Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00819/24.7BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/04/2025
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA
Descritores:CONTRATAÇÃO PÚBLICA; FORTES INDÍCIOS;
FALSEAMENTO DAS REGRAS DA CONCORRÊNCIA;
EMPRESAS RELACIONADAS;
Sumário:
I. É ilegal a norma procedimental que estabeleça a exclusão automática e compulsória de empresas que partilhem sócios, acionistas, gerentes ou administradores e que não se constituam em agrupamento, por configurar uma presunção iuris et de iure de distorção concorrencial, em violação dos princípios da proporcionalidade e da livre concorrência.

II - A configuração de "fortes indícios" de falseamento da concorrência não exige a demonstração cabal da prática efetiva de conduta anticoncorrencial, bastando prova objetiva, real, concordante e circunstanciada que permita fundar presunção qualificada de concertação.

III - Constituem fortes indícios de falsear as regras da concorrência: (i) a quase absoluta identidade da titularidade do capital social de ambas as empresas [99,5% e 95% detidos pelo mesmo sujeito]; (ii) a comunhão substancial de membros nos órgãos de administração e gerência; (iii) a atuação no mesmo segmento de mercado com produtos idênticos; e (iv) a identidade da sede social.

IV - A potencialidade lesiva para a concorrência reveste-se de particular acuidade no contexto de Acordo-Quadro para seleção de numerus clausus de fornecedores, onde a presença de duas entidades sob idêntico controlo efetivo duplica artificialmente as possibilidades de adjudicação.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento aos recursos.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:

* *

I – RELATÓRIO

1. A sociedade comercial [SCom01...] S.A. [doravante [SCom01...]], Autora nos presentes autos à margem referenciados de AÇÃO URGENTE DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL em que é Entidade Demandada a COMUNIDADE INTERMUNICIPAL DA REGIÃO DE ... [doravante CIRA], vem interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do “(…) despacho de indeferimento da prova testemunhal requerida nos autos (“Despacho”) e, bem assim, da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 13.03.2025 (“Sentença”) (…) quanto aos segmentos decisórios vertidos nas alíneas ii) e iii) do dispositivo da Sentença, bem como à respetiva fundamentação (…)”.

2. Nas suas alegações recursivas, a Recorrente [SCom01...] formulou, a final, as seguintes conclusões: “(…)

A. O recurso que a V. Exas. sobe vem interposto do Despacho de indeferimento da prova testemunhal requerida nos autos e, bem assim, da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 13.03.2025, no âmbito da presente ação administrativa urgente de contencioso pré-contratual, encontrando-se circunscrito aos segmentos decisórios vertidos nas alíneas ii) e iii) do dispositivo da Sentença, bem como à respetiva fundamentação.

B. O segmento decisório contido na alínea i) do dispositivo da Sentença - no qual o Tribunal a quo declarou, incidentalmente, e conforme peticionado pela Autora, a ilegalidade na norma do artigo 5.°, n.° 4 do Programa de Concurso - não merece qualquer reparo.

C. Sempre ressalvado o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo incorreu num flagrante erro de julgamento - de facto e de direito - a propósito dos segmentos decisórios constantes das alíneas ii) e iii) do respetivo dispositivo, e respetiva fundamentação, assim se tornando necessária a sua revogação por este douto Tribunal ad quem.

D. Com efeito, e conforme devidamente detalhado supra, foi com base numa análise manifestamente imprecisa e superficial da prova documental carreada para os autos que o Tribunal a quo acabou por subsumir incorretamente a factualidade que lhe foi apresentada na causa de exclusão constante do artigo 70.°, n.° 2, al. g) do CCP.

E. Trata-se, na verdade, e por um lado, de uma decisão viciada por uma errada determinação dos factos dados como provados e não provados, impondo-se a respetiva correção, mediante a correspondente alteração ao probatório.

F. Sendo que, por outro lado, tal errada apreciação e valoração dos factos dados como provados e não provados determinou que o Tribunal a quo incorresse em semelhante erro de julgamento na subsunção de tal factualidade ao direito concretamente aplicável.

G. Cumprindo, nessa medida, a este douto Tribunal repor a legalidade, mediante a revogação da sentença proferida em primeira instância, assim anulando os atos administrativos de exclusão da proposta da Recorrente aos 4 Lotes do Concurso e de adjudicação das propostas das Contrainteressados, condenando a Recorrida a, consequentemente, readmitir e adjudicar à [SCom01...] os Lotes 1 a 4 do Concurso, de modo que a poder a mesma ficar abrangida pelo Acordo-Quadro em apreço.

VEJAMOS ENTÃO,

DA IMPUGNAÇÃO DO DESPACHO QUE INDEVIDAMENTE INDEFERIU A PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL

H. Ainda antes de proferir a Sentença, o Tribunal a quo decidiu dos requerimentos probatórios apresentados pelas partes, no sentido do indeferimento da prova testemunhal requerida pela Autora.

I. Como é evidente, tendo a então Autora arrolado como testemunhas os colaboradores responsáveis pela elaboração da respetiva proposta, a Autora visava, justamente, comprovar, perante o Tribunal, as circunstâncias determinantes da definição dos exatos contornos que vieram a caracterizar a sua proposta, para efeitos de demonstrar que a mesma em nenhum aspeto foi concertada com a proposta da [SCom02...].

J. Pelo que - sem prejuízo de a prova documental decorrente do processo administrativo instrutor ser quanto baste para concluir num sentido decisório diametralmente oposto ao assumido pelo Tribunal a quo, a este propósito não pode a Recorrente conformar-se com o teor do Despacho sob escrutínio, porquanto, conforme devidamente explanado supra (Capítulo II), o Tribunal a quo não pode sustentar que a Autora falhou em produzir prova de que não teve conhecimento prévio da proposta da [SCom02...] e que com a mesma não atuou de forma concertada, se foi esse mesmo Tribunal que impediu, de forma direta, a produção do meio de prova em apreço.

K. Na verdade, através do Despacho sob escrutínio, o Tribunal a quo extravasou manifestamente a faculdade constante do artigo 118.°, n.° 5, do CPTA, decorrendo do próprio teor da Sentença recorrida que, no entendimento do próprio Tribunal, ficaram afinal factos por provar por parte da Autora - termos em que jamais podia o mesmo ter concluído que a produção de prova testemunhal seria desnecessária, irrelevante ou dilatória.

L. Impondo-se, como tal, a revogação do Despacho em apreço, por este douto Tribunal, atenta a manifesta desconformidade do mesmo com o bloco de legalidade concretamente aplicável, o que desde já se requer.

SEM PRESCINDIR,

DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO RELATIVA MATÉRIA DE FACTO

M. Compulsada a matéria de facto dada como provada e não provada na decisão recorrida, verifica-se que o Tribunal a quo errou na fixação da mesma, na medida em que (i) não só foram omitidos factos cabalmente demonstrados pela prova documental carreada para os autos e que assumem manifesta relevância para a decisão da causa, (ii) como decidiu o Tribunal a quo indeferir a produção de prova testemunhal, quando a mesma seria necessária, e no limite relevante, para a demonstração de parte dos factos alegados pela então Autora.

N. Com efeito, e salvo o devido respeito, é absolutamente incompreensível como é que o Tribunal a quo indefere a produção de prova testemunhal requerida pelas partes, considerando-a desnecessária “na medida em que os autos e o PA dispõem de todos os elementos necessários à boa decisão da causa” e depois não analisa adequadamente o teor do processo administrativo instrutor, para efeitos de o fazer refletir na matéria de facto provada, assim condicionando, em desfavor da ora Recorrente, a aplicação do direito ao caso.

O. De facto, e por um lado, é absolutamente inadmissível que o Tribunal a quo conclua que "competiria à Autora (...) demonstrar a autonomia e independência das propostas apresentadas” e que não o fez, quando foi o próprio Tribunal recorrido a indeferir a prova testemunhal de membros da equipa da ora Recorrente que permitiriam demonstrar isso mesmo, assim permitindo afastar a aplicabilidade do artigo 70.°, n.° 2, alínea g) do CCP, ao caso dos autos.

P. Por outro lado, ainda que se entendesse que a produção de prova testemunhal era desnecessária - no que não se concede e por mera cautela de patrocínio se equaciona - a verdade é que os próprios elementos probatórios já constantes do processo administrativo instrutor permitiam chegar a uma conclusão diametralmente oposta à que chegou o Tribunal recorrido.

Q. Com efeito, percorrendo a Sentença recorrida e conjugando-a com os elementos de prova resultantes do processo, torna-se evidente que o Tribunal a quo apreciou o caso em presença de uma forma meramente perfunctória, formalista e totalmente desligada da realidade dos factos que resultaram provados, mas que o Tribunal resolveu ignorar.

EM PARTICULAR,

R. Conforme resulta, de forma cristalina, do processo administrativo instrutor junto aos autos pela Recorrida e ficou amplamente exposto supra (Secção III), impõe-se uma correção da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, de modo que à mesma seja expressamente aditado que: 

(i) A proposta da [SCom01...] foi da autoria da respetiva sucursal do ..., sita na Rua ..., ..., ..., conforme decorre do DEUCP apresentado pela [SCom01...]; e

(ii) Todas as propostas de preço apresentadas no âmbito do Concurso sub judice dispõem de um layout formal semelhante por expressa imposição da Entidade Recorrida vertida no artigo 12.°, n.° 1, alínea b), do Programa do Concurso, apenas podendo diferir umas das outras através dos preços por cada qual apresentados no anexo III, conforme decorre das propostas juntas aos autos com ref.as sitaf n.° 008949263 (proposta da [SCom03...]), 008949268 (proposta da ICA), 008949286 (proposta da [SCom02...]), 008949291 (proposta da [SCom04...]) e 008949297 (proposta da [SCom01...])]

S. Assim, e na medida em que a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo se encontra em patente desconformidade com a prova documental produzida nos autos, a Recorrente não pode aceitar o entendimento vertido na decisão recorrida, pelo que deve a decisão relativa à matéria de facto ser revogada e substituída por outra que conclua nos termos acima peticionados, dando como provados os factos aqui amplamente demonstrados e que são essenciais para a boa decisão da presente ação, em conformidade com o que resulta, aliás, da prova documental carreada para os autos.

SEM PRESCINDIR,

DO ERRO DE JULGAMENTO DA SENTENÇA RECORRIDA POR ERRADA APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 70.°, n.° 2, al. g) DO CCP FACTUALIDADE DOS AUTOS

T. Para concluir pela “efectiva existência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência” entre a Autora e a [SCom02...], o Tribunal a quo baseou-se na “análise conjugada” dos seguintes indícios:

a. A “existência de uma identidade da estrutura societária e a comunhão de administradores e gerentes entre a Autora e a [SCom02...], actuam no mesmo mercado e oferecerem o mesmo tipo de produtos e serviços” e, bem assim, de “uma relação de interdependência entre a Autora e a [SCom02...], uma vez que

as respectivas participações sociais são detidas, no essencial, pelo mesmo grupo de pessoas”;

b. A “Autora e a [SCom02...] possuem a mesma sede”;

c. O “layout das propostas absolutamente semelhante (diferindo apenas quanto aos preços apresentados)”.

U. Esclarecendo que embora tais circunstâncias não fossem suficientes, por si só e individualmente considerados, para presumir a existência de fortes indícios da prática de atos ou acordos suscetíveis de falsear a concorrência, a sua análise conjugada já o permitiria.

V. Em primeiro lugar, quanto à identidade da estrutura societária e a comunhão de administradores e gerentes entre a Autora e a [SCom02...], refere o Tribunal a quo - e bem - que "aqui não actua a presunção decorrente da similitude ao nível da estrutura societária e composição dos corpos sociais das duas concorrentes”.

W. Nem, aliás, poderia ser tal circunstância ser, por si só, objeto de especial valoração nesta sede, justamente pelo mesmo racional que levou à declaração da ilegalidade do artigo 5.°, n.° 4, do Programa do Concurso e sob pena de restringir, de forma desproporcionada, a participação de pessoas coletivas que partilhassem de uma semelhante estrutura societária em procedimentos de contratação pública.

X. Em segundo lugar, o Tribunal recorrido incorre em manifesto erro ao ter valorado a circunstância de a Autora e a [SCom02...] possuírem a mesma sede societária para daí reforçar a sua conclusão de que seria aplicável às respetivas propostas a causa de exclusão constante do artigo 70.°, n.° 2, alínea g) do CCP.

Y. É que, de facto, bastaria ao Tribunal recorrido ter consultado a prova documental carreada para os autos - designadamente, o DEUCP apresentado pela [SCom01...] e pela [SCom02...] - para concluir que enquanto a proposta da [SCom02...] foi preparada e apresentada pela equipa baseada na respetiva sede, a proposta da aqui Recorrente foi, pelo contrário, preparada e apresentada pela sucursal da [SCom01...] no .... 

Z. Sendo, assim, absolutamente irrelevante que, a nível societário, as entidades em questão partilhem da sua sede para efeitos de se ter por preenchida a previsão legal constante do artigo 70.°, n.° 2, alínea g) do CCP.

AA. Circunstância que, aliás, já havia sido reforçada no âmbito da petição inicial, quando foi devidamente esclarecido pela então Autora que as propostas em apreço haviam sido “assinadas por pessoas diferentes, não conexionadas entre si, justamente, por terem sido elaboradas por equipas diferentes, sob a coordenação de responsáveis diferentes, aliás localizadas em áreas geográficas distintas”.

BB. Tendo, contudo, sido, a par respetiva evidência probatória, incompreensivelmente, desconsiderada e desvalorizada pelo Tribunal a quo.

CC. Em terceiro lugar, assume especial gravidade - especialmente atenta a patente desconsideração pela prova documental carreada para os autos e, bem assim, pelos concretos contornos do procedimento pré-contratual sub judice - o facto de o Tribunal a quo ter fundamentado os segmentos decisórios sob escrutínio alegando que o “layout das propostas absolutamente semelhante (diferindo apenas quanto aos preços apresentados)”.

DD. Com efeito, atenta a própria natureza do Concurso - no qual foi fixado um critério de adjudicação monofator, em que o preço é o único aspeto da execução do contrato a celebrar -, é por demais evidente que, não existindo quaisquer outros elementos técnicos a considerar, as propostas dos concorrentes apenas se poderiam diferenciar por via dos preços unitários apresentados.

EE. Em bom rigor, qualquer uma das propostas apresentada por qualquer dos concorrentes no Procedimento só se diferencia das demais em virtude dos preços unitários por cada qual apresentados, porquanto mais nenhum elemento além do preço integra tais propostas, pelo que jamais poderia tal circunstância ser utilizada para fundamentar a prática de atos suscetíveis de falsear as regras da concorrência por parte da Autora.

FF. Por sua vez, decorre do artigo 12.°, n.° 1, alínea b), do Programa do Concurso que a proposta de preços unitários dos concorrentes devia ser apresentada “utilizando o Anexo III”.

GG. Ora, tivesse o Tribunal a quo consultado, como se lhe impunha, a prova documental carreada para os autos e designadamente o processo administrativo instrutor apresentado em 23.12.2024 pela Entidade Adjudicante - cfr. ref.as sitaf n.° 008949263 (proposta da [SCom03...]), 008949268 (proposta da ICA), 008949286 (proposta da [SCom02...]), 008949291 (proposta da [SCom04...]) e 008949297 (proposta da [SCom01...]), conforme cópias das mesmas inseridas supra - teria certamente constatado que, na verdade, o layout da proposta da [SCom01...] é semelhante ao da proposta da [SCom02...] na medida em que é semelhante a todas as restantes propostas apresentadas pelas Contrainteressadas, porquanto tal semelhança resulta de imposição expressa da aqui Recorrida!

HH. O mesmo será dizer que se os elementos formais da proposta da Recorrente são “em tudo idênticos” aos da [SCom02...] e aos de todas as restantes propostas, apenas o são por expressa exigência da Recorrida a este propósito, que entendeu incluir nas peças do procedimento a indicação de que as propostas dos concorrentes deviam ser apresentadas utilizando o Anexo III.

II. Termos em que nunca poderia tal circunstância ser utilizada para presumir a existência de fortes indícios da prática de atos ou acordos suscetíveis de falsear a concorrência.

JJ. Impunha-se, assim e pelo contrário, concluir não existir identidade, nem homogeneidade das condições da proposta e dos preços (e elementos que os compõem) apresentados por cada uma das concorrentes - porquanto estes são, verdadeiramente, os únicos elementos suscetíveis de diferenciação de propostas, no caso concreto.

KK. Na verdade, a proposta da Autora foi elaborada com autonomia e independência e inexistem elementos que evidenciem o contrário.

LL. Com efeito, e em bom rigor, da análise conjugada dos elementos probatórios constantes dos autos resulta patente a insuficiência das circunstâncias invocadas pelo Tribunal a quo para presumir a existência de fortes indícios da prática de atos ou acordos suscetíveis de falsear a concorrência.

MM. E, como vimos, o facto de a aqui Recorrente e a [SCom02...] partilharem de elementos em comum nas respetivas estruturas societárias não é, individualmente considerado, suficiente para excluir as respetivas propostas, ao abrigo do disposto no artigo 70.°, n.° 2, alínea g), do CCP - como, aliás, o próprio Tribunal reconhece.

NN. Não podendo, de resto, ser relevado, nos termos em que o foi pelo Tribunal a quo, o facto de quer um procurador quer os membros do conselho de administração representarem as sociedades, uma vez que, não existe nenhuma forma alternativa de uma sociedade se representar.

OO. O relevante é que num dos casos a proposta foi assinada por um membro do conselho de administração e no outro por um procurador que, para além de ser evidentemente uma pessoa diferente, não tem assento no conselho de administração, pelo que totalmente separados.

PP. Pelo que, tendo decaído, um a um, todos os restantes indicativos invocados pelo Tribunal a quo para sustentar a improcedência da ação proposta pela ora Recorrente, forçoso se torna concluir inexistirem indícios fortes que a Autora concertou a respetiva proposta com a da concorrente [SCom02...], de modo a impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência.

QQ. À luz de todo o exposto, não encontrando a fundamentação que o Tribunal a quo utiliza para sustentar os segmentos decisórios contidos nas alíneas ii) e iii) do dispositivo da Sentença, qualquer respaldo na prova documental carreada para os autos e designadamente no teor do processo administrativo instrutor apresentado pela Recorrida, incorreu o Tribunal a quo num inequívoco erro de julgamento ao subsumir a factualidade sub judice à previsão do artigo 70.°, n.° 2, g) do CCP, no âmbito das alíneas ii) e iii) do dispositivo da Sentença recorrida, termos em que merecem as mesmas censura, devendo, por isso, ser corrigidas por este douto Tribunal ad quem. (…)”.


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3. Notificadas que foram para o efeito, a Recorrida CIRA e as Contrainteressadas [SCom03...], Lda., [SCom05...], S.A., e [SCom06...], S.A., contra-alegaram, defendendo a improcedência da apelação.

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4. Subsequentemente, a CIRA deduziu RECURSO SUBORDINADO, para o que alegou, apresentando para o efeito as seguintes conclusões: “(…)

1- O presente recurso é interposto da parte decisória da douta sentença proferida nestes autos, que julgou ilegal a norma do artigo 5.º n.º 4 do Programa do Concurso.

2- O recurso abrange a matéria de facto, uma vez que se entende ser relevante levar-se aos factos provados o Caderno de Encargos o qual se mostra junto aos autos e desse modo se mostra provado.

3- A inclusão, nomeadamente das cláusulas 1.ª, 2.ª, 5.ª, 7.ª, 14.ª e 15.ª, é essencial para se estabelecer qual o tipo de concurso, o contrato de acordo quadro resultante do procedimento, as entidades envolvidas, o prazo do mesmo e as obrigações dos cocontratantes, da aqui recorrente e das entidades adquirentes.

4- Mais deve ser levado à matéria provada o Anexo IV, de fls. 1064, pois que é relevante para se saber quais os municípios e freguesias abrangidas por este acordo quadro.

Assim deve ser acrescentado à matéria provada:

Do P.A. consta o:

Anexo IV – Entidades adquirentes abrangidas pela Central de Compras da Comunidade Intermunicipal da Região ...;

1. Município 1...;

2. Município 2...;

3. Município 3...;

4. Município 4...;

5. Município 5...;

6. Município 6...;

7. Município 7...;

8. Município 8...;

9. Município 9...

10. Município 10...;

11. Município 11...;

12. Comunidade Intermunicipal da Região de ...;

13. Junta de Freguesia 1...;

14. Junta de Freguesia 2..., ... e ...;

15. Junta de Freguesia 3....

5- A douta sentença considerou que o n.º 4, do artigo 5.º, do Programa de Concurso seria ilegal, mas não atentou na particularidade deste concurso e do seu objeto constante da cláusula 3.ª do Caderno de Encargos: a celebração de um acordo-quadro para a seleção de fornecedores de refeições escolares (Lotes 1 a 4), designadamente em estabelecimentos enquadrados nos sistemas de ensino pré-escolar, 1.º, 2.º e 3.º ciclos e secundário, nos termos e ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 252.º do Código dos Contratos Públicos e do presente caderno de encargos, para as entidades que integram CC-CIRA;

E do artigo 1.º do Programa do Concurso: O presente procedimento segue a tramitação do concurso público, nos termos do disposto nos artigos 130.º a 154.º do Código dos Contratos Públicos (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, na sua redação atual), e é designado por “Acordo-Quadro para o Fornecimento de Refeições Escolares” e considera-se contrato sem valor nos termos do n.º 9 do art.º 17.º do Código dos Contratos Públicos

6- Bem como não atentou estarmos perante um concurso que, como resulta dos citados normativos do Caderno de Encargos e Programa de Concurso e ainda da cláusula 5.ª do CE e artigo 21.º do PC, vigora por 12 meses prorrogável por mais 12 meses, se destina a selecionar 5 fornecedores para fornecimento de refeições escolares dos ensinos pré-primário até ao 3.º ciclo, e ainda a freguesias, IPSS e bombeiros, de 11 Municípios.

7- E que depois serão, já não a aqui recorrente (entidade adjudicante) a contratar com os fornecedores selecionados, mas sim as várias entidades adquirentes – ver artigo 13.º do PC.

8- As entidades que futuramente pretendam adquirir as refeições (entidade adquirente) apenas pedirão preços aos 5 fornecedores selecionados pelo que, tendo em consideração ainda:

a) O vastíssimo campo de atuação (dezenas de milhar de refeições escolares diárias em 11 municípios);

b) A importância do fornecimento (alimentação, pelo menos, de toda a juventude escolar de 11 municípios);

c) A variação que pode haver no número:

• das refeições a fornecer,

• das entidades a contratarem essas refeições,

d) A urgência, que em muitos casos se reveste o fornecimento de algumas refeições;

e) O prazo de duração do Acordo Quadro ;

É de primordial e essencial importância que haja uma sã concorrência entre tais fornecedores, de molde a não se correr o risco de todas as refeições de 11 concelhos possam ser alvo de manipulação de preços e daí também a necessidade de haver um conjunto alargado de fornecedores que permita uma sã concorrência entre os fornecedores.

9- Estar agora a apurar se as propostas agora apresentadas, no concurso, pelos concorrentes [SCom01...] e [SCom02...] foram elaboradas por pessoas distintas, é inócuo, uma vez que mesmo que o tenham sido nada garante que posteriormente quando solicitadas para dar preços para os fornecimento que lhes venham a ser solicitados pelas várias entidades adquirentes, essas propostas de preços sejam elaboradas por pessoas distintas e com autonomia e isenção.

10- Os mecanismos de controlo existentes na fase de concurso, nomeadamente a apreciação pelo júri das propostas, inexistirão futuramente aquando da aquisição, pelo que é imperioso garantir nesta fase a independência dos fornecedores, daí a preocupação de se escolherem 5 fornecedores distintos.

11- O artigo 132.º, n.º 4 do CCP, permite que «o programa do concurso pode ainda conter quaisquer regras específicas sobre o procedimento de concurso público consideradas convenientes pela entidade adjudicante, desde que não tenham por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência». Ora o objetivo da norma do n.º 4 do artigo 5.º do Programa do Concurso foi exatamente de abrir à concorrência, não permitir criação de mecanismos de manipulação de propostas.

12- É uma violação do princípio da concorrência selecionar dois fornecedores em que o sócio largamente maioritário é o mesmo, que esse mesmo sócio faz parte do conselho de administração dum e da gerência do outro e ambos se dedicam ao mesmo comércio. Na realidade não serão opositores num concurso e bem assim no decurso da execução do mesmo, como obriga o artigo 313.º n.º 2 do CCP.

13- A subscrição das propostas por pessoas distintas, sendo que em ambos os casos ([SCom01...] e [SCom02...]) o subscritor é tão só um procurador, é um fraco disfarce do seu real autor. O procurador age em representação e sob as instruções do mandante - artigo 1161.º/a) do Código Civil, como tal ser o Sr. «AA» a assinar a proposta em representação da recorrente [SCom01...] (fls. 871 do PA no SITAF), o qual atua como procurador, ou o senhor «BB» que subscreve a proposta da [SCom02...] munido duma procuração outorgada pelo Sr. «CC», sócio gerente da [SCom02...], o mesmo Sr. «CC» que, para além de administrador, é acionista da [SCom01...], S.A., com uma quota-social no valor nominal de €2.487.500,00, representativa de 99,5% do capital social, é irrelevante para demonstrar uma pretensa independência, que objetivamente não existe.

14- Ante o contexto e particularidade deste concurso, a declaração de ilegalidade da norma do artigo 5.º n.º 4 do Programa do concurso, constitui uma violação ao princípio da concorrência e do disposto no artigo 70.º, n.º 2 alínea g) do CCP e artigo 9.º, da Lei n.º 19/2012 (…)”.


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5. Relativamente a este RECURSO SUBORDINADO, a [SCom01...] produziu contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo: “(…)

A. O Recurso a que ora se responde vem interposto do segmento decisório vertido na alínea i) do dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 13.03.2025 (“Sentença”), nos termos do qual foi julgado “Procedente o pedido deduzido a título incidental de ilegalidade na norma do artigo 5.º, n.º 4 do Programa de Concurso”, tendo a mesma sido considerada pelo Tribunal a quo como “contrária ao princípio da concorrência e da proporcionalidade” , por implicar “por si só, a exclusão imediata, abstracta e automática da proposta da Autora estabelecendo uma presunção inilidível de distorção da concorrência, apresentando-se, tal norma, ferida de ilegalidade por violação do disposto nos artigos 1.º do CCP e 7.º do CPA” .

B. A fundamentação de direito da Sentença recorrida encontra-se em linha e em total conformidade com aquele que tem sido o entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores nacionais e, também, do TJUE, acima citado (vide, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.12.2023, 04.04.2024, proferidos no âmbito dos processos n.º 0275/22.4BECTB e 01053/23.9BEPRT, respetivamente).

C. É a própria CIRA que admite que “(…) norma do artigo 5.º, n.º 4 do Programa de Concurso é clara e objetiva ao estabelecer que o júri tem de excluir as propostas apresentadas por duas ou mais empresas concorrentes que tenham como sócios/acionistas ou gerentes/administradores a(s) mesma(s) pessoa(s)” , dúvidas não há que estamos perante uma norma claramente taxativa, que impõe a exclusão absoluta e automática de propostas apresentadas por empresas cuja estrutura acionista, em certo grau ou medida, partilhe de elementos em comum.

D. De facto, (i) não é a partir da simples constatação de que duas empresas estão, de algum modo, associadas entre si que se pode concluir, sem necessidade de mais, que ocorreu um falseamento das regras da concorrência, (ii) nem os operadores económicos podem estar impedidos, liminarmente, de apresentar propostas no âmbito do mesmo procedimento précontratual unicamente com base no facto de apresentarem similitudes na sua estrutura acionista.

E. A Recorrente não contesta os fundamentos de direito com base nos quais o Tribunal a quo decide, nem cuida de apresentar um único fundamento legal, doutrinal ou jurisprudencial, que pudesse, porventura, impor um sentido decisório distinto do constante da decisão ora recorrida,

F. Limitando-se a tecer uma série de considerações inócuas – porque desligadas do verdadeiro motivo que determinou a ilegalidade da norma em apreço – insuscetíveis de produzir qualquer impacto no segmento decisório em apreço, porquanto nenhum dos argumentos aduzidos pela Recorrente permite afastar a conclusão de que a norma do artigo 5.º, n.º 4, do PC impõe a exclusão automática, liminar e imediata de propostas apresentadas de forma autónoma por empresas cuja estrutura social apresente alguma semelhança – tendo sido por essa razão que a norma foi declarada ilegal.

VEJAMOS MELHOR,

Da total improcedência do recurso interposto pela CIRA

G. Não corresponde à verdade que o Tribunal a quo, na Sentença recorrida, não tenha tido em consideração as particularidades do concurso em apreço, resultando, nomeadamente das alíneas A), B), C) Factos Provados que o Tribunal a quo estava perfeitamente ciente do objeto do procedimento, da circunstância de se tratar de um acordo-quadro e de que seriam escolhidas as 5 melhores propostas para integrar o mesmo, pelo que não é necessário levar à matéria de facto provada o teor das cláusulas 1.ª, 2.ª, 5.ª, 7.ª, 14.ª, 15.ª do Caderno de Encargos.

H. Acresce que, à luz do fundamento jurídico que levou o Tribunal a quo a declarar a ilegalidade da norma procedimental em apreço é, manifestamente irrelevante – no sentido de não ser suscetível de alterar tal decisão –, que passe a constar da Sentença quem são os municípios e freguesias envolvidos no acordo-quadro sub judice, qual o prazo de vigência do mesmo, quais as obrigações dos operadores económicos que venham a ser abrangidos pelo acordo-quadro e quais as obrigações da CIRA ou das entidades adquirentes no âmbito do acordo-quadro, nos termos em que resultam do teor literal teor das cláusulas 1.ª, 2.ª, 5.ª, 7.ª, 14.ª, 15.ª do CE, bem como do Anexo IV.

I. A ilegalidade da norma não se reporta, nem se prende com nenhum destes aspetos, sendo independente de todos eles: prende-se com o facto de ter sido incluída nas peças do procedimento uma norma que obriga à exclusão liminar e imediata de propostas que sejam apresentadas autonomamente por entidades especialmente relacionadas entre si, em violação dos princípios da proporcionalidade e da concorrência – e nenhuma das referidas cláusulas permite concluir em sentido diverso.

J. Assim, (i) na medida em que deverão apenas constar da factualidade provada os factos que revistam efetivo interesse para a decisão do mérito da causa e (ii) não tendo as referidas cláusulas, como acabámos de ver, qualquer impacto na verdadeira razão pela qual a norma do artigo 5.º, n.º 4, do PC foi declarada ilegal – não sendo, de resto, suscetíveis de contrariar a fundamentação jurídica subjacente ao segmento decisório em discussão – seria totalmente desprovido de qualquer sentido ou utilidade o Tribunal a quo ter citado, no âmbito da Sentença, o teor das cláusulas do CE e do PC que a Recorrente cita nas páginas 2 a 11 das respetivas Alegações de Recurso.

K. Decaindo, in totum, e especialmente atenta a sua irrelevância para os fundamentos de direito que conduziram à concreta declaração de ilegalidade da norma do artigo 5.º, n.º 4, do PC, as Conclusões n.º 2 a 7 das Alegações de Recurso ora sob resposta, bem como todo o argumentário expendido pela Recorrente nesse âmbito.

L. Igualmente inócuo é a Recorrente discorrer longamente sobre o racional que esteve subjacente à sua decisão de incluir a norma do artigo 5.º, n.º 4, do PC na peça procedimental em questão.

M. Com efeito, independentemente das pretensas intenções da Recorrente em incluir tal norma no PC, o que releva para aferir da ilegalidade da norma nos termos peticionados pela [SCom01...] é o efeito prático da inserção da norma nas peças do procedimento e não as razões que motivaram a CIRA a decidir pela sua inserção.

N. Ora, da forma como está redigida, a norma do 5.º, n.º 4, do PC implica exclusão automática, liminar e imediata de propostas apresentadas de forma autónoma por empresas cuja estrutura social apresente semelhanças – o que não deixa de ser verdade, independentemente de quais tenham sido os potenciais motivos que eventualmente tenham levado a CIRA a incluir tal norma no procedimento.

O. Ainda que o objetivo da Recorrente fosse mesmo a “prossecução da igualdade de tratamento dos concorrentes da transparência”, recorde-se que facilmente poderia ter optado, à luz dos princípios da adequação e proporcionalidade, por outra estratégia procedimental que, ao abrigo da transparência, garantisse o não falseamento da concorrência, sem prejudicar o núcleo do direito de liberdade económica dos eventuais concorrentes, limitando a estratégia pela qual as empresas podem enveredar, ou os concursos nos quais podem participar.

P. Termos em que decaem, em absoluto, e atenta a sua manifesta irrelevância para o racional subjacente à declaração de ilegalidade da norma do artigo 5.º, n.º 4, do PC, as Conclusões n.º 8 a 11 das Alegações de Recurso ora sob resposta, bem como todo o argumentário expendido pela Recorrente nesse âmbito.

Q. Por fim, carecem, também, de relevância as considerações que a Recorrente tece sobre as particularidades das procurações da ora Recorrida e da [SCom02...] e, bem assim, sobre as semelhanças de que as respetivas estruturas societárias partilham.

R. A norma é ilegal logo à partida, independentemente da identidade ou idiossincrasias das estruturas societárias de potenciais concorrentes.

S. De resto, e como é evidente o Tribunal a quo não concluiu pela ilegalidade da norma com base nas características das estruturas societárias ou os termos das procurações da aqui Recorrida e da [SCom02...], mas sim por a mesma impor a exclusão automática, liminar e imediata de propostas apresentadas de forma autónoma por empresas cuja estrutura social apresente semelhanças.

T. Os argumentos expendidos pela Recorrente a este propósito são, como tal, desprovidos de qualquer pertinência, desde logo porque a norma sempre seria ilegal, quer a [SCom01...] ou a [SCom02...] tivessem apresentado proposta no concurso sub judice ou não.

U. Termos em que, uma vez mais, e conforme antecipado, a Recorrente falha em apresentar algum fundamento que pudesse justificar a revogação do segmento decisório que coloca em causa.

V. Decaindo, assim, in totum, e atenta a sua manifesta irrelevância para o racional subjacente à declaração de ilegalidade da norma do artigo 5.º, n.º 4, do PC, as Conclusões n.º 12 e 13 das Alegações de Recurso ora sob resposta, bem como todo o argumentário expendido pela Recorrente nesse âmbito.

W. Não merecendo, de resto, a Sentença recorrida qualquer reparo ou censura, devendo o recurso sob resposta ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra o segmento decisório vertido na alínea i) da Sentença recorrida, que declarou a ilegalidade da norma do artigo 5.º, n.º 4, do PC – decaindo, como tal e nessa sequência, a Conclusão n.º 14 das Alegações de Recurso ora sob resposta. (…)”.


*

6. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão dos recursos, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

*

7. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não exerceu a competência prevista no n.º1 do artigo 146.º do CPTA.

*

8. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

* *
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

9. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

10. Neste pressuposto, cumpre a este Tribunal Superior, em termos de procedência lógica, pronunciar-se sobre as seguintes questões:

(i) Da impugnação do despacho que indeferiu a produção de prova testemunhal requerida pela Autora [SCom01...] [recurso principal];

(ii) Da impugnação da matéria de facto, com a apreciação dos aditamentos de factos requeridos pela Autora [SCom01...] e pela Ré CIRA [recurso principal e subordinado];

(iii) Da legalidade da norma do artigo 5.º, n.º 4 do Programa de Concurso, objeto do recurso subordinado da CIRA [recurso subordinado];

(iv) Da legalidade do ato de exclusão da proposta da [SCom01...] e do ato de adjudicação, em particular quanto à verificação de fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras da concorrência, nos termos do artigo 70.º, n.º 2, alínea g) do CCP [recurso principal];

(v) Das consequências jurídicas da decisão para os pedidos de anulação e condenação à readmissão e adjudicação [recurso principal]:

11. É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.


* *

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

12. O quadro fáctico apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…)

A- Em 19.07.2024, por deliberação do Conselho Intermunicipal da Comunidade Intermunicipal da Região ..., foi autorizada a abertura de procedimento para Acordo-Quadro para fornecimento de refeições escolares. – cfr. págs. 1 a 4 de fls. 386 do SITAF.

B- Em 09.08.2024, foi publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 160, parte L, o «Anúncio de procedimento n.º 16792/2024», objeto de publicação também no Jornal Oficial da União Europeia, cujo teor se dá por reproduzido e do qual consta, além do mais o seguinte:
“(…)

5 - PROCESSO
Tipo de Procedimento: Concurso público Preço base do procedimento: Não Procedimento com lotes?
Sim
Nº Máx. de Lotes Autorizado: 4
Número máximo de lotes que podem ser adjudicados a um concorrente: 4
6 - OBJETO DO CONTRATO Número de referência interna: CPAQ/15/2024 Descrição: Acordo
Quadro para fornecimento de refeições escolares
Opções: Não
Tipo de Contrato Principal: Aquisição de Serviços
Classificação CPV (Vocabulário Comum para os Contratos Públicos)
Objeto principal Vocabulário Principal: 55524000
Lotes: Nº: LOT-0001
Descrição do Lote: Fornecimento e distribuição de refeições escolares em regime de confeção local
Classificação CPV (Vocabulário Comum para os Contratos Públicos)
Objeto principal Vocabulário Principal: 55524000
Nº: LOT-0002 Descrição do Lote: Fornecimento de refeições escolares transportadas a quente
Classificação CPV (Vocabulário Comum para os Contratos Públicos)
Objeto principal Vocabulário Principal: 55524000
Nº: LOT-0003
Descrição do Lote: Fornecimento de matéria-prima alimentar e não alimentar Classificação CPV
(Vocabulário Comum para os Contratos Públicos)
Objeto principal Vocabulário Principal: 55524000
Nº: LOT-0004
Descrição do Lote: Fornecimento e distribuição agregado de refeições escolares em regime de confeção local e transportadas a quente
Classificação CPV (Vocabulário Comum para os Contratos Públicos)
Objeto principal Vocabulário Principal: 55524000
(…)
21 - CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO
O Critério de adjudicação é diferenciado por lote? Não
Multifator: Não Monofator:
Nome: Preço
O Critério de adjudicação é diferenciado por lote? Não
Multifator: Não Monofator:
Nome: Preço
O Critério de adjudicação é diferenciado por lote? Não
Multifator: Não Monofator:
Nome: Preço
O Critério de adjudicação é diferenciado por lote? Não
Multifator: Não Monofator:
Nome: Preço (…)” – cfr. págs. 1 a 8 de fls. 626 e págs. 1 a 7 de fls. 634 do SITAF.

C- Do teor do «Programa de Concurso» que aqui se dá por integralmente reproduzido, consta, além do mais, o seguinte:
“(…)

Artigo 1.º - Objeto do procedimento

1. O presente procedimento segue a tramitação do concurso público, nos termos do disposto nos artigos 130.º a 154.º do Código dos Contratos Públicos (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, na sua redação atual), e é designado por “Acordo-Quadro para o Fornecimento de Refeições Escolares” e considerase contrato sem valor nos termos do n.º 9 do art.º 17.º do Código dos Contratos Públicos;
2. O presente procedimento tem por objeto a seleção de cocontratantes de um acordo-quadro para o fornecimento de refeições escolares e respetivos serviços opcionais associados, designadamente nos estabelecimentos enquadrados nos sistemas de ensino pré-escolar, 1.º, 2.º e 3.º ciclos e secundário, em conformidade com as cláusulas técnicas descritas no caderno de encargos, na modalidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 252.º do Código dos Contratos Públicos.
(…)

5. O presente acordo-quadro, inclui, nos termos do artigo 46.º-A do Código dos Contratos Público, os seguintes lotes:
a) Lote 1 – Fornecimento e distribuição de refeições escolares em regime de confeção local;

b) Lote 2 – Fornecimento de refeições escolares transportadas a quente;

c) Lote 3 – Fornecimento de matéria-prima alimentar e não alimentar.

d) Lote 4 – Fornecimento e distribuição agregado de refeições escolares em regime de confeção local e transportadas a quente.
(…)

Artigo 5.º - Agrupamentos

1. Podem ser concorrentes, agrupamentos de pessoas singulares e coletivas, qualquer que seja a atividade por elas exercida, sem que entre as mesmas exista qualquer modalidade jurídica de associação, desde que, cumulativamente, respeitem as seguintes condições:
a) Os elementos que integrem o agrupamento respeitem o disposto no artigo anterior;

b) Os elementos que compõem o agrupamento declarem que, em caso de adjudicação, e antes da celebração do contrato, se associam na modalidade de consórcio externo de responsabilidade solidária, de acordo com os números seguintes.
2. A constituição jurídica dos agrupamentos não é exigida aquando da apresentação da proposta, mas as empresas agrupadas ficam responsáveis solidariamente, perante a entidade adjudicante, pela manutenção da proposta e pelo pontual cumprimento das obrigações emergentes da mesma.
3. Cada entidade pode integrar apenas um agrupamento, não podendo nenhuma entidade, em simultâneo, integrar um agrupamento e participar individualmente no presente procedimento concursal.
4. Sempre que duas ou mais empresas concorrentes, no presente concurso público, tenham como sócios/acionistas ou gerentes/administradores a(s) mesma(s) pessoa(s), entende-se que, nos termos da Decreto-Lei n.º 108/2021, de 7 de dezembro, entre elas não pode haver concorrência, assim, caso pretendam apresentar proposta terão obrigatoriamente de se constituir como agrupamento concorrente, sob pena de todas essas empresas concorrentes serem excluídas do concurso.

5. Quando a proposta seja apresentada por um agrupamento concorrente, a declaração referida na alínea b) do n.º 1 deve ser assinada pelo representante comum dos membros que o integram, caso em que devem ser juntos à declaração os instrumentos de mandato emitidos por cada um dos seus membros ou, não existindo representante comum, deve ser assinada por todos os seus membros ou respetivos representantes.
(…)

Artigo 7.º - Concorrência

A prática de atos ou acordos suscetíveis de falsear as regras da concorrência é inadmissível e importará a exclusão da proposta, bem como será imediatamente comunicada à Autoridade da Concorrência, nos termos do n.º 4 do artigo 70.º do Código dos Contratos Públicos, sofrendo ainda os infratores as demais consequências legais aplicáveis ao caso concreto.
(…)

Artigo 19.º - Análise das propostas e admissão de concorrentes

1. As propostas são analisadas em todos os seus atributos representados pelos fatores e subfactores que densifiquem o critério de adjudicação e termos e condições de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 70.º do Código dos Contratos Públicos.
2. São excluídas as propostas relativamente às quais se verifique qualquer uma das hipóteses previstas no n.º 2 do artigo 70.º ou no n.º 2 do artigo 146.º, ambos do Código dos Contratos Públicos. 3. Serão excluídas as propostas que estabeleçam condições, por parte do concorrente, diferentes das apresentadas nas peças do procedimento, ou que imponham restrições, entre outras, quantidades mínimas de entrega, prazos de pagamento diferentes do legislado.
4. Serão excluídas as propostas que não apresentem preço a todos os serviços do lote ou lotes a que concorre.
(…)

Artigo 21.º - Critérios de adjudicação e de seleção

1. O critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais vantajosa, na modalidade de monofator sendo o mais baixo preço o único aspeto da execução do contrato a celebrar, nos termos da alínea b), do n.º 1 do artigo 74.º do Código dos Contratos Públicos.
2. Concluída a análise das propostas e após a aplicação do critério de adjudicação, a Entidade Adjudicante graduá-las-á por ordem crescente de mérito para efeitos de adjudicação.
3. A adjudicação é feita por lote às 5 (cinco) melhores propostas de fornecimento de refeições escolares selecionadas de acordo com os critérios de adjudicação e que cumpram cumulativamente os requisitos técnicos mínimos constantes do caderno de encargos. (…)” – cfr. págs. 1 a 13 de fls. 590 do SITAF.

D- Apresentaram proposta ao procedimento pré-contratual identificado na alínea A) as empresas [SCom02...], [SCom01...], [SCom07...], [SCom04...], [SCom06...] e [SCom03...], cujo teor se dá qui por reproduzido. – cfr. fls. 641 a 690, fls. 691 a 801, fls. 803 a 831, fls. 832 a 868, fls. 871 a 898 do SITAF e Pen drive junta aos autos.

E- A [SCom01...] é uma sociedade anónima, com sede na Rua ..., Parque Industrial ..., freguesia ... e ..., do concelho ..., cujo objeto social é a gestão de restaurantes públicos e provados e refeitórios de empresas e catering, sendo o conselho de administração constituído por «DD» (presidente), «EE», «FF», «GG» e «HH». – cfr. certidão comercial permanente de págs. 1 a 12 de fls. 98 do SITAF.

F- A [SCom01...] declarou, como beneficiário, no Registo Central do Beneficiário Efectivo, «CC». – cfr. págs. 1 e 2 de fls. 326 do SITAF.

G- A empresa [SCom02...], LDA, pessoa colectiva n.º ...06, é uma sociedade por quotas, com sede na Rua ..., freguesia ... e ... do concelho ..., cujo objeto social é a exploração de refeitórios, restauração pública, serviço de banquetes, catering, bem como prestação de serviços de apoio a estas atividades, nomeadamente, decoração, animação, fotografia, publicidade, marketing e todos outros serviços conexos com esta atividade, sendo sócios «CC», detentor de uma quota no valor nominal de 760.000,00 € e «II», detentora de uma quota no valor nominal de 40.000,00 € e gerentes «GG», «HH» e «CC». - cfr. certidão comercial permanente de págs. 1 a 5 de fls. 110 do SITAF.

H- A empresa [SCom02...], LDA declarou, como beneficiários, no Registo Central do Beneficiário Efetivo, «GG», «HH» e «CC»– cfr. págs. 1 a 4 de fls. 328 do SITAF.

I- A proposta da [SCom01...] foi submetida e assinada por «JJ», em representação da sociedade, na qualidade de procurador. - cfr. págs. 1 e 2 de fls. 871, págs. e 2 de fls. 875, págs. 1 a 18 de fls. 880 e pág. 1 de fls. 898 do SITAF.

J- A proposta da [SCom02...], LDA foi submetida e assinada por «BB», em representação da sociedade, na qualidade de procurador. – cfr. pasta constante da Pen Drive junta aos autos.

K- A proposta apresentada pela [SCom01...] é composta por um documento denominado Anexo III, cujo teor se reproduz:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. pág. 1 de fls. 873 do SITAF.

L- A proposta apresentada pela [SCom02...], LDA é composta por um documento denominado Anexo III, cujo teor se reproduz:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. pasta constante da Pen Drive junta aos autos.

M- Em 19.09.2024, o Júri do referido procedimento concursal elaborou “Relatório Preliminar”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:

“(…)

4. ABERTURA ELETRÓNICA DAS PROPOSTAS E DOCUMENTOS E LISTA DE CONCORRENTES Dando cumprimento ao disposto no artigo 138.º do CCP, o Júri do procedimento procedeu à desencriptação das propostas e publicação da lista de concorrentes, ordenada em razão do momento de apresentação da respetiva proposta, na plataforma eletrónica, tendo verificado a entrada tempestiva de 6 (seis) propostas, conforme o seguinte quadro:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

5. ANÁLISE DAS PROPOSTAS O júri do Concurso procedeu à análise das propostas, nos termos do disposto nos artigos 70º e 146º, ambos do Código dos Contratos Públicos, tendo-se verificado que as mesmas se encontram em conformidade com o estatuído no artigo 12.º do Programa de Concurso, pelo que o júri deliberou admitir ao presente procedimento, as propostas apresentadas.
6. ORDENAÇÃO DAS PROPOSTAS

Nos termos do artigo 21.º do Programa de Concurso supra mencionado, o critério de adjudicação será a adjudicação, por lote, das 5 (cinco) melhores propostas de preço e que cumpram cumulativamente os requisitos técnicos constantes do Caderno de Encargos. Após a análise e avaliação das propostas, o Júri do procedimento considerou que todas as propostas admitidas se encontravam em condições de serem ordenadas, tendo-se obtido a seguinte ordenação, por lote:
Lote 1 - Fornecimento e distribuição de refeições escolares em regime de confeção local:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Lote 2 - Fornecimento de refeições escolares transportadas a quente:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Lote 3 - Fornecimento de matéria-prima alimentar e não alimentar:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Lote 4 – Fornecimento e distribuição agregado de refeições escolares em regime de confeção local e transportadas a quente:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
7.SELECÇÃO DE CONCORRENTES Tendo em conta que só serão selecionados para cada um dos lotes os concorrentes ordenados nos cinco primeiros lugares, conforme previsto no n.º 1 do artigo 21.º do Programa do Concurso, propõe-se superiormente que sejam selecionados os seguintes concorrentes:
Lote 1 - Fornecimento e distribuição de refeições escolares em regime de confeção local:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Lote 2 - Fornecimento de refeições escolares transportadas a quente:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Lote 3 - Fornecimento de matéria-prima alimentar e não alimentar:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Lote 4 – Fornecimento e distribuição agregado de refeições escolares em regime de confeção local e transportadas a quente:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)”. - cfr. págs. 1 a 7 de fls. 1126 do SITAF.

N- As Contrainteressadas [SCom03...] e [SCom04...] apresentaram pronúncia em sede de audiência prévia, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. – cfr. págs. 1 a 7 de fls. 1133 e págs. 1 a 8 de fls. 1177 do SITAF.

O- Em 10.10.2024, o Júri do procedimento concursal elaborou “Relatório Final”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:

“(…)

8. AUDIÊNCIA PRÉVIA

Em cumprimento do disposto no art.º 147.º do CCP, foi fixado o prazo de 5 dias úteis para que os concorrentes se pudessem pronunciar, por escrito, ao abrigo da audiência prévia.
Os concorrentes [SCom03...], Lda. e [SCom04...], Lda., pronunciaramse ao abrigo do direito de audiência prévia, conforme Anexos I e II que se juntam, nos termos que resumidamente se reproduz infra:
[SCom03...], Lda.

I – Da devida exclusão das propostas apresentadas pelos Concorrentes [SCom01...] e [SCom02...], face à existência de fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência.
As propostas apresentadas pelas concorrentes [SCom01...], S.A. (“[SCom01...]”) e [SCom02...], LDA. não cumprem com as exigências fixadas nos artigos 5.º, n.º 4 e 7.º do Programa de Concurso, devendo, como tal, as mesmas ser excluídas, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea g) do CCP.
Ora vejamos,

Compulsada a documentação que integra as propostas apresentadas pelas empresas mencionadas supra, em particular as respetivas certidões de registo comercial, bem como os RCBE´s das duas empresas que juntamos em anexo, verificamos que:
Os três gerentes da [SCom02...] LDA. («GG», «HH» e «CC») são também administradores da [SCom01...], S.A.;
O Sr. «CC», para além de gerente, é sócio da [SCom02...] LDA., com uma quotasocial no valor nominal de €760.000,00, representativa de 95% do capital social;
O Sr. «CC», para além de administrador, é acionista da [SCom01...], S.A., com uma quota-social no valor nominal de €2.487.500,00, representativa de 99,5% do capital social. Portanto, resulta claro do exposto que, no caso em apreço, estamos perante duas empresas que concorrem, separadamente, no presente concurso, com a apresentação de propostas autónomas, não obstante terem como sócios/gerentes ou gerentes/administradores as mesmas pessoas.
Com efeito, de acordo com o citado artigo 5.º, n.º 4 do Programa de Concurso, “Sempre que duas ou mais empresas concorrentes, no presente concurso público, tenham como sócios/gerentes ou gerentes/administradores a(s) mesma(s) pessoa(s), entende-se que, nos termos do Decreto-Lei n.º 108/2021, de 7 de dezembro, entre ela não pode haver concorrência, assim, caso pretendem apresentar proposta terão obrigatoriamente de se constituir como agrupamento concorrente, sob pena de todas essas empresas concorrentes serem excluídas do concurso.”
Neste sentido, versa o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30 de setembro de 20101: “Verifica-se uma violação do princípio da concorrência, quando os administradores de duas das empresas concorrentes a um concurso público são exatamente os mesmos, as propostas de ambas estão assinadas por um administrador comum e estas apresentam uma estrutura formal e gráfica muito idêntica e, nalguns casos mesmo igual.”
O facto de ambas as propostas estarem assinadas por um administrador comum é suficiente para se entender que não se verifica a sua confidencialidade e, como tal, a concorrência não se revela verdadeiramente assegurada.
Pois é certo que, os Administradores/Gerentes das empresas conheciam as duas propostas de antemão e, portanto, antes do termo do prazo para a apresentação das propostas, o que implica uma violação do princípio da igualdade e da concorrência. Em consequência, deverá a proposta de decisão de admissão e de ordenação das propostas apresentadas pela [SCom01...] e [SCom02...], a todos os lotes, ser revogada, devendo, em consequência, ser reordenadas as propostas apresentadas pela [SCom03...], Lda, ora expoente, com a respetiva ordenação em 4.º lugar, quer do Lote 1, quer do Lote 3, com as legais consequências. NESTES TERMOS, Requer-se exclusão das propostas das Concorrentes [SCom01...] e [SCom02...], nos termos e com os fundamentos do disposto no artigo 5.º, n.º 4 e 7.º do Programa de Concurso e artigo 70.º, n.º 1, alínea g) do CCP, com a consequente reordenação das propostas apresentadas nos vários Lotes do Concurso, em particular, e no que à ora exponente concerne, devendo ser a [SCom03...], Lda. ser reordenada na 4.ª posição, dos Lotes 1 e 3, com as legais consequências.
[SCom04...], Lda.

I – EXPOSIÇÃO DOS FACTOS:

Conforme consta do conteúdo do Relatório Preliminar, verifica-se que após proceder à análise dos requisitos formais e materiais das propostas, deliberou propor a admissão dos [SCom01...] S.A. e [SCom02...] LDA, conforme documento número 1, que aqui se anexa e se dá por reproduzido.
Sempre que duas ou mais empresas concorrentes, no presente concurso público, tenham como sócios/acionistas ou gerentes/administradores a(s) mesma(s) pessoa(s), entende-se que, nos termos da Decreto-Lei n.º 108/2021, de 7 de dezembro, entre elas não pode haver concorrência, assim, caso pretendam apresentar proposta terão obrigatoriamente de se constituir como agrupamento concorrente, sob pena de todas essas empresas concorrentes serem excluídas do concurso.”
Conforme se verá adiante, concorrentes no presente concurso público [SCom01...] S.A. e [SCom02...] LDA, têm como administradores/gerentes e acionistas/sócios as mesmas pessoas em comum. E, além do exposto, apresentaram propostas singulares e individuais, nunca se constituíram como agrupamento concorrente, conforme legalmente preceituado. Nesta esteira, pelas razões que supra se demonstrou, considera a ora Exponente que a proposta de decisão plasmada no Relatório Preliminar não poderá manter-se, porquanto, as propostas apresentadas pelos concorrentes [SCom01...], S.A. e [SCom02...] LDA, deverão ser excluídas nos termos do disposto do artigo 5.º, número 4, do respetivo Programa de Concurso. Porquanto, resulta evidente da análise dos concorrentes respetivos e da documentação exposta, que as ora sociedades mencionadas, partilham entre si, alguns membros dos órgãos sociais, administradores e gerentes, estrutura societária, partilhando inclusivamente a sede social.
Face a tudo o exposto, requer-se, a V.Exas, que sejam excluídas as propostas apresentadas pelas concorrentes [SCom01...] S.A. e [SCom02...] LDA., por violação do disposto do n.º 4 do Artigo 5º do Programa do Concurso, conjugado com o teor do Decreto-Lei n.º 108/2021, de 7 de dezembro. Nestes termos, requer-se, mui respeitosamente, a V.Exas. que, em conformidade com o acima exposto: Sejam excluídas as propostas das concorrentes [SCom01...] S.A. e [SCom02...] LDA. e, consequentemente, seja elaborada nova proposta de decisão final, respeitando todo o preceituado legal.
Analisado o alegado pelos concorrentes [SCom03...], Lda. e [SCom04...], Lda., importa referir o seguinte:
- A entidade adjudicante consagrou, no n.º 4 do artigo 5.º do Programa de Concurso que “Sempre que duas ou mais empresas concorrentes, no presente concurso público, tenham como sócios/acionistas ou gerentes/administradores a(s) mesma(s) pessoa(s), entende-se que, nos termos da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, alterada pela Lei nº 23/2018, de 5 de junho, entre elas não pode haver concorrência, assim, caso pretendam apresentar proposta terão obrigatoriamente de se constituir como agrupamento concorrente, sob pena de todas essas empresas concorrentes serem excluídas do concurso”.
- A suprarreferida norma do artigo 5.º, n.º 4 do Programa de Concurso é clara e objetiva ao estabelecer que o júri tem de excluir as propostas apresentadas por duas ou mais empresas concorrentes que tenham como sócios/acionistas ou gerentes/administradores a(s) mesma(s) pessoa(s).

- No caso concreto, existe uma relação de interdependência entre as empresas [SCom02...], Lda. e [SCom01...], S.A já que o sócio «CC» é sócio maioritário em cada uma das sociedades, detendo 95% do capital social da sociedade [SCom02...], Lda. e 99,5% do capital social da [SCom01...], S.A.
- Existem fortes indícios das concorrentes [SCom02...], Lda. e [SCom01...], S.A terem adotado ato/prática suscetível de falsear as regras da concorrência, nos termos previstos nos artigos 70.º, n.º 2, al. g), do CCP e artigo 9.º da Lei n.º 19/2012, já que a prova indireta é consistente para presumir a ocorrência de concertação.
-O presente procedimento é um concurso público para a formação de um acordo-quadro em que são selecionadas as cinco melhores propostas, pelo que a apresentação de duas propostas permite, por um lado, duplicar as possibilidades de lhe ser adjudicado e reduz o número de cocontratantes do acordo quadro, dando claro e objetivo benefício nos posteriores procedimentos de aquisição efetuados ao abrigo do acordo-quadro (call-off).
Considerações:

I. Dispõe a alínea g) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP que: São excluídas as propostas cuja análise revele a existência de fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência.
Como diz Pedro Sánchez in Direito da Contratação Pública, Volume II, AAFDL Editora, pág. 275: “A lei promove aqui uma remissão para as regras da concorrência, o que equivale a dizer que insere nesta alínea g) a porta para a entrada no procedimento de contratação pública dos métodos de controlo de ilícitos concorrenciais, isto é, punidos pela Lei da Concorrência – atualmente nos artigos 9.º a 12.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio. (...) Portanto, nenhuma exclusão que seja, pelo menos isoladamente, fundada nessa alínea g) pode ser operada através da simples identificação e uma prática que pode distorcer o bom funcionamento do procedimento.
É por isso que (...) não é nesta alínea g) que se pode fundar a exclusão das propostas de duas ou mais empresas que se integrem no mesmo grupo económico e que tenham tentado apresentar propostas simultâneas no mesmo procedimento: isto pela singela circunstância de o Direito da Concorrência jamais identificar uma colusão no caso de empresas que pertencem ao mesmo grupo
(...)” Por sua vez a jurisprudência comunitária, e nomeadamente o acórdão Assitur (Processo C538/07, de 19/05/2009, ECLI identifier: ECLI:EU:C:2009:317), disponível em https://eurlex.europa.eu/legalcontent/PT/TXT/?uri=CELEX%3A62007CJ0538, declarou que o direito comunitário se opõe a uma disposição nacional que “instaure uma proibição absoluta, para as empresas entre as quais exista uma relação de domínio ou que estejam associadas entre si, de participar de forma simultânea e concorrente num mesmo concurso, sem lhes dar a possibilidade de demonstrar que a dita relação não teve influência sobre o seu comportamento respetivo no âmbito desse concurso”.
E, em sintonia com o mesmo a jurisprudência nacional secunda que “não é proibida, só por si, a participação simultânea num mesmo procedimento adjudicatório, com propostas autónomas, de empresas que se encontram entre si numa relação de domínio ou de grupo.” (Neste sentido ver acórdão do STA de 11/01/2011, proferido na revista nº 0851/10, cujo entendimento veio a ser reafirmado no acórdão de 31/03/2011, revista nº 017/11).
II. Em suma, teremos de aferir se, nas circunstâncias concretas de atuação das empresas no procedimento concursal e da análise das propostas por elas apresentadas foi falseada a concorrência, nos termos suprarreferidos, não podendo a mesma basear-se em mera presunção decorrente de qualquer relação de domínio. Mas, e como resulta do suprarreferido, daí, só por si, não resulta a violação deste Preceito.
Vejamos, então, se de toda esta factualidade resulta que a concorrência foi falseada, isto é, que houve um conhecimento mútuo das propostas e que, esse conhecimento implicou um concertar de preços suscetíveis de criar um desequilíbrio de posições que favoreciam ambas as sociedades face aos demais concorrentes.
Que da matéria referida resulta que houve um conhecimento mútuo das propostas não há quaisquer dúvidas.
Pelo que cumpre aferir se desse conhecimento resulta a suscetibilidade de infração das regras da concorrência por se ter atenuado ou suprimido o grau de incerteza quanto ao funcionamento do mercado em causa, o que gera necessariamente uma restrição da concorrência entre empresas. Como se diz no Ac. Acórdão do TJUE de 4 de junho de 2009, T-Mobile (C-8/08), C.J. (2009) por publicar, §§ 32- 35 “importa recordar que os critérios de coordenação e de cooperação constitutivos de uma prática concertada devem ser interpretados à luz da conceção inerente às disposições do Tratado relativas à concorrência, segundo a qual qualquer operador económico deve determinar de maneira autónoma a política que pretende seguir no mercado comum. Se é exato que esta exigência de autonomia não exclui o direito dos operadores económicos de se adaptarem inteligentemente à atuação conhecida ou prevista dos seus concorrentes, opõe-se todavia rigorosamente a qualquer estabelecimento de contactos diretos ou indiretos entre tais operadores, que possa quer influenciar a atuação no mercado de um concorrente atual ou potencial, quer permitir a esse concorrente descobrir a atuação que o outro ou os outros operadores decidiram adotar ou planeiam adotar nesse mercado
(...).

O Tribunal de Justiça declarou, assim, que, num mercado oligopolístico fortemente concentrado (...), a troca de informações é suscetível de permitir às empresas conhecer as posições no mercado e a estratégia comercial dos seus concorrentes e, deste modo, de alterar sensivelmente a concorrência que existe entre os operadores económicos.

Daqui decorre que a troca de informações entre concorrentes é suscetível de infringir as regras da concorrência quando atenua ou suprime o grau de incerteza quanto ao funcionamento do mercado em causa, tendo por consequência a restrição da concorrência entre empresas”.
Não é necessário, assim, provar que a prática concertada em questão tenha tido efetivamente um efeito sobre o mercado, já que o que se proíbe são as práticas cujo objetivo ou efeito seja de restringir a concorrência.
Sendo que, uma vez demonstrada uma prática concertada que tem por objeto restringir a concorrência, as empresas participantes podem ainda procurar demonstrar a sua não implementação ou ausência de efeitos no mercado (Acórdão do TJUE de 8 de julho de 1999, Hüls AG (C-199/92 P), C.J. (1999) I4287, §§ 163 et ss.).
Ora quanto a indícios de conluio entre os diferentes concorrentes temos que, tal como sustenta João Moreira (em: A cartelização em contratação pública - A exclusão de propostas suscetíveis de falsear a concorrência”, in: Estudos de Contratação Pública, III, Coimbra, 2010, pág. 211), os mesmos podem “ser retirados indícios da análise de padrões de adjudicação em procedimentos anteriores, nomeadamente, quando a mesma firma vence todos os concursos ou se parece desenhar um padrão em que cada firma presente nesse mercado vence o concurso à vez. Deverá ser considerado, ainda, suspeito o facto de um proponente apresentar propostas consideravelmente mais elevados nalguns concursos, do que em outros, não existindo justificação de tais opções. … Existem, ainda, indícios importantes que se podem retirar do comportamento dos concorrentes a um procedimento de adjudicação. Deverá um júri considerar suspeitos procedimentos em que diferentes propostas contêm os mesmos erros de cálculo ou de ortografia, o mesmo aspeto gráfico…”.
III. O princípio da concorrência impõe/exige que, nos procedimentos de contratação pública, seja promovida a apresentação do maior número de propostas alternativas possível, por forma a que as entidades públicas contratem de forma eficiente assegurando-se a proteção do interesse público. Para que esse desiderato seja atingido mostra-se necessário que cada um dos concorrentes se apresente com uma estratégia autónoma/independente, formulando a sua melhor proposta com o seu melhor preço.
Ora se os concorrentes se concertarem, reduzindo aquilo que é a imprevisibilidade da concorrência mediante colusão/coordenação entre si de comportamentos, temos que o princípio da concorrência mostra-se posto em causa com os inerentes e graves prejuízos para o interesse público.
Em face de tudo o supra exposto:

- Verifica-se que no caso sub judice tendo em conta as exigências e objetivos prosseguidos pelo princípio da concorrência e das regras da sua tutela; a estrutura societária e ligações de afinidade entre sócios; tratarem-se de empresas no mesmo mercado e que estão entre si numa relação horizontal; tudo aponta não só para a existência de um conhecimento prévio, mas da forte probabilidade que resulta do mesmo de acomodação/ articulação/ coordenação das e entre as propostas de cada uma das concorrentes com os riscos que isso aporta ou pode aportar para as regras da concorrência no procedimento e, nomeadamente, das exigências de estarmos perante reais propostas autónomas/independentes e que garantam ser e estarem em efetiva concorrência. - Atento o facto de o Sr. «CC» ser sócio maioritário, titular de 95% do capital social da sociedade [SCom02...], Lda. e ser igualmente acionista maioritário, titular de 99,5 % do capital social da sociedade [SCom01...], S.A., bem como o facto dos senhores «CC», «GG» e «HH» serem simultaneamente gerentes da sociedade [SCom02...], Lda. e administradores da sociedade [SCom01...], S.A., o júri deliberou, em cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 5.º do Programa de Concurso, excluir as propostas das concorrentes [SCom02...], Lda. e [SCom01...], S.A.
Assim procede-se à correta ordenação por lote:

Lote 1 - Fornecimento e distribuição de refeições escolares em regime de confeção local:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Lote 2 - Fornecimento de refeições escolares transportadas a quente:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Lote 3 - Fornecimento de matéria-prima alimentar e não alimentar:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Lote 4 – Fornecimento e distribuição agregado de refeições escolares em regime de confeção local e transportadas a quente:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)”. – cfr. págs. 1 a 29 de fls. 1191 do SITAF.

P- Na sequência do “Relatório Final” aludido na alínea antecedente a [SCom01...] apresentou pronúncia em sede de audiência prévia, da qual consta, além do mais, o seguinte:

“(…)

II. DA INEXISTÊNCIA DE FUNDAMENTOS PARA A EXCLUSÃO DA PROPOSTA APRESENTADA PELA [SCom01...]
6. Atenta a semelhança na estrutura social das sociedades [SCom01...] e [SCom02...], o Júri propõe a exclusão das respetivas propostas, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 4, do PC, nos termos do qual “Sempre que duas ou mais empresas concorrentes, no presente concurso público, tenham como sócios/acionistas ou gerentes/administradores a(s) mesma(s) pessoa(s), entende-se que, nos termos da Decreto-Lei n.º 108/2021, de 7 de dezembro, entre elas não pode haver concorrência, assim, caso pretendam apresentar proposta terão obrigatoriamente de se constituir como agrupamento concorrente, sob pena de todas essas empresas concorrentes serem excluídas do concurso.”
7. Considerando, em suma, que (i) existe uma relação de interdependência entre as sociedades em apreço e, bem assim, que (ii) “[e]xistem fortes indícios das concorrentes [SCom02...], Lda. e [SCom01...], S.A terem adotado ato/prática suscetível de falsear as regras da concorrência, nos termos previstos nos artigos 70.º, n.º 2, al. g), do CCP e artigo 9.º da Lei n.º 19/2012, já que a prova indireta é consistente para presumir a ocorrência de concertação.” 8. Acabando por concluir que “tudo aponta não só para a existência de um conhecimento prévio, mas da forte probabilidade que resulta do mesmo de acomodação/ articulação/ coordenação das e entre as propostas de cada uma das concorrentes com os riscos que isso aporta ou pode aportar para as regras da concorrência no procedimento e, nomeadamente, das exigências de estarmos perante reais propostas autónomas/independentes e que garantam ser e estarem em efetiva concorrência.” 9. As conclusões a que este Exmo. Júri chega assentam, contudo, e salvo o devido respeito, numa apreciação superficial do caso concreto e, sobretudo, numa regra do Procedimento cujo teor é ilegal e atenta, de forma manifesta, contra o princípio da concorrência.
SENÃO VEJAMOS,

10. Conforme resulta da página 9 do Relatório Final, considera o Júri que a “(…) norma do artigo 5.º,

n.º 4 do Programa de Concurso é clara e objetiva ao estabelecer que o júri tem de excluir as propostas apresentadas por duas ou mais empresas concorrentes que tenham como sócios/acionistas ou gerentes/administradores a(s) mesma(s) pessoa(s)”. (realce nosso)
11. Esta é, portanto, uma norma claramente taxativa, que impõe a exclusão absoluta e automática de propostas apresentadas por empresas cuja estrutura social, em certo grau ou medida, partilhe de elementos em comum.
12. Cumpre, todavia, relembrar que, como explica o Supremo Tribunal Administrativo – e bem –, em Acórdão de 04.04.2024, “As entidades jurídicas especialmente relacionadas entre si, mesmo que constituam uma única empresa para efeitos do regime jurídico da concorrência, não estão impedidas de apresentar propostas no âmbito de procedimentos pré-contratuais.”2 (realce nosso)
13. Sendo, igualmente, importante recordar, como sintetiza o mesmo Tribunal, que a “jurisprudência do TJUE tem vindo a manter o entendimento de admissibilidade de apresentação de propostas por empresas em relação de domínio ou de grupo, impondo a sua não exclusão automática, mas impondo igualmente que as mesmas tenham a possibilidade de demonstrar e demonstrem efectivamente que a sua relação de grupo não impediu a formulação de propostas autónomas e independentes.” (realce nosso)
14. Com efeito, o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) já havia estabelecido, no caso Assitur,4 que “o direito comunitário opõe-se a uma disposição nacional que, embora prosseguindo os objectivos legítimos da igualdade de tratamento dos proponentes e da transparência no âmbito dos processos de adjudicação dos contratos públicos, instaure uma proibição absoluta, para as empresas entre as quais exista uma relação de domínio ou que estejam associadas entre si, de participar de forma simultânea e concorrente num mesmo concurso, sem lhes dar a possibilidade de demonstrar que a dita relação não teve influência sobre o seu comportamento respectivo no âmbito desse concurso.” (realce nosso)
15. Isto mesmo é reconhecido pelo Júri quando, citando jurisprudência dos tribunais superiores, refere, na página 10 do Relatório Final, que “não é proibida, só por si, a participação simultânea num mesmo procedimento adjudicatório, com propostas autónomas, de empresas que se encontram entre si numa relação de domínio ou de grupo.” (Neste sentido ver acórdão do STA de 11/01/2011, proferido na revista nº 0851/10, cujo entendimento veio a ser reafirmado no acórdão de 31/03/2011, revista nº 017/11).” (realce nosso)
16. Todavia, é, justamente, proibir, por si só, a participação simultânea num mesmo procedimento de empresas especialmente relacionadas entre si que o Júri faz, ao estabelecer que “tem de excluir as propostas apresentadas por duas ou mais empresas concorrentes que tenham como sócios/acionistas ou gerentes/administradores a(s) mesma(s) pessoa(s)”.
17. Ora, conforme explica Ana Fernanda Neves, o princípio da concorrência “[v]veda restrições injustificadas e desproporcionadas à liberdade de candidatura.”
18. O mesmo será dizer que o princípio da concorrência veda, precisamente, disposições como à constante do artigo 5.º, n.º 4, do PC – o qual, de resto, se encontra, como acabámos de ver, manifestamente desconforme àquela que é a jurisprudência do TJUE e dos nossos tribunais superiores.
19. Sendo, como tal, ilegal.

20. De resto, e sem prejuízo, inexistem evidências demonstrativas de que as propostas das concorrentes em apreço não foram elaboradas de forma independente – aliás, bem pelo contrário.
COM EFEITO,

21. Não há identidade, nem homogeneidade, dos elementos e condições da proposta, das respetivas estruturas formais e, nomeadamente, dos preços apresentados por cada uma das concorrentes.
22. Além disso – e ao contrário do alegado pela concorrente [SCom03...], no âmbito da respetiva pronúncia em sede de audiência prévia –, a proposta da [SCom01...] não foi assinada por um administrador comum à [SCom02...] – tendo ambas as propostas sido, naturalmente, elaboradas por equipas diferentes, aliás localizadas em áreas geográficas distintas.
23. Atento o teor das propostas apresentadas pelas concorrentes em apreço é, pois, absolutamente incompreensível como é que este Júri conclui existirem fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência e, bem assim, “tudo aponta não só para a existência de um conhecimento prévio, mas da forte probabilidade que resulta do mesmo de acomodação/ articulação/ coordenação das e entre as propostas de cada uma das concorrentes”.
24. Porquanto nada indica que tenha existido, como efetivamente não existiu, concertação das referidas propostas tendo por objeto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência.
25. Não tendo, nessa medida, aqui qualquer cabimento a exclusão da proposta da [SCom01...] ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 2, alínea g) do CCP.

26. Como vimos, o Júri não poderá, sem mais, excluir a proposta da [SCom01...], única e exclusivamente, por a sua estrutura societária partilhar de elementos em comum com a estrutura societária da [SCom02...].
27. E ponto é que, a proposta da [SCom01...] foi elaborada com autonomia e independência e inexistem elementos que evidenciem o contrário, decaindo, assim, quaisquer fundamentos que pudessem motivar a respetiva exclusão.
28.Assim, atenta a patente ilegalidade da regra constante do artigo 5.º, n.º 4 do PC e não sendo a situação em apreço subsumível na previsão do artigo 70.º, n.º 2, alínea g) do CCP – inexistindo, de resto, quaisquer outros fundamentos suscetíveis de motivar a exclusão da proposta da [SCom01...] –, deverá o Júri propor a readmissão da respetiva proposta aos Lotes objeto do Procedimento. Nestes termos, deverá ser reapreciada a proposta do Júri constante do Relatório Final e, em consequência, deverá o Exmo. Júri propor readmissão da proposta apresentada pela [SCom01...]. (…)” – cfr. págs. 1 a 7 de fls. 1247 do SITAF.

Q- Em 07.11.2024, o Júri do procedimento concursal elaborou “Relatório Final II” cujo teor se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:

“(…)

9. 2ª AUDIÊNCIA PRÉVIA

Em cumprimento do disposto no n.º 2 do art.º 148.º do CCP, foi fixado o prazo de 5 dias úteis para que os concorrentes se possam pronunciar, por escrito, ao abrigo da audiência prévia.
No exercício do direito de audiência prévia o concorrente [SCom01...] S.A, conforme anexo I que se junta. Entende este júri que as fundamentações constantes no presente relatório são suficientes para justificar a exclusão dos 2 concorrentes [SCom01...] S.A. e [SCom02...], LDA.
De notar que o presente procedimento não se trata de um procedimento de adjudicação “única” conforme pretende aludir o concorrente na fundamentação e jurisprudência apresentada.
Acontece que no presente procedimento para formação de acordo quadro a adjudicação será feita a 5 cocontratantes, sendo que a adjudicação a dois ou mais concorrentes relacionados tornaria passível que os procedimentos de call-off venham a ser desvirtuados, mitigando por esta via o efeito concorrencial que se pretende nesse momento pré contratual.

Face ao exposto o júri do procedimento mantém as conclusões do relatório final anterior. (…)” – cfr. págs. 1 a 23 de fls. 1220 do SITAF.

R- Em 11.11.2024, o Presidente do Conselho Intermunicipal da Comunidade Intermunicipal da Região ... proferiu despacho com o seguinte teor: “(…) Concordo com o presente relatório final. Proceda-se à adjudicação nos termos do presente Relatório Final. (…)” – cfr. 1.º pág. do Relatório Final II – págs. 1 a 23 de fls. 1220 do SITAF.

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IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

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IV.1- RECURSO DO DESPACHO QUE INDEFERIU A PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL [RECURSO PRINCIPAL]

13. O despacho recorrido indeferiu a produção de prova testemunhal, por a considerar " (…) desnecessária na medida em que os autos e o PA dispõem de todos os elementos necessários à boa decisão da causa, não subsistindo quaisquer factos alegados controvertidos que justifiquem tal produção de prova, a qual por conseguinte, consubstanciaria uma diligência meramente dilatória, nos termos do artigo 90.º, n.º 3 do CPTA (…) ".

14. A Recorrente [SCom01...] sustenta que tal decisão se afigura contraditória e incoerente, na medida em que a própria sentença, ao apreciar o mérito, invocou a insuficiência demonstrativa, por parte da Requerente, quanto à autonomia e independência das propostas apresentadas.

15. Tal assertiva não colhe, porém, necessariamente.

16. Com efeito, ainda que a sentença tenha assinalado a insuficiência da demonstração fáctica pela Requerente, tal circunstância não implica que a prova testemunhal constituísse o único meio probatório idóneo ou que se revelasse, per se, suficiente para ilidir a presunção emergente dos robustos indícios societários apurados, situação que produz um verdadeiro efeito ablativo relativamente à tese preconizada pela Recorrente no domínio sub judice.

17. A Recorrente advoga, ademais, que a prova testemunhal se afigurava necessária e imprescindível para demonstrar que as equipas de elaboração das propostas da [SCom01...] e [SCom02...] operavam de forma autónoma e independente, inferindo daí a inexistência de qualquer prática concertada entre as referidas sociedades.

18. Esta alegação defronta-se, desde logo, com um óbice manifesto, consubstanciado na patente inadequação da prova testemunhal para demonstrar a inexistência de práticas concertadas entre as sociedades em causa.

19. Desde logo, a concertação empresarial não se afere pelo modus operandi da elaboração material de cada proposta, mas pela coordenação estratégica ao nível da tomada de decisão empresarial.

20. Acresce que a concertação pode manifestar-se em múltiplas dimensões temporais e funcionais, desde a decisão primordial de participação no procedimento até à definição coordenada de estratégias de preços, incluindo a permuta de informações comercialmente sensíveis, não se circunscrevendo ao momento da elaboração técnica das propostas.

21. Soma-se a tal circunstância o facto de os depoimentos dos colaboradores das sociedades envolvidas se encontrarem necessariamente circunscritos ao seu âmbito específico de intervenção, não detendo acesso à estratégia global das sociedades nem às deliberações dos órgãos de administração.

22. Isto para significar que a prova da concertação ou da sua ausência não se realiza através da demonstração de factos isolados sobre o processo de elaboração das propostas, mas mediante a análise conjunta de indícios objectivos que permitam inferir a coordenação ou independência dos comportamentos empresariais.

23. Nos autos encontra-se prova documental abundante, objetiva e inequívoca sobre todos os elementos relevantes para a decisão: (i) certidões do registo comercial de ambas as sociedades, evidenciando a estrutura societária; (ii) registos do beneficiário efectivo, revelando a identidade de controlo; (iii) documentos únicos de contratação pública, demonstrando os dados de contacto; (iv) propostas apresentadas, possibilitando análise comparativa; (v) procurações outorgadas, evidenciando a cadeia de representação.

24. Esta documentação permite apurar objetivamente todos os indícios de relacionamento entre as sociedades, dispensando qualquer prova adicional sobre aspetos subjetivos ou operacionais do processo de elaboração das propostas.

25. Conclui-se, destarte, que a decisão de indeferimento da prova testemunhal não enferma de erro, inserindo-se no poder de gestão processual do juiz, não se divisando que a sua produção alterasse o desfecho da decisão de forma determinante, face à natureza das questões sub judice e à prova documental já carreada aos autos.

26. Por conseguinte, não procede esta parte do recurso interposto pela [SCom01...].


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IV.2- IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO [RECURSO PRINCIPAL E SUBORDINADO]

27. A sociedade recorrente [SCom01...] postula o aditamento de dois elementos fácticos ao acervo probatório estabelecido, invocando a sua imprescindibilidade para o adequado deslinde da causa.

28. Sustenta, em primeiro lugar, que a proposta por si apresentada teve origem na sua sucursal do ..., estabelecida na Rua ..., ..., ..., conforme resulta do Documento Europeu Único de Contratação Pública por si apresentado.

29. Em segundo lugar, alega que todas as propostas de preços submetidas no âmbito do procedimento concursal sub judice apresentam configuração formal análoga por força de expressa determinação da entidade adjudicante, plasmada no artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do Programa do Concurso, podendo apenas divergir entre si pelos valores apresentados no respetivo Anexo III.

30. Paralelamente, a recorrente CIRA requer a incorporação de diversas disposições do Caderno de Encargos [cláusulas 1.ª, 2.ª, 5.ª, 7.ª, 14.ª e 15.ª] e do Anexo IV no corpus probatório, considerando-as essenciais para a compreensão da natureza do procedimento concursal, do contrato de acordo-quadro dele resultante, das entidades intervenientes, dos prazos aplicáveis e das obrigações contratuais das partes.

31. Importa sublinhar, preliminarmente, que o critério determinante para a inclusão de qualquer elemento no acervo fáctico estabelecido reside na sua pertinência para a resolução da questão jurídica em apreço, consideradas as diversas soluções dogmaticamente plausíveis, e não na mera circunstância de terem sido alegados sem contraditório ou de resultarem documentalmente comprovados.

32. Com efeito, revela-se manifestamente supérflua a incorporação de factos incontroversos no substrato probatório quando os mesmos não concorrem para a definição da solução jurídica adequada ao caso concreto.

33. Neste sentido, já Alberto dos Reis observou, na sua obra Código de Processo Civil [anotado], vol. II, 4.ª edição-reimpressão, pág. 204: "desde que um facto é inútil ou irrelevante para a solução da causa incluí-lo na especificação é excrescência pura".

34. Cumpre ainda assinalar que a matéria de facto a estabelecer em sede probatória deve circunscrever-se exclusivamente à verificação de eventos históricos, não abrangendo a representação de regimes normativos ou regulamentares.

35. No caso vertente, não nutrimos hesitação em reconhecer que a pretensão de aditamento das diversas cláusulas do Caderno de Encargos [1.ª, 2.ª, 5.ª, 7.ª, 14.ª e 15.ª] e do Anexo IV ao acervo probatório constitui, na sua essência, a representação do regime regulamentar aplicável ao procedimento concursal em causa.

36. Ora, sendo essa a natureza substancial do material alegado pela recorrente CIRA no âmbito do erro de julgamento de facto em análise, e em conformidade com o princípio enunciado no parágrafo precedente, consideramos absolutamente apodítico que o mesmo não deve integrar o corpus probatório reunido nos autos, sob pena de violação dos princípios que devem presidir à delimitação da matéria pertinente para a adequada resolução da causa.

37. Consequentemente, nega-se provimento a este fundamento recursal da CIRA.

38. Relativamente à impugnação fáctica apresentada pela [SCom01...], cumpre analisar se a invocada elaboração da proposta pela sucursal do ... possui [ou não] relevância jurídica suficiente para afastar os indícios de concertação previamente estabelecidos.

39. A indagação suscitada encontra, desde logo, resposta negativa.

40. Embora o Documento Europeu Único de Contratação Pública possa efetivamente conter a indicação de uma sucursal, este instrumento, considerado isoladamente, não se afigura idóneo para demonstrar a efetiva autonomia organizacional e funcional que a recorrente alega.

41. A análise conjugada dos elementos probatórios revela uma realidade corporativa substancialmente diversa da pretendida pela Recorrente.

42. Com efeito, a sede social legalmente registada da [SCom01...] e da [SCom02...] é idêntica, ambas situadas na Rua ..., ..., conforme inequivocamente resulta das alíneas E) e F) do acervo probatório coligido nos autos.

43. Mais significativamente, encontra-se comprovada a identidade dos sócios maioritários e dos membros dos órgãos de administração e gerência que exercem o poder decisório estratégico em ambas as sociedades.

44. Neste contexto fáctico, a mera invocação de uma sucursal no referido documento constitui elemento meramente formal, desprovido da substância jurídica necessária para elidir os indícios de concertação estabelecidos.

45. A aparente descentralização geográfica não logra mascarar a unidade substancial do centro decisório, porquanto o facto de uma proposta ser fisicamente elaborada numa sucursal não constitui garantia da independência das decisões estratégicas e comerciais, as quais continuam a emanar da mesma estrutura de controlo hierárquico superior.

46. Assim, perante a demonstrada convergência dos centros de poder e decisão das sociedades em causa, a alegada autonomia da sucursal revela-se juridicamente irrelevante, não possuindo força probatória suficiente para alterar a avaliação dos indícios concertação previamente identificados.

47. É precisamente nesta impossibilidade de validação da alegação da recorrente através do aditamento deste quadro fáctico que reside o punctum saliens da sua falta de utilidade para a adequada resolução da causa, com o que fica negada a procedência da mesma.

48. Idêntica conclusão não se aplica, contudo, ao segundo facto cuja incorporação é pretendida.

49. Efetivamente, da análise da prova documental e do teor do Programa de Concurso, resulta manifesto que a exigência de utilização do Anexo III para apresentação das propostas de preços unitários impunha uma configuração formal semelhante a todas as propostas, independentemente da vontade dos concorrentes.

50. Se a forma é imposta pela entidade adjudicante, não pode ser utilizada como elemento probatório de concertação entre os concorrentes.

51. Ignorar este facto constituiria uma deturpação da base fáctica sobre a qual se alicerça o juízo indiciário.

52. Ponderado o acabado de julgar, determina-se o aditamento à matéria de facto provada do seguinte ponto, que se integrará como nova alínea na Fundamentação de Facto: “S- As propostas de preço apresentadas no âmbito do Concurso sub judice dispõem de um layout formal semelhante por expressa imposição da Entidade Recorrida vertida no artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do Programa do Concurso, apenas podendo diferir umas das outras através dos preços por cada qual apresentados no Anexo III.”.


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IV.3 - DA [RE]APRECIAÇÃO DA LEGALIDADE DA NORMA DO ARTIGO 5.º, N.º 4 DO PROGRAMA DE CONCURSO, OBJETO DO RECURSO SUBORDINADO DA CIRA [RECURSO SUBORDINADO];

53. O Tribunal de primeira instância considerou a norma plasmada no art. 5.º, n.º 4 do Programa de Concurso – do seguinte teor: "Sempre que duas ou mais empresas concorrentes (...) tenham como sócios/acionistas ou gerentes/administradores a(s) mesma(s) pessoa(s), (...) entre elas não pode haver concorrência, assim, caso pretendam apresentar proposta terão obrigatoriamente de se constituir como agrupamento concorrente, sob pena de todas essas empresas concorrentes serem excluídas do concurso" – eivada de ilegalidade, por violação dos princípios fundamentais da concorrência e da proporcionalidade.

54. Retenhamos a ponderação de direito que estribou o sentido decisório do T.A.F. do Porto no particular conspecto em análise: “(…)

Da ilegalidade da norma constante do artigo 5.º n.º 4 do Programa de Concurso por violação dos artigos 1.º - A do CCP) e 7.º do CPA.

Deriva do artigo 41.º do CCP que “o programa do procedimento é o regulamento que define os termos a que obedece a fase de formação do contrato até á sua celebração”.

Com efeito, pese embora a margem de liberdade que é conferida à entidade adjudicante na definição dos requisitos de admissão dos operadores económicos que desenvolvam a actividade no mercado e que são potenciais candidatos ao procedimento, tal liberdade mostra-se, desde logo, limitada pelos princípios da proporcionalidade e da concorrência, devendo ser operacionalizada de molde a assegurar e respeitar tais princípios e objectivos últimos pelos mesmos prosseguidos.

Ora, no caso vertente e no que tange ao artigo posto em crise e que aqui está a ser objecto de apreciação, a entidade adjudicante fez constar do Programa de Concurso a norma do artigo 5.º, n.º 4 que estabelece o seguinte:

“Sempre que duas ou mais empresas concorrentes, no presente concurso público, tenham como sócios/acionistas ou gerentes/administradores a(s) mesma(s) pessoa(s), entende-se que, nos termos da Decreto-Lei n.º 108/2021, de 7 de dezembro, entre elas não pode haver concorrência, assim, caso pretendam apresentar proposta terão obrigatoriamente de se constituir como agrupamento concorrente, sob pena de todas essas empresas concorrentes serem excluídas do concurso.”

Resulta do probatório [alíneas F), G), H), O) e Q)] que a Autora e a sociedade [SCom02...], apesar de serem pessoas colectivas distintas, têm sócios, gerentes e administradores em comum, tendo apresentado propostas individuais, circunstância, que, num primeiro momento, cai no âmbito de aplicação da referida norma.

Da exegese do preceito em análise, resulta verificar-se uma exclusão automática de concorrentes que se encontrem neste âmbito de relações especiais e não se apresentem ao concurso em regime de agrupamento.

A previsão normativa constante do n.º 4 do artigo 5.º do Programa de Concurso estabelece uma concreta proibição, cujo alcance é concluir que a existência de pessoas em comum em cargos societários, relativamente a duas sociedades, permite inferir que entre elas não pode haver concorrência, ou seja, a apresentação de propostas, num mesmo procedimento, por dois concorrentes que nos termos do direito da concorrência são considerados uma empresa, implicará a sua exclusão por se considerar que estando a concorrer entre eles, efectivamente não existe qualquer concorrência.

Os concursos públicos e as suas normas são, obrigatoriamente, balizados pelo princípio da concorrência, que se encontra consagrado em vários diplomas legais desde logo no segundo parágrafo da Directiva 2014/24/EU, de 26.02.2014, do Parlamento Europeu e do Conselho que dispõe: “Os concursos não podem ser organizados no intuito de não serem abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente diretiva ou de reduzir artificialmente a concorrência. Considera-se que a concorrência foi artificialmente reduzida caso o concurso tenha sido organizado no intuito de favorecer ou desfavorecer indevidamente determinados operadores económicos”, no mesmo sentido, o CCP no seu artigo 1.º prevê o princípio da concorrência.

Como referência na matéria que ora analisamos, temos o Acórdão C-538/07, Assitur, EU: C:2009:317, do TJCE (agora TJUE), do qual se retira que uma exclusão baseada na presunção inilidível de que o simples facto de as empresas apresentarem como gerentes e administradores as mesmas pessoas, resulta concertação ofensiva da concorrência no âmbito do procedimento concursal, desrespeita o princípio da proporcionalidade.

Ora, é certo que a norma do n.º 4 do artigo 5.º do Programa de Concurso destina-se a proibir a participação simultânea de dois concorrentes de modo a, eventualmente, afastar a possibilidade de conluio entre os participantes num mesmo procedimento, de forma a salvaguardar a igualdade de tratamento dos concorrentes e a transparência, no entanto, tendo em consideração o princípio da concorrência e da proporcionalidade, impõe-se que seja assegurada a maior participação possível de proponentes num concurso sem limitar de modo automático a possibilidade de apresentação de propostas.

Deste modo, é contrária ao princípio da concorrência e da proporcionalidade [ artigos 1.º do CCP e 7.º do CPA] a previsão normativa do n.º 4 do artigo 5.º do Programa de Concurso, que embora tenha como objectivo a prossecução da igualdade de tratamento dos concorrentes e da transparência, contempla uma proibição absoluta e imediata que, no caso sub judice fundamentou uma das causas de exclusão da proposta da Autora, e cuja aplicação afasta desde logo a possibilidade de apresentação de proposta, sem se demonstrar que a relação entre a Autora e [SCom02...] teve influência no falseamento da concorrência.

Daqui se conclui que a aplicação da referida norma implica, por si só, a exclusão imediata, abstrata e automática da proposta da Autora estabelecendo uma presunção inilidível de distorção da concorrência, apresentando-se, tal norma, ferida de ilegalidade por violação do disposto nos artigos 1.º do CCP e 7.º do CPA. (…)”

55. Conforme inequivocamente decorre da transcrição supra aduzida, o tribunal a quo alicerçou o seu juízo decisório no entendimento de que a norma controvertida consagra uma interdição de carácter absoluto e automático quanto à participação individual de entidades concorrentes, fundada numa presunção iuris et de iure de distorção concorrencial, obstando ab initio à admissibilidade de apresentação de propostas, sem que se exija a demonstração do efetivo influxo da relação interempresarial no falseamento dos mecanismos concorrenciais.

56. Tal pronunciamento jurisdicional encontrou arrimo na jurisprudência consolidada e iterativa do Tribunal de Justiça da União Europeia — mormente no douto Acórdão proferido no Processo C-538/07, Assitur -, a qual repudia interdições de natureza absoluta desprovidas de possibilidade de produção de prova elisiva.

57. A Recorrente CIRA, em sede de recurso subordinado, advoga que o sobredito aresto não sopesou devidamente as especificidades ínsitas ao procedimento concursal sub judice: um Acordo-Quadro destinado ao fornecimento de Refeições Escolares.

58. Sustenta que, diversamente de um procedimento concursal ordinário, nesta modalidade procedimental procede-se tão-somente à seleção de cinco cocontratantes que, ulteriormente, estabelecerão negociações de preços com uma multiplicidade de entidades adjudicantes através de procedimentos de call-off.

59. Atento o amplíssimo âmbito de execução contratual - abrangendo milhares de refeições diárias, onze municípios, Instituições Particulares de Solidariedade Social, corporações de bombeiros, inter alia - e um horizonte temporal de vigência que pode estender-se até vinte e quatro meses, a CIRA perfilha o entendimento de que assume "primordial e essencial relevância a salvaguarda de uma sã e efetiva concorrência" entre os operadores económicos selecionados, com vista a obviar práticas manipulatórias de preços.

60. Destarte, a disposição normativa vertida no artigo 5.º, n.º 4, ao impor a constituição em agrupamento de empresas que partilhem sócios ou gerentes, visa "fomentar a abertura concorrencial e impedir a instituição de expedientes conducentes à manipulação de propostas", revelando-se proporcional ao contexto específico em apreço.

61. Aduz ainda a CIRA que, uma vez consumada a seleção dos cocontratantes, o escrutínio sobre a formação dos preços nos procedimentos de call-off reveste natureza mais ténue, não sendo submetido ao crivo de um colégio avaliador, circunstância que torna premente a salvaguarda da independência dos fornecedores desde a fase inaugural de seleção.

62. Este Tribunal Central Administrativo do Norte, após meticulosa análise dos elementos processuais carreados para os autos e ponderação exaustiva dos argumentos esgrimidos pelas partes litigantes, não pode deixar de convergir com o juízo formulado pelo tribunal recorrido, perfilhando, em toda a sua extensão, o entendimento segundo o qual a norma ínsita no artigo 5.º, n.º 4 do Programa de Concurso padece de manifesta ilegalidade, por violação dos princípios fundamentais que norteiam a contratação pública e o direito da concorrência, mormente os princípios da proporcionalidade e da livre concorrência, tal como têm sido interpretados e densificados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.

63. É inquestionável que a natureza jurídica de um Acordo-Quadro, vocacionado para a seleção de um numerus clausus de fornecedores com vista a futuras adjudicações mediante procedimentos de call-off, confere singularidades ao iter procedimental.

64. A preocupação manifestada pela CIRA em assegurar a higidez concorrencial ao longo de toda a execução do acordo-quadro reveste-se de legitimidade e assume carácter imperativo, considerando a magnitude e relevância do objeto contratual - fornecimento de refeições escolares e demais serviços de natureza essencial.

65. O princípio cardeal da concorrência, corolário dos princípios da igualdade e da eficiência que permeiam a contratação pública, postula que os concorrentes se posicionem como genuínos "antagonistas entre si".

66. Não obstante, a questão nevrálgica subjacente à declaração de ilegalidade da norma controvertida radica na metodologia adotada para a consecução desse desiderato.

67. A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, com particular destaque para o paradigmático acórdão Assitur [Processo C-538/07], é unânime em proscrever interdições absolutas e presunções inelisíveis de distorção concorrencial fundadas exclusivamente em relações de domínio ou de grupo entre entidades empresariais.

68. O ordenamento jurídico da União Europeia e, por força do princípio do primado, o direito interno, impõem que, mesmo na presença de relações de domínio ou grupo, seja conferida às empresas a faculdade de demonstrar que tal nexo relacional não exerceu qualquer influência sobre o seu comportamento concorrencial no âmbito do certame, evidenciando que as respetivas propostas foram elaboradas com plena autonomia e independência.

69. A disposição normativa em escrutínio, ao estatuir a exclusão automática e compulsória de empresas que partilhem sócios, acionistas, gerentes ou administradores e que não se constituam em agrupamento, configura inequivocamente uma presunção iuris et de iure.

70. A norma não contempla qualquer possibilidade de os concorrentes afetados lograrem demonstrar a autonomia das suas propostas, operando uma transposição mecânica de um raciocínio de "ausência de concorrência" para o plano da exclusão prima facie.

71. Tal modus operandi revela-se manifestamente desproporcional à luz dos princípios fundamentais da concorrência e da liberdade de acesso à contratação pública, porquanto obsta liminarmente à participação individual de empresas que, não obstante as relações societárias existentes, poderiam apresentar propostas genuinamente autónomas e independentes.

72. O escopo de "promover a abertura concorrencial" e prevenir "expedientes manipulatórios" é indubitavelmente meritório, porém o instrumento eleito - a interdição absoluta - colide frontalmente com o princípio da proporcionalidade, o qual exige que as medidas restritivas sejam adequadas, necessárias e proporcionais stricto sensu à finalidade perseguida.

73. Não obstante as preocupações legitimamente manifestadas pela CIRA quanto a eventuais práticas manipulatórias de preços nos procedimentos de call-off constituam um desafio substantivo para a supervisão concorrencial, a solução não pode passar por uma exclusão apriorística e automática na fase de seleção do acordo-quadro.

74. O Código dos Contratos Públicos já consagra, no seu artigo 70.º, n.º 2, alínea g), um mecanismo idóneo para combater práticas colusivas, facultando a exclusão de propostas que evidenciem "fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência".

75. Este preceito normativo, interpretado em conformidade com a jurisprudência do TJUE, postula uma análise casuística e circunstanciada dos elementos fácticos para aferir a existência de um efetivo falseamento concorrencial, assegurando ao visado o direito de ilidir tais indícios através de contraprova.

76. É precisamente essa a via juridicamente adequada e conforme ao princípio da proporcionalidade para tutelar a integridade concorrencial.

77. Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso subordinado da CIRA nesta parte, mantendo-se a declaração incidental de ilegalidade da norma do artigo 5.º, n.º 4 do Programa de Concurso.


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IV.4- DA [RE]APRECIAÇÃO DA LEGALIDADE DA DECISÃO DE EXCLUSÃO DA PROPOSTA DA AUTORA AO ABRIGO DO ARTIGO 70.º, N.º 2, ALÍNEA G) DO CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS (CCP) [RECURSO PRINCIPAL]

78. A sentença a quo, apesar de ter declarado a ilegalidade da norma do Art. 5.º, n.º 4 do Programa de Concurso, manteve a decisão de exclusão da proposta da [SCom01...], por considerar que a mesma se fundamenta também no art. 70.º, n.º 2, alínea g) do CCP, e que se verificam "(…) fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência (…)".

79. A decisão que a 1.ª Instância proferiu a este respeito tem o seguinte teor, que consideramos útil transcrever para a melhor compreensão da questão acima elencada e que ora nos cumpre decidir: “(…)

Da ilegalidade da decisão de exclusão e de adjudicação, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito e violação da alínea g) do n.º 2 do art.º 70.º do CCP, considerando a inexistência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência.

Vem a Autora alegar que o acto de exclusão da sua proposta é ilegal, defendendo que embora a Autora e a [SCom02...] apresentem similitudes ao nível da estrutura societária e composição dos corpos sociais, são pessoas jurídicas autónomas não havendo identidade nem homogeneidade dos elementos e condições da proposta e das respectivas estruturas formais, sendo que, também não se mostram assinadas por administrador comum e foram elaboradas por equipas diferentes sob a coordenação de responsáveis diferentes localizados em áreas geográficas distintas.

A Entidade Demandada e as Contrainteressadas contestam em idêntico sentido, pugnando pela existência de factos que, conjuntamente, conduzem à exclusão da proposta apresentada pela Autora, em conformidade com o disposto no artigo 70.º, n.º 2, alínea g) do CCP.

Apreciemos.

Cumpre, assim, aferir se a decisão de exclusão da proposta da Autora padece de vício de violação da lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por não se encontrar preenchida a previsão legal constante da alínea g) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP.

O artigo 70.º, n.º 2 do CCP, dispõe que “são excluídas as propostas cuja análise revele: (…) g) a existência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência”.

O artigo 57.º, n.º 4, alínea d) da Directiva 2014/24/EU, de 26.02.2024, do parlamento Europeu e do Conselho, estabelece que “se a autoridade adjudicante tiver indícios suficientemente plausíveis para concluir que o operador económico celebrou acordos com outros operadores económicos com o objetivo de distorcer a concorrência.”

Nas palavras de Pedro Sánchez, in Direito da Contratação Pública, Volume II, AAFDL Editora, p. 275) “a lei promove aqui uma remissão para as regras da concorrência, o que equivale a dizer que insere nesta alínea g) a porta para a entrada no procedimento de contratação pública dos métodos de controlo de ilícitos concorrenciais, isto é, punidos pela Lei da Concorrência – atualmente nos artigos 9.º a 12.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio. (…) É por isso que (…) não é nesta alínea g) que se pode fundar a exclusão das propostas de duas ou mais empresas que se integrem no mesmo grupo económico e que tenham tentado apresentar propostas simultâneas no mesmo procedimento: isto pela singela circunstância de o Direito da Concorrência jamais identificar uma colusão no caso de empresas que pertencem ao mesmo grupo (…)”.

Por sua vez, Miguel Assis Raimundo in Jornadas de Direito dos Contratos Públicos – 16- 17 de Maio de 2019, FDUL – Atas da Conferência, 5.ª ed., Almedina, 2021, p. 85 e segs., maxime p. 133, refere que “(…) com as suas decisões mais recentes, o Tribunal de Justiça sublinha a necessidade de as entidades adjudicantes agirem proativamente e reagirem diligentemente a situações em que os operadores económicos atuem contra as condições de igualdade procedimental e lealdade que são a base dos procedimentos pré-contratuais. (…) Reafirmando a sua orientação geral quanto às exclusões, que justificou decisões como o acórdão Assitur, o Tribunal agora enfatiza que os princípios da contratação pública criam deveres incisivos e concretos para as entidades adjudicantes nesta matéria: de investigar indícios de conluio e, algumas vezes, de excluir propostas que se apresentem em contradição com as exigências de igualdade de tratamento e concorrência. (…)”.

Nesta matéria Pedro Costa Gonçalves in Direito dos Contratos Públicos, 5.ª ed., Almedina, 2021, pp. 650 a 657, salientou que “(…) Não existe, na verdade, proibição à participação simultânea de entidades especialmente relacionadas em procedimentos de contratação; por isso, a jurisprudência tem deslocado o tema para a exigência de se indagar se as propostas das sociedades coligadas revelam indícios de práticas suscetíveis de falsearem as regras da concorrência, o que, a verificar se, pode conduzir à respetiva exclusão: cf. artigo 70.º, n.º 2, alínea g). Na senda da jurisprudência do TJ decorrente do Ac. Assitur, de 19/05/2009, C-538, resulta dos Acs. do STA de 11/01/2011, 851/2010, e de 31/03/2011, 17/2011, que não há no CCP, não pode haver nos programas dos procedimentos, nem decorre dos princípios gerais da contratação pública, uma presunção absoluta quanto à ilegitimidade da participação em procedimentos de contratação pública de operadores que se encontrem entre si em relação de grupo. O mesmo vale por dizer que, em abstrato, não é proibida a participação simultânea num mesmo procedimento adjudicatório, com propostas autónomas, de empresas que se encontrem entre si numa relação de domínio ou de grupo, não podendo aplicar-se a esta situação a regra do artigo 54.º, n.º 2, do CCP, cujo âmbito de aplicação é diverso. Só através da análise do caso concreto será possível aferir da existência – ou não – de indícios da existência de prática concertada ou de qualquer acordo com vista a falsear as regras da concorrência. Ademais, o juízo sobre a exclusão das propostas deve fundamentar-se ou na prova real ou na prova da existência de fortes indícios de acordo ou práticas suscetíveis de falsear as regras de concorrência (…)”.

Voltemos ao Acórdão C-538/07, Assitur, EU: C:2009:317, do TJCE (agora TJUE), no qual foi decidido que o direito da União Europeia não permite uma disposição nacional que “instaure uma proibição absoluta, para as empresas entre as quais exista uma relação de domínio ou que estejam associadas entre si, de participar de forma simultânea e concorrente num mesmo concurso, sem lhes dar a possibilidade de demonstrar que a dita relação não teve influência sobre o seu comportamento respetivo no âmbito desse concurso”.

No mesmo sentido decidiu o Acórdão do STA, de 04.04.2024, no âmbito do processo n.º 01053/23.9BEPRT, do qual se extrai o seguinte sumário:

“I- - As entidades jurídicas especialmente relacionadas entre si, mesmo que constituam uma única empresa para efeitos do regime jurídico da concorrência, não estão impedidas de apresentar propostas no âmbito de procedimentos pré-contratuais.

II - Contudo, caso a atuação dessas entidades no procedimento ou a análise das propostas que tenham apresentado justifiquem suspeitas quanto à existência de interações relativas à respetiva participação, devem as entidades adjudicantes (ou os júris do procedimento), com base no artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP e prevenindo o risco de concertação ou coordenação das propostas e do consequente falseamento da concorrência no procedimento em causa por via da criação de vantagens relativamente aos demais concorrentes: (i) avaliar, na sequência de audição dos visado, se existem fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações referentes a uma influência concreta da relação especial entre esses concorrentes no conteúdo das propostas que apresentaram; e (ii) em caso afirmativo, excluir tais propostas.

III - Assim, os referidos indícios de que as propostas de concorrentes especialmente relacionados entre si não foram elaboradas com total autonomia e independência, mesmo que as interações em causa não possam corresponder a práticas proibidas pelo regime jurídico da concorrência nem respeitem a aspetos do contrato submetidos à concorrência, são condição suficiente para que tais propostas não devam ser consideradas pela entidade adjudicante, uma vez que a distorção da concorrência que o artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP, visa prevenir é justamente a de alguns concorrentes coordenarem ou concertarem as respetivas propostas de modo a aumentarem as possibilidades de adjudicação, em prejuízo dos demais e da própria entidade adjudicante.

IV - Para efeito das suspeitas iniciais e da avaliação dos referidos indícios, serão de considerar, entre outros, os sinais de alerta referidos na “Comunicação sobre ferramentas para lutar contra a colusão na contratação pública e sobre orientações relativas à forma de aplicar o respetivo motivo de exclusão” (2021/C 91/01).

V - A avaliação dos “fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência”, remete para uma prova objetiva, real, concordante e circunstanciada, mas que não tem de ser feita através de prova direta, firme e irrefutável, pois pode basear-se num conjunto de elementos factuais a partir dos quais se retirem factos presumidos, competindo ao júri do procedimento e à entidade adjudicante também apenas comprovar a existência daqueles “fortes indícios” e não a prática efetiva de uma conduta anticoncorrencial.

VI - A avaliação feita pelo júri do procedimento ou entidade adjudicante quanto aos “fortes indícios” pode ser infirmada pelo tribunal em caso de erro manifesto. (…)”.

Da recolha doutrinal e jurisprudencial supra expendida, cumpre aferir se, nas circunstâncias concretas de actuação da Autora e da [SCom02...] no procedimento e da análise das propostas apresentadas, foi falseada a concorrência, sendo certo, que aqui não actua a presunção decorrente da similitude ao nível da estrutura societária e composição dos corpos sociais das duas concorrentes.

Resulta do probatório que o Júri do concurso, analisadas as propostas da Autora e da [SCom02...], considerou existirem fortes indícios de práticas susceptíveis de falsear a concorrência e assentou a sua fundamentação nos seguintes termos: “(…) Verifica-se que no caso sub judice tendo em conta as exigências e objetivos prosseguidos pelo princípio da concorrência e das regras da sua tutela; a estrutura societária e ligações de afinidade entre sócios; tratarem-se de empresas no mesmo mercado e que estão entre si numa relação horizontal; tudo aponta não só para a existência de um conhecimento prévio, mas da forte probabilidade que resulta do mesmo de acomodação/ articulação/ coordenação das e entre as propostas de cada uma das concorrentes com os riscos que isso aporta ou pode aportar para as regras da concorrência no procedimento e, nomeadamente, das exigências de estarmos perante reais propostas autónomas/independentes e que garantam ser e estarem em efetiva concorrência.

Atento o facto de o Sr. «CC» ser sócio maioritário, titular de 95% do capital social da sociedade [SCom02...], Lda. e ser igualmente acionista maioritário, titular de 99,5 % do capital social da sociedade [SCom01...], S.A., bem como o facto dos senhores «CC», «GG» e «HH» serem simultaneamente gerentes da sociedade [SCom02...], Lda. e administradores da sociedade [SCom01...], S.A. (…)”. [cfr. alínea O) do probatório];

Ademais, da instrução dos autos ficou demonstrado que a Autora e a [SCom02...] possuem a mesma sede e objectos sociais idênticos, actuando na mesma área de negócios, indicaram como beneficiário efectivo em ambas as sociedades «CC», o layout das propostas absolutamente semelhante (diferindo apenas quanto aos preços apresentados). – [cfr. alíneas E), F), G), H), K) E L) do probatório];

Com efeito, existe, desde logo uma relação de interdependência entre a Autora e a [SCom02...], uma vez que as respectivas participações sociais são detidas, no essencial, pelo mesmo grupo de pessoas, para além da coincidência entre os Administradores/gerentes «CC», «HH» e «GG». [cfr. alíneas E), F), G), H), K) E L) do probatório];

Apesar das propostas da Autora e da [SCom02...] terem sido assinada por pessoas diferentes, o certo é que ambas agiram no nome e em representação da administração e gerência daquelas sociedades, mediante a outorga de procuração [alíneas I) e J) do probatório].

Ora sendo a procuração, concretamente, “o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos” (art. 262º, n.º 1, do Código Civil), tal acto produz na esfera jurídica do mandante os respectivos efeitos jurídicos, pois corresponde à vontade deste, pelo que, a mera outorga de procuração com poderes para a assinatura das propostas no procedimento concursal, não afasta nem pode servir para demostrar que a administradores e gerentes (mandantes), desconheciam a teor das mesmas, porquanto os procuradores agem de acordo com a vontade daqueles.

Aqui chegados, observamos que, se cada uma das circunstâncias acima elencadas não seria suficiente, se individualmente considerada, para presumir a existência de fortes indícios da prática de actos ou acordos susceptíveis de falsear a concorrência, a verdade é que, da sua análise conjugada, a conclusão a que chegou o júri do procedimento apresenta-se plenamente legítima e factualmente sustentada e justificada.

Por conseguinte, tendo em conta as exigências e os objetivos prosseguidos pelo princípio da concorrência, verificamos a existência de uma identidade da estrutura societária e a comunhão de administradores e gerentes entre a Autora e a [SCom02...], actuam no mesmo mercado e oferecerem o mesmo tipo de produtos e serviços, têm a sede no mesmo local, as suas propostas apresentarem elementos formais em tudo idênticos, é verosímil e plausível, de acordo com juízos de experiência comum, que tenha existido um conhecimento prévio, articulação e coordenação das propostas daquelas concorrentes, com os riscos que isso acarreta em matéria de garantia da efectiva e leal concorrência.

Perante os indícios recolhidos, bem andou a entidade adjudicante quando concluiu pela visível e real possibilidade de a Autora e a [SCom02...] terem um conhecimento prévio e recíproco das propostas apresentadas e de terem concertado a sua elaboração.

Os indícios analisados em conjunto permitem alcançar o preenchimento do conceito indeterminado ínsito na previsão legal do artigo 70.º, n.º 2, alínea g) do CCP, pois nestas situações, é bastante a comprovação da existência de fortes indícios, não sendo necessária a provada prática efectiva da respectiva conduta violadora da concorrência.

Assim, para afastar este juízo fundamentador da exclusão da proposta, competiria à Autora, quer no âmbito do procedimento administrativo, quer no âmbito desta acção, demonstrar a autonomia e independência das propostas apresentadas, ilidindo a presunção que sobre si impende.

Contudo, quer na audição prévia quer, agora, em juízo, apenas aduziu matéria conclusiva e de vertente jurídica, ficando por demonstrar qualquer realidade fáctica que lograsse afastar os factos indiciadores, isto é, que, não obstante a sua estrutura societária e os demais indícios reunidos pelo Júri, não tiveram conhecimento das propostas e não actuaram de forma concertada.

Em face do exposto, impõe-se concluir que o acto impugnado fez uma correcta interpretação e aplicação do disposto no art.º 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP, não padecendo do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, considerando a efectiva existência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência, o que implica a exclusão da proposta da Autora e a improcedência do vício invocado (…)”.

80. A Recorrente [SCom01...] manifesta a sua discordância com o juízo decisório assim proferido, sustentando que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao proceder a uma valoração desacertada dos elementos indiciários coligidos.

81. Clama que a mera identidade da estrutura societária e da composição dos órgãos de gestão não constitui, per se, fundamento bastante para decretar a exclusão, porquanto o próprio Tribunal reconheceu expressamente que "não actua a presunção decorrente da similitude ao nível da estrutura societária e composição dos corpos sociais".

82. No que concerne à identidade da sede social, a [SCom01...] reitera que a elaboração da sua proposta foi levada a cabo pela sucursal sita no ..., e não pela sede social, circunstância que, em seu entender, esvazia de relevância probatória este elemento indiciário.

83. Quanto à alegada similitude do layout das propostas, a [SCom01...] advoga que tal formatação constituía uma imposição decorrente do próprio Programa do Concurso, mormente do seu Anexo III, aplicável indistintamente a todos os concorrentes, não podendo, consequentemente, ser interpretada como indício de conluio, tanto mais que a única diferenciação possível entre as propostas residiria no elemento preço.

84. A Recorrente apregoa ainda que a sua proposta foi elaborada com plena autonomia e independência, por equipas distintas e em localizações geográficas diversas, sendo que a circunstância de as propostas terem sido subscritas por procuradores diversos, ainda que mandatados pelos mesmos órgãos de gerência e administração, não implica, ipso facto, ausência de autonomia decisória.

85. Quid iuris?

86. Da fundamentação jurídica supra transcrita emerge com meridiana clareza que o TAF do Porto alicerçou a sua convicção decisória na "análise conjugada" dos seguintes elementos indiciários: (i) identidade da estrutura societária e comunhão de administradores e gerentes, com manifesta relação de interdependência e atuação no mesmo segmento de mercado com idênticos produtos e serviços; (ii) identidade da sede social; (iii) layout das propostas "absolutamente semelhante [diferindo apenas quanto aos preços apresentados]"; e (iv) as propostas, não obstante subscritas por procuradores distintos, foram apresentadas em nome e por conta dos mesmos órgãos de administração e gerência, implicando conhecimento recíproco.

87. Importa proceder à reanálise crítica destes elementos indiciários à luz da argumentação expendida pela Recorrente e do aditamento factual operado por este Tribunal Superior.

88. Identidade da estrutura societária e comunhão de administradores e gerentes

89. Trata-se de circunstância factual incontestável e incontestada.

90. O Sr. «CC» detém participação social absolutamente maioritária em ambas as sociedades - 99,5% do capital social da [SCom01...] e 95% do capital social da [SCom02...] -, sendo que três gerentes da [SCom02...] exercem simultaneamente funções de administradores da [SCom01...], perfazendo a maioria do respetivo conselho de administração.

91. Conforme o Tribunal a quo judiciosamente assinalou, a mera existência de relações de grupo ou domínio não constitui, per se, fundamento para exclusão automática das propostas.

92. Não obstante, tal nexo relacional configura um robusto indício de potencial concertação, impendendo sobre as empresas o ónus de demonstrar, de forma cabal e inequívoca, a efetiva autonomia das respetivas propostas.

93. Identidade da sede social

94. A Recorrente [SCom01...] aduz que a sua proposta foi elaborada na sucursal do ..., e não na sede social que partilha com a [SCom02...].

95. Embora tal circunstância possa assumir alguma relevância para efeitos de distinção operacional, a identidade da sede social legalmente registada mantém-se como indício relevante de partilha de recursos e, mais significativamente, de unidade de controlo estratégico e decisório.

96. A circunstância de uma proposta ser materialmente elaborada numa sucursal não obsta a que a política comercial e a estratégia de formação de preços sejam definidas ou influenciadas pelos mesmos órgãos de gestão comuns a ambas as sociedades.

97. Destarte, este elemento indiciário conserva relevância probatória, ainda que mitigada pela existência de uma sucursal operacionalmente autónoma.

98. Similitude do layout das propostas

99. A Recorrente [SCom01...] logrou demonstrar, tendo este Tribunal Central Administrativo Norte procedido ao competente aditamento aos factos provados [novo facto S)], que a alegada semelhança no layout formal das propostas, designadamente no tocante ao Anexo III, resultou de imposição normativa constante do próprio Programa de Concurso.

100. Ora, se a Entidade Adjudicante prescreveu um formato específico e vinculativo para a apresentação das propostas de preços, tal similitude formal não pode, com propriedade jurídica, ser valorada como indício de concertação ou conluio entre os concorrentes.

101. Este elemento indiciário deve, pois, ser desconsiderado na ponderação global dos "fortes indícios" de falseamento concorrencial.

102. Propostas subscritas por procuradores distintos, mas emanadas dos mesmos órgãos de administração e gerência

103. A Recorrente [SCom01...] alegou que as propostas foram subscritas por pessoas distintas, sem conexão entre si, integradas em equipas diferenciadas.

104. Todavia, como perspicazmente observou o Tribunal a quo, os procuradores agem em representação e sob as instruções vinculativas dos respetivos mandantes.

105. Sendo os mandantes precisamente os mesmos administradores e gerentes que exercem o controlo efetivo sobre ambas as sociedades, a mera diversidade formal dos signatários das propostas não logra elidir a robusta presunção de conhecimento mútuo e coordenação subjacente à identidade da estrutura decisória.

106. Chegados a este ponto, e uma vez expurgada da equação probatória a similitude do layout como indício de concertação, cumpre aquilatar se os demais elementos, na sua conjugação sinérgica, são suficientes para configurar os "fortes indícios" exigidos pelo artigo 70.º, n.º 2, alínea g) do CCP.

107. A configuração de "fortes indícios" não exige a demonstração cabal da prática efetiva de uma conduta anticoncorrencial, mas tão-somente uma prova objetiva, real, concordante e circunstanciada que permita fundar uma presunção qualificada de ocorrência de concertação.

108. No caso vertente, não obstante a desconsideração de um dos indícios valorados pela primeira instância - a similitude do layout -, subsistem outros elementos indiciários de inegável robustez probatória, a saber: (i) a quase absoluta identidade da titularidade do capital social de ambas as empresas, com 99,5% e 95% detidos pelo mesmo sujeito, «CC»; (ii) a comunhão substancial de membros nos órgãos de administração e gerência, que efetivamente comandam as decisões estratégicas e operacionais de ambas as sociedades; (iii) a atuação no mesmo segmento de mercado — fornecimento de refeições escolares e serviços conexos de catering — com oferta de produtos e serviços substancialmente idênticos; e (iv) a identidade da sede social legalmente registada.

109. A conjugação sinérgica destes elementos factuais - que a Recorrente [SCom01...] não logrou eficazmente infirmar através da produção de prova concreta e concludente de autonomia decisória e operacional, para além da mera invocação da diversidade formal dos signatários - conduz inexoravelmente a uma elevada probabilidade de conhecimento prévio, articulação e coordenação das propostas apresentadas.

110. A potencialidade lesiva para a concorrência reveste-se de acuidade particular no contexto específico de um Acordo-Quadro vocacionado para a seleção de um numerus clausus de fornecedores - cinco - para futuras contratações.

111. A presença de duas entidades sob idêntico controlo efetivo entre os cinco operadores selecionados traduziria uma redução substancial do número real de concorrentes independentes, duplicando artificialmente as possibilidades de adjudicação para o mesmo grupo económico e potenciando práticas colusivas na formação de preços nas fases subsequentes de call-off, onde os mecanismos de supervisão e controlo por parte das diversas entidades adquirentes se revelam manifestamente mais ténues.

112. Em síntese conclusiva, pese embora o erro de valoração incorrido relativamente ao layout das propostas como elemento indiciário, os demais indícios apurados pelo júri do concurso e confirmados pelo Tribunal a quo revelam-se suficientemente robustos e concordantes para sustentar, com segurança jurídica, a conclusão de que existiam fortes indícios de atos suscetíveis de falsear as regras de concorrência entre a [SCom01...] e a [SCom02...].

113. Consequentemente, a deliberação de exclusão da proposta apresentada pela [SCom01...] ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 2, alínea g) do CCP mostra-se juridicamente fundada e plenamente conforme à legalidade.

114. Mantendo-se incólume a validade do ato de exclusão da proposta da [SCom01...] com fundamento no artigo 70.º, n.º 2, alínea g) do CCP, decaem necessariamente os pedidos de anulação do ato de exclusão e do subsequente ato de adjudicação às Contrainteressadas, bem como a pretensão condenatória de readmissão ao procedimento e adjudicação à Autora.

115. Em face do expendido, improcedem integralmente as conclusões vertidas em ambos os recursos - principal e subordinado.

116. Por todo o circunstancialismo factual e enquadramento jurídico supra aduzido, impõe-se negar provimento aos recursos interpostos pela [SCom01...] [recurso principal] e pela CIRA [recurso subordinado], confirmando-se, na íntegra, a sentença recorrida.

117. Ao que se proverá no dispositivo.


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V – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO aos recursos interpostos pela [SCom01...] [recurso principal] e pela CIRA [recurso subordinado], respetivamente, e manter a sentença recorrida.

Custas dos Recursos [principal e subordinado] pelas respetivas Recorrentes.

Registe e Notifique-se.


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Porto, 4 de julho de 2025,

Ricardo de Oliveira e Sousa

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Clara Ambrósio