aposentação extraordinária do Autor – cfr. fls. 76-86 do processo administrativo junto aos autos.

4) Por despacho da Direcção da Caixa Geral de Aposentações de 19.11.2013, foi reconhecido ao Autor o direito à aposentação, com fundamento no disposto nos arts. 6° do DL n° 361/98, de 18.11 e artigo 38°, al. c) do DL n° 498/72, de 09.12 – cfr. fls. 143 do processo administrativo junto aos autos e documento n° 1 junto com a petição inicial.

5) Em 17.09.2019, na sequência de pedido de revisão da incapacidade apresentado pelo Autor, foi este submetido a nova Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações, de cujo parecer resultou o seguinte:

“Das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções Das lesões apresentadas não resultou uma incapacidade permanente absoluta de todo e qualquer trabalho Das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente parcial de 64,95% de acordo com o Capitulo XV arti°.49 alínea b) 2; Capitulo XV arti°.49 alínea d) 1 e Capitulo XV art°. 50 alínea c) 1 da T.N.I”
- cfr. fls. 1029-1031 do processo administrativo junto aos autos.

6) Com data de 08.11.2019, o aqui Autor dirigiu ao Presidente do Conselho Directivo da Caixa Geral de Aposentações requerimento com o seguinte teor:

“(...)
Fui submetido a Juntas Medicas (JM) relativas a acidente de trabalho e doença profissional, respectivamente AT e DP, a solicitação da CGA.
Da avaliação feita em sede JMs resultou a revisão das incapacidades existentes, conforme documentos supra citados.

Relativamente ao AT foi considerada pela JM um agravamento que passou de uma IPP para uma Incapacidade Permanente Absoluta para as Funções Habituais.
(...)
Relativamente ao AT se proceda ao recálculo do valor da pensão relativo à minha aposentação extraordinária, tendo em conta de entre outros, os seguintes comandos legais: artigos 38° e 54° do Decreto-Lei n° 498/72, de 9 de dezembro, com aplicação ao caso, por via do artigo 56° do D.L. 503/99 de 20 de Novembro.
(...)”
- cfr. documento n° 3 junto com a petição inicial.

7) Por comunicação electrónica datada de 16/09/2020, o Autor solicitou, junto da Caixa Geral de Aposentações, entre o mais, “informação sobre o andamento do processo relativo ao recalculo das pensões por acidente de trabalho e doença profissional (...)” – cfr. fls. 2122 e 2123 do processo administrativo junto aos autos.

8) Mediante instrumento datado de 29/09/2020, o ora Autor dirigiu à Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, ao Secretário de Estado da Segurança Social e ao Director da Caixa Geral de Aposentações, a exposição de fls. 2112-2119 do processo administrativo, de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai, designadamente, o seguinte:

“(...) solicito a intervenção de V.ªs: Senhora e Senhor Governantes e ajuda dos Senhores Deputados e Senhoras Deputadas para que a CGA (...) proceda ao recálculo da minha pensão por aposentação extraordinária e da minha prestação por DP. Ou se assim não o entender, que me responda ao requerimento (Documento 3-A) dirigido à CGA há já cerca de um ano, invocando as razões legais para não proceder ao recálculo.
(...)
- cfr. fls. 2112-2119 do processo administrativo junto aos autos.

9) Através do ofício n° ...20, datado de 19.11.2020, a Entidade Demandada comunicou ao Autor, nomeadamente, o seguinte:

“Reportando-me às comunicações remetidas a esta Caixa através de correio eletrónico de 2020-09- 16 e de 2020-09-29, informo V.Ex.ª do seguinte:
(...)
Relativamente ao pedido de recálculo da pensão de aposentação extraordinária, informo V.Ex.ª de que:

• a pensão que se encontra a receber já foi calculada com base na incapacidade permanente parcial de 64,95%, conforme deliberação da Junta Médica de agravamento realizada em 2019-09-17, sendo que, no caso, a reparação do acidente segue o regime legal previsto no Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 498/72, de 9 de dezembro, e não no do Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de novembro.

• embora a Junta Médica de agravamento realizada em 2019-09-17 tenha considerado que “Das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções”, tal não é suscetível de produzir qualquer efeito no cálculo da sua pensão, uma vez que, para além de lhe serem aplicáveis as regras de cálculo decorrentes do Estatuto da Aposentação, à data da avaliação do agravamento, V.Ex.ª já se encontrava aposentado há quase 6 anos.
(...)”
– cfr. fls. 2127 e 2128 do processo administrativo junto aos autos e documento n° 4 junto com a petição inicial.

10) Através de comunicações electrónicas enviadas em 23/02/2021 e 30/06/2021, o ora Autor dirigiu ao Presidente do CD da Caixa Geral de Aposentações, em resposta ao ofício mencionado no ponto anterior, o instrumento junto sob o documento n° 5 com a petição inicial, relativo ao assunto “Reiteração do pedido de recalculo da minha aposentação extraordinária e da minha pensão relativa a doença profissional”, de cujo teor, que aqui se considera integralmente reproduzido, se extrai, designadamente, o seguinte:

“(...) melhor identificado no documento 01 que se anexa e por referência ao mesmo, vem quanto ao acidente de trabalho que deu origem à minha aposentação extraordinária (AE), Exercer o meu direito de contraditório por não me ter sido dada a oportunidade de o fazer relativamente à recusa do recalculo da minha AE, em função da alteração da natureza da minha incapacidade, que conforme resultado da Junta Médica (JM) (documento 02/1) realizada, passou de incapacidade permanente parcial (IPP) para incapacidade permanente absoluta para as funções habituais (IPAFH).
(...)
2 – Na nota que me foi enviada é afirmado que a pensão que recebo relativa à minha AE “(...) já foi calculada com base na incapacidade permanente parcial de 64,95%, conforme deliberação da Junta Medica (...)”.

3 – Ora, foi justamente, por, com base na deliberação de Junta Medica a natureza da minha incapacidade permanente parcial ter sido alterada para: IPAFH, que dirigi um requerimento (Documento 02-3) a V. Ex.ª no dia 08/11/19 e cujo n° de registo da comunicação recebida é o que consta no documento 03.

4 – Como poderá verificar no requerimento supra mencionado, os dipositivos legais invocados, foram justamente os artigos 38° e 54° do Estatuto da Aposentação (EA) (Decreto-Lei n.° 498/72) que infra se transcrevem, aliás invocado na respectiva nota que acima refiro (documento 01), que venho reclamar o direito de ver recalculado o montante da minha A.E.
(...)”
– cfr. documento n° 5 junto com a petição inicial e fls. 2306-2317 e 2663-2670 do processo administrativo junto aos autos.

11) Em 19.11.2021, o Autor apresentou neste Tribunal a petição inicial da presente acção administrativa – cfr. folhas 1 dos autos (SITAF).

*
III - Enquadramento jurídico.

Este é o teor da decisão recorrida, na parte relevante:

“(…)

Resulta da factualidade acima dada como provada que o Autor, que sofreu um acidente em serviço em 30/07/1993, em Dezembro de 2012 submeteu, junto da CGA, pedido de aposentação extraordinária, na sequência do resultado de Junta Médica anteriormente realizada e que havia deliberado que “das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente parcial de 15%”. Após tal pedido, por despacho da Direcção da CGA de 19/11/2013, foi reconhecida ao Autor a aposentação, com fundamento no art. 38°, al. c) do Estatuto da Aposentação, na versão aplicável.

Como do probatório igualmente se alcança, o Autor, na sequência de ter sido submetido, em 17/09/2019, a nova Junta Médica da CGA para revisão da sua incapacidade, dirigiu, num primeiro momento em 08/11/2019, requerimento ao Presidente do CD da CGA a solicitar o recálculo do valor da pensão relativo à sua aposentação extraordinária, com fundamento nos arts. 38° e 54° do Estatuto da Aposentação, e invocando o resultado da referida Junta Médica, que considerou um “agravamento que passou de uma IPP para uma Incapacidade Permanente Absoluta para as Funções Habituais” –cfr. ponto 6) do probatório.

Tendo o Autor, através dos requerimentos identificados nos pontos 7) e 8) do probatório, datados de 16/09/2020 e 29/09/2020, insistido, designadamente, junto da CGA, pela resposta à pretensão administrativa apresentada.

Nesta sequência, a Entidade Demandada, através do ofício datado de 19/11/2020, vertido no ponto 9) da factualidade enunciada, transmitiu ao Autor o seguinte, a propósito, expressamente, da sua pretensão de se proceder ao recálculo da pensão:
«· a pensão que se encontra a receber já foi calculada com base na incapacidade permanente parcial de 64,95%, conforme deliberação da Junta Médica de agravamento realizada em 2019-09-17, sendo que, no caso, a reparação do acidente segue o regime legal previsto no Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 498/72, de 9 de dezembro, e não no do Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de novembro.
· embora a Junta Médica de agravamento realizada em 2019-09-17 tenha considerado que “Das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções”, tal não é suscetível de produzir qualquer efeito no cálculo da sua pensão, uma vez que, para além de lhe serem aplicáveis as regras de cálculo decorrentes do Estatuto da Aposentação, à data da avaliação do agravamento, V.Ex.ª já se encontrava aposentado há quase 6 anos.».

Ora, da análise da comunicação enviada pela Entidade Demandada ao Autor na sequência do pedido que dirigiu à CGA de recálculo da pensão de aposentação extraordinária (pedido que, de modo idêntico, formula nestes autos), desde logo se conclui que ali a entidade administrativa tomou uma posição acerca da pretensão do interessado, no sentido da respectiva rejeição, extraindo-se claramente do ofício identificado no ponto 9) do probatório que a CGA comunicou ao Autor a decisão de indeferimento do seu pedido, transmitindo, de igual modo, o motivo pelo qual, no entendimento da Administração, a pretensão de ver recalculada a pensão de aposentação não poderia ser satisfeita.

Praticou, assim, a Entidade Demandada um acto administrativo relativo ao pedido do Autor constante, desde logo, do requerimento enviado em 08/11/2019, em sentido desfavorável à pretensão do particular.

A tal não obsta, ao contrário do que pretende fazer crer o Autor no requerimento de resposta à matéria de excepção, o facto de a Entidade Demandada se referir, na comunicação datada de 19/11/2020, ao envio de uma “informação”, na medida em que, independentemente da concreta terminologia utilizada pela Administração (que não releva para aferir a natureza da comunicação, que deverá ser analisada a partir do respectivo conteúdo, de modo integral), a verdade é que, tendo o Autor formulado uma pretensão junto da Entidade Demandada e tendo esta Entidade, precisamente na sequência dessa solicitação, e após pedidos de informação apresentados pelo mesmo, designadamente, sobre o andamento do procedimento, respondido ao Autor, «relativamente ao pedido de recálculo da pensão de aposentação extraordinária», que «embora a Junta Médica de agravamento realizada em 2019-09-17 tenha considerado que “Das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções” tal não é suscetível de produzir qualquer efeito no cálculo da sua pensão», está, efectivamente, a decidir a pretensão que lhe foi dirigida, tomando uma posição sobre a possibilidade de se proceder ao recálculo da pensão de aposentação e desse modo praticando, reitere-se, um acto administrativo, à luz do disposto no art. 148º do CPA.

Sendo que, dessa decisão tem o interessado conhecimento, no limite, desde 23/02/2021, data em que envia novo requerimento, dirigido ao Presidente do CD da CGA – cfr. ponto 10), supra –, cujo teor traduz a apresentação de uma reclamação administrativa, do mesmo sendo, desde logo, possível extrair que a exposição é apresentada na sequência da recepção, pelo interessado, do ofício que contém o acto administrativo praticado pela CGA sobre a sua pretensão. De resto, o próprio Autor compreendeu que havia recebido uma decisão da CGA quanto ao seu pedido, considerando que no requerimento datado de 23/02/2021 refere, designadamente, que vem “exercer o meu direito de contraditório por não me ter sido dada a oportunidade de o fazer relativamente à recusa do recálculo da minha AE” – itálico nosso.

Nesta conformidade, tendo o Autor solicitado o recálculo da pensão de aposentação e tendo a Entidade Demandada adoptado decisão no sentido do indeferimento da pretensão do interessado, como se extrai do teor do ofício vertido no ponto 9), supra, verifica-se que foi praticado um acto administrativo, o qual chegou ao conhecimento do respectivo destinatário, no limite em 23/02/2021, data em que este se apresenta junto da CGA a reclamar novamente o direito de ver recalculado o montante da sua pensão de aposentação extraordinária e se insurge contra a posição tomada pela Administração sobre a sua situação.

Sendo certo que a notificação contida no ofício de 19/11/2020, deu a conhecer ao interessado o sentido da decisão emitida, exteriorizando a posição de negar a pretensão de recálculo apresentada pelo Autor, sendo, por conseguinte, oponível ao destinatário (cfr. art. 60°, n° 1 do CPTA).

Do exposto resulta que a situação jurídica do Autor, quanto à pretensão formulada nos autos, foi definida pelo acto praticado e comunicado através do ofício de 19/11/2020 [cfr. ponto 9) dos factos provados], o qual foi capaz de produzir efeitos externos numa situação individual e concreta (cfr. art. 148° do CPA), sendo, por conseguinte, imediatamente susceptível de impugnação judicial (cfr. art. 51°, n° 1 do CPTA), in casu, através da formulação do adequado pedido de condenação à prática do acto devido.

Ora, considerando o disposto nos arts. 58°, n° 1, al. b) e 69°, n° 2 do CPTA, verifica-se que o Autor deveria ter reagido contra a decisão adoptada pela CGA, no sentido de a pensão que lhe foi fixada não ser susceptível de recálculo, assim não acolhendo a sua pretensão, no prazo de 3 meses a contar do momento em que teve conhecimento da mesma. Sendo que, como resulta dos autos, pelo menos em 23/02/2021, quando formula o novo requerimento/reclamação – cfr. ponto 10), supra – no qual reitera o seu pedido, tinha já conhecimento da anterior decisão, pelo que, à data da instauração da presente acção (em 19/11/2021), já se encontrava esgotado o prazo de 3 meses de que dispunha para recorrer à via contenciosa, com vista à condenação da ED na prática do acto que considerava devido, mesmo entendendo que a referida reclamação havia suspendido o prazo judicial, face ao disposto no art. 59°, n° 4 do CPTA e arts. 185°, n° 2 e 192°, n° 2 do CPA (atendendo a que o prazo-regra para a impugnação do acto em causa sempre retomaria o seu curso com o decurso do prazo legal para a decisão de eventual reclamação administrativa apresentada tempestivamente pelo interessado, como decorre do disposto no art. 59°, n° 4, do CPTA). E ainda que considerando a suspensão de prazos reintroduzida pelo art. 6°-B, aditado à Lei n° 1-A/2020 pela Lei n° 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que apenas vigorou de 22/01/2021 a 06/04/2021.

Pelo que, para ser atendida a pretensão condenatória formulada nestes autos, exigia-se que não se tivesse consolidado na ordem jurídica um acto incompatível com o acto que o Autor pretende ver praticado, como sucedeu no caso em apreço, em que o Autor, confrontado com a prática de um acto administrativo (impugnável) pela CGA acerca da sua pretensão, não reagiu, dentro dos prazos legalmente estabelecidos, contra tal actuação, que definiu a sua situação jurídica, através da dedução do pedido de condenação à prática do acto devido, no âmbito da impugnação do acto contido no ofício de 19/11/2020, sendo certo que ficou constituído no ónus de reagir contra tal acto, sob pena de intempestividade da acção de condenação à prática do acto devido (excepção que visa impedir que seja posta em causa a estabilidade que resulta da inimpugnabilidade de actos administrativos conexos com a pretensão material do interessado).

Importa, por fim, salientar, face ao alegado, a título subsidiário, no articulado de resposta à matéria de excepção, que o pedido de condenação na prática do acto devido formulado nestes autos cai fora do âmbito de aplicação do prazo de caducidade de 1 ano, previsto no art. 48°, n° 1 do DL n° 503/99, de 20 de Novembro, antes se aplicando os prazos de propositura da acção que resultam do CPTA, a que se aludiu supra, pela simples razão de que tal prazo de 1 ano apenas se aplica aos pedidos deduzidos contra os actos ou omissões praticados no âmbito desse regime jurídico, ou seja, quando estejam em causa reconhecimento de direitos que decorram do regime jurídico especificamente previsto no DL n° 503/99 (cfr., neste sentido, o acórdão do TCA Sul, de 09/02/2023, proferido no proc. n° 277/22.0BEALM, disponível em www.dgsi.pt).

Contudo, no caso dos autos, como se extrai da petição inicial e, de resto, já se decidiu no despacho de fls. 2812 (datado de 12/05/2022), a pretensão do Autor não emerge nem se funda no regime legal previsto no DL n° 503/99, razão pela qual não é aplicável ao caso dos autos a disciplina especificamente prevista no art. 48°, n° 1 desse diploma, quanto à forma do processo e respectivo prazo de caducidade, como, também, já resulta do citado despacho.

Face ao que, se conclui que se verifica a suscitada excepção dilatória de intempestividade da prática do acto processual de instauração da acção, o que determina a absolvição da Entidade Demandada da instância [cfr. art. 89°, n°s 1, 2 e 4, al. k), do CPTA].

(…)”

Não subscrevemos este entendimento.

Uma declaração formal, seja ela negocial ou unilateral, não pode valer com um sentido que não tenha o mínimo de correspondência com o texto da declaração, ainda que imperfeitamente expresso – n.º1 do artigo 238º do Código Civil.

Ora no ofício n° ...20, datado de 19.11.2020, constante do ponto 9) da matéria dada como provada, em que o Tribunal recorrido vê o acto administrativo que devia ter sido impugnado é utilizado o termo “informo”.

Termo que é incompatível com uma decisão.

Embora o teor do ofício seja compatível, em tudo o mais, com o conteúdo de uma decisão, também é compatível com o de uma informação. Tanto mais que as decisões se podem apropriar – e apropriam normalmente – de informações.

Extraindo-se, no entanto, do texto do ofício o termo “informo” a conclusão a tirar, perante a alternativa de ser uma decisão ou uma simples informação, é a de que se trata de uma simples informação.

Tanto mais que não aparece subscrita pelo órgão decisor a quem foi dirigido o requerimento, o Conselho de Administração da Caixa Geral de Aposentações, mas por pessoa singular que não assume expressamente a qualidade de membro desse órgão.

E ainda que se pudesse objectivamente interpretar tal ofício com notificação de uma decisão, sempre a conclusão a tirar, para o que aqui interessa, seria a mesma, a de improceder a excepção de caducidade da acção (ou intempestividade para a prática de acto).

Na verdade, a caducidade destina-se a penalizar o titular do direito por não o exercer no prazo previsto na lei, por negligência.

No caso concreto não vislumbramos esse desleixo na conduta do Autor.

Para além de expressamente se referir naquele ofício o termo “informo” que aponta no sentido de ser uma mera informação e não estar subscrito por pessoa que se identifique como órgão ou membro de órgão decisor, não era exigível do Autor, como de qualquer destinatário normal, que contasse com o sentido de se tratar de uma decisão final – n.º1 do artigo 236º do Código Civil.

Sendo aceitável a interpretação que o Autor fez do teor do ofício em causa, de que se tratava, como trata, de uma mera informação, não se pode concluir que não agiu com a diligência exigível ao não impugnar tal “acto” no prazo legal.

Finalmente, e tendo em conta o princípio “pro actione”, na dúvida, sempre seria de acolher o entendimento defendido pelo Autor, aqui Recorrente.

Pelo que se torna forço concluir pela não verificação da excepção de intempestividade para a prática do acto processual de instauração da acção ou de caducidade do direito de acção, ao contrário do decidido.

*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, pelo que:

1. Revogam a decisão recorrida.

2. Julgam improcedente a excepção de intempestividade da prática do acto processual de instauração da acção.

3. Determinam a baixa dos autos à Primeira Instância para que aí a acção prossigam os seus normais termos para conhecimento de mérito se nada mais a tal obstar.

Custas pela Recorrida.

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Porto, 21.06.2024

Rogério Martins
Fernanda Brandão
Isabel Costa