Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00483/13.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/19/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IVA DEDUTÍVEL;
ARTIGO 20º Nº 1 ALª A) DO CIVA;
Sumário:I – É dedutível, nos termos do artigo 20º bº 1 alª a) do CIVA, o IVA suportado por uma concessionária de um serviço público de transportes públicos terrestres na aquisição de serviços e trabalhos de construção sem os quais o serviço concessionado não poderia, na prática, ser prestado, ainda que tais obras e trabalhos não tenham por objecto os meios humanos e materiais imediatamente destinados à prestação do serviço concessionado.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório
A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 20 de Novembro de 2018, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação judicial movida por "A....,S.A." contra liquidações oficiosas de IVA e juros compensatórios relativos ao período Novembro de 2011, na parte de que resultou o indeferimento do pedido de reembolso de 5 093,37 €.

As alegações de recurso da Recorrente terminam com as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES:
Vêm impugnadas liquidações adicionais de IVA relativas ao período de tributação de Novembro de 2011, na parte a que correspondeu o indeferimento do pedido de reembolso de IVA, no montante total de € 5.093,37 e, respectivos juros compensatórios, melhor identificadas pelos extractos informáticos a fl.s 18 a 20 e 56/57 do processo administrativo P.A. apenso, lançadas na sequência de correcções aritméticas à matéria tributável em IVA promovidas em resultado do procedimento inspectivo externo, (OI........68) que incidiu sobre o pedido de reembolso pedido na quantia de € 779.508,70 e, deferido na quantia de € 774.415,33.
B. Alega a Impugnante em suma que, no exercício das suas atribuições, realizou obras de reposição e de reconstrução e por obras de inserção ou de compatibilização urbana as quais não revestem uma natureza distinta das obras de construção da infra-estrutura básica do sistema de metro ligeiro ... e têm uma ligação directa com a actividade da impugnante.
C. Mais invoca que é irrelevante para o reconhecimento do direito à dedução do IVA suportado na realização das referidas obras que o financiamento dessas obras seja concretizado através da contribuição com activos por parte das autarquias detentoras do capital social da impugnante para que esta realizasse o seu objecto social, pois não importa quem financia as obras, mas quem as faz e para quê as faz.
D. Por seu turno, a douta sentença recorrida julgou procedente a impugnação considerando, por referência à matéria de facto dada como provada, que as obras em causa nos autos se mostram indispensáveis à actividade da Impugnante.
E. Salvo o devido respeito, e sem prejuízo de melhor opinião, a Fazenda Pública não se conforma com o assim decidido, entendendo existir erro sobre os pressupostos de facto e de direito da decisão, já que a douta sentença seleccionou de modo insuficiente e valorou erroneamente a factualidade evidenciada da prova produzida no processo, da qual cumpria fazer a adequada qualificação jurídica, em termos que afectam irremediavelmente a validade substancial da sentença.
F. A Fazenda Pública dá aqui por reproduzida a factualidade que, no desenvolvimento destas alegações, entende que deve ser dada como provada, de conformidade com os poderes que são concedidos ao Tribunal ad quem pelo art. 662º, nº 1, do CPC, aplicável por via da al. e) do art. 2º do CPPT, por se encontrarem comprovados nos autos e se reputar essenciais à boa decisão da causa.
G. Com base nessa factualidade, a Fazenda Pública entende que, conforme o princípio que presidiu às correcções aritméticas promovidas à matéria tributável em IVA do período de tributação a que respeita as liquidações impugnadas, o modo de financiamento das obras de requalificação determina a existência ou não do direito à dedução do IVA pago a montante inerente aos encargos suportados com essas obras.
H. A jurisprudência comunitária tem repetidamente afirmado que, para que seja reconhecido ao sujeito passivo o direito à dedução do IVA pago a montante, é necessário que o montante dos encargos a que corresponde o IVA a deduzir tenha directamente onerado o custo dos diversos elementos constitutivos do preço das operações a jusante sujeitas a imposto, de acordo com o princípio fundamental do sistema do IVA consagrado nos art.s 2º da Primeira e Sexta Directivas e no art. 1º, nº2, 2º parág.º da Directiva 2006/112/CE.
I. É, pois, nesse segmento que se deve examinar se a relação directa e imediata com uma ou várias operações a jusante que conferem direito à dedução ou com as despesas gerais ligadas ao conjunto da actividade económica do sujeito passivo traduz-se na incorporação do preço das prestações a montante, respectivamente, nos preços das operações particulares a jusante ou nos preços dos bens ou serviços fornecidos pelo sujeito passivo no âmbito das suas actividades económicas.
J. Ora, os serviços de inspecção tributária, face ao modo de financiamento das obras a que respeitam os encargos cujo IVA foi deduzido e face aos registos contabilísticos associados, puseram em causa, fundadamente, o direito a essa dedução, entre outros motivos, porque o custo das obras de requalificação urbana não era financiado pela impugnante, mas era responsabilidade dos municípios seus accionistas.
K. Aa impugnante, por seu turno, nunca provou no processo sub judice que os encargos suportados com aquelas obras cujo IVA foi deduzido são, por terem uma relação directa e imediata com as operações a jusante, ou por se tratar de despesas gerais da sua actividade económica, elementos constitutivos do preço destas operações.
L. O relatório de inspecção tributária salienta que, segundo a base XIII da concessão, as obras de requalificação urbana são asseguradas pelos municípios da área metropolitana ..., accionistas da impugnante, através de prestações acessórias de capital, não obstante esta registar obras de requalificação urbana e de inserção urbana em conjunto e usar ambas as expressões em sinonímia, como se constata da mera leitura da PI.
M. Esta indiferenciação, evidenciada não só no registo mas na própria natureza das obras, implica que a impugnante pode eventualmente imputar a maior parte dos seus encargos ao financiamento a que os municípios da área metropolitana ... seus accionistas estão obrigados.
N. Ou seja, a impugnante tem a faculdade de submeter os encargos com essas obras, e o correspondente IVA, ao financiamento obtido ou a obter desses accionistas, corrigindo os efeitos da livre operação da impugnante no mercado dos transportes, e sem que fique constituída na obrigação de reembolso, retirando-lhes a qualificação de custos da sua actividade económica.
O. A forma como o preço dos serviços prestados pela impugnante aos seus clientes é formado, segundo a base XIV, em que o valor das tarifas a cobrar aos clientes do sistema de metro ligeiro é fixado atendendo ao índice de preços dos vários serviços de transporte colectivo praticados na área metropolitana ..., dependendo de prévia homologação pela então Direcção-Geral de Transportes Terrestres, põe em evidência que o preço cobrado não é, a priori, formado pelos encargos a montante com relação directa e imediata com uma ou várias operações a jusante que conferem direito à dedução, nem pelas despesas gerais ligadas ao conjunto da actividade.
P. Era exigível à impugnante que, nos termos do art. 44º do CIVA, mantivesse a contabilidade organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto e a permitir o seu controlo, e em particular face aos diferentes modos de financiamento dos encargos e de ligação dos inputs com a actividade da impugnante,
Q. A impugnante não procedeu ao registo segregado dos encargos com obras de requalificação urbana e obras de inserção urbana ou, como agora vem denominar, de obras de reposição/reconstrução e obras de inserção/compatibilização conforme resulta dos relatórios inspectivos.
R. Assim sendo, reconhecer o direito à dedução do IVA relativo a encargos das obras de requalificação urbana ou de inserção urbana, que não fazem parte dos elementos constitutivos do preço, que não são repercutidos aos destinatários das operações a jusante e não contribuem para a formação da base tributável do IVA liquidado pela impugnante, seria pôr em causa o mecanismo do direito à dedução e, desse modo, o princípio da neutralidade do IVA, porque permitir-se-ia a quem não actuou como sujeito passivo, mas como consumidor final (na medida em que não repercutiu os correspondentes encargos a destinatários da sua actividade económica, a jusante), que se desonerasse da carga fiscal acumulada no circuito económico antecedente.
S. Mas ainda que assim não fosse, se tais obras tivessem sido realizadas pela entidade competente, os municípios não estariam sujeitas a IVA uma vez que aquelas entidades, aquando da sua actuação, estariam isentas daquele imposto, nos termos do n.º 2 do art.º 2.º do CIVA, e
T. Consequentemente, o IVA suportado em aquisições de bens e serviços para a realização das obras nunca seria dedutível, conforme decorre dos relatórios inspectivos.
U. Deste modo, a atribuição de poderes de autoridade a uma pessoa colectiva só assume relevância decisiva para efeitos de aplicação do regime de não tributação consagrado na 1ª parte, do nº 2 do artigo 2º do CIVA, se esses poderes forem determinantes para a própria concretização das operações tributáveis, como preconiza a impugnante, embora com um enquadramento fiscal diverso.
V. Considera-se que uma entidade actua no exercício da autoridade pública quando a actividade em causa faz parte das funções essenciais do Estado ou a elas está ligada pela sua natureza, pelo seu objecto e pelas regras às quais está sujeita, como sucede no caso da actuação da "A....,S.A."., nas obras de requalificação urbana para lá do talude do canal ferroviário.
W. Ora, as coisas públicas estão fora do comércio jurídico privado, o que significa que são insusceptíveis de redução à propriedade privada, inalienáveis, imprescritíveis, impenhoráveis e não oneráveis pelos modos do direito privado, enquanto coisas públicas.
X. As obras de requalificação urbana correspondentes a intervenções efectuadas em áreas e espaços públicos cuja propriedade pertence aos municípios ou ao Estado, implicam também a intervenção de entidades que tutelam procedimentos de autorização da realização de trabalhos arqueológicos, com interferência na definição do objecto dos trabalhos, por exemplo o sítio arqueológico sito no Campo ....
Y. A atribuição do carácter público dominial a um bem resulta não da forma ou das circunstâncias da sua aquisição, mas da verificação de um dos seguintes requisitos: a) da existência de norma legal que o inclua numa classe de coisas na categoria do domínio público; b) de acto que declare que certa e determinada coisa pertence a esta classe e c) da afectação dessa coisa à utilidade pública, sendo que esta afectação tanto pode resultar de um acto administrativo formal (decreto ou ordem que determine a abertura, utilização ou inauguração), como de um mero facto (a inauguração) ou de uma prática consentida pela Administração em termos de manifestar a intenção de consagração ao uso público.
Z. Todavia, o facto das (SIC) coisas públicas não poderem ser objecto de contratos de direito civil, nem reduzidas à propriedade privada ou ser objecto de posse civil não significa que elas não possam ser subtraídas ao domínio público e integradas no domínio privado e que, na sequência desta alteração, não possam ser objecto de actos de comércio.
AA. Contudo, não é isso que ocorreu com a realização das denominadas obras de requalificação e inserção urbana levadas a cabo pela Impugnante, porquanto os bens intervencionados permaneceram no domínio público, não resultando dos autos que os bens [por exemplo, os jardins públicos] tivessem passado a estar registados no activo imobilizado da impugnante.
BB. Porquanto, tendo em conta as condições de exclusividade definidas no contrato de concessão e, no âmbito da concretização de um interesse ou fim público, a impugnante está sujeita a ordens e orientações emanadas de forma regular e autoritária, não obedecendo a critérios de oportunidade económica e às regras de mercado, conforme
resulta do conteúdo de ofícios enviados pelos diversos municípios relativos a obras de requalificação a executar pela "A....,S.A.". juntos aos autos.
CC. Assim, por estarmos em presença de operações fora do campo de imposto, ou seja, perante operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na al. a) do nº 1 do art. 2º do CIVA, tal circunstância impõe limitações ao direito à dedução, o que significa que o IVA suportado nos inputs afectos às obras de requalificação não pode ser dedutível.
DD. Com efeito, para além da carência do elemento subjectivo (sujeito passivo) para efeitos de tributação em sede de IVA, também o elemento objectivo da tributação se afigura ausente, como decorre do conceito de actividade económica acolhido no Código do IVA.
EE. Pois, para que o direito à dedução possa ser exercido é necessário que o seu potencial beneficiário se qualifique também como sujeito passivo.
FF. E, ainda assim, não basta a qualidade de sujeito passivo para que se possa exercer o direito à dedução. Cumprido o número 1 do artigo 19.º do CIVA, o IVA suportado a montante em “bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados”, só pode ser deduzido se o sujeito passivo realizar as operações previstas nas alíneas a) e/ou b) do número 1 do artigo 20.º do CIVA, ou seja, preencha o requisito objectivo, exerça uma actividade económica.
GG. Ora, com o assim decidido, e salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública, conformar-se, defendendo a existência de erro sobre os pressupostos de facto e de direito da decisão, já que a douta sentença seleccionou de modo insuficiente e valorou erroneamente a factualidade evidenciada da prova produzida no processo, da qual cumpria fazer a adequada qualificação jurídica, em termos que afectam irremediavelmente a validade substancial da sentença, pelas razões que passa a explanar.
HH. Assim, visando identificar a insuficiente e errónea selecção e julgamento da matéria de facto, em cumprimento do disposto no art. 640º do Código de Processo Civil (CPC, adiante), cumpre apontar que, em complemento da factualidade assente na sentença recorrida, devem ser aditados aos factos dados como provados, em conformidade com os poderes que são concedidos ao Tribunal ad quem pelo art. 662º, nº 1, do CPC, aplicável por via da al. e) do art. 2º do CPPT, por se encontrarem comprovados nos autos e se reputarem essenciais à boa decisão da causa, assim se modificando o segmento relativo a factos provados, inserindo os seguintes factos provados adicionais::
As obras de requalificação urbana a que se referem os pontos 9), 12), 14), 16), 20), 22) e 23) da factualidade assente foram contabilizadas pela impugnante, independentemente da sua caracterização como infra-estrutura básica, de requalificação urbana ou de inserção urbana, tendo os registos efectuados nas contas de imobilizado (44), permitido identificar os documentos e lançamentos que geraram o correspondente IVA dedutível inscrito nas respectivas contas de IVA dedutível (2432) – cfr. mencionado no Relatório de Inspecção Tributária referente ao período de Novembro de 2011 (OI........68) fls. 30 do P.A.;
As obras a que se referem os pontos 9), 12), 14), 16), 20), 22) e 23) da factualidade supra descrita foram tratadas e registadas pela impugnante sem distinguir se de obras de requalificação urbana ou se de obras de inserção urbana se tratavam (SIC), e com indiferença em relação à redacção da base XIII das bases da concessão e do art. 10º dos estatutos, usando ambas as expressões em sinonímia – cfr. ponto 48. da PI;
O financiamento das obras a que se referem os pontos 9), 12), 14), 16), 20), 22) e 23 da factualidade supra descrita, indiferenciadamente tratadas pela impugnante como obras de requalificação, inserção ou compatibilização urbanas, estava atribuído, por força da base XIII das bases da concessão do art. 10º dos estatutos, aos municípios da área metropolitana ... associados na impugnante – cfr. base XIII das bases da concessão;
O valor das tarifas a cobrar aos clientes do sistema de metro ligeiro é fixado atendendo ao índice de preços dos vários serviços de transporte colectivo praticados na área metropolitana ..., dependendo de prévia homologação da então Direcção-Geral de Transportes Terrestres - base XIV das bases da concessão.
As obras de requalificação urbana foram executadas em bens do domínio público.
II. Dito de outro modo, a Administração Tributária cumpriu o ónus de prova dos pressupostos do acto de liquidação adicional, de acordo com a norma do art. 74°, n°1, da LGT,
JJ. Considera a Fazenda Pública que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento de facto por ter dado como provados factos que não estão sustentados pela prova produzida, ou seja, e com a ressalva por diferente opinião, apesar de motivar a decisão de facto com base na prova documental e testemunhal junta aos autos pela Impugnante, a douta sentença fez uma incorrecta apreciação e valoração da prova constante dos autos.
Termos em que, e nos melhores de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com o que se fará inteira Justiça
»

Notificada, a Recorrida respondeu à alegação, concluindo nos seguintes termos:
«CONCLUSÕES
I — Ao contrário do que sustenta a Recorrente AT, a contabilidade da Impugnante está organizada por forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto”, verificando-se que os respectivos balancetes, juntos aos autos com o processo administrativo, desagregavam o investimento relativo a inserção urbana em contas autónomas do imobilizado em curso (44).
II — O que aconteceu, como refere a douta sentença, foi que a AT não fez o seu trabalho, limitando-se "preguiçosamente" a listar obras para recusar dedução de IVA, sem atender à sua natureza.
III — Tanto assim foi, que várias das facturas cujo IVA foi considerado não dedutível nem sequer faziam qualquer alusão a “inserção urbana” ou a "requalificação urbana", tratando-se de facturas relativas instalação de sistemas de segurança, ou de construção do canal (alterando a via balastrada para via betonada); isto é, trabalhos directamente relacionados com a infra-estrutura básica, nada tendo a ver com "requalificação urbana".
IV — De todo o modo, ficou amplamente demonstrado nos autos que as chamadas obras de “requalificação" urbana se confundem, na sua própria essência, com as obras de "inserção" urbana, sendo fácil de entender que, para inserir um sistema de metro ligeiro numa superfície urbana, é necessário destruir primeiro e reconstruir depois, procedendo desse modo a uma requalificação.
V — Mas provou-se ainda que as obras de "requalificação urbana" não revestem uma natureza essencialmente distinta das obras de construção da infra-estrutura básica do metro, não sendo possível estabelecer uma distinção estanque entre umas e outras, pois todas são necessárias, de uma forma mais ou menos directa, para a boa e eficiente operacionalidade do sistema de metro ligeiro, cabendo claramente na “construção das infra-estruturas necessárias à concretização do empreendimento”, que a Impugnante tem de assegurar no cumprimento da Lei.
VI — Por isso, a indagação que a AT teria que fazer — para averiguar da necessidade das obras para efeitos do art. 20.º/1/a) do CIVA — deveria centrar-se na natureza substancial das obras e não na sua classificação contabilística. Mas não o fez.
VII — A tese avançada pela AT, de que o modo de financiamento das obras de requalificação condiciona o direito à dedução do IVA com elas suportado, é destituída de fundamento, pois o CIVA não faz depender o direito à dedução do IVA suportado do modo como as aquisições sejam financiadas. Aliás, do ponto de vista contabilístico, a aquisição de um activo é sempre registada do mesmo modo, seja qual for o modo de financiamento utilizado.
IX — Ao contrário do que a AT sugere, todas as obras em discussão nestes autos foram pagas pela própria Impugnante, sobretudo com recurso ao crédito e a financiamento dos fundos europeus, para além dos seus capitais próprios — e não pelos municípios.
X — Independentemente disso, como bem refere a douta sentença recorrida, "o modo de financiamento daquelas obras não altera a sua qualificação como obras necessárias à actividade da Impugnante, claramente inseridas no seu objecto social".
XI — O sentido da jurisprudência do TJUE (nomeadamente nos acórdãos Midland Bank, Kretztechnik, SKF e Wolfram Becker) é deixar claro que, para que o IVA seja dedutível, não é necessário que exista uma relação directa e imediata entre inputs e outputs.
XII — O significado destas decisões não é, pois, o de limitar o direito à dedução do IVA suportado, mas precisamente o contrário, ou seja, salvaguardar esse direito, que é essencial para a lógica de funcionamento deste imposto.
XIII — Por isso, tal como já foi declarado pelo STA (ac. de 3.07.2013; Proc. 01148/11), existe "um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo".
XIV — Pois bem, as receitas obtidas pela Impugnante com o preço dos serviços que presta destinam-se a suportar os encargos — todos os encargos! — que teve de suportar para estar hoje em condições de prestar esses serviços, sendo completamente falaciosa a afirmação da AT de que os encargos da Impugnante com as obras de requalificação e inserção urbanas não foram "repassados aos clientes".
XV — Da factualidade provada — e que não está impugnada pela AT — resulta que as obras a que respeita o IVA em apreço nos autos têm uma relação directa e imediata com as operações de exploração do sistema de metro ligeiro, pois sem elas o metro não poderia funcionar, pelo menos em condições adequadas de segurança, operacionalidade e atractividade comercial.
XVI — Contudo, mesmo que tal "relação directa e imediata" não existisse — o que só em benefício de análise se admite — nem assim poderia concluir-se pela não dedutibilidade do IVA das obras de inserção urbana e de requalificação.
XVII — É que, na falta da dita "relação directa e imediata com uma ou várias operações a jusante", a citada jurisprudência do TJUE reconhece o direito à dedução quando "as despesas efectuadas para a aquisição de bens ou serviços a montante fazem parte das despesas gerais ligadas ao conjunto da actividade económica do sujeito passivo".
XVIII — Esta relação foi inequivocamente comprovada, não só através do depoimento das testemunhas inquiridas (como refere a douta sentença), como pelo descritivo das facturas juntas aos autos.
XIX — Isto significa que a Impugnante satisfez, de forma "clara e cristalina", o seu ónus de provar os factos constitutivos do seu direito à dedução do IVA.
XX — Quem não satisfez esse ónus foi a AT que se limitou a fazer uma análise documental, tendo recusado a dedução do IVA liquidado nas facturas por estar "sugestionada pela menção "obras de requalificação urbana" constante daqueles documentos, sem atender ao conteúdo dessas obras e sem curar de rebater as justificações
apresentadas pela Impugnante".
Não merece, pois, censura a douta decisão recorrida. Pelo que, julgando-se improcedente o recurso, e mantendo-se a anulação das liquidações impugnadas, com as legais consequências, incluindo o direito a juros indemnizatórios, far-se-á
JUSTIÇA.

O Digno Magistrado do Ministério Público neste Tribunal apresentou douto parecer no sentido da procedência do recurso, redutível ao seguinte excerto:
«(…)
Alega a Fazenda Pública, em resumo, que s sentença enferma de erro de julgamento de facto, por incorrecta apreciação e valoração da prova constante dos autos e de direito ao considerar que as obras efectuadas pela "A....,S.A.". mostram-se necessárias para o exercício da sua actividade, havendo lugar à dedução do IVA.

Cremos que não lhe assiste razão.
A questão a dirimir é saber se as obras de requalificação de requalificação urbana,
descritas nos autos, são ou não susceptíveis de serem qualificadas como operações necessárias para o exercício da actividade do recorrido a fim de este beneficiar da dedução prevista na alínea a) do n°1 do artigo 20° do CIVA.
O "A....,S.A.". juntou documentos e arrolou prova testemunhal no sentido de demonstrar que as mencionadas obras beneficiam da dedução do IVA.
In casu, o julgador teve em conta quer a prova documental quer a testemunhal e explicou bem em que medida é que lhes deu ou não credibilidade, como se depreende pela leitura dos factos provados e do exame crítico da prova.
A modificação quanto à valoração da prova, tal como foi captada e apreendida na I' instância, só se justificaria se, feita a reapreciação, fosse evidente a grosseira análise e valoração que foi efectuada pelo Tribunal, o que se não verifica, em nosso entender.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção." Ac. do TCAN de 11/4/2014 no processo 00819/10.4BEPNF.
*
Constam da sentença as razões de facto e de direito em que esta assentou. A Mmª Juiz analisou a prova e fundamentou a decisão, em nosso entender, merecedora de confirmação, não se verificando os invocados vícios.
O recurso merece provimento.»

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II - Âmbito do recurso e questão a decidir
Conforme jurisprudência pacífica, extraída dos artigos 608º, 635º nº 4 e 639º do CPC, aqui aplicáveis ex vi artigo 281º do CPPT, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações.
Assim, as questões que, em princípio, cumpre resolver, consistem em saber: se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto (insuficiência da fixação de factos), errada valoração da matéria de facto e erro de julgamento de direito.

1ª Questão
Padece, a sentença recorrida, de uma insuficiência da selecção da matéria de facto relevante para a decisão, designadamente, devia a sentença recorrida ter especificado, como factos provados, que:
“As obras de requalificação urbana a que se referem os pontos 9), 12), 14), 16), 20), 22) e 23) da factualidade assente foram contabilizadas pela impugnante, independentemente da sua caracterização como infra-estrutura básica, de requalificação urbana ou de inserção urbana, tendo os registos efectuados nas contas de imobilizado (44), permitido identificar os documentos e lançamentos que geraram o correspondente IVA dedutível inscrito nas respectivas contas de IVA dedutível (2432) – cfr. mencionado no Relatório de Inspecção Tributária referente ao período de Novembro de 2011 (OI........68) fls. 30 do P.A.;
As obras a que se referem os pontos 9), 12), 14), 16), 20), 22) e 23) da factualidade supra descrita foram tratadas e registadas pela impugnante sem distinguir se de obras de requalificação urbana ou se de obras de inserção urbana se tratavam (SIC), e com indiferença em relação à redacção da base XIII das bases da concessão e do art. 10º dos estatutos, usando ambas as expressões em sinonímia – cfr. ponto 48. da PI;
O financiamento das obras a que se referem os pontos 9), 12), 14), 16), 20), 22) e 23 da factualidade supra descrita, indiferenciadamente tratadas pela impugnante como obras de requalificação, inserção ou compatibilização urbanas, estava atribuído, por força da base XIII das bases da concessão do art. 10º dos estatutos, aos municípios da área metropolitana ... associados na impugnante – cfr. base XIII das bases da concessão;
O valor das tarifas a cobrar aos clientes do sistema de metro ligeiro é fixado atendendo ao índice de preços dos vários serviços de transporte colectivo praticados na área metropolitana ..., dependendo de prévia homologação da então Direcção-Geral de Transportes Terrestres - base XIV das bases da concessão.
As obras de requalificação urbana foram executadas em bens do domínio público.” (cf. conclusão HH).

2ª Questão
Padece, a sentença recorrida, de erro no julgamento de facto, por, em consequência de uma incorrecta apreciação da prova documental e testemunhal produzida, ter dado como provados factos que não estão sustentados pela prova produzida?

3ª Questão
Padece, a sentença recorrida, em qualquer caso, de erro de julgamento em matéria de direito, ao valorar como dedutível pela Impugnante, nos termos do artigo 20º nº 1 alª a) do CIVA, o IVA suportado por esta nas obras e serviços objecto das facturas identificadas e descritas nos pontos 9), 12), 14), 16), 20), 22) e 23) dos factos provados?

III – Apreciação do Recurso
A decisão recorrida em matéria de facto é redutível à transcrição seguinte:
IV – Matéria de facto
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:
1) "C..." emitiu em 25.10.2011, em nome da "A....,S.A.", a factura n.º......69/11 - cfr. fls. 29 do processo físico que aqui se dá por integralmente reproduzida.
2) Em 10.11.2011 a "B...., S.A." emitiu, em nome da "A....,S.A.", a factura n.º....5/.47 – cfr. fls. 25 do processo físico que aqui se dá por integralmente reproduzida.
3) "C..." emitiu em 10.11.2011, em nome da "A....,S.A.", a factura n.º ......7/11 - cfr. fls. 26 do processo físico que aqui se dá por integralmente reproduzida.
4) "C..." emitiu em 24.11.2011, em nome da "A....,S.A.", a nota de crédito n.º ........37/11 - cfr. fls. 31 do processo físico que aqui se dá por integralmente reproduzida.
5) "C..." emitiu em 25.11.2011, em nome da "A....,S.A.", a nota de crédito n.º ........15/11 - cfr. fls. 32 do processo físico que aqui se dá por integralmente reproduzida.
6) "B...., S.A." emitiu em 25.11.2011 em nome da "A....,S.A.", a factura n.º ...04 - cfr. fls. 30 do processo físico que aqui se dá por integralmente reproduzida.
7) "B...., S.A." emitiu em 30.11.2011 em nome da "A....,S.A.", nota de crédito n.º ...74 - cfr. fls. 27 do processo físico que aqui se dá por integralmente reproduzida.
8) "C..." emitiu em 30.11.2011, em nome da "A....,S.A.", a factura nº.......39/11 - cfr. fls. 28 do processo físico que aqui se dá por integralmente reproduzida.
9) As facturas descritas em 1) a 8) respeitam à construção do canal do metro e da Estação de Metro ... e integração urbanística do canal da Avenida ... em ... – cfr. fls. 25 a 32 do processo físico, dossier fotográfico, junto aos autos como doc.19 e testemunho de AA.
10) "D....., Lda.", emitiu em 30.11.2011, em nome da "A....,S.A.", a factura n.º ...99 - cfr. fls. 33 do processo físico que aqui se dá por integralmente reproduzida.
11) "D....., Lda.", emitiu em 30.11.2011, em nome da "A....,S.A.", a factura n.º ...98 - cfr. fls. 34 do processo físico que aqui se dá por integralmente reproduzida.

12) As facturas descritas em 11) e 12) respeitam ao acompanhamento arqueológico dos trabalhos de reposição de infra-estruturas que foram afectadas pelas obras de construção do Campo ... em sistema “cut and cover” - cfr. fls. 33 e 34 do processo físico, dossier fotográfico, junto aos autos como doc.19 e testemunho de AA.
13) "E....,S.A.", emitiu em 30.11.2011, em nome da "A....,S.A.", a factura n.º ...26 - cfr. fls. 35 do processo físico que aqui se dá por integralmente reproduzida.
14) A factura descrita em 13) respeita à construção da Linha ... – Troço ... que consistiu na plantação de novos sobreiros noutros locais, em substituição dos sobreiros que foram abatidos que se encontravam plantados nos locais onde foi inserido o canal - cfr. fls. 35 do processo físico, dossier fotográfico, junto aos autos como doc.19 e testemunho de AA.
15) "F...., Lda.", emitiu em 30.11.2011, em nome da "A....,S.A.", a factura n.º ...58... - cfr. fls. 36 do processo físico que aqui se dá por integralmente reproduzida.
16) A factura descrita em 15) respeita à fiscalização dos trabalhos para a eliminação de diversas passagens de nível que confrontavam com o canal de metro em ... e com a melhoria das condições de operacionalidade das estações de ..., ..., ... e ... - cfr. fls. 36 do processo físico, dossier fotográfico, junto aos autos como doc.19 e testemunho de AA.
17) DST emitiu em 30.11.2011, em nome da "A....,S.A.", a factura n.º ...04 - cfr. fls. 37 do processo físico que aqui se dá por integralmente reproduzida.
18) DST emitiu em 30.11.2011, em nome da "A....,S.A.", a factura n.º ...02 - cfr. fls. 38 do processo físico que aqui se dá por integralmente reproduzida.
19) DST emitiu em 30.11.2011, em nome da "A....,S.A.", a factura n.º ...03 - cfr. fls. 39 do processo físico que aqui se dá por integralmente reproduzida.
20) As facturas descritas em 17) a 19) respeitam a trabalhos para eliminação de diversas passagens de nível que confrontavam com o canal de metro em ... - cfr. fls. 37 a 39 do processo físico, dossier fotográfico, junto aos autos como doc. 19 e testemunho de AA.
21) "H..., S.A.", emitiu em 30.11.2011, em nome da "A....,S.A.", a factura n.º ...12 - cfr. fls. 40 do processo físico que aqui se dá por integralmente reproduzida.
22) A factura descrita em 21) respeita a trabalhos de manutenção do espaço ajardinado da estação Aeroporto e do canal de metro da Linha ... - cfr. fls. 40 do processo físico, dossier fotográfico, junto aos autos como doc.19 e testemunho de AA.
23) Os encargos titulados pelas facturas a que se alude em 1) a 8), 10) e 11), 13), 15), 17) a 19) e 21), foram impostas pela realização das obras de construção de infra-estruturas e pela reposição da funcionalidade do tecido urbano em que se insere o canal do metro – cfr. depoimento de BB e de AA.
24) Em 15.01.2013 foi emitida a liquidação de IVA n.º ...04 do período de 1111, no montante de €774.415,33 – cfr. fls. 41 processo físico.
25) A "A....,S.A.", efectuou pedido de reembolso para o período de 1111 – cfr. fls. 33 do processo administrativo (PA) junto aos autos.
26) Através da Ordem de Serviço n.º ...68, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ... procederam a procedimento inspectivo ao "A....,S.A.", SA em IVA ao período de 2011, tendo sido apurado imposto em falta no montante de €5.093,37, e elaborado relatório em 7.03.2012 – cfr. fls. 30 do PA junto aos autos.

27) Em 7.03.2012 foi elaborado o relatório do procedimento inspectivo a que se alude em 26) de onde decorre o seguinte: “(…) O sujeito passivo exerce a actividade de “Transportes Terrestres e urbanos”, CAE 49310, tendo iniciado a sua actividade em 01/04/1994. Em sede de IVA, enquadra-se no regime normal de periodicidade mensal, tendo enviado as declarações periódicas dentro dos prazos legalmente previstos, sendo que de uma forma continuada o sujeito passivo encontra-se numa situação de crédito permanente de imposto, pelo que regularmente solicita reembolso de IVA. (…)
A. Considerações do Tribunal de Contas
Relativamente a este elemento da acção – obras de requalificação urbana da "A....,S.A." pronunciou-se o Tribunal de Contas (…) no âmbito do qual proferiu as seguintes considerações:
a) As obras de requalificação urbana realizadas pela "A....,S.A.", foram realizadas, sem que os seus custos tivessem sido contabilizados por contrapartida das respectivas prestações acessórias a efectuar pelos municípios beneficiários e como tal qualificou-as de ilegais. (…)
d) As obras de requalificação urbana são complementares e que não se confundem com as intervenções infra-estruturais necessárias á construção do sistema do Metro, como o demonstra a sua não inclusão no projecto inicial. A sua ilegalidade deriva contudo, não da execução das mesmas pela "A....,S.A." mas antes pela falta de pagamento das mesmas por parte dos municípios beneficiários, inerente ao cumprimento da condição prévias de realização das prestações acessórias de capital.
e) O decreto-Lei n.º 261/2001 de 26 de Setembro não reformulou o objecto social da empresa, com a introdução de tais obras no seu âmbito, tendo apenas previsto a possibilidade desta as realizar em determinadas condições. Estas obras não contrariam o objecto social da "A....,S.A." desde que destas resulte uma contrapartida para a empresa. A inexistência de contrapartidas consubstancia a realização de operações gratuitas, que são naturalmente contrárias aos fins da sociedade.
B. Enquadramento fiscal em IVA
Relativamente ao conceito de obras de requalificação urbana vs inserção urbana, importa relevar os seguintes factos.
a) As obras de requalificação urbana corresponderão às intervenções efectuadas, de natureza complementar às infra-estruturas base do metro, em áreas e espaços públicos (vias rodoviárias, passeios, jardins) cujos direitos associados são propriedade dos municípios.
b) As prestações acessórias de capital a realizar por cada um dos municípios abrangidos pelo sistema do metro, embora possam traduzir uma contraprestação do serviços prestado pela "A....,S.A.", que se materializa na realização das obras de requalificação urbana, de que cada um dos municípios vai beneficiar, verifica-se, no entanto, que as mesmas permanecem no activo imobilizado da "A....,S.A.", como sua propriedade, não contribuindo no entanto para a realização das operações tributáveis, consagradas no âmbito do seu objecto social.
c) O facto da "A....,S.A.", ter procedido às obras de requalificação urbana, mediante autorização tácita dos municípios beneficiários – nunca estas intervenções foram objecto de aprovação por acto legislativo (Assembleia Municipal) -, poderia consubstanciar a prestação de serviços gratuita, se as mesmas não se mantivessem no activo da "A....,S.A.", como sua propriedade, como se verifica estarem. Ou seja, conforme disposto na alínea a) do parágrafo 49 da Estrutura conceptual do Sistema de Normalização Contabilística, “Activo é um recurso controlado pela entidade como resultado de acontecimentos passados e do qual se esperam que fluam para a entidade benefícios económicos futuros”.
d) Dado que as obras de requalificação urbana continuam a ser registadas contabilisticamente como activo da empresa "A....,S.A." (conta 454 – Activo Intangível em Curso), não podem as mesmas consubstanciar uma prestação de serviços gratuita.
e) Se as obras de requalificação urbana fossem directamente asseguradas/realizadas por cada um dos municípios, que deles beneficiam, nunca estes poderiam deduzir o IVA associado às mesmas, nos termos do nº 1 do art.º 20º do CIVA, tendo em consideração que o n.º 2 do art.º 2º do CIVA refere que “O Estado e demais pessoas colectivas de direito público não são, no entanto, sujeito passivo do imposto quando realizem operações no exercício dos seus poderes de autoridade,…”
f) cada um dos municípios, beneficiários do sistema de metro (Porto, ..., ..., ..., ..., ... e ...), e consequentemente beneficiários das obras de requalificação urbana, constitui-se como titular do capital da "A....,S.A.", por via da sua participação com sete acções (uma acção cada município), que corresponde a 0,0005% do capital.

• Prestações acessórias de capital
Até à presente data, apenas foi contabilizada em 2001 uma prestação acessória de capital, pelo município ..., mediante a contabilização a crédito da conta 531
– Prestações acessórias de capital: Porto, por contrapartida a débito da conta 26418 – Subscritores de capital: Porto, pelo valor de 179.033,43 euros.
Segundo esclarecimentos prestados pela "A....,S.A.", ainda não foi aprovada em Assembleia Geral a realização desta prestação acessória, a qual depende da deliberação favorável daquele órgão (n.º 6 do art.º 3º do acordo parassocial e alínea d) do art. 10º dos estatutos) e o valor da mesma corresponderá aos direitos de cobranças de taxas, emolumentos e licenças que seriam devidos, nos termos dos regulamentos do município ..., embora ainda não tenha sido emitido qualquer documento definitivo por parte deste município, o que leva a que a prestação acessória de capital ainda não tenha sido realizada, mantendo-se o valor da mesma na conta 26418. (…)” – cfr. fls. cfr. fls. 23 a 29 do PA junto aos autos.
28) No seguimento do procedimento inspectivo a que se alude em 26), o pedido de reembolso descrito em 25) foi deferido no montante de €779.508,70 e indeferido quanto ao montante de €5.093,37 – cfr. fls. 33 do PA junto aos autos.
29) No âmbito do processo de impugnação que correu termos neste tribunal sob o n.º 3237/12.6BEPRT, foi proferida em 22.05.2018 decisão de onde decorre o seguinte: “(…) III – Dos Factos provados (…) N - A 04 de Junho de 2012, a 10 de Julho de 2012 e 18 de Setembro de 2012 fora, elaborados Relatórios de Inspecção Tributária, cujos teores se consideram aqui integralmente reproduzidos – cfr. fls. 30 a 37, 41 a 49 e 53 a 60 do processo administrativo apenso;

O - Consta dos Relatórios referidos em N): (…)
• Enquadramento fiscal em IVA
Relativamente ao conceito de obras de requalificação urbana vs inserção urbana, importa relevar os seguintes factos.
a) As obras de requalificação urbana corresponderão às intervenções efectuadas, de natureza complementar às infra-estruturas base do metro, em áreas e espaços públicos (vias rodoviárias, passeios, jardins) cujos direitos associados são propriedade dos municípios.
b)As obras de inserção urbana corresponderão às intervenções necessárias para a salvaguarda das condições de segurança e de operacionalidade do sistema, bem como as necessárias para o restabelecimento dos serviços, onde se inclui a circulação viária e pedonal das zonas afectadas pela plataforma, paragens e interfaces do metro e para a reposição das condições anteriormente existentes nas zonas adjacentes à plataforma de metro afectadas directamente pela sua construção.” – cfr. decisão inclusa no SITAF em sede do processo de impugnação judicial que correu termos neste Tribunal sob o n.º 3237/12.6BEPRT.
30) A AT procedeu à compensação do valor de €5.093,37 com o crédito de reembolso que a "A....,S.A." havia solicitado – cfr. fls. 41 do processo físico.
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Factos não provados
Não se mostram provados outros factos, além dos supra-referidos.
As demais asserções da douta petição constituem meras considerações pessoais e conclusões de facto e/ou direito.
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Motivação da decisão de facto
O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados [cfr. artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT)], também são corroborados pelos documentos juntos, cfr. predispõe o artigo 76º n.º 1 da LGT e
artigo 362º e seguintes do Código Civil e ainda pela prova testemunhal produzida que se mostrou credível, peremptória e desinteressada.
Com efeito, foi a análise crítica e conjugada de todos os meios de prova conjugada que, à luz da experiência, sedimentaram a convicção do Tribunal.
Os depoimentos foram livremente apreciados pelo Tribunal, nos termos do que dispõe o artigo 396.º do Código Civil, atendendo para tal efeito, à razão de ciência apresentada por cada uma das testemunhas inquiridas.
BB, advogado, foi o responsável pelo Departamento jurídico da "A....,S.A.", entre 2004 até Março de 2014.
Foi inquirido aos factos constantes dos artigos 16.º ao 43.º da petição inicial.
O seu testemunho foi claro e preciso, demonstrando deter conhecimento directo dos factos a que foi questionado.
Explicou ao Tribunal como funcionava o regime de financiamento das diversas obras efectuadas pela Impugnante, esclarecendo que a EU permitia o gasto de 25% em custos de reinserção urbana. Ademais, afirmou que a Impugnante estava obrigada a repor tudo aquilo que foi destruído para a construção do metro.
AA, engenheiro civil, trabalha na "A....,S.A." desde 2001 até à presente data, exercendo as funções de director do Departamento de Infra-estruturas, tendo acompanhado as obras em causa nos presentes autos.
Foi questionado ao facto 44.º constante do articulado inicial.
Descreveu com pormenor as obras em questão nos presentes autos, explicando em que consistiam as mesmas.
Com efeito e na sequência dos depoimentos prestados, assim como do registo fotográfico junto aos autos sob doc. 19 de onde resultou o esclarecimento do tipo de encargos em questão por referência às obras efectuadas em cada uma das situações controvertidas, resultaram provados, por devidamente comprovados, os factos elencados nos pontos 9), 12), 14), 16), 20), 22) e 23) da factualidade assente

Passemos à abordagem das questões acima enunciadas:

1ª Questão
Padece, a sentença recorrida, de uma insuficiência da selecção da matéria de facto relevante para a decisão, designadamente, devia a sentença recorrida ter especificado, como factos provados, que (cf. conclusão HH):
“As obras de requalificação urbana a que se referem os pontos 9), 12), 14), 16), 20), 22) e 23) da factualidade assente foram contabilizadas pela impugnante, independentemente da sua caracterização como infra-estrutura básica, de requalificação urbana ou de inserção urbana, tendo os registos efectuados nas contas de imobilizado (44), permitido identificar os documentos e lançamentos que geraram o correspondente IVA dedutível inscrito nas respectivas contas de IVA dedutível (2432) – cfr. mencionado no Relatório de Inspecção Tributária referente ao período de Novembro de 2011 (OI........68) fls. 30 do P.A.;
As obras a que se referem os pontos 9), 12), 14), 16), 20), 22) e 23) da factualidade supra descrita foram tratadas e registadas pela impugnante sem distinguir se de obras de requalificação urbana ou se de obras de inserção urbana se tratavam (SIC), e com indiferença em relação à redacção da base XIII das bases da concessão e do art. 10º dos estatutos, usando ambas as expressões em sinonímia – cfr. ponto 48. da PI;
O financiamento das obras a que se referem os pontos 9), 12), 14), 16), 20), 22) e 23 da factualidade supra descrita, indiferenciadamente tratadas pela impugnante como obras de requalificação, inserção ou compatibilização urbanas, estava atribuído, por força da base XIII das bases da concessão do art. 10º dos estatutos, aos municípios da área metropolitana ... associados na impugnante – cfr. base XIII das bases da concessão;
O valor das tarifas a cobrar aos clientes do sistema de metro ligeiro é fixado atendendo ao índice de preços dos vários serviços de transporte colectivo praticados na área metropolitana ..., dependendo de prévia homologação da então Direcção-Geral de Transportes Terrestres - base XIV das bases da concessão.
As obras de requalificação urbana foram executadas em bens do domínio público.”?
Esta questão, em boa verdade, envolve duas, que se encontram numa relação de prejudicialidade.
Com efeito, antes de se poder apreciar, com utilidade, a alegação de erro de julgamento de facto que seria não julgar provadas estas proposições, supostamente matéria de facto, importa averiguar se o Juiz a quo estava obrigado a pronunciar-se sobre elas, isto é, a discriminá-las como factos provados ou não provados, nos termos do artigo 123º nº 2 do CPPT.
Vejamos, então, a questão prejudicial:
O actual código de processo civil já não contém a menção expressa – que figurava no artigo 511º nº 1 do anterior – de que deve ser seleccionada para a matéria de facto a dar como provada ou não provada toda a factualidade relevante para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito controvertida.
Isso não significa que tal não continue a ser regra a cumprir, desta feita ditada pelo princípio do contraditório e pelo direito liberdade e garantia constitucional a um processo equitativo (artigo 20º nº 4 da Constituição).
Nos termos do artigo 5º nºs 1 e 2 do CPC, aplicável no processo tributário de impugnação ex vi artigo 2º do CPPT:
“1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.”
Assim, os factos que cumpre discriminar como provados ou não provados na sentença são, antes de mais, os alegados pelas partes e relevantes para qualquer solução plausível das questões de direito que se colocam – desde logo as soluções preconizadas pelas partes – mas também os instrumentais que tenham resultado da instrução da causa, os complementares ou concretizadores dos alegados pelas partes – desde que quanto a estes tenha havido possibilidade de contraditório – os notórios e os conhecidos pelo Tribunal em virtude do exercício das sua funções.
Sucede que:
Percorridas as supostas proposições de facto, que, segundo a recorrente, deveriam ter sido julgadas provadas, verificamos, antes de mais, que os terceiro, quarto e o último parágrafos são afirmações conclusivas e interpretações e invocação de normas jurídicas ou cláusulas contratuais. Mesmo este último não é mais do que uma qualificação jurídica dos espaços urbanos nos quais se provou terem decorrido as obras em causa.
Quanto à restante matéria alegadamente em falta na selecção dos factos relevantes, percorridos os articulados das partes, não se depara com alegação literal ou substancial das sobreditas proposições.
Tão pouco de um ponto de vista semântico encontramos proposições de idêntico significado ou susceptíveis de em parte delas se respigar idêntico significado.
Não se tratava, portanto, de factos alegados pelas partes.
Tão pouco vem alegado ou demonstrado pela Recorrente, nem resulta dos autos, que se tratasse de factos que deviam ter sido considerados pelo Juiz a quo por força de alguma das várias alíneas do nº 2 do artigo 5º do CPC, acima transcrito, nas condições aí dispostas.
Como assim, a discriminação, como provados ou não provados, das afirmações discriminadas na conclusão HH) não era devida nem sequer permitida, pelo que é negativa a resposta à 1ª questão acima enunciada.

2ª Questão
Padece, a sentença recorrida, de erro no julgamento de facto, por, em consequência de uma incorrecta apreciação da prova documental e testemunhal produzida, ter dado como provados factos que não estão sustentados pela prova produzida?
A Recorrente surpreende o leitor das suas alegações quando, na derradeira conclusão, faz a afirmação subjacente à esta questão, sem nada, antes, ter alegado nesse sentido.
Deste modo – designadamente – a recorrente falta, ex abundante, ao cumprimento do ónus que, para o recorrente em matéria de facto, resulta do artigo 640º nºs 1 e 2 do CPC aplicável ex vi artigo 2º do CPPT.
A sanção para tal incumprimento é, nos termos desse mesmo artigo, o não conhecimento do recurso.
Como assim, no que respeita a esta 2ª questão o recurso vai rejeitado.

3ª Questão
Padece, a sentença recorrida, em qualquer caso, de erro de julgamento em matéria de direito, ao valorar como dedutível pela Impugnante, nos termos do artigo 20º nº 1 alª a) do CIVA, o IVA suportado por esta no pagamento das obras e serviços objecto das facturas mencionadas nos pontos 9), 12), 14), 16), 20), 22) e 23) dos factos provados?
Esta mesma questão de direito, referida a outras obras e serviços da mesma natureza das aqui em causa, prestados à aqui Impugnante e Recorrida, foi recentemente apreciada neste Tribunal, designadamente no acórdão emitido no processo nº 3570.11.4BEPRT em 15/12/2022, em termos nos quais este colectivo se revê plenamente.
Por economia de meios, passamos a citar o essencial da fundamentação de direito desse aresto, no que a esta questão respeita, fazendo-a valer como fundamentação deste, (mutatis mutandis quanto à matéria de facto sobre que se laborou).
«(…)
2.2. De direito
O Tribunal a quo julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IVA, referentes aos períodos de Janeiro a Fevereiro de 2011, acrescida de juros compensatório, no montante total de € 1.574.889,60, determinando a restituição do indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios. Para tanto, considerou, em síntese, que o IVA dedutível, inscrito na contabilidade, decorre de despesas que estão directamente conexionadas com a actividade da Impugnante, necessárias à sua actividade de prestadora de serviço de transporte público gerador de imposto e não isento e, como tal o IVA liquidado nessas facturas é dedutível, pelo que as correcções em apreço não se mostram justificadas.
(…)
Assim, face ao supra aludido, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento de facto, errónea valoração dos facto e subsequente aplicação do direito, competindo, para o efeito, analisar se, in casu, o Tribunal a quo fez errada aplicação do direito, maxime do regime legal do direito à dedução do IVA dos sujeitos passivos, estatuído no artigo 20. º, n.º 1 al. a) do CIVA.
(…)
2.2.2. Do erro de julgamento de direito
A "A....,S.A.". (Impugnante, ora Recorrida) foi objecto de uma acção inspectiva em resultado da qual a ATA perante facturas emitidas relativas a diversas operações considerou não ser dedutível o IVA suportado por aquela, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, uma vez que tais operações estão associadas a obras realizadas em bens do domínio público que não se destinam à produção de bens e serviços tributados.
Na sequência das liquidações emitidas, contra tal entendimento da ATA, a Recorrida apresentou a presente impugnação invocando estarem em causa “operações necessárias para que o sujeito passivo realize operações – prestação de serviços – sujeitas a imposto e dele não isentas”.
Em relação ao objecto dos autos, foi a seguinte a decisão proferida pela 1.ª Instância, que aqui transcrevemos nos seus segmentos decisórios:
«(...) uma vez que a Administração Tributária não colocou em causa que toda a documentação relativa às obras colocadas em causa foi emitida em nome da Impugnante, encontra-se na sua posse, observou a forma legal, e não ocorre a exclusão estatuída no artigo 21º do CIVA, importa verificar se as obras colocadas em causa podem qualificar-se como necessárias à actividade desenvolvida pela Impugnante, actividade relacionada com a prestação de serviço público de transporte, sujeita a imposto e não isenta.
(...) Por outro lado, como referido supra, a Impugnante justificou a realização daquelas obras, e dos inerentes projectos, com a obrigação de reposição da situação anterior à construção do canal do metro, uma vez que a construção do canal do metro obrigou ao “esventramento de solos e destruição de equipamentos urbanos”, que teve de reconstruir com a qualidade ambiental e dignidade arquitectónica compatíveis com a infra-estrutura do metro e ligado à sua envolvente urbana (obras de inserção ou de compatibilização urbana), a fim de garantir a adequada acessibilidade e segurança aos seus utilizadores e aos outros meios de transporte, e adequar as funcionalidades urbanas à superfície, aéreas e subterrâneas (saneamento básico, redes de energia eléctrica, gás e telecomunicações), como de resto decorre do diploma legal acima referido.
Consequentemente, só pode concluir-se que as obras em causa estão directamente conexionadas com a actividade da Impugnante, são necessárias à sua actividade de prestadora de serviço de transporte público geradora de imposto e não isenta, e como tal o IVA liquidado nessas facturas é dedutível.
(...) “In casu” as obras e projectos referentes às facturas colocadas em causa surgem directamente ligadas à actividade da Impugnante, e decorrem exclusivamente do exercício da sua actividade económica, sendo manifesto que são imprescindíveis para esta desenvolver a sua actividade de transporte de passageiros numa “eficiente exploração do sistema do metro” e não são estanques da infra-estrutura básica do metro, como acentuado pelo Ministério Público, pelo que não está excluída a dedução do IVA como pretendido pela Administração Tributária.
A Administração Tributária argumentou com o enquadramento das obras de requalificação como estando associadas a “prestações acessórias de capital”, contabilizadas por contrapartida de prestações acessórias.
Porém, o modo de financiamento daquelas obras não altera a sua qualificação como obras necessárias à actividade da Impugnante, claramente inseridas no seu objecto social, sendo certo que os normativos transcritos supra, relativos à dedutibilidade do IVA, não fazem depender a dedutibilidade do IVA do seu modo de financiamento e basta-se com o facto de se tratar de imposto pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos, a deduzir no imposto liquidado pela transmissão de bens e prestação de serviços sujeitas a imposto e dele não isentos.
(...) Consequentemente, as liquidações adicionais ora impugnadas, e os inerentes juros compensatórios, violam os pertinentes preceitos legais transcritos supra, e como tal não podem manter-se, sendo de determinar a sua anulação com a inerente obrigação de restituição da quantia paga, no montante de € 1.614.886,36, acrescida de juros indemnizatórios.» (fim de transcrição)
A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, esgrimindo que a douta sentença valorou erroneamente a factualidade evidenciada da prova produzida no processo, da qual cumpria fazer a adequada qualificação jurídica, em termos que afectam irremediavelmente a validade substancial da sentença. Para tanto, argumenta que “... conforme o princípio que presidiu às correcções aritméticas promovidas à matéria tributável em IVA dos períodos de tributação a que respeitam as liquidações impugnadas, o modo de financiamento das obras de requalificação determina a existência ou não do direito à dedução do IVA pago a montante inerente os encargos suportados com essas obras” sendo que “(A) jurisprudência comunitária tem repetidamente afirmado que, para que seja reconhecido ao sujeito passivo o direito à dedução do IVA pago a montante, é necessário que o montante dos encargos a que corresponde o IVA a deduzir tenha directamente onerado o custo dos diversos elementos constitutivos do preço das operações a jusante sujeitas a imposto, de acordo com o princípio fundamental do sistema do IVA consagrado nos art.s 2º da Primeira e Sexta Directivas e no art. 1º, nº2, 2º parág.º da Directiva 2006/112/CE”, mais defende que “... em face do modo de financiamento das obras a que respeitam os encargos cujo correspondente IVA pretende deduzir e do seu registo contabilístico, pôs em causa, fundadamente, o direito a essa dedução, entre outros motivos, porque o custo das obras de requalificação urbana não era financiado pela impugnante, mas era, designadamente, responsabilidade dos municípios seus accionistas, a impugnante, por seu turno, nunca provou no processo sub judice que os encargos daquelas obras cujo correspondente IVA pretende deduzir são, ou por terem uma relação directa e imediata com as operações a jusante, ou como despesas gerais da sua actividade económica, elementos constitutivos do preço destas operações” e cumpre atentar que “... segundo a base XIII da concessão, as obras de requalificação urbana são asseguradas pelos municípios da área metropolitana ... accionistas da impugnante através de prestações acessórias de capital” concluindo que “... a impugnante tem a faculdade de submeter os encargos com essas obras, e o correspondente IVA, ao financiamento obtido ou a obter desses accionistas, corrigindo os efeitos da livre operação da impugnante no mercado dos transportes, e sem que fique constituída na obrigação de reembolso, retirando-lhes a qualificação de custos da sua actividade económica” a que acresce que “o preço dos serviços prestados pela impugnante aos seus clientes é formado, segundo a base XIV, em que o valor das tarifas a cobrar aos clientes do sistema de metro ligeiro é fixado atendendo ao índice de preços dos vários serviços de transporte colectivo praticados na área metropolitana ..., dependendo de prévia homologação pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestre, IP, põe em evidência que o preço cobrado não é, a priori, formado pelos encargos a montante com relação directa e imediata com uma ou várias operações a jusante que conferem direito à dedução, nem pelas despesas gerais ligadas ao conjunto da actividade.”
Em suma, se bem percepcionamos as alegações e conclusões da Recorrente, resolvida a insuficiência de selecção da matéria de facto sanada, podemos sintetizar o erro de julgamento em três segmentos, a saber, (i) da negação da influência do modo de financiamento das obras sobre o direito à dedução do IVA, (ii) reconhecer o direito à dedução do IVA relativo a encargos das obras de requalificação urbana ou de inserção urbana que não fazem parte dos elementos constitutivos do preço, que não são repassados aos destinatários das operações a jusante e não contribuem para a formação da base tributável do IVA liquidado pela impugnante, o que coloca em causa o princípio da neutralidade inerente aquele imposto e (iii) da falta de prova pela impugnante de que os encargos daquelas obras têm uma relação directa e imediata com as operações a jusante ou que são despesas gerais da sua actividade económica, pois não se repercutem no preço dos serviços que presta.
Vejamos.
De acordo com o relatório de inspecção tributária que esteve na base das liquidações impugnadas “... em sede de IVA, concluiu-se que as designadas obras de requalificação urbana e considerando o seu destino económico, não possibilitam ao sujeito passivo deduzir o IVA suportado com as mesmas, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 20º do CIVA. Estas operações estão associadas a obras realizadas em bens do domínio público, que são (bens) propriedade dos municípios e, não se destinam à produção de bens e serviços tributados, pelo que não cumprem os requisitos da referida norma. A não ser assim, permitir-se-ia que bens ou serviços não destinados a operações tributáveis ficassem desonerados de qualquer imposto ficando prejudicada a característica de neutralidade do IVA.
(...)
Pelo exposto, conclui-se que o imposto suportado com os encargos associados às obras de requalificação urbana, executadas em bens do domínio público, efectuadas pela "A....,S.A.", não confere direito à dedução de acordo com o estabelecido no art. 20º do CIVA.”.
Cumpre, antes do mais, um breve enquadramento legal, enunciando as normas legais aplicáveis, doutrinais, e com mais impacto à jurisprudência do TJUE.
O Código do IVA resulta da transposição, para a ordem jurídica interna, de diversas Directivas Comunitárias relativas à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devendo a interpretação da lei interna ser, neste domínio, convergente com os princípios e regras postulados na respectiva disciplina comunitária (cf., entre outras, a Directiva 2005/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, então em vigor).
Sendo que a Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, dispõe, no n.º 2 do seu artigo 1.º, o seguinte: “O princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exactamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação. Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.”
Estamos perante um imposto plurifásico que onera as operações que se realizam ao longo da cadeia económica apenas na medida do valor que cada operador acrescenta aos bens e serviços, pelo que cada operador tem a faculdade de deduzir ao imposto que liquida nas suas vendas o imposto incorrido nas suas compras, entregando ao Estado apenas a diferença, quando o saldo seja positivo. Assim, o mecanismo do crédito de imposto e o encadeamento da liquidação-dedução visam assegurar a neutralidade típica do IVA, prevenindo o efeito cumulativo e garantindo que o imposto é suportado em definitivo pelo consumidor final. No essencial, a Directiva reconhece aos sujeitos passivos o direito de deduzir ao imposto liquidado num estado-membro o imposto que nesse mesmo estado tenham incorrido na aquisição de bens ou serviços, desde que estes se destinem à realização de operações tributadas ou de operações com isenção completa (neste sentido cfr. Sérgio Vasques, in “O Imposto Sobre o Valor Acrescentado”, Coimbra, Almedina, 2015, pág. 333 e ss.).
Dispõe o artigo 1º, nº 1, do Código do IVA que estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado as transmissões de bens e as prestações de serviços, efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, as operações intracomunitárias e as importações de bens.
E, prescreve o artigo 19º, nº 1, do mesmo diploma, que “Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:
a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos; (...)”.
E, com especial destaque in casu dispõe o art. 20.º, nº1 do CIVA, na redacção aplicável à data dos factos, que “Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:
a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas; (...)”
Cumpre salientar que o direito à dedução do imposto consubstancia uma das principais características deste tributo, como resulta do principio fundamental inerente ao IVA constante do art.º 2.º da Primeira Directiva (67/227/CEE), que estabelece que “Em cada transacção, o imposto sobre o valor acrescentado, calculado sobre o preço do bem ou do serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto sobre o valor acrescentado que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.”
O regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas actividades económicas.
Assim o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado garante a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA (v., neste sentido, acórdãos de 26.05.2005, Kretztechnik, C 465/03, de 22.02.2001, processo C-408/98, de 14 de Fevereiro de 1985, Rompelman, 268/83, Recueil, p. 655, n.º 19; de 15 de Janeiro de 1998, Ghent Coal Terminal, C-37/95, Colect., p. I-1, n.º 15, e de 21 de Março de 2000, Gabalfrisa e o., C-110/98 a C-147/98, Colect., p. I-1577, n.º 44, assim como de 8 de Junho de 2000, Midlank Bank, C-98/98, Colect., p. I-4177, n.º 19).
No que respeita ao direito de dedução a Jurisprudência do TJCE vem afirmando que “o direito à dedução previsto nos artigos 17. º e 20.º da Sexta Directiva faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. (…) Para que o IVA seja dedutível, as operações efectuadas a montante devem ter uma relação directa e imediata com as operações a jusante com direito a dedução. Assim, o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução.” –cf. Acórdão Kretztechnik (2005) – C.465/03 e Acórdão do TJUE, 2º secção de 08.06.2000, processo C-98/98.
Advém deste princípio, bem como da regra nos termos da qual para dar direito à dedução os bens ou serviços adquiridos devem ter uma relação directa e imediata com as operações tributadas, que o direito à dedução do IVA, que onerou estes bens ou serviços, pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição devem ter feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas.
Portanto, as referidas despesas devem fazer parte dos custos dessas operações a jusante que utilizam os bens e serviços adquiridos.
Para efeito de dedução do imposto suportado a montante os bens e serviços adquiridos terão que estar directamente relacionados com o exercício da actividade tributária do sujeito passivo (cfr. neste sentido, Clotilde Celorico de Basto, in “Introdução ao IVA”, pág. 159 e Valente Torrão, in “CIVA anotado”, pág.126).
E disso, nos dá nota o já referenciado Acórdão Kretztechnik, do TJCE no qual se considerou que o artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, da Sexta Directiva confere “o direito à dedução da totalidade do IVA que onerou as despesas efectuadas por um sujeito passivo em relação às diferentes prestações que adquiriu no âmbito de uma emissão de acções, na medida em que a totalidade das operações efectuadas por esse sujeito passivo no âmbito da sua actividade económica seja constituído por operações tributadas”.
Este Acórdão revela a importância do direito à dedução no sistema do IVA e como o TJUE interpreta essa importância, levando ao extremo a ideia de que a neutralidade do sistema exige que se liberte o empresário do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades. O Tribunal, nesta e noutras decisões, mostra‐se hostil a limitações ao direito a deduzir o IVA a montante, que muitas vezes os Estados são tentados a introduzir, como bem sublinham José Xavier de Basto e Maria Odete Oliveira inO direito à dedução do IVA nas sociedades holding”, em Fiscalidade n.º 6, página 8.
Posição essa que sai reforçada, com os Acórdão do TJUE de 06.09.2012, proferido no processo n.º C-496/11 e o de 29.10.2009, AB SKF, proferido no processo n.º C-29/08, em que citando jurisprudência anterior do TJCE adoptada nos acórdãos Kretztechnik, n.º 36, Investrand, n.º 24, vem admitindo também «um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo».
Recorrendo aos assertivos ensinamentos Mariana Gouveia de Oliveira (inA dedutibilidade de IVA e a aquisição de participações sociais por sociedades operacionais”, em Fiscalidade, 46, pag.107.), que de modo analítico alude à coerência da jurisprudência do TJUE firma que a mesma assenta em algumas ideias fundamentais:
«A primeira será que, o direito à dedução “faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Este direito exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efectuadas a montante (v., designadamente, acórdãos de 6 de Julho de 1995, BP Soupergaz, C-62/93, C’olect., p. 1-1883, n.º 18, e de 2] de Março de 2000, Gabaifrisa e o., C’-]10/98 a C-147/98, Colect., p. 1-15 77, n.º 43).”
A segunda ideia reporta-se à ligação necessária entre o IVA suportado e a realização de operações tributáveis: “Para que o IVA seja dedutível, as operações efectuadas a montante devem ter uma relação directa e imediata com as operações a jusante com direito a dedução. Assim, o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução (v. acórdãos já referidos Midland Bank, n. 030, e Abbey National, n.º 28, assim como de 27 de Setembro de 2001, Cibo Participations, C-16/00, Colect.. 1-6663, n.º 31).”
Estamos assim aptos a afirmar, em conformidade com a jurisprudência do TJUE, que «as despesas gerais da actividade dos sujeitos passivos, enquanto elementos constitutivos do preço dos produtos, se encontram numa relação directa e imediata com o conjunto da actividade do sujeito passivo, sendo por isso, dedutível o IVA nelas suportado».
Complementarmente, acresce uma breve referência à mais recente jurisprudência do TJUE, a qual mantém a linha do até aqui dissertado, de que «Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito à dedução do IVA, conforme previsto nos artigos 167.º e seguintes da Directiva IVA, constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Este direito é imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que oneraram as operações efectuadas a montante» (Acórdão do TJUE de 5 de Julho de 2018, Marle Participations, C 320/17, n.º 24).
E de que, «O regime das deduções visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades económicas. O sistema comum do IVA garante, consequentemente, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem elas próprias, em princípio, sujeitas ao IVA» (acórdão citado n.º 35). «Todavia, resulta do artigo 168.º, alínea a), da Directiva IVA que, para poder beneficiar do direito à dedução, é necessário, por um lado, que o interessado seja um «sujeito passivo», na acepção desta directiva, e, por outro, que os bens ou os serviços invocados para fundamentar esse direito sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens sejam entregues ou esses serviços sejam prestados por outro sujeito passivo» (Acórdão (citado) n.º 26 e Acórdão de 19 de Outubro de 2017, Paper Consult, C 101/16, n.º 39).
Por sua vez, no âmbito do caso Portugal /Telecom Portugal, Processo n.º C-496/11, considerou também o TJUE que “36 Para o IVA ser dedutível, as operações efectuadas a montante devem apresentar um nexo directo e imediato com operações a jusante com direito a dedução. Assim, o direito a dedução do IVA que incide sobre a aquisição de bens ou de serviços a montante pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição façam parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução ((v. acórdão Cibo Participations, já referido, n. o 31; acórdãos de 26 de Maio de 2005, Kretztechnik, C-465/03, Colet., p. I-4357, n. o 35, de 8 de Fevereiro de 2007, Investrand, C-435/05, Colet., p. I-1315, n. o 23; e acórdãos, já referidos, Securenta, n. o 27, e SKF, n. o 57))”.
Acrescentando que, “37 Porém, admite-se igualmente um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo (…) para conferir o direito a dedução previsto no artigo 17.o, n.o 2, da Sexta directiva, os bens ou os serviços devem apresentar um nexo directo e imediato com as operações a jusante com direito a dedução. A este respeito, é indiferente o objectivo último prosseguido pelo sujeito passivo (v. acórdãos de 8 de Junho de 2000, Midland Bank, C-98/98, Colet., p. I-4177, n. o 20, e de 22 de Fevereiro de 2001, Abbey National, C-408/98, Colet., p. I-1361, n. o 25; e acórdão Cibo Participations, já referido, n. o 28).”.
Muita e mais ampla jurisprudência do TJUE e, da ordem nacional que a aplica, podia aqui ser citada e parcialmente transcrita, mas cremos que o enquadramento efectuado já vai longo, pelo que aqui chegados importa apurar da 1ª questão colocada, se no caso em apreço, existe uma relação directa e imediata entre despesas com as prestações de serviços inerentes às facturas identificadas nos autos cuja dedução não foi aceite pela ATA.
E, a resposta, é afirmativa, já que entendemos que neste ponto não assiste razão à Recorrente quando invoca que a "A....,S.A." não fez prova dessa relação.
Sobre a mesma, vale a pena recuperar o que ficou dito na sentença sob recurso, pois aí foi seguido um raciocínio claro e profícuo que se acolhe e reitera.
Pode ler-se na decisão sob recurso que:
«A dedução do IVA correspondente às obras e projectos em questão obriga a que esse imposto conste de factura, documento equivalente ou de recibo do pagamento do IVA, processados sob a forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo, e o imposto tem que incidir sobre bens adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo com vista à realização das operações referidas no artigo 20º, nº 1 do CIVA, ou seja, operações que conferem o direito à dedução. Por outro lado, ainda que estejam em causa bens ou serviços necessários ou fundamentais para o exercício da actividade, não será admitida a dedução do IVA se os mesmos forem excluídos nos termos do artigo 21º do mesmo diploma.
Deste modo, uma vez que a Administração Tributária não colocou em causa que toda a documentação relativa às obras colocadas em causa foi emitida em nome da Impugnante, encontra-se na sua posse, observou a forma legal, e não ocorre a exclusão estatuída no artigo 21º do CIVA, importa verificar se as obras colocadas em causa podem qualificar-se como necessárias à actividade desenvolvida pela Impugnante, actividade relacionada com a prestação de serviço público de transporte, sujeita a imposto e não isenta.
O sistema de metro ligeiro na área metropolitano ... foi instituído pelo Decreto-Lei nº 71/93, de 10 de Março, e a exploração desse sistema foi atribuído à Impugnante, constituída sob a forma de uma sociedade anónima de capitais públicos pelo Decreto-Lei nº 394-A/98, de 15 de Dezembro, que aprovou as bases da concessão de exploração, em regime de serviço público e de exclusividade. O artigo 3º desse diploma refere que “A realização dos trabalhos e prestações relativas à concepção e realização do projecto, à realização das obras de construção, ao fornecimento e montagem do material circulante e dos demais equipamentos que constituem o sistema de metro, assim como à operação do mesmo por um período inicial, será regulada por um contrato a celebrar entre a "A....,S.A.", e uma entidade escolhida no âmbito de um concurso internacional realizado para o efeito.”.
Nas Bases de Concessão do Sistema de Metro pode ler-se, na Base I, nº 1, “A concessão tem por objecto a exploração de um sistema de metro ligeiro na área metropolitana ...”, e a Base II refere que a “concessionária tem como objecto e actividade principal a realização das prestações inerentes à concessão”, e pode ainda “exercer as seguintes actividades autónomas:
a) Exploração comercial, directa ou indirecta, de estabelecimentos comerciais, escritórios, salas de exposições, máquinas de venda de produtos e serviços de publicidade aposta nas instalações ou no material circulante; (...).”
Por outro lado, no artigo 3º dos estatutos da Impugnante consta que “a sociedade tem por objecto a exploração, em regime de concessão atribuída pelo Estado, de um sistema de metro ligeiro na área metropolitana ..., nos termos do respectivo instrumento normativo” e “para a prossecução do seu objecto incumbe especialmente à sociedade a realização dos estudos, concepção, planeamento, projectos e construção das infra-estruturas necessárias à concretização do empreendimento, bem como o fornecimento de equipamentos e material circulante”, e para o desenvolvimento do seu objecto acessório pode “constituir empresas ou tomar participações noutras sociedades.”.
Para tal a Impugnante celebrou um contrato para o projecto, construção, financiamento e operação inicial com o Agrupamento Complementar de Empresas designado "X", cuja minuta foi aprovada por Resolução do Conselho de Ministros nº 142-A/98, de 25 de Novembro, tendo-se procedido a alterações ao projecto inicial, em cumprimento de obrigações legais, no que respeita a segurança, acessibilidades, e para uma melhor inserção urbanística e compatibilização com outros modos de transporte (Decreto-Lei nº 261/2001, de 26 de Setembro).
Destarte. é manifesto que para a concretização do seu objecto social a Impugnante está obrigada a realizar estudos, concepção, planeamento, projectos e construção das infra-estruturas necessárias ao bom funcionamento do sistema de metro, à melhoria da segurança do sistema e das acessibilidades, e a diligenciar pela sua inserção urbanística e compatibilização com outros modos de transporte, obrigações que decorrem directamente dos seus estatutos e das Bases de Concessão da Exploração do Metro e do cumprimento de legislação nacional e comunitária. Efectivamente, a prestação de serviço público de transporte obrigou à expansão da linha de metro, visto que não se trata de uma realidade estática e tem de acompanhar os demais equipamentos urbanos, as necessidades e anseios das populações, e a sua competitividade passa necessariamente pela melhoria das acessibilidades e segurança do sistema, bem como pela coordenação e compatibilização com outros meios de transporte que implica a construção de parques de estacionamento para os seus clientes estacionarem os seus veículos em segurança.
Por outro lado, não pode olvidar-se que o sistema de metro foi inserido em zonas populacionais nas quais se encontravam infra-estruturas urbanísticas já existentes (ruas, passeios, redes de água, gás, saneamento e electricidade) que a construção do metro destruiu ou obrigou a alterações, pelo que a Impugnante foi forçada a reparar os danos causados com as inerentes obras de reposição e reconstrução, necessariamente ligadas à sua actividade de transporte de passageiros. As demais justificam-se por razões de segurança, directamente determinadas pela lei, ou têm em vista garantir a competitividade do transporte de metro e assegurar a sua compatibilização com os demais meios de transporte.
Na verdade, analisando as obras e projectos constantes das facturas colocadas em causa pela Administração Tributária, e ponderado o depoimento das testemunhas inquiridas, surge claro e cristalino que as mesmas se integram no seu objecto social, encontram-se previstas nos pertinentes preceitos estatutários e nas Bases da Concessão, e mais do que necessárias têm de ser qualificadas como imprescindíveis à concretização da actividade da Impugnante posto que a grande maioria resulta do estrito cumprimento da lei, como sucede com os trabalhos de arqueologia de acompanhamento das obras do canal do metro, aludidos em 29 e 30 do probatório, bem com as empreitadas necessárias à eliminação de passagens de nível. As demais obras e os inerentes projectos resultaram directamente da construção do canal do metro com a inerente obrigação de reposição das infra-estruturas afectadas pela eliminação das passagens de nível e viadutos com as consequentes construções de passagens desniveladas e os necessários arruamentos, v.g. obras de inserção urbana ..., obras de inserção urbana de ..., eliminação de passagens de nível em ... e Viela ..., identificadas em 6, 16, 23 do probatório.
Outras empreitadas têm a ver com a construção do próprio sistema de metro ou componentes integrados no sistema que obrigam a manutenção e surgem naturalmente como uma actividade prévia ao transporte de passageiros e imprescindível a essa actividade, sendo evidente a sua necessidade, tal como sucede com o fornecimento de um banco para a Estação ..., decorrente de reclamações de clientes do metro, a empreitada de inserção urbana envolvente ao Viaduto ..., a reconfiguração, reabilitação e manutenção das instalações eléctricas do Parques de Estacionamento e acessos às Estações da Linha ..., as obras de inserção urbana de ... (parques de estacionamento), a requalificação do Edifício ... (Estação de Metro ...), a impermeabilização e revestimento de Lage de Cobertura no Aeroporto ..., a construção do prolongamento da Linha ... a ..., a remodelação e melhoramento da Via ..., na ..., a inserção urbana do ... – execução passeio nascente, a delimitação das parcelas expropriadas na Linha de ..., a construção da Linha ..., a vedação do terreno do Campo ... e a manutenção de espaços verdes adjacentes ao canal de Metro (..., ..., ... e Porto), identificadas no probatório em 7, 8, 10, 14, 15, 17, 18, 21, 24, 25, 27, 30 e 31.
Assim sendo, as obras em causa justificam-se plenamente por razões de segurança e acréscimo de velocidade de transporte do metro, decorrem do cumprimento de normas de segurança comunitárias e do disposto nos artigos 1º e 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 568/99, de 23/12, e destinam-se a evitar acidentes e a melhorar a segurança, a velocidade de circulação do metro e a inerente competitividade com outros meios de transporte alternativos, a fim de permitir a circulação do metro sem ocorrência de inundações, ou ocorreram apenas para repor as condições urbanísticas que existiam antes da construção do canal de metro, com as inerentes adaptações às infra-estruturas urbanas, com observância das leis e regulamentos vigentes, e nessa medida decorrem da obrigação que recai sobre a Impugnante de indemnização pelos danos causados (reconstituição natural), e estão directamente relacionadas com a sua actividade de transporte de passageiros que necessariamente obrigou a realização dessas obras.
A elaboração dos correspondentes projectos e a fiscalização das empreitadas em causa naturalmente que se torna imprescindível para realizar tais empreendimentos, nem se pode conceber que empreitadas de tal importância sejam realizadas sem a adequada fiscalização, tal como sucede com as identificadas no probatório em 9, 11, 12, 13, 19, 20, 22, 26, 28.
Destarte, é patente a necessidade de realização de todas as obras identificadas no probatório em 6 a 31, todas elas imprescindíveis à operacionalidade e segurança do sistema, que a Impugnante estava obrigada a efectuar com vista ao transporte dos seus passageiros em segurança e comodidade, sem colocar em risco o restante tráfego, não sendo possível desligá-las da infra-estrutura básica do metro, que não pode configurar-se como um mero carril onde circulam os veículos do metro, desligado dos sistemas complementares.
A Administração Tributária, apenas com base no descritivo das facturas, autos de medição, e outra documentação constante da contabilidade da Impugnante, recusou a dedução do IVA liquidado nas facturas em causa, sugestionada pela menção “obras de qualificação urbana” constante daqueles documentos, sem atender ao conteúdo dessas obras e sem curar de rebater as justificações apresentadas pela Impugnante.» (fim de transcrição, destacados nossa autoria).
Atenhamo-nos ao alegado pela Recorrente, de que por errónea apreciação da prova, o tribunal a quo errou no seu julgamento, pois segundo ele “a impugnante, por seu turno, nunca provou no processo sub judice que os encargos daquelas obras cujo correspondente IVA pretende deduzir são, ou por terem uma relação directa e imediata com as operações a jusante, ou como despesas gerais da sua actividade económica, elementos constitutivos do preço destas operações.” (vide conclusão L.)
Falece tal argumento, ciente de que a factualidade apurada não sofreu alterações em sede recursória, não alcançamos nesta sede qualquer errónea apreciação da prova, pois como bem refere a Recorrente nas suas Conclusões I. e J. ao citar jurisprudência comunitária, nomeadamente o Acórdão SKF, proferido no processo C-29/98, do TJUE “... há sempre que examinar se a relação directa e imediata com uma ou várias operações a jusante que conferem direito à dedução ou com as despesas gerais ligadas ao conjunto da actividade económica do sujeito passivo traduz-se na incorporação do preço das prestações a montante, respectivamente, nos preços das operações particulares a jusante ou nos preços dos bens ou serviços fornecidos pelo sujeito passivo no âmbito das suas actividades económicas.”.
Ora, foi precisamente essa incumbência que lhe está adstrita, que o tribunal de 1ª instância levou a cabo de uma forma exaustiva e eficiente, nomeadamente em sede de motivação de facto, que torna as asserções transcritas incólumes.
Assim, aqui, como ali, somos convictos em afirmar que a aquisição de serviços destinados a realização daquelas obras, dos inerentes projectos, reconstrução e requalificação decorrentes da obrigação de reposição da situação anterior à construção do sistema de metro, pois que a construção do sistema de metro obrigou ao “esventramento de solos e destruição de equipamentos urbanos”, que teve de reconstruir: (i) com a qualidade ambiental e dignidade arquitectónica compatíveis com a infra-estrutura do metro e ligado à sua envolvente urbana (obras de inserção ou de compatibilização urbana), (ii) a fim de garantir a adequada acessibilidade e segurança aos seus utilizadores e aos outros meios de transporte, e (iii) adequar as funcionalidades urbanas à superfície, aéreas e subterrâneas (saneamento básico, redes de energia eléctrica, gás e telecomunicações), são necessários – porque pressuposto e condição - à execução das linhas de metro, inserindo-se mesmo no âmbito da actividade económica da impugnante que gera operações tributáveis, traduzidas na exploração do sistema de metro ligeiro.
Consequentemente, todos os trabalhos identificados se relacionam com a execução do sistema de metro ..., seja ao nível da concepção e/ou construção, da protecção e segurança da circulação viária e pedonal ou da fiscalização da execução de todos estes trabalhos. Só pode concluir-se que as obras em causa estão directamente conexionadas com a actividade da Impugnante, são necessárias à sua actividade de prestadora de serviço de transporte público geradora de imposto e não isenta.
Ora, como decorre da jurisprudência do TJUE supracitada, deverá ser admitida a dedutibilidade do IVA suportado nos inputs sempre que estes se encontrem numa relação directa e imediata com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo e sejam elementos constitutivos dos preços dos bens que fornece ou dos serviços que presta.
Improcede assim a tese da Administração Tributária, no sentido de que tais operações estão associadas a obras realizadas em bens do domínio público que não se destinam à produção de bens e serviços tributados existindo entre tais custos e o IVA com eles suportados, uma relação directa e imediata com o conjunto daquela sua actividade económica, na acepção da jurisprudência do TJUE por nós mencionada.
Mas, a ATA assenta, como delimitamos supra, o seu inconformismo na relevância de dois vectores, uma quanto ao financiamento de tais obras e a possibilidade que decorre para a Recorrida de lograr o pagamento dos mesmos por parte dos Municípios e, outro que se centra no modo legalmente previsto para fixação dos preços dos serviços que presta o qual por si destrói o princípio da neutralidade inerente ao IVA.
Quanto ao modo de financiamento, na sentença sob recurso discorreu-se que «(o) modo de financiamento daquelas obras não altera a sua qualificação como obras necessárias à actividade da Impugnante, claramente inseridas no seu objecto social, sendo certo que os normativos transcritos supra, relativos à dedutibilidade do IVA, não fazem depender a dedutibilidade do IVA do seu modo de financiamento e basta-se com o facto de se tratar de imposto pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos, a deduzir no imposto liquidado pela transmissão de bens e prestação de serviços sujeitas a imposto e dele não isentos.».
Nada apontar ao assim decidido, destarte os argumentos pertinentes da Recorrente, os mesmos não têm acolhimento à luz da jurisprudência comunitária.
Vejamos.
Como se refere no acórdão de 16 de Setembro de 2020, do TJUE proferido no processo C-528/19, aplicável com as necessárias adaptações ao caso vertente. In casu, uma recusa de deduzir o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) pago a montante para efeitos da realização de obras de alargamento de uma estrada que pertence a um município., n.º 39 «(...) o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Sexta directiva deve ser interpretado no sentido de que um sujeito passivo tem o direito de deduzir o IVA pago a montante relativo a obras de alargamento de uma estrada municipal efectuadas em benefício de um município quando essa estrada seja utilizada tanto por esse sujeito passivo no âmbito da sua actividade económica como pelo público, desde que essas obras de alargamento não tenham excedido o que era necessário para permitir que o referido sujeito passivo exerça a sua actividade económica e que o seu custo esteja incluído no preço das operações efectuadas a jusante pelo mesmo sujeito passivo»
No que tange ao alegado nas Conclusões N. a P., apelemos ao Acórdão de 01 de Outubro de 2020, proferido no processo C-405/19, no qual uma das questões formuladas era a seguinte: “O facto de o sujeito passivo ter a possibilidade ou o direito de imputar parcialmente a despesa ao terceiro que beneficiou da despesa, mas não o ter feito, afecta a questão da dedutibilidade do IVA sobre estas despesas?”, que se revela pertinente face ao alegado nas conclusões deste recurso da possibilidade da Recorrida submeter os encargos com essas obras, e o correspondente IVA, ao financiamento obtido ou a obter junto dos Municípios.
Aí, se decide, que «A circunstância de o sujeito passivo ter a possibilidade de imputar a esse terceiro uma parte das despesas que efectuou a título dos referidos serviços constitui, é certo, um indício a favor da conclusão de que essa parte das despesas não diz respeito à operação a jusante realizada pelo sujeito passivo, mas à operação realizada por aquele terceiro.
47 Todavia, este elemento não é, por si só, suficiente para determinar o alcance do direito à dedução do IVA de que o sujeito passivo dispõe, na medida em que, conforme resulta da jurisprudência recordada no n.o 41 do presente acórdão, há que tomar em consideração, no âmbito da aplicação do critério da relação directa, todas as circunstâncias em que decorreram as operações em causa, apreciação que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efectuar.
48 Por conseguinte, há que responder à terceira questão que o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Sexta directiva deve ser interpretado no sentido de que, no caso de um terceiro tirar proveito de despesas efectuadas pelo sujeito passivo, a circunstância de este ter a possibilidade de imputar a esse terceiro uma parte das despesas assim efectuadas constitui um dos elementos, juntamente com todas as outras circunstâncias em que decorreram as operações em causa, que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio tomar em consideração para determinar o alcance do direito à dedução do IVA de que o sujeito passivo dispõe.»
Ou seja, se bem interpretamos o emanado pelo TJUE, compete ao órgão jurisdicional interno apreciar à luz de todas as circunstâncias em que decorreram estas operações para alcançar do direito à dedução do IVA.
Ora, neste particular dos elementos vertidos nos autos o eventual financiamento e recuperação do valor despendido nas operações, incluído o IVA, total ou parcialmente, apenas se mostra colocado no plano das hipóteses, inexistindo dados concretos recolhidos em fase de procedimento inspectivo ou em sede jurisdicional susceptíveis de afirmar que aquele financiamento evocado tenha ocorrido.
Antes pelo contrário, tudo leva a crer que ele (financiamento) não tenha ocorrido, atento o vertido no discurso fundamentador da sentença de que “a eventual “irregularidade” detectada pelo Tribunal de Contas decorrente da falta de pagamento das obras por parte dos Municípios também não afecta a dedutibilidade do IVA, sendo certo que dos depoimentos recolhidos resultou claramente que aquelas obras foram efectuadas pela Impugnante...”.
Mas mesmo que assim não fosse, consideramos mais do que pertinente, chamar à colação o Acórdão do TJUE de 16.09.2021, Balgarska natsionalna televisiva, C-21/20, EU:C:2021:743, n.ºs 48 a 52, onde se refere:
«48. A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito dos sujeitos passivos de deduzirem do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago em relação aos bens adquiridos e aos serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União. Como o Tribunal de Justiça salientou reiteradamente, esse direito faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado [v., neste sentido, Acórdãos de 15 de Setembro de 2016, Senatex, C-518/14, EU:C:2016:691, n.os 26 e 37 e jurisprudência referida, e de 18 de Março de 2021, A. (Exercício do direito a dedução), C-895/19, EU:C:2021:216, n.o 32].
49. O regime de dedução instituído pela directiva IVA visa, com efeito, desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas actividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade perfeita quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, independentemente dos respectivos fins ou resultados, desde que essas actividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA [Acórdãos de 10 de Novembro de 2016, Baštová, C-432/15, EU:C:2016:855, n.o 42 e jurisprudência referida, e de 18 de Março de 2021, A. (Exercício do direito a dedução), C-895/19, EU:C:2021:216, n.o 33].
50 A esse título, em primeiro lugar, resulta do artigo 168.o da directiva IVA que, para poder beneficiar do direito a dedução, é necessário, por um lado, que o interessado seja um «sujeito passivo», na acepção desta directiva, e, por outro, que os bens ou os serviços invocados para fundamentar esse direito sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens sejam entregues ou esses serviços sejam prestados por outro sujeito passivo (Acórdãos de 5 de Julho de 2018, Marle Participations, C-320/17, EU:C:2018:537, n.o 26 e jurisprudência referida, e de 3 de Julho de 2019, The Chancellor, Masters and Scholars of the University of Cambridge, C-316/18, EU:C:2019:559, n.o 23).
51 Em contrapartida, quando bens ou serviços adquiridos por um sujeito passivo estão relacionados com operações isentas ou que não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA, não pode haver cobrança do imposto a jusante nem dedução deste a montante (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de Setembro de 2017, Iberdrola Inmobiliaria Real Estate Investments, C-132/16, EU:C:2017:683, n.o 30, e de 3 de Julho de 2019, The Chancellor, Masters and Scholars of the University of Cambridge, C-316/18, EU:C:2019:559, n.o 24).
52 Decorre desta jurisprudência que é a utilização dos bens e dos serviços adquiridos a montante para fins de operações tributáveis que justifica a dedução do IVA pago a montante. Por outras palavras, o modo de financiamento dessas aquisições, seja através de rendimentos provenientes de actividades económicas ou das subvenções recebidas do orçamento de Estado, não é pertinente para a determinação do direito a dedução.».
Sem necessidade de mais considerandos, é manifesta a Improcedência nesta parte do Recurso, o que determinará a final.
Quanto ao preço, o mesmo surge nesta sede recursória como “questão nova” não levada em linha de conta na sentença sob recurso. Perscrutada por nós a contestação da ATA verificamos que a sua defesa se estribou em duas vertentes, a saber, que as obras em causa foram realizadas em bens do domínio público, propriedade dos Municípios, e, portanto, não se destinam à produção de bens e serviços tributados pois revestem uma natureza distinta das obras de construção da infra-estrutura básica do metro, se aquelas obras fossem realizadas pelos Municípios não estariam sujeitas a IVA, dada a isenção de que os mesmos beneficiam, pelo aquele IVA não poderia ser deduzido, e a permitir-se que bens não destinados a operações tributáveis fiquem desonerados de qualquer imposto fica prejudicada a característica da neutralidade do IVA.
Acresce que, que o modum e o quatum dos preços dos serviços que o "A....,S.A.". presta ao consumidor final não foi alvo de objecto da decisão aqui posta em crise, a que acresce que nenhuma nulidade por omissão de pronúncia lhe vem assacada.
Assim sendo, sobre este Tribunal ad quem, não recai a obrigação de pronúncia sobre tal questão que aqui se apresenta como questão nova.
No entanto, em jeito de foice, veiculamos que em recente Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso tributário de 04.11.2020, proferido em sede de oposição de acórdãos, [em que no acórdão recorrido, que contrapunha a "R...., S.A." e a ATA, fora determinado que a recorrente não tinha direito a dedução do IVA suportado a montante com as “operações acessórias - acessos indirectos” à Ponte ..., uma vez que não constituem operações realizadas pela "R...., SA" tendo em vista o exercício directo da sua actividade económica consistente na cobrança de portagens pela passagem de veículos na Ponte ..., antes correspondem ao cumprimento de obrigações resultantes do contrato de concessão, não apresentando qualquer nexo de indispensabilidade com a mencionada actividade] se decidiu:
«(a)través da concessão, o Estado português não se limitava a querer um atravessamento de um rio, feito de qualquer maneira, queria antes um projecto integrado, que preservasse o ambiente, que se integrasse na paisagem, que respeitasse, em suma, valores que ao Estado compete defender, impondo, por isso ao concessionário, a realização de um conjunto de obras na zona envolvente da Ponte, para além da construção do tabuleiro da Ponte e dos seus acessos principais, o que significa que, afinal, as tais obras ditas acessórias são tão indispensáveis afinal à realização do projecto como as obras de construção do tabuleiro da ponte e seus acessos principais, por serem encargos obrigatórios, previstos no contrato de concessão, sendo impensável que o custo das referidas obras não será repercutido no preço das prestações de serviços, ou seja, nas portagens cobradas na Ponte, ou seja, se as obras em causa não tivessem sido exigidas à concessionária, seguramente que os custos de construção teriam sido mais baixos e mais baixas seriam as portagens.
Nesta sequência, diga-se que para que se verifique o direito à dedução do IVA não se exige uma correspondência estrita entre inputs e outputs, mas sim que as despesas a montante tenham uma relação directa com as despesas gerais da empresa, sendo que a agora Recorrente tem como objecto social a concessão da concepção, construção, financiamento e operação e manutenção da Ponte ....
(...) Este é o critério a que o TJUE atende para estabelecer o nexo directo entre as operações efectuadas a montante e as operações a jusante com direito à dedução, tal como emerge do Acórdão Kretztechnik (Proc. C-465/03, de 26 de Maio de 2005, § 35) onde se pode ler: “... para que o IVA seja dedutível, as operações efectuadas a montante devem ter uma relação directa e imediata com as operações a jusante com direito a dedução. Assim, o direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução”.
No caso em apreciação inexiste actividade isenta de IVA ou fora do campo de aplicação do imposto e verifica-se um nexo directo entre os custos das obras acessórias - acessos indirectos e as operações tributáveis da recorrente, o que significa que a agora Recorrente tem direito à dedução do IVA suportado com as operações acessórias - acessos indirectos.
Aliás, não é por acaso, tal como a agora Recorrente dá nota, que a própria AT decidiu em sentido favorável à "R...., SA" o recurso hierárquico apresentado em 2003, pelo que toca ao seu direito a deduzir o IVA suportado nas despesas que a administração havia antes considerado como não dedutível, louvando-se, entre outras considerações, em um parecer de Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros, proferido em caso em tudo semelhante, concluiu que o imposto suportado com a construção das obras acessórias é dedutível, porque as despesas em causa foram incorridas no âmbito da sua actividade económica, inteiramente sujeita ao imposto, tendo determinado a anulação das liquidações adicionais referentes aos anos de 1996, 1997 e 1998.
No aludido parecer, refere-se, além do mais, que: “…
- A “reversão para o domínio público” de “ramais” de ligação de determinadas infra-estruturas à “rede pública” não constitui, em si mesma, por falta de “autonomia económica ou jurídica”, uma operação a jusante da actividade das empresas, susceptível de tributação em IVA, mas antes uma condição gratuita e inseparável das operações que tais empresas se propõem realizar.
- Assim, os respectivos custos de construção dos “ramais”, bom como os demais gastos incorridos nesse âmbito, concorrem para a formação do preço final dos bens e serviços comercializados, não se verificando uma “afectação permanente de bens da empresa, ... a fins alheios à mesma”, nem qualquer outra forma de “transmissão gratuita” susceptível de enquadramento na alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do IVA;
Por outro lado, sendo esses gastos suportados, indispensáveis à realização das operações tributáveis das empresas, constituem um consumo intermédio que concorre para a formação do preço final dos bens e serviços comercializados, pelo que o IVA suportado com esses gastos é. dedutível, nos termos do artigo 19.º e 20.º do Código do IVA. …
No presente caso, os trabalhos, bem como as expropriações, que estão em causa foram realizados, pela Recorrente, no exercício da sua actividade sujeita a IVA e dele não isenta, que se consubstanciava, exclusivamente, na execução do contrato de concessão da concepção, construção, financiamento, operação e manutenção da Ponte ..., incluindo a gestão e manutenção da Ponte 25 de Abril.
Uma vez que a Recorrente não exercia, nem podia exercer, outra actividade económica, que pudesse ser não sujeita ou isenta de IVA, para além da exploração das Travessias sobre o rio ..., é forçoso concluir que os gastos com a construção acessória das referidas obras foram incorridos no âmbito dessa actividade económica.
Por outro lado, não resulta dos factos apurados pelos SIT que se tratou de uma prática abusiva, com vista à recuperação de IVA que, de outro modo, não teria lugar, para que se possa pôr em causa o direito à dedução do IVA. …”.
A partir daqui, resta concluir que a Recorrente tem direito à dedução do IVA suportado a montante com as denominadas “operações acessórias - acessos indirectos” à Ponte ..., uma vez que constituem operações realizadas pela "R...., SA" tendo em vista o exercício directo da sua actividade económica consistente na cobrança de portagens pela passagem de veículos na Ponte ..., ou seja, tais custos têm um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo.
O Acórdão do TCA Sul que assim o não entendeu não pode, pois, manter-se, sendo de revogar o Acórdão recorrido em função do provimento do presente recurso.»
Em face de tudo o exposto, com suporte na jurisprudência do TJUE referenciada, somos de concluir, em concordância com a sentença sob recurso, no sentido de que o IVA suportado a montante nas operações descritas no probatório, como indispensáveis ao desenvolvimento da actividade de transporte de passageiros numa eficiente exploração do sistema do metro por parte da Recorrida, inseridas naquilo que podemos contextualizar de infra-estruturas que vão para além do básico necessário à circulação do metro mas que se inserem na qualidade e exigências acessórias da circulação do mesmo e de passageiros, pode ser deduzido a jusante no imposto liquidado nas operações económicas resultantes do exercício da actividade económica da recorrida (operações activas).
Improcedem, pois, as alegações de recurso, pelo que a sentença recorrida, que assim entendeu, é de ser mantida na ordem jurídica.»
Salvas as diferenças em matéria de facto, que em nada influem na questão de direito, pois trata-se de outras obras mas de obras da mesma natureza e com idêntica relação com a actividade da Recorrida, o objecto do acórdão acabado de citar apenas apresenta, relativamente ao presente recurso, a especificidade de ser uma questão nova, isto é, não colocada à apreciação da 1ª instância, a alegação de que o IVA suportado pela Recorrida nas facturas ali em causa não se reflectia por modo algum no preço da prestação de serviços objecto da actividade da Impugnante (transportes públicos terrestres), pelo que não poderia, alegadamente, ser deduzido.
Na verdade, no nosso caso foi feita, na contestação, – parágrafo 38 – a alegação de que o IVA não seria dedutível, também, porque o mesmo não se reflectiria na formação do preço dos serviços objecto da actividade da "A....,S.A.", atento o modo legalmente preconizado para a formação dos preços dos serviços a prestar pela empresa.
Porém, o acórdão aqui acompanhado, apesar de constatar a natureza de inédita daquela questão no recurso, não deixa de a discutir e sobre ela se pronunciar em sede geral, de modo aqui em tudo aplicável.
Além do que aí se discorre, ainda diremos, de nossa lavra, nesta matéria, que o argumento labora num pressuposto não demonstrado, que é o de que a forma normativamente determinada de fixação do preço exclui qualquer influência, em termos substanciais, na formação do mesmo preço, dos custos suportado a montante. Com efeito, mesmo que não se trate de uma dependência aritmética, é obvio que os custos de produção concorrem para a determinação, mesmo que por via legal ou regulamentar, do preço dos transportes públicos em geral e bem assim na área metropolitana .... Logo, também hão-de influenciar a fixação do preço do transporte no Metro, que deve ser fixado “atendendo ao índice de preços dos vários serviços de transporte colectivo praticados na área metropolitana ...”.
Diremos ainda, por outro lado, que se tal interpretação simplista da jurisprudência comunitária invocada vingasse, não seria só o IVA suportado com obras e serviços digamos, brevitatis causae “colaterais” que não seria dedutível pela "A....,S.A.", mas sim todo e qualquer IVA suportado a montante, mesmo o mais formal, directa e nuclearmente relacionado com a sua actividade, o que é absurdo.

Conclusão:
Por tudo o exposto a propósito da 1ª questão, e citado e exposto a propósito da terceira, o recurso improcede totalmente, isto é, impõe-se manter na ordem jurídica a sentença recorrida, nos seus precisos termos.

IV – Custas
As custas do presente recurso ficam a cargo da Recorrente, atenta a improcedência do recurso: artigo 527º do CPC.

V- Dispositivo
Tudo visto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar o recurso improcedente.
Custas: como acima foi discriminado.

Porto, 19/1/2023

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Cristina da Nova
Cristina Travassos Bento