Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00707/18.6BEAVR |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 10/24/2019 |
Tribunal: | TAF de Aveiro |
Relator: | Paulo Ferreira de Magalhães |
Descritores: | DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA DE SOCIEDADE COMERCIAL. EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES FISCAIS. HOMOLOGAÇÃO DE PLANO DE RECUPERAÇÃO. RESPONSABILIDADE CONTRAORDENACIONAL. |
Sumário: | 1 - Face ao disposto no artigo 81.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com a declaração de insolvência, e enquanto durar o respectivo processo, a sociedade insolvente fica privada, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens apreendidos e integrantes da massa insolvente, poderes esses que passam a competir ao Administrador da insolvência. 2 - O plano de insolvência tem por finalidade a recuperação da empresa [cfr. artigos 192.º, n.º3 e 230.º do CIRE], e apenas a declaração de insolvência é que pode ter como fim o encerramento e a liquidação da sociedade. 3 – Tendo sido homologado um plano de recuperação da sociedade comercial, que foi aprovado por deliberação da assembleia de credores, em virtude de se ter concluído que a liquidação do activo não permitiria obter resultados que satisfaçam o pagamento dos credores e que essa liquidação, face às regras da experiência, prejudicaria todos os interessados designadamente insolvente e credores, nomeadamente os laborais, a sociedade devedora continuou a exercer a sua actividade. 4 - O artigo 65.º do CIRE dispõe que as obrigações fiscais se extinguem necessariamente com a deliberação de encerramento da actividade do estabelecimento, o que deve ser comunicado oficiosamente pelo Tribunal à AT para efeitos de cessação da actividade; e na falta dessa deliberação, as ditas obrigações fiscais passam a ser da responsabilidade daquele a quem a administração do insolvente tenha sido cometida e enquanto esta durar. 5 - Tomando por base que a administração da massa insolvente foi judicialmente decretada como a cargo do gerente da devedora, e não do Administrador de insolvência nomeado, em tempo em que não lhe estava obstado que não podia dispor de poderes de gestão para determinar esse pagamento, devem os autos baixar à 1.ª instância para efeitos de apreciar e decidir sobre os ulteriores termos dos autos, para conhecimento dos vícios julgados prejudicados.* * Sumário elaborado pelo relator. |
Recorrente: | Fazenda Pública |
Recorrido 1: | C. R. C., Lda. |
Votação: | Unanimidade |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA, inconformada, veio interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 27 de fevereiro de 2019, pela qual foi julgado procedente o recurso da decisão de aplicação da coima no processo de contraordenação n.º 00942018060000023002, interposto pela sociedade comercial C. R. C., Lda, e absolvida a Recorrente [ora Recorrida], das infracções que lhe vinham imputadas. * No âmbito das Alegações apresentadas pela Fazenda Pública [Cfr. fls. 148 a 156 dos autos em suporte físico], elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:“CONCLUSÕES: 1. Relativamente à fundamentação de facto o Tribunal “a quo” deu como assente e provado que em 2012-07-04 a sociedade “C. R. C., Lda”, (doravante, arguida ou recorrente) havia sido declarada em situação de insolvência pelo Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, 1.º Juízo Cível, tendo a respetiva sentença de declaração de insolvência transitado em julgado em 2012-07-25. 2. Resulta, contudo, da sentença declaratória insolvencial que a administração da massa insolvente, contrariamente ao que é dado como provado, não foi confiada ao administrador da insolvência, mas ao gerente da devedora, sob fiscalização do administrador da insolvência nomeado (cfr.doc. n.º 004656527, constante a página 125 do SITAF). 3. Desconsiderou o Tribunal a quo completamente tal factualidade, não valorando no probatório, como um facto relevante para a determinação da própria responsabilidade contraordenacional. 4. Por regra, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente dos poderes de administração e disposição de bens integrantes da massa insolvente, os quais são assumidos pelo administrador da insolvência, dir-se-á que este é o efeito clássico, por excelência, da declaração de insolvência, previsto no art.º 81 n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e que mais impacto tem para a empresa insolvente. 5. Assim, a possibilidade de a administração da massa insolvente ser deferida ao devedor, nos termos do n.º 1 do art.º 224 do CIRE, constitui exceção ao principio geral contido no art.º 81 n.º 1 do CIRE, segundo o qual a administração de insolvência priva imediatamente a empresa insolvente, por si, ou por intermédio dos seus administradores ou gerentes, dos poderes de administração e de disposição dos bens que integram a massa insolvente. 6. De acordo com o art.º 224 do CIRE, a administração da massa pelo devedor é exclusivamente aplicável aos casos em que a massa insolvente envolva uma empresa e depende em geral da verificação dos quatros requisitos previstos nas alíneas do n.º 2 da referida disposição normativa, sendo evidente na alínea b) a ligação entre a administração pelo devedor e a recuperação /continuidade da empresa. 7. Acresce que, em 2013-01-22, foi proferida decisão de homologação de um plano de recuperação, a qual transitou em julgado em 2013-07-30. 8. Tendo sido confiada a administração ao gerente da devedora, não poderia o Tribunal a quo desvalorizar completamente tal facto no probatório e fundamentar a sentença propalada com base em facto contrário, ou seja, de que a administração dos bens foi atribuída ao administrador da insolvência. 9. No que toca aos poderes do devedor, é defensável entender que os seus poderes sobre os bens são análogos aos que competiriam, em regra, ao administrador da insolvência. 10. Incumbirá, designadamente, ao devedor exercer os poderes conferidos ao administrador da insolvência no quadro dos negócios em curso (basicamente, decidir se dá ou recusa o seu cumprimento), o mesmo já não se podendo dizer do direito de resolução dos atos prejudiciais à massa, que permanece na esfera das competências do administrador (cfr. n.º 5 do art.º 226.º do CIRE). 11. Em consonância com o art.º 226 do CIRE, o administrador da insolvência tem, face à administração da massa insolvente, um dever genérico de fiscalização, o que lhe permite acompanhar a gestão do insolvente e sindicar a sua conveniência e oportunidade, nomeadamente para promover o seu termo, se assim o aconselharam as circunstâncias que ocorram na atuação do devedor (art.º 226 n.º 1 do CIRE). 12. Embora coexistindo as funções de ambos, do administrador da insolvência e do representante da devedora a quem foi confiada a administração, isto sem prejuízo da eficácia de certos atos praticados por este último, sempre se dirá que, in casu, a responsabilidade pelo pagamento das taxas de portagem é da devedora, administradora da massa e não do administrador da insolvência. 13. Permitindo a lei ao devedor ainda que com limitações, ou contextualizado num regime de repartição de funções, (cfr. art.º 226 n.º 5 do CIRE) a administração da massa insolvente, mal se compreenderia que esse mesmo devedor não pudesse efetuar o pagamento das taxas de portagem decorrentes do desenvolvimento da sua atividade, defendendo, desta forma, os interesses desse património ao evitar futuras condenações em processos contraordenacionais, com o inerente incumprimento, por falta de pagamento das referidas taxas. 14. Reportando-se as infrações a Fevereiro de 2013, tal significa que embora sejam posteriores à declaração de insolvência, foram praticadas, também, já depois de ter sido homologado um plano de recuperação (proferida decisão de homologação do plano de recuperação da Recorrente em 2013-01-22), ou seja, quando a Recorrente já havia retomado a atividade e em pleno exercício desta. 15. Tendo a Recorrente praticado as infrações em plena retoma e desenvolvimento da sua atividade, reportando-se, portanto, a factos praticados no período de exercício efetivo daquela, deviam como tal ser consideradas dívidas da insolvente e não da massa insolvente, bem como da responsabilidade da Insolvente o respetivo pagamento das taxas de portagem, atento o facto de lhe ter sido confiada a administração da insolvência na sentença declaratória insolvencial. 16. Apesar de, em abstrato, possa ser considerada uma divida da massa insolvente, atenta a circunstância de o próprio facto tributário e do respetivo termo do prazo de pagamento serem posteriores à declaração de insolvência, na prática, trata-se de uma divida da própria devedora insolvente, porque praticada no exercício da sua atividade, e principalmente, num momento em que lhe havia sido atribuída a administração da massa insolvente. 17. A apreensão dos bens, nos termos do art.º 149 do CIRE é o efeito normal e decorrente da declaração da insolvência, justificada por se tratar de uma diligência urgente e necessária para a conservação dos bens e futura liquidação. 18. Porém, quando a administração de bens é entregue ao próprio devedor, nos termos dos art.º s 223 e seguintes do CIRE, não há lugar a tal apreensão, enquanto se mantiver a administração pelo devedor, é o que decorre da própria lei, cfr. art. 228 n.º 2 do CIRE, à contrario. 19. Sempre se dirá, salvo o devido respeito, por opinião contrária, que se tal efeito não se encontrasse previsto na lei, a administração conferida ao devedor dos bens integrantes da massa insolvente estaria, desde logo, esvaziada na prática de qualquer sentido útil, em virtude de não ter bens para gerir e administrar, pela razão óbvia de não se encontrarem na sua disponibilidade. 20. Constando da sentença declaratória de insolvência que a administração da massa era assegurada pela Recorrente, cabendo ao administrador da massa insolvente a fiscalização dos atos e limitando a posição deste à fiscalização da atividade daquela, significa que o pagamento das taxas de portagem até por resultar da utilização pela mesma de pórticos concessionados sujeitos a um custo e no desenvolvimento da sua atividade, se inserem num “ato de gestão corrente”. 21. Entendendo-se por “ato de gestão corrente”, um ato de administração ordinária, por oposição a atos de administração extraordinária, a qual só não poderia ser objeto de pagamento se o administrador de insolvência se opusesse, como resulta expressamente da alínea a) do n.º 2 do art.º 226 do CIRE. 22. Não obstante tal limitação e a inerente fiscalização dos atos pelo administrador de insolvência, sempre se dirá que, no contexto insolvencial, o devedor sempre manterá os poderes inerentes à defesa dos interesses da massa insolvente, máxime, o pagamento de taxas de portagem como custo associado à utilização de pórticos concessionados, a fim de evitar com o seu incumprimento, a instauração e condenação em eventual processo contraordenacional, com a consequente, oneração da massa insolvente. 23. Assim, entender-se que a responsabilidade pelo pagamento das taxas de portagem cabia ao administrador da insolvência, é não só fazer tábua rasa da administração que foi atribuída à devedora insolvente, como desresponsabilizá-la sem qualquer fundamento validamente justificável. 24. Entende, por isso, a Fazenda Pública, com a ressalva do devido respeito, que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, na medida em fez uma incorreta seleção dos factos relevantes para o probatório, concretamente, não valorando em absoluto a pessoa a quem foi confiada a administração dos bens, e consequentemente, uma incorreta subsunção dos factos ao direito. 25. Em face do exposto, salvo o devido respeito, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, com as legais consequências. Nestes termos e nos mais de direito que V. Ex.as, mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, para que aí seja proferida outra que considere na matéria de facto o plano de insolvência em causa e, em consequência, ser ordenado o reenvio do processo ao Tribunal “a quo” a fim de a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente o recurso interposto da decisão, com as legais consequências, conforme se apresenta mais consentâneo com o DIREITO E A JUSTIÇA.” * A Recorrida não apresentou contra-alegações.* O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, com fundamento, em suma, de que a responsabilidade pelo pagamento das taxas de portagem cabe ao devedor insolvente, na pessoa do seu gerente e não ao administrador da insolvência, devendo assim revogar-se o despacho recorrido e prosseguir os autos para efeitos de apreciação dos restantes vícios invocados.*** Colhidos os vistos das Ex.mas Senhoras Juízas Desembargadoras Adjuntas, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Nos termos do artigo 75.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social [RGIMOS], ex vi artigo 3.º, alínea b) do Regime Geral das Infracções Tributárias [RGIT], a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida proferida pelo Tribunal recorrido, sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72.º-A do mesmo diploma. Não obstante, o objecto do recurso jurisdicional é delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações [cfr. artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal – CPP -, ex vi artigo 74.º, n.º 4 do RGIMOS], salvo quanto aos vícios que são de conhecimento oficioso. Em torno do que vem suscitado nas Alegações de recurso por parte da Recorrente, cumpre a este Tribunal apreciar e decidir da invocada ocorrência de erro de julgamento do Tribunal a quo, pois que face ao que foi alegado e patenteado nas respectivas conclusões, o Tribunal recorrido fez uma incorrecta selecção dos factos relevantes para o probatório, por não ter, concretamente, valorado em absoluto a pessoa a quem foi confiada a administração dos bens, e consequentemente, que foi efectuada uma incorrecta subsunção dos factos ao direito. ** III - FUNDAMENTOS IIIi - DE FACTO No âmbito da factualidade considerada pela decisão recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue: “Consideram-se provados os seguintes factos, com relevância para a decisão da causa: 1. Por decisão proferida em 04.07.2012 e transitada em julgado em 25.07.2012, no processo n.º 3034/12.9TBVFR, foi declarada a insolvência da Recorrente, nomeado o administrador de insolvência e decretada a apreensão de todos os seus bens – cfr. certidões a fls. 103 e 128 e sentença a fls. 129 a 134, todas do SITAF; 2. Em 22.01.2013, foi proferida decisão de homologação do plano de recuperação da Recorrente, a qual transitou em julgado em 30.07.2013 – cfr. certidões a fls. 103 e 128 e sentença a fls. 104 a 111, todas do SITAF; 3. Por decisão proferida em 24.04.2014, foi declarado encerrado o processo de insolvência a que se refere o ponto 1 – cfr. documento a fls. 112 do SITAF; 4. Em 10.04.2016, foi instaurado contra a Recorrente o processo de contraordenação n.º 00942018060000023002, por falta de pagamento de taxas de portagem – cfr. documento de autuação a fls. 7 do SITAF; 5. O processo referido no ponto anterior foi instaurado por apensação de 13 processos de contraordenação - 00942014060000125620, 00942014060000123872, 0942014060000123880, 00942014060000126227, 00942014060000126219, 0942014060000123902, 00942014060000123899, 00942014060000124917, 00942014060000128130, 00942014060000125590, 00942014060000126235, 00942014060000124925, 00942014060000126952, 00942014060000124453, 00942014060000124461 e 00942014060000125638 – todos instaurados no mês de abril de 2014 por infrações relacionadas com falta de pagamento de taxas de portagem ocorridas durante o mês de fevereiro de 2013 com o veículo de matrícula 23-95-VN – cfr. autos de notícia a fls. 31 a 48 e documentos de tramitação processual a fls. 58 a 74, todas do SITAF. 6. Por decisão proferida em 02.03.2018, no processo de contraordenação referido no ponto 1, foi aplicada à Recorrente a coima de € 4.289,79, acrescida de custas processuais no montante de € 76,50, por falta de pagamento de taxa de portagem relativas a passagens realizadas pelo veículo com a matrícula XX-XX-XX durante o mês de fevereiro de 2013 – Cfr. documento a fls. 50 a 53 do SITAF; 7. Para comunicação da decisão referida no ponto anterior, foi, em 16.03.2018, remetido um ofício para a caixa postal eletrónica da Recorrente – cfr. documentos a fls. 54 a 57 do SITAF; 8. Em 10.04.2018, a Recorrente apresentou a petição do presente recurso – cfr. averbamento a fls. 10 do SITAF; 9. Pelo menos até 26.11.2018, encontrava-se em execução o plano de recuperação referido no ponto 2 – cfr. certidão a fls. 167 do SITAF. * Não foram dados como provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.Os factos provados foram fixados com base nos elementos documentais e informações constantes dos presentes autos, conforme identificado em cada ponto do probatório.” ** IIIii - DE DIREITOEstá em causa a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 27 de Fevereiro de 2019, que julgou procedente o recurso da decisão de aplicação da coima no processo de contraordenação n.º 00942018060000023002, interposto pela sociedade comercial C. R. C., Lda, e absolveu-a [a Recorrida] das infracções que lhe vinham imputadas. A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, tendo para tanto e em suma alegado que em face do decidido pela sentença declaratória insolvencial e “… contrariamente ao que é dado como provado, não foi confiada [a administração da massa insolvente] ao administrador da insolvência, mas ao gerente da devedora, sob fiscalização do administrador da insolvência nomeado […], tendo o Tribunal a quo desconsiderado “… completamente tal factualidade, não valorando no probatório, como um facto relevante para a determinação da própria responsabilidade contraordenacional.”, e desta feita, que “… não poderia o Tribunal a quo desvalorizar completamente tal facto no probatório e fundamentar a sentença propalada com base em facto contrário, ou seja, de que a administração dos bens foi atribuída ao administrador da insolvência.”, e que, “Embora coexistindo as funções de ambos, do administrador da insolvência e do representante da devedora a quem foi confiada a administração, isto sem prejuízo da eficácia de certos atos praticados por este último, sempre se dirá que, in casu, a responsabilidade pelo pagamento das taxas de portagem é da devedora, administradora da massa e não do administrador da insolvência.”, e permitindo a lei ao devedor ainda que com limitações, ou contextualizado num regime de repartição de funções a administração da massa insolvente, “… mal se compreenderia que esse mesmo devedor não pudesse efetuar o pagamento das taxas de portagem decorrentes do desenvolvimento da sua atividade, defendendo, desta forma, os interesses desse património ao evitar futuras condenações em processos contraordenacionais, com o inerente incumprimento, por falta de pagamento das referidas taxas.” – Cfr. pontos 2, 3, 8, 12 e 13 das conclusões. Referiu ainda, que sendo as infracções reportadas a Fevereiro de 2013, “… que embora sejam posteriores à declaração de insolvência, foram praticadas, também, já depois de ter sido homologado um plano de recuperação (proferida decisão de homologação do plano de recuperação da Recorrente em 2013-01-22), ou seja, quando a Recorrente já havia retomado a atividade e em pleno exercício desta.”, e que tendo a Recorrente praticado “… as infrações em plena retoma e desenvolvimento da sua atividade, reportando-se, portanto, a factos praticados no período de exercício efetivo daquela, deviam como tal ser consideradas dividas da insolvente e não da massa insolvente, bem como da responsabilidade da Insolvente o respetivo pagamento das taxas de portagem, atento o facto de lhe ter sido confiada a administração da insolvência na sentença declaratória insolvencial.”, e que tendo a administração de bens sido entregue ao próprio devedor, nos termos dos art.º s 223 e seguintes do CIRE, que “… não há lugar a tal apreensão, enquanto se mantiver a administração pelo devedor […], pois que “… se tal efeito não se encontrasse previsto na lei, a administração conferida ao devedor dos bens integrantes da massa insolvente estaria, desde logo, esvaziada na prática de qualquer sentido útil, em virtude de não ter bens para gerir e administrar, pela razão óbvia de não se encontrarem na sua disponibilidade.”, e que “… o pagamento das taxas de portagem até por resultar da utilização pela mesma de pórticos concessionados sujeitos a um custo e no desenvolvimento da sua atividade, se inserem num “ato de gestão corrente”, que só não poderia ser “… objeto de pagamento se o administrador de insolvência se opusesse, como resulta expressamente da alínea a) do n.º 2 do art.º 226 do CIRE – Cfr. pontos 14, 15, 18 e 19, 20 e 21 das conclusões. A final das suas conclusões, referiu que a “… entender-se que a responsabilidade pelo pagamento das taxas de portagem cabia ao administrador da insolvência, é não só fazer tábua rasa da administração que foi atribuída à devedora insolvente, como desresponsabilizá-la sem qualquer fundamento validamente justificável.”, sendo por essa razão que a Recorrente entende que a sentença recorrida “… enferma de erro de julgamento, na medida em fez uma incorreta seleção dos factos relevantes para o probatório, concretamente, não valorando em absoluto a pessoa a quem foi confiada a administração dos bens, e consequentemente, uma incorreta subsunção dos factos ao direito.”, devendo por isso ser revogada a sentença recorrida, com as legais consequências – Cfr. pontos 23, 24 e 25 das conclusões. Portanto, como sustenta a Recorrente Fazenda Pública, decorrente das suas conclusões, está em apreço nos autos, apreciar da eventual ocorrência de erro de julgamento da matéria de facto por parte do Tribunal a quo, mais concretamente, por não ter valorado que a administração dos bens foi confiada ao devedor, e neste conspecto, se foi efectuada uma incorrecta subsunção dos factos ao direito. Ora, como resulta da Sentença recorrida, aí se julgou que por estarem em causa infrações cometidas após a declaração de insolvência, e antes do encerramento do respetivo processo – isto é, no período durante o qual não podia dispor do seu património –, que não pode incidir sobre a Recorrente a responsabilidade pelos factos contraordenacionais que lhe são imputados, porque à data da prática das infracções não podia a mesma dispor do seu património, tendo o Tribunal recorrido, em face dessa julgada ausência de responsabilidade contraordenacional, considerado prejudicado o conhecimento dos restantes vícios que a Recorrente imputa à decisão de fixação da coima. Neste patamar, para aqui cumpre extrair parte da fundamentação vertida na Sentença recorrida, nos termos que seguem: “… resulta demonstrado nos autos que a sociedade insolvente veio, na sequência da homologação do plano de recuperação, a prosseguir a sua atividade no âmbito do cumprimento do plano de recuperação homologado. Nesta medida, a declaração de insolvência não conduziu à dissolução da sociedade, razão pela qual não há que, no caso concreto em apreço, fazer equivaler a declaração de insolvência à morte do infrator nem, consequentemente, extinguir, com este fundamento, o procedimento contraordenacional. Não obstante, a factualidade dada como provada nos autos tem relevância em termos da determinação da própria responsabilidade contraordenacional. Neste sentido, importa sublinhar que, com a declaração de insolvência da Recorrente, foram apreendidos todos os seus bens, que, assim, passaram a constituir a massa insolvente, configurando um novo património retirado da disponibilidade da sociedade insolvente. De facto, com a declaração de insolvência, e enquanto durar o respetivo processo, a sociedade insolvente fica privada, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens apreendidos e integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência – sublinhado da nossa autoria (cfr. artigo 51.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), Em coerência, as dívidas cujo facto gerador seja posterior à declaração de insolvência constituem dívidas da massa insolvente (cfr. artigo 51.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), sendo da responsabilidade do administrador de insolvência efetuar o respetivo pagamento, precipuamente, com os rendimentos da massa ou o produto dos bens, nas datas dos respetivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo de insolvência […] - sublinhado da nossa autoria. Estes aspetos inerentes à declaração de insolvência têm relevância em termos da própria responsabilidade da Recorrente pelo pagamento das taxas de portagem e portanto, da inerente responsabilidade contraordenacional gerada pela omissão de pagamento. - sublinhado da nossa autoria. De facto, à data das infrações que lhe vêm imputadas, a Recorrente não podia dispor dos bens que anteriormente constituíam o seu património, designadamente para proceder ao pagamento das taxas de portagem em causa, uma vez que tal obrigação apenas poderia ser cumprida pelo administrador de insolvência com os rendimentos da massa ou o produto dos bens. - sublinhado da nossa autoria. Neste patamar. A Recorrente imputa a ocorrência de erro de julgamento à Sentença recorrida, sustentando para tanto que pela Douta sentença pela qual a Recorrida foi declarada insolvente, proferida pelo 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, transitada em julgada em 25 de Julho de 2012, a administração da massa insolvente foi confiada, não ao Administrador de insolvência, antes ao gerente da arguida, a prosseguir sob fiscalização do referido Administrador, e dessa forma, que foi obliterada no probatório factualidade relevante para efeitos da determinação da própria responsabilidade contraordenacional. Ora, como resulta da Sentença recorrida, para além da factualidade fixada, nenhuma outra foi julgada relevante pelo Tribunal a quo. Porém, depois de compulsados os autos, em especial a Douta Sentença proferida pelo 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira – Cfr. fls. 104 dos autos em suporte físico -, é com facilidade que dela se extrai, que um dos seus segmentos decisórios é precisamente atinente a que a administração da massa insolvente deve ser assegurada pelo gerente da devedora, a aqui Recorrida, sob fiscalização do Administrador de insolvência nomeado. Deste modo, assiste para já razão à Recorrente, quando assaca à Sentença recorrida, a não valoração dessa factualidade [seja como provada ou não provada], tendo-a omitido, a qual julgamos ser relevante para a formação da convicção do julgador, e nesse patamar, por assim decorrer do teor do segmento da sentença judicial, aquele facto tem de ser levado ao probatório, tendo subjacente o disposto nos artigos 431.º alínea a) do CPP ex vi artigos 41.º e 74.º, n.º 4, do RGCO, ex vi artigos 83.º e 3.º alínea b) do RGIT, que se adita à matéria de facto assente, dando nova redacção ao ponto 1 da “Fundamentação de facto”, como segue: “1. Por decisão proferida em 04.07.2012 e transitada em julgado em 25.07.2012, no processo n.º 3034/12.9TBVFR, foi declarada a insolvência da Recorrente [C. R. G., Ld.ª], e entre o mais, foi decidido que a sua administração [da insolvente] seja assegurada pelo gerente da devedora sob fiscalização do Administrador de insolvência nomeado, o Dr. A. . S. A., e também foi decretada a apreensão de todos os seus bens – cfr. fls. 100 a 106, e 129 a 134, todas dos autos em suporte físico;” Prosseguindo. Conforme assim resulta do probatório [ainda que por interposição deste TCAN quanto à redação do respectivo ponto 1], quanto aos factos que haviam sido fixados pelo Tribunal a quo [que a Recorrente deles não discorda], por decisão proferida em 04 de Julho de 2012 e transitada em julgado em 25 de Julho de 2012, no processo n.º 3034/12.9TBVFR, foi declarada a insolvência da Recorrente [C. R. G., Ld.ª], e entre o mais, foi decidido que a sua administração [da insolvente] seja assegurada pelo gerente da devedora sob fiscalização do Administrador de insolvência nomeado, o Dr. Aníbal dos Santos Almeida, tendo também sido decretada a apreensão de todos os seus bens, sendo que 22 de janeiro de 2013, veio também a ser proferida decisão de homologação do plano de recuperação da Recorrente, a qual transitou em julgado em 30 de Julho de 2013, tendo por decisão proferida em 24 de abril de 2014, sido declarado encerrado o referido processo de insolvência – Cfr. pontos 1, 2 e 3 do probatório -, também resultou provado que, pelo menos até 26 de Novembro de 2018 - Cfr. ponto 9 do probatório -, se encontrava em execução o plano de recuperação referido no ponto 2 do probatório, o que é de dizer, a Recorrida encontrava-se a laborar e em funcionamento. Ou seja, tendo o Tribunal a quo julgado que, face ao disposto no artigo 81.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com a declaração de insolvência, e enquanto durar o respectivo processo, a sociedade insolvente fica privada, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens apreendidos e integrantes da massa insolvente, poderes esses que passam a competir ao Administrador da insolvência, e dessa forma, que as dívidas cujo facto gerador seja posterior à declaração de insolvência constituem dívidas da massa insolvente (cfr. artigo 51.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), e que é da responsabilidade do Administrador de insolvência efetuar o respetivo pagamento, precipuamente, com os rendimentos da massa ou o produto dos bens, nas datas dos respectivos vencimentos, e concluído assim que a Recorrida não podia dispor dos bens que anteriormente constituíam o seu património, designadamente para proceder ao pagamento das taxas de portagem em causa, uma vez que tal obrigação apenas poderia ser cumprida pelo administrador de insolvência com os rendimentos da massa ou o produto dos bens, e que não incide por isso sobre si [Recorrida] a responsabilidade pelos factos contraordenacionais que lhe são imputados, esse julgamento enferma de um evidente erro, pois que a administração da Recorrida, por decisão judicial, ficou não a cargo do Administrador nomeado, antes daquele que era o gerente da sociedade C. R. G., Ld.ª. Com efeito, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, não era ao Administrador que competia efectuar esses pagamentos, e o Tribunal a quo não prosseguiu na instrução dessa factualidade, designadamente em torno de que contexto foram as notificações expedidas pelos serviços da Via Verde, e recebidas, a que se reporta a Recorrente [ora Recorrida] no ponto 22.º da sua Petição inicial. Ou seja, resultou provado que foi deliberada a continuação de actividade por via da manutenção em actividade e reestruturação da empresa nos moldes constantes de um plano de recuperação da Recorrente C. R. G., Ld.ª, e que pelo menos até 26 de Novembro de 2018 se encontrava em execução e não tendo sido prosseguida instrução sobre se e quando terminou esse plano de recuperação, como resulta da fundamentação vertida na Sentença recorrida, deles constando que a Recorrida C. R. G., Ld.ª estava incursa num processo de insolvência, não encerrou, todavia, a sua actividade. Antes porém, que por Douta Sentença datada de 22 de Janeiro de 2013 – Cfr. pontos 1 e 2 do probatório -, foi homologado um plano de recuperação da sociedade comercial, que foi aprovado por deliberação da assembleia de credores, implicando a manutenção dos postos de trabalho em virtude de se ter concluído que a liquidação do activo não permitiria obter resultados que satisfaçam o pagamento dos credores e que essa liquidação, face às regras da experiência, prejudicaria todos os interessados designadamente insolvente e credores, nomeadamente os laborais. O plano de insolvência tem por finalidade a recuperação da empresa [cfr. artigos 192.º, n.º3 e 230.º do CIRE], e apenas a declaração de insolvência é que pode ter como fim o encerramento e a liquidação da sociedade, donde, e como assim resulta do probatório, não estamos perante uma apreensão total de bens da insolvente, ora Recorrida, que tenha sido acompanhada do encerramento da actividade. Ora, neste conspecto, por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai parte do Douto Acórdão do STA, n.º 0505/18, datado de 12 de Setembro de 2018, onde se julgou que quanto ao momento da extinção das obrigações fiscais de sociedade insolvente, “… estabelece o art.º 65º do CIRE que as obrigações fiscais se extinguem necessariamente com a deliberação de encerramento da actividade do estabelecimento (nos termos do nº 2 do art.º 156º), o que deve ser comunicado oficiosamente pelo Tribunal à AT para efeitos de cessação da actividade; e na falta dessa deliberação, as ditas obrigações fiscais passam a ser da responsabilidade daquele a quem a administração do insolvente tenha sido cometida e enquanto esta durar. […]” – sublinhado da nossa autoria. Daí que na procedência das conclusões das Alegações da Recorrente, nos termos acima expostos, tem de proceder, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional, sendo que, como resulta evidente do julgado, tendo sido decidido que era o Administrador o responsável pela administração da ora Recorrida, sem ter sido considerado que essa administração foi judicialmente confiada ao gerente da ora Recorrida, devem os autos baixar à 1.ª instância para efeitos de apreciar e decidir sobre os ulteriores termos dos autos, para conhecimento do mérito dos pedidos deduzidos pela Recorrente [ora Recorrida] na sua Petição inicial, designadamente quanto à causa de pedir alegada sob o seu ponto 22.º. Efectivamente, a conclusão vertida a final da Sentença recorrida, de que à data da prática das infracções a sociedade comercial devedora não podia dispor do seu património, e que por essa razão não pode imputar-se-lhe qualquer efectiva responsabilidade contraordenacional encerra um juízo que é conclusivo, e que para ser alcançado nesses termos, carecia da realização de instrução para esse efeito. E neste patamar, atentos os termos e os pressupostos subjacentes a esse julgamento empreendido pelo Tribunal a quo, a Sentença recorrida tem assim de ser revogada, e determinada a baixa dos autos à 1.ª instância para que, tomando por base que a administração da massa insolvente foi judicialmente decretada como a cargo do gerente da devedora, e não do Administrador de insolvência nomeado, em tempo em que não lhe estava obstado que não podia dispor de poderes de gestão para determinar esse pagamento, e assim, aí ser prosseguido o conhecimento dos vícios julgados prejudicados. * E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:1 - Face ao disposto no artigo 81.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com a declaração de insolvência, e enquanto durar o respectivo processo, a sociedade insolvente fica privada, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens apreendidos e integrantes da massa insolvente, poderes esses que passam a competir ao Administrador da insolvência. 2 - O plano de insolvência tem por finalidade a recuperação da empresa [cfr. artigos 192.º, n.º3 e 230.º do CIRE], e apenas a declaração de insolvência é que pode ter como fim o encerramento e a liquidação da sociedade. 3 – Tendo sido homologado um plano de recuperação da sociedade comercial, que foi aprovado por deliberação da assembleia de credores, em virtude de se ter concluído que a liquidação do activo não permitiria obter resultados que satisfaçam o pagamento dos credores e que essa liquidação, face às regras da experiência, prejudicaria todos os interessados designadamente insolvente e credores, nomeadamente os laborais, a sociedade devedora continuou a exercer a sua actividade. 4 - O artigo 65.º do CIRE dispõe que as obrigações fiscais se extinguem necessariamente com a deliberação de encerramento da actividade do estabelecimento, o que deve ser comunicado oficiosamente pelo Tribunal à AT para efeitos de cessação da actividade; e na falta dessa deliberação, as ditas obrigações fiscais passam a ser da responsabilidade daquele a quem a administração do insolvente tenha sido cometida e enquanto esta durar. 5 - Tomando por base que a administração da massa insolvente foi judicialmente decretada como a cargo do gerente da devedora, e não do Administrador de insolvência nomeado, em tempo em que não lhe estava obstado que não podia dispor de poderes de gestão para determinar esse pagamento, devem os autos baixar à 1.ª instância para efeitos de apreciar e decidir sobre os ulteriores termos dos autos, para conhecimento dos vícios julgados prejudicados. *** IV - DECISÃO Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, Acordam em conceder provimento ao recurso, baixando os autos à 1.ª instância a fim de ser proferida nova decisão. * Sem custas.** Notifique.* Porto, 24 de Outubro de 2019.Paulo Ferreira de Magalhães Cláudia de Almeida Cristina da Nova |